Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00174/17.1BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Margarida Reis
Descritores:DESCRITORES: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IRC DE 2012; CUSTOS; GASTOS; FATURAS DESCONSIDERADAS; OPERAÇÕES SIMULADAS;
ART. 19.º CIVA
Sumário:Não tendo a Recorrente cumprido o ónus de especificação decorrente do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT que sobre si recaía, estava-lhe vedado discutir a apreciação que o Tribunal a quo fez da prova produzida, maxime da prova testemunhal, designadamente, e como parece pretender, através de um ataque ao modo como o julgador formou a sua convicção relativamente à mesma.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:D. Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I. RElatório

D. Lda., inconformada com a sentença proferida em 2019-05-24 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação judicial que interpôs tendo por objeto a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do exercício de 2012, no montante global de EUR 17.870,21, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:
A) O Tribunal “a quo” julgou improcedente a impugnação judicial, sustentando que as liquidações impugnadas não padeciam de qualquer ilegalidade, com o que se não pode concordar.
B) Na motivação da decisão ora recorrida é referido que a prova testemunhal carreada para os Autos não é suficientemente assertiva e consistente para abalar a prova documental objectiva da AT.
C) Não resulta da motivação do Tribunal que a AT tenha logrado provar que as facturas desconsideradas por si não correspondem a operações económicas reais, pois a prova documental referida na sentença, trata-se tão só de um relatório de inspecção, que reproduz conclusões fácticas de funcionários da AT, cujo único fim foi demonstrar a inexistência das operações declaradas pela Impugnante.
D) Em nosso ver, em tais circunstâncias, se o Juiz “a quo” fica com dúvidas perante o meio de prova produzido pela Impugnante, tem o dever de procurar, oficiosamente, ao abrigo dos poderes inquisitórios previstos no artigo 411º do CPC, levar a cabo as diligências probatórias que se lhe afigurem relevantes para o integral apuramento dos factos em causa.
E) O Tribunal a quo entra em contradição quando refere que a prova testemunhal carreada para os Autos pela Impugnante não é suficientemente assertiva e consistente, não pondo em causa a credibilidade dos depoimentos, ou seja parece demonstrar que compreende e aceita a existência de operações comerciais.
F) Para logo a seguir, referir que tal prova não abala a prova oferecida pela AT, que aliás não é prestada de forma directa e/ou confirmada em sede de audiência de julgamento.
G) Da forma como se encontra motivada a decisão, leva-nos a concluir, salvo melhor opinião que, qualquer prova que fosse produzida ou apresentada pela Impugnante não poderia ser suficientemente assertiva ou consistente, para abalar a prova documental da AT, ou seja, a existência ou não de meios materiais e humanos para o fornecimento de bens e serviços por estas empresas à Impugnante.
H) O que se poderá entender por meios materiais e humanos que permitam o fornecimento de bens e serviços, não cabe à Impugnante, nem a sua actividade, ou a de qualquer outro, permite que antes de contratar com quer que seja se afira ou não da capacidade produtiva do subcontratado.
I) A decisão ora recorrida viola os princípios da avaliação da prova à luz das regras da experiência comum.
J) Nos termos do artigo 74.º da LGT o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoca.
K) O princípio da legalidade não constitui um limite à actividade da administração constituindo o fundamento de toda a sua actividade.
L) Por força do princípio da legalidade, à administração caberá o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar adicionalmente o imposto.
M) À administração cabe o ónus da prova da verificação dos requisitos legais das decisões positivas desfavoráveis aos administrados.
N) A AT não provou que a contabilidade ou a escrita da impugnante não se mostra organizada segundo a lei comercial ou fiscal, ou contém erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável, pelo que se presume a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes da contabilidade.
O) A AT não provou os requisitos legais de que depende a sua actuação, ou seja, a AT não provou a inexistência de aquisição de bens e serviços.
P) O acto tributário assenta na exclusão do direito á dedução do IVA contido nas facturas emitidas pelos prestadores de bens ou serviços, designadamente, G., C. e E..
Q) Do relatório não consta a prova daqueles factos e dos documentos juntos aos autos, não resulta provada a emissão por estas empresas de facturas falsas.
R) A impugnante, provou que manteve relações comerciais com estas empresas.
S) E, que não existiu qualquer dedução indevida do IVA liquidado e/ou no empolamento de gastos e no apuramento da matéria tributável de IRC.
T) Porque efectivamente tais bens e serviços foram prestados e adquiridos.
U) Pelo que inexiste facto tributário.
V) Os actos tributários impugnados violam os princípios da legalidade e da capacidade tributária na medida em que se exige da impugnante um imposto indevido.

Termina pedindo:

Nos termos que se deixam expostos e em face da prova produzida deverá a impugnação proceder com todas as consequências legais.
Com o que se fará justiça.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.
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Questões a decidir no recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pela Recorrente.


II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

3.1 – De facto.
Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga provado:
A) A impugnante foi sujeita a um procedimento de inspeção ao exercício de 2012, que consta do relatório de inspeção tributária junto de folhas 22 verso a 29 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
B) No exercício de 2012 a impugnante registou na sua contabilidade e relevou como gastos do exercício o valor das seguintes faturas (relatório de inspeção tributária de fls. 22 verso a 29 do PA):
B.1) Faturas emitidas pela G., Ld.ª, pessoa coletiva n.º (…), com sede que teve sede à Rua (…), abreviadamente designada G.:
DataDocumentoFaturaBase TributávelIVA liquidadoTotal
10/02/2012300072622€4.000,00€920,00€4.920,00
09/03/2012300082626€3.700,00€851,00€4.551,00
15/03/2012300092630€4.000,00€920,00€4.920,00
28/03/2012300102634€4.050,00€931,50€4.981,50
12/04/2012600042635€3.750,00€862,50€4.612,50
15/05/2012600052637€3.850,00€885,50€4.735,50
10/07/2012900042638€3.950,00€908,50€4.858,50
10/08/2012900052641€4.000,00€920,00€4.920,00
10/09/2012900062643€3.630,00€934,90€4.464,90
Totais€34.930,00€8.033,90€42.963,90

B.2) Fatura emitida pela sociedade comercial C., Ld.ª, pessoa coletiva n.º (…), com sede na Zona Industrial (…), abreviadamente designada C.:
DataDocumentoFaturaBase TributávelIVA liquidadoTotal
30/03/201230014908€4.000,00€920,00€4.920,00
Totais€4.000,00€920,00€4.920,00

B.3) Faturas emitidas pela sociedade comercial E., Unipessoal, Ld.ª, pessoa coletiva n.º (…), com sede que à Rua (…), abreviadamente designada E.:

DataDocumentoFaturaBase TributávelIVA liquidadoTotal
25/07/2012900021201000010€4.000,00€920,00€4.920,00
21/09/2012900031201000019€4.055,00€932,65€4.987,65
28/09/2012900071202000022€7.000,00€1.610,00€8.610,00
31/10/201212000071201000025€4.050,00€931,50€4.981,50
30/11/201212000121203000018€4.020,00€924,60€4.944,60
14/12/201212000131203000020€5.460,00€1.255,80€6.715,80
27/12/201212000141203000021€4.500,00€1.035,00€5.535,00
30/11/201212000271201000029€4.050,00€931,50€4.981,50
Totais€37.135,00€8.541,05€45.676,05

C) Com base nos factos e conclusões do relatório de inspeção tributária julgado provado em A), cujo teor aqui se dá por reproduzido, os serviços de inspeção tributária consideraram que as faturas referidas em B) não titulam operações económicas reais, por não titularem efetivas operações comerciais efetuadas com as emitentes das faturas, pelo que os respetivos gastos foram indevidamente deduzidos pela impugnante, por não serem dedutíveis nos termos do art. 23.º do CIRC (relatório de inspeção tributária de fls. 22 a 29 do PA).
D) Com essa fundamentação, a administração tributária considerou que essas faturas não conferem o direito à dedução dos gastos do exercício, por não titularem efetivas operações comerciais efetuadas com as emitentes das faturas (relatório de inspeção tributária de fls. 22 verso a 29 do PA).
E) Por esse motivo, os serviços de inspeção tributária não aceitaram a dedução dos custos constantes das faturas identificadas em B), no montante global de €76.065,00 (relatório de inspeção tributária de fls. 22 verso a 29 do PA).
F) A Autoridade Tributária e Aduaneira, com base nos factos e conclusões do relatório de inspeção tributária e pelos motivos constantes no ponto denominado “III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL”, cujo teor aqui se dá por reproduzido, procedeu à correção meramente aritmética da matéria tributável da impugnante no montante de €76.065,00 (relatório de inspeção tributária de fls. 22 verso a 29 do PA).
G) Com a correção da matéria tributável no montante de €76.065,00, a matéria coletável declarada pela impugnante de €0,00 foi corrigida para €61.277,55 (relatório de inspeção tributária de fls. 22 verso a 29 do PA).
H) Esta correção deu origem à liquidação de IRC de 2012, à liquidação de juros compensatórios e à demonstração de contas juntas a folhas 6, 7 e 8 do procedimento de reclamação graciosa apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
I) No exercício de 2012 a apurou resultados negativos: um prejuízo líquido de €15.109,99 e um prejuízo fiscal de €14.787,45 (relatório de inspeção tributária de fls. 22 verso a 29 do PA).
J) No exercício de 2012 verificavam-se os seguintes rácios de rentabilidade fiscal [Rácio R04-RFVENDAS] e rentabilidade bruta [Rácio R16-MBI] (relatório de inspeção tributária de fls. 22 verso a 29 do PA):

RáciosAno de 2012
EmpresaUnidade OrgânicaSetor
R04-RFVENDAS-7,95-3,49-0,97
RáciosAno de 2012
EmpresaUnidade OrgânicaSetor
R16-MBI78,432,6335,99

Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga não provado:
1) A G., a C. e a E. forneceram à impugnante os bens e serviços que constam das faturas desconsideradas pela administração tributária referidas em B).
2) Essas faturas emitidas em nome da G., C. e E. e registadas na contabilidade da impugnante no exercício de 2012, como gastos do exercício, titulam operações económicas reais e efetivas operações comerciais efetuadas com essas empresas.
3.1.1 – Motivação.
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo na parte em que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos, conjugados com as regras da experiência e considerando ainda a prova testemunhal produzida em audiência.
Cumpre antes de mais explicar a matéria de facto julgada não provada.
A matéria de facto julgada nos pontos 1 e 2, não corresponde exatamente à matéria de facto alegada pela impugnante. A redação dessa matéria de facto traduz os factos considerados essenciais para a decisão da causa e que resulta, da síntese, dos factos alegados pela impugnante.
Os factos essenciais que a impugnante tinha de alegar e provar é que as faturas que foram desconsideradas pelos serviços de inspeção tributária correspondiam a operações económicas reais e ao fornecimento efetivo pelas emitentes das faturas dos bens e serviços que constam das faturas desconsideradas pela administração tributária. E fá-lo quando alega que a administração tributária não apresenta qualquer facto suscetível de afastar a presunção de verdade da sua escrita e que fará prova da existência das operações, factos que demonstram, no seu entender, que essas empresas forneceram efetivamente os bens e serviços constantes das faturas desconsideradas pela administração tributária e que representam operações económicas reais, redação dada à matéria de facto julgada não provada nos pontos 1 e 2.
Por isso, o Tribunal decidiu reduzir os factos instrumentais alegados pela impugnante aos factos essenciais dos pontos 1 e 2.
Quanto à motivação da matéria de facto julgada não provada, cumpre dizer que o Tribunal entendeu que a prova produzida pela impugnante não foi suficientemente consistente para demonstrar a realidade dos factos alegados e convencer o Tribunal dos mesmos.
Vejamos.
A matéria de facto julgada não provada nos pontos 1 e 2, são factos alegados pela impugnante e constitutivos do seu direito, pelo que recaía sobre si o respetivo ónus da prova (art. 74.º, n.º 1, da LGT).
Perante a insuficiência da prova, esses factos têm de ser julgados contra si, isto é, têm de ser julgados não provados, por força do art. 414.º do CPC.
Por um lado, há prova do contrário resultante da prova carreada para os autos pela administração tributária no relatório de inspeção tributária.
Por outro lado, para prova dos factos alegados a impugnante juntou prova testemunhal que não se revelou suficientemente consistente para abalar a prova da administração tributária, nem convencer o Tribunal da ocorrência dos factos invocados.
Dos factos indiciários constantes do relatório de inspeção tributária, no capítulo denominado “III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL”, cujo teor aqui se dá por reproduzido, por uma questão de autenticidade, fidedignidade e de economia processual, para evitar duplicações de citações, e das regras da experiência resulta de forma objetiva, coerente e consistente, fortes indícios que a G., a C. e a E. não forneceram à impugnante os bens e serviços que constavam das faturas desconsideradas pelos serviços de inspeção tributária.
Por outro lado, o depoimento das testemunhas não é bastante para convencer o tribunal.
A impugnante alega que as operações em causa correspondem a operações económicas reais e efetivas operações comerciais efetuadas com essas empresas.
Apesar da testemunha J. ter corroborado tal versão, o seu depoimento pela forma vaga e genérica como foi prestado, confirmando genericamente que as faturas em causa correspondiam a serviços prestados pelas respetivas emitentes, não foi suficientemente assertivo para convencer o Tribunal. Acresce que esta testemunha tem interesse direto nos autos já que é marido da gerente da impugnante e participa na sua gestão, conforme o próprio admitiu aquando da sua identificação.
Ponderada a forma vaga do depoimento, com o interesse direto na causa e a objetividade dos factos e provas carreadas para os autos no relatório de inspeção tributária que revelam que a G. não podia ter fornecido à impugnante os serviços que constam das faturas, em particular, o facto de não ter meios humanos e materiais, próprios ou subcontratados, para desenvolver a atividade produtiva necessária para prestar esses serviços, a falta de prova do pagamento das faturas, as divergências entre as faturas recolhidas na G. e as faturas em poder da impugnante e demais circunstâncias que revelam que essa empresa não forneceu à impugnante os serviços que constam das faturas, o tribunal não ficou convencido que o depoimento da testemunha é bastante para abalar a prova documental da Fazenda Pública e para demonstrar que essas faturas correspondem a efetivas operações comerciais efetuadas com essa empresa.
O mesmo sucede com a C. na parte em que a administração tributária demonstra que a fatura em poder da impugnante não consta da contabilidade daquela empresa, não faz parte da conta corrente da impugnante, e que a fatura com o mesmo número foi emitida a um outro cliente dessa empresa, indícios que são reforçados pela falta de contabilização do pagamento da fatura e das diferenças formais entre a fatura emitida à impugnante e as faturas em poder da emitente.
No caso desta empresa o depoimento da testemunha J. é ainda abalado pelo depoimento da testemunha P., gerente da C., que declarou não se recordava de ter emitido a fatura em causa e de ter fornecido os bens que dela constam, porque raramente lhe comprava t-shirts. A testemunha embora referisse que a relação comercial era mais com o seu pai, referiu ainda que raramente trabalhava com têxteis e não se recordava de lhe ter vendido têxteis. Embora tivessem negócios a D. fornecia mais à C. do que o contrário.
No caso da E. o depoimento da testemunha também não é suficiente para abalar a prova da administração tributária da falta de meios desta empresa e a inexistência duma estrutura empresarial para prestar os serviços que constavam das faturas emitidas com o seu nome, bem como a inexistência de subcontratação dos serviços prestados, porquanto a administração tributária apurou que não existe nenhuma entidade nacional que efetuasse qualquer venda à empresa, nem foram encontradas quaisquer transações económicas no espaço comunitário, factos que inviabilizam a possibilidade de prestar serviços correspondentes às faturas emitidas entre 2012 e 2014 que foram detetadas pelos serviços de inspeção tributária e cujo valor global ascende a €1.769.719,66, bem como a incapacidade para prestar a diversidade dos tipos de serviços alegadamente prestados.
Relativamente a estas empresas só resta o depoimento de O., empregada da impugnante.
O seu depoimento também não revelou consistência suficiente para convencer o tribunal pela forma vaga como respondeu às questões colocadas e se referia às empresas e, em parte, pela falta de conhecimento direto.
A testemunha respondeu que conhecia essas empresas por irem lá buscar mercadoria e levar produtos e que recebia o material que eles entregavam, porque iam lá com muita frequência em especial a G. e a E..
A testemunha referiu ainda que trabalhava na parte do acabamento e que embalava os “fliers” e entregava-os diretamente ao Sr. P., representante da E., tendo declarado que esta empresa prestava serviços de distribuição de publicidade.
Mas, quando confrontada com o facto de esclarecer se assistiu à distribuição da publicidade declarou que não assistiu à distribuição, mas que ouviu o patrão dizer para entregar ao Sr. P., representante da E., que ele vai distribuir, depoimento que revela a falta de conhecimento direto dos factos.
Todavia, ainda assim este depoimento não é suficiente para convencer o tribunal que a E. procedia à prestação desses serviços, porquanto da prova produzida resulta que esta empresa não tinha meios para o fazer, sendo certo que a testemunha também não sabe quem é que efetivamente procedia à distribuição da publicidade e se era ou não efetivamente a E..
O mesmo sucede com o fornecimento desconsiderado da C., na medida em que é o gerente desta sociedade que infirma as declarações da testemunha quando diz que não se recorda de lhe ter fornecido têxteis.
Ponderada toda a prova produzida, o tribunal ficou convencido que a impugnante não fez prova suficientemente consistente que as referidas empresas, G., C. e E., efetivamente forneceram à impugnante os bens e serviços que constam das faturas emitidas em seu nome, que foram contabilizadas por si mas que foram desconsideradas pelos serviços de inspeção tributária e cuja dedução do custo não foi aceite pela administração tributária por terem sido considerados indevidamente deduzidos, por essas faturas não titularem operações económicas reais.
«As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos» (art. 341.º do CC).
Na falta de produção de prova bastante, os factos essenciais alegados pela impugnante (que as faturas em causa titulam operações económicas reais), enquanto factos constitutivos do seu direito e sobre quem recaía o respetivo ónus da prova, têm de ser julgados contra si (arts. 74.º, n.º 1, da LGT e 414.º do CPC), isto é, têm de ser julgados não provados, tal como consta dos pontos 1 e 2.
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa.
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II.2. Fundamentação de Direito

Importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pelo Recorrente.

A Recorrente começa por pôr em causa a “motivação” da decisão de facto constante na sentença sob recurso, ali defendo, e em síntese, a tese de que não foi feita uma correta avaliação da prova à luz das regras da experiência comum (cf. conclusões C a I das alegações de recurso).

Vejamos.
Se o que a Recorrente pretendia com a linha argumentativa que segue nas supracitadas conclusões de recurso era atacar o julgamento de facto feito pelo tribunal, imputando-lhe um erro na apreciação das provas, que consiste no erro de avaliação do concreto meio de prova, i. e., um erro sobre que factos estão representados por um dado meio de prova, ou um erro na fixação dos factos materiais da causa, que consiste no erro de julgamento dos factos controvertidos, ou seja, de subsunção da factualidade dada como representada nos meios de prova a um juízo de realidade ou não realidade da factualidade (cf. neste sentido, PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, pág. 31), então há que concluir que a sua intenção soçobra à partida, por manifesta falta de cumprimento do ónus de especificação decorrente do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT que sobre si recaía.

Com efeito, é manifesto que a Recorrente não cumpre com qualquer dos ditames da supracitada norma.

Está-lhe assim vedado discutir a apreciação que o Tribunal a quo fez da prova produzida, incluindo da prova testemunhal, designadamente, e como parece pretender, através de um ataque ao modo como o julgador formou a sua convicção relativamente à mesma.

Se o que pretende é pôr em causa as regras processuais referentes à fundamentação da motivação da decisão de facto da sentença, também não tem razão, pois é também patente que a sentença cumpre o disposto no n.º 4 do art. 607.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, revelando à saciedade os respetivos fundamentos, maxime no que se refere à análise crítica que foi feita da prova produzida.

Por fim, e no que diz respeito ao alegado incumprimento do disposto no art. 411.º do CPC relativamente ao princípio do inquisitório, há que referir, antes de mais, que nesta matéria existem normas próprias no direito tributário, estando a mesma regulada nos arts. 99.º, n.º 1 da LGT e 13.º, n.º 1 do CPPT.

Ora, o que se constata nos autos é que a Recorrente, na sua petição inicial, não logrou sequer alinhavar factos (ocorrências ou acontecimentos da vida real) concretos densificadores da causa de pedir, que, como se impõe, devem ser adequadamente substanciados (cf. neste sentido, o acórdão do STJ proferido em 2018-09-18, no proc. 21852/15.4T8PRT.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Assim sendo, e desde logo, não é pertinente a invocação do princípio do inquisitório atendendo a que o que manifestamente resulta do disposto nos supracitados arts. 99.º, n.º 1 da LGT e 13.º, n.º 1 do CPPT é que os poderes inquisitórios exercidos pelo Tribunal têm o seu âmbito limitado pelos factos alegados pelas partes (ou de que oficiosamente pode conhecer, o que não é aqui o caso).

Pelo que neste segmento improcede o seu recurso.

A Recorrente prossegue pondo em causa o cumprimento do ónus da prova pela ATA (cf. conclusões J a Q das suas alegações de recurso).

No entanto, também não tem razão quanto a esta questão.
Em causa está uma liquidação adicional de IRC, e correspondentes juros compensatórios, fundada na desconsideração de gastos (na terminologia da época, “custos”) deduzidos pela Recorrente, titulados por faturas desconsideradas pela ATA nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 19.º do CIVA, por se ter entendido que as mesmas tinham subjacentes operações (prestações de serviços e transmissões de bens) simuladas, assim se considerado não estarem reunidos os pressupostos previstos no art. 23.º do CIRC.

No que diz respeito à repartição do ónus da prova nesta matéria, a sentença recorrida não incorre em qualquer erro de direto, efetuando uma correta interpretação do regime legal aplicável.

De facto, e como tem sido (re)afirmado consistentemente pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores nesta matéria, para que a AT proceda à correção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por faturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efetivamente realizado as operações nelas descritas, deverá abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respetivos documentos de suporte (cf. art. 75.º da LGT), sendo que para tanto a prova que lhe cabe produzir “(…) não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível” (cf. neste sentido, designadamente, o Acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Norte em 2021-01-28, no proc. 1729/14.1BELRA, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Ora, esta constatação é inteiramente transponível para as situações, como a que está em causa nos presentes autos, em que o contribuinte pretende exercer o direito de deduzir “custos” fiscais no apuramento do lucro tributável para efeitos de IRC (cf. neste sentido os Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferidos em 2016-03-16, no proc. n.º 0400/15; em 2016-10-19, no proc. n.º 0511/15; em 2016-11-16, no proc. n.º 0600/15, e em 2019-02-27, no proc. 01424/05.2BEVIS 0292/18, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).

Assim, “[n]o que concerne à prova que compete à Administração, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientemente indiciadores a que o Tribunal possa concluir, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”, sendo certo que, e ao contrário do que parece pretender a Recorrente, a ATA poderá nessa tarefa, como é aqui o caso “lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado” (cf. o Acórdão proferido pelo TCAS em 2017-05-25, no proc. 08666/15, e no mesmo sentido, designadamente, os Acórdãos proferidos pelo TCAS em 2019-02-14, no proc. 509/09.0BELRA, em 2019-04-11, no proc. 1834/10.3BESNT, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt; destacado nosso).

Ora, e como resulta explicitado à saciedade na sentença sob recurso, que aqui se reproduz no segmento relevante, a ATA recolheu indícios sérios e suficientes de que as faturas desconsideradas não titularam verdadeiras prestações de serviços e transmissões de bens:
(…)
Depois da administração tributária ter demonstrado de forma cabal e sustentada a existência de fortes e sérios indícios que essas empresas não forneceram à impugnante os bens e serviços que constam das faturas emitidas com o seu nome (pelos motivos constantes do tributária, da matéria de facto julgada provada e não provada e da respetiva motivação, que aqui se dão por reproduzidos, donde se salienta, em síntese:
G..
As faturas emitidas por esta empresa dispõem de um formato que poderia ter sido utilizado para acompanhar os bens em circulação já que ostentam os campos e locais próprios para mencionar os elementos a que se referem os n.ºs 1, 3 e 4, do art. 4.º Decreto-Lei n.º (DL) 147/2003, de 11 de julho, republicado em anexo ao DL 198/2012, de 24 de agosto. Todavia, em nenhuma das faturas contabilizadas pela impugnante foram mencionados os referidos elementos que comprovassem a sua utilização como documento a acompanhar os bens em circulação e a impugnante não exibiu quaisquer documentos que tivessem acompanhado os bens em circulação, nem identificou eventuais viaturas utilizadas no transporte dos bens, o que indica que não houve transporte de quaisquer bens.
A impugnante relevou o pagamento das faturas em numerário e de uma só vez na data da emissão das faturas, através de recibos com a mesma numeração, data e layout das faturas, procedimento que, pelos montantes das faturas em causa, viola o art. 63.º-C, n.º 3, da LGT, no caso das faturas n.ºs 2635, 2637, 2638, 2641 e 2643, por não ter sido utilizado “meio de pagamento que permita a identificação do respetivo destinatário, designadamente, transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto”.
No procedimento de inspeção realizado a esta empresa, em 2014, foram recolhidos elementos que indiciam que à data da emissão das faturas – de fevereiro a setembro de 2012 – a G. já não exercia qualquer atividade produtiva ou outra que justificasse a materialidade das operações mencionadas nas faturas contabilizadas pela impugnante e porventura noutros documentos da mesma espécie. Estes elementos são: a reclamação graciosa desenvolveu “atividades de preparação da impressão e de produtos media”, iniciou a atividade em 01/04/1997, que foi cessada oficiosamente em 31/12/2011, por ser manifesto que não estava a ser exercida, nem havia a intenção de a continuar a exercer; a G. não apresentou as declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC dos exercícios de 2003 e seguintes, nem as declarações periódicas de IVA do 1.º trimestre de 2004 e seguintes; na sequência da cessão oficiosa da atividade foi realizado o procedimento administrativo de dissolução e liquidação de entidades comerciais, tendo sido registado o encerramento da sua liquidação pela Inscrição 3 – Ap. 55/20140326; o local da sede da G. é o domicílio dos seus gerentes e em 07/04/2015, em deslocação a esse local, sito à (…), os serviços de inspeção tributária verificaram que é uma moradia de rés-do-chão, com logradouro composto por uma pequena horta nas traseira, não tendo sido detetados indícios de que aí estivesse a ser desenvolvida qualquer atividade produtiva; a técnica oficial de contas da G. informou que o último exercício em que efetuou a contabilidade foi o de 2003 e que tem faturas emitidas em de 2004 a 2007,que não foram registadas nem declaradas para efeitos fiscais, sendo as duas últimas faturas emitidas pela empresa as faturas n.ºs 2802 e 2803, de 28/06/2007 e 30/06/2007; a G. não declarou à Segurança Social o pagamento de remunerações no ano de 2012 o que indicia que não teve quaisquer colaboradores ao seu serviço nesse exercício; das bases de dados do Sistema de Informática Tributária apurou-se que as últimas relações nominais Modelo 10 de IRS apresentadas respeitam aos anos de 2001 a 2004 e em todas foi mencionado o apenas um titular de rendimentos da Categoria A, a sócia / gerente M., e no ano de 2012 não foram encontradas declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS que identificassem a G. como entidade pagadora, nem operações declaradas por outros operadores potenciais fornecedores da empresa, o que indicia que neste exercício a empresa não dispunha de potencial produtivo próprio ou subcontratado; que justifique as operações declaradas nas faturas emitidas por si e contabilizadas pela impugnante; no ano de 2011 e 2012 o sócio gerente da G., J., declarou rendimentos da Categoria A de IRS pelas seguintes entidades pagadoras, respetivamente: T., Ld.ª, pessoa coletiva n.º (…), e S., Ld.ª, pessoa coletiva n.º (…); e a G. não registou, não contabilizou, nem declarou para efeitos fiscais as faturas emitidas em nome da impugnante.
Apesar de algumas semelhanças formais entre as faturas emitidas à impugnante e os impressos utilizados pela G. em 2004, há outros elementos que indiciam a natureza “fictícia” ou “simulada” das faturas emitidas à impugnante: as diferenças formais dos formatos das faturas emitidas à impugnante quando comparadas com as faturas em poder da técnica oficial de contas da G., as primeiras têm um logotipo com os caracteres “GR” no canto superior esquerdo do cabeçalho e ao centro tem a morada da emitente, sita à Rua (…), e tem o contacto telefónico 9(…), que é diferente do telemóvel das faturas em poder da técnica oficial de contas que é o 9(…) e 9(…), ao passo que as segundas têm dizeres muito diferentes, sendo que umas ostentam no cabeçalho no local da identificação da emitente “G., Ld.ª, (…)”, sendo ainda diferentes os locais reservados para a aposição da data e elementos exigidos pelo art. 4.º do DL 147/2003, de 11 de julho, e a grafia com que foram elaboradas umas e outras.
A impugnante esclareceu ainda que os serviços das faturas emitidas em nome da G. foram prestados por A., filho do dono da empresa, que se deslocava às suas instalações na sua viatura para carregar o material e depois para o trazer, acompanhado das faturas e que nenhum responsável ou colaborador seu se deslocou às instalações dessa empresa.
Os serviços de inspeção tributária não detetaram qualquer ligação societária de A. à G. e verificaram que só teve registado em seu nome, entre 05/11/2010 e 03/02/2011, um veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula XX-XX-XX.
A. alegou que a G. nos anos de 2011 e 2012 funcionou na sua sede na Rua (…); que a impugnante e uma outra empresa utilizadora de faturas emitidas pela G. foram angariadas por si e que foi ele que emitiu as faturas, com a anuência da sua irmã e gerente da G., M.; que os bens eram transportados em viaturas emprestadas por terceiros que não sabe identificar e que não eram emitidos documentos de transporte; e que serviço era feito por si próprio e com recurso a mão-de-obra ocasional que trabalhava fora das instalações da empresa.
Porém, A. não apresentou qualquer evidência ou vestígio documental da realização material das operações (requisições, contratos, guias de transporte, documentos de transporte); não identificou, tal como a impugnante, nenhuma viatura utilizada no transporte dos bens produzidos ou intervencionados, nem demonstrou outras evidências da utilização de quaisquer infraestruturas empresariais ou fatores produtivos da G. e embora invocasse prestadores de serviços externos e instalações externas não as identificou.
Um outro sujeito passivo identificado como emitente de faturas “fictícias” ou “simuladas” utilizadas por uma outra empresa associada ao “grupo” da impugnante informou que A. é, desde há anos, um colaborador da área comercial das empresas de J., da qual faz parte a impugnante.
A. transferiu o seu domicílio fiscal para o lugar de (…), local onde J. possui uma habitação.
A impugnante entregou aos serviços de inspeção tributária um documento intitulado “Declaração”, datado de 18/09/2015, subscrito por M., em que atesta que os serviços prestados em 2012 que constam das faturas emitidas com o seu nome foram efetuados pela G.. No entanto, nada refere quanto aos locais onde foram realizados os trabalhos, os recursos humanos e materiais próprios ou subcontratados utilizados, os veículos utilizados nos transportes os documentos de transporte e qualquer outro elemento ou vestígio da realização efetiva dos serviços constantes das faturas.
Atendendo que a impugnante não demonstrou fundamentos credíveis que justifiquem na realização material das operações e atendendo às demais circunstâncias acabadas de referir concluiu-se que são indiciariamente “fictícias” ou “simuladas” as operações mencionadas nas faturas da G. emitidas em nome da impugnante face à falta de capacidade material e humana, própria ou subcontratada e a inexistência duma estrutura empresarial adequada para realizar a execução material dos alegados trabalhos, nomeadamente: a situação de incumprimento da G., associado à falta de recursos humanos e materiais, próprios ou subcontratados, que indicia que no ano de 2012 não desenvolveu qualquer atividade produtiva; as operações mencionadas nas faturas exigiam um processo produtivo em instalações num espaço dimensionado e limpo que não era compatível com o local da sua sede, à Rua (…), nem foi demonstrada a utilização de outro local; a G. e/ou de A. não demonstraram ter veículo com capacidade para realizar o transporte das mercadorias, nem demonstraram ter recorrido a terceiros ou a subcontratação do transporte; as faturas utilizadas pela impugnante que não foram reconhecidas pela G. são diferentes das utilizadas por esta empresa, o que indicia que poderão ter sido emitidas por terceiros estranhos à G.; não existem quaisquer indícios da realização material das operações subjacentes às faturas emitidas, nem prova documental desses serviços, designadamente, requisições, encomendas, contratos, guias de transporte ou troca de correspondência entre o emitente e os utilizadores dos documentos; e não ficou comprovado o pagamento efetivo das faturas.
C..
Os registos contabilísticos da impugnante no ano de 2012 não evidenciam o pagamento da fatura n.º 908 emitida pela C..
O técnico oficial de contas da C. forneceu o extrato da conta corrente da cliente D., Ld.ª, do qual não consta a fatura n.º 908 encontrado na contabilidade dessa cliente.
O técnico oficial de contas forneceu uma reprodução da fatura n.º 2/908, datada de 18/04/2012, emitida em nome da cliente P., Ld.ª, pessoa coletiva n.º (…), por operações e montantes completamente diferentes.
Analisados os documentos fornecidos pela C. e o documento em poder da impugnante – fatura n.º 908 – verificam-se as seguintes incongruências: a conta corrente da C. omite a fatura n.º 908 da série 2, datada de 30/03/2012, no valor de €4.920,00, encontrada na contabilidade da impugnante, o que não acontece com os restantes documentos da mesma espécie emitidos por aquele fornecedor com destino àquela sua cliente, todos de montante unitários bastante mais reduzidos, que foram encontrados em ambas as contas correntes; da fatura fornecida pela C. resulta que esta empresa na emissão da faturação utiliza o programa informático “Programa Certificado n.º 17/Administração tributária - Sage ”, que corresponde ao código hash “ysNg”, ao passo que a fatura n.º 908 em poder da impugnante ostenta o código hash “Faxv”; a C. emitiu a fatura n.º 2/908, a 18/04/2012 mas em nome do cliente P., pelo montante de €50,80, com IVA incluído, alusiva ao fornecimento de 10 Polos P2200 e respetivos portes de envio, transação que difere da mencionada na fatura da D. que refere o fornecimento de 2000 T-shirts brancas ao preço unitário de €2,00; na fatura da C. a sede da emitente aparece no cabeçalho e na fatura em poder da impugnante a sede da emitente aparece no rodapé que omite o endereço e os contactos telefónicos das dependências da emitente no Porto e em Lisboa que estão apostos no rodapé da fatura emitida pela C.; os logotipos apostos nos cabeçalhos de cada um dos documentos, a aposição do código do artigo, o total de itens do documento e várias referências no rodapé às condições de pagamento são diferentes; também são diferentes os locais e a forma como foram apostos em cada um daqueles documentos a identificação e morada da emitente, os elementos a que se refere o artigo 171.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a identificação dos NIB’s das contas bancárias da emitente, o número de casas decimais da coluna “Preço ” e nos resumos da fatura e do apuramento do IVA.
O código hash “Faxv” que consta da fatura n.º 908, em poder da D., corresponde ao código aposto nas faturas n.ºs 2756 e 2788, ambas datadas de 15/12/2011, nas quais é identificada como emitente a C., mas que não foram reconhecidas por si, e que foram encontradas num outro utilizador.
Acresce que o produtor de software da C. confirmou que não existe qualquer fatura referente à chave certificada “Faxv” que consta das faturas n.ºs 2756 e 2788 e que é 100% seguro que não foi emitida nenhuma fatura com essa chave no sistema do cliente C..
Estas irregularidades detetadas na emissão da fatura, o não reconhecimento da mesma pela emitente e o facto da impugnante não demonstrar o pagamento da fatura, nem qualquer evidência da realização material da transação revelam fortes indícios que se trata duma operação simulada.
E..
A descrição demasiado vaga de algumas das prestações de serviços constantes das faturas designadamente “distribuição de publicidade”, “consultadoria” e “angariação de clientes” e a deficiente quantificação de algumas delas cujo preço unitário corresponde ao valor global da transação. As faturas em causa fazem parte de três séries distintas de faturas identificadas pelos primeiros quatro dígitos [1201, 1202 e 1203] sem qualquer critério diferenciador.
A E. iniciou a atividade em 27/03/2012 e só apresentou a declaração periódica de IVA do 1.º trimestre de 2012, não apresentou as declarações de rendimentos Modelo 22 de IRC, nem as declarações anuais de informação contabilística e fiscal dos exercícios de 2012 e 2013.
Tem como objeto social atividades diferenciadas, sendo a “Agência de Publicidade – CAE 73110”, a atividade principal, e
“Outras atividades de consultoria para os negócios e à gestão – CAE 70220” e “Acabamentos de fios, tecidos e artigos têxteis, n.e. – CAE 13303”, como atividades secundárias. Porém, além disso foram encontradas faturas emitidas por si alusivas a alegados fornecimentos de “peles para a indústria do calçado”, operação sem qualquer conexão com aquelas atividades.
Do cruzamento dos Anexos P para o ano de 2012, apresentados por outros obrigados fiscais, utilizadores de faturas emitidas pela E. foram detetadas operações no montante de €462.906,00, que aquela empresa não declarou para efeitos de IVA e IRC, nos quais se incluem as operações declaradas pela impugnante no montante de €45.767,00, IVA incluído.
Em deslocação efetuada em 10/03/2015, os serviços de inspeção tributária verificaram que o local da sede da E., sita à Rua (…), é um pátio murado que através dum portão dá acesso a duas moradias, onde habitam, por informação recolhida no local, várias pessoas ligadas por parentesco a P., gerente da empresa, que também tem aí o seu domicílio fiscal. Por informação recolhida não funciona aí qualquer empresa e à vista não se avistam no local quaisquer infraestruturas que fizessem pressupor o exercício de qualquer atividade de natureza comercial ou industrial.
A impugnante informou que os trabalhos das faturas em causa nestes autos foram realizados pelo Sr. P. da E., que o transporte foi realizado por ele, que se deslocava à impugnante carregava para levar e vinha entregar no mesmo veículo.
Porém a E. não possui viaturas em seu nome e o seu sócio gerente possui um veículo ligeiro de passageiros Mercedes Classe A, situação que não é compatível com as informações de transporte da impugnante.
Todas as faturas emitidas pela E. utilizadas pela impugnante mencionam como local de carga o local da sua sede que não tem qualquer infraestrutura produtiva ou empresarial e onde não foram encontrados vestígios do exercício de qualquer atividade económica.
A impugnante forneceu uma justificação de pagamento das faturas da E. composta por uma listagem “avulsa” denominada “conta corrente”, que está em desconformidade com os registos dos pagamentos evidenciados na conta corrente do fornecedor 221110043- E.. Além disso, na denominada “conta corrente” as faturas foram evidenciadas a débito e os pagamentos a crédito, em clara inversão das regras contabilísticas, e foram identificados apenas dois cheques particulares de J., nos montantes de €430,00 e €360,00, mais 13 levantamentos ao balcão, pagamentos em numerário, no valor global de €25.430,00 e de um possível encontro de contas com a “Fatura n.º 4310 –ZAPORT” ” de €73,80 e outros pagamentos em numerário no ano de 2012, no montante de €19.388,25.
Contudo das explicações fornecidas pela impugnante resulta que há uma confusão entre os pagamentos da D. e da P., empresa cujos donos estão associados à primeira, e com os serviços alegadamente prestados pela E.. Das informações prestadas pela impugnante resulta ainda que os serviços prestados pela E., que constam das faturas emitidas por si em 2012 e que foram realizados pelo Sr. P. e pelo Sr. X da empresa A, respeitam a alegados serviços efetuados pela impugnante no ano de 2011 e que correspondem às suas faturas n.ºs 535, 539, 544, 549, 550, 565, 567, 569, 570, 571, 576, 585, 588, 589, 592, 593, 595, 596, 602, 606, 608, 614, 620, 621, 625, 626, 627, 636, 645, 649, 650, 651 e 665, pelo que estes pagamento e faturas não correspondem aos serviços que constam das faturas emitidas em 2012.
Sem prejuízo da desconformidade entre os registos contabilísticos e os meios de pagamento identificados por si, a impugnante não demonstrou o pagamento efetivo das faturas emitidas pela E. e, em particular, no caso dos cheques já que o cheque de €430,00 foi depositado na conta aberta em nome de M. e o cheque de €360,00, foi depositado numa conta de depósitos à ordem n.º 2520414109, aberta na Agência da Maia do BCP, cujo titular não foi possível identificar, conforme melhor resulta da explicação constante de folhas 14 a 21 do relatório de inspeção tributária, de folhas 26 verso a 28 do processo administrativo, que faz parte da matéria de facto julgada provada em A).
No caso da fatura n.º 1201000029, de 30/11/2012, em que estão em causa alegados fornecimentos de bens e não de prestação de serviços, é identificada a suposta transmissão dos seguintes bens:
Quant.DetalhePreço UnitárioValor
200Toalhas€2,50€500,00
200Swet T-Shirts cores sortidas (S M L XL XXL)€12,50€2.500,00
700Chapéus de pala€1,50€1.050,00
Total€4.050,00

No inventário da impugnante de 31/12/2012 não há existências do arrolamento de “Toalhas” e de “Chapéus de pala” que constavam da fatura 1201000029, de 30/11/2012, e são arrolados no inventário “250 unidades de SWETs” ao preço unitário de €4,00, pelo que não podem ser as “Swets” daquela fatura, porque eram ao preço unitário de €12,50.
Logo, se estes artigos tivessem sido efetivamente adquiridos como não constam do inventário em 31/12/2012, tiveram de ser vendidos entre 30/11/2012 e 31/12/2012.
Todavia, analisadas todas as faturas emitidas pela impugnante nesse período não foi encontrada a transação dessas mercadorias. A única fatura que se assemelha é a fatura n.º 873 em que foram vendidas 40 Swets – Shirts capucho c/impressão ao preço unitário de €18,00 e 25 Swets – Shirts simples c/impressão ao preço unitário de €12,50, que pela sua descrição não coincidem com as Swets da fatura n.º 1201000029, de 30/11/2012, o que indicia a inexistência da respetiva operação.
Além disso, os serviços de inspeção tributária concluíram que há fortes indícios que E. emitia faturas “fictícias” ou “simuladas” encontradas em diversos utilizadores entre os quais a D., porque: a sede da E. é a habitação da mãe do seu sócio gerente P.; que a sociedade não tinha empregados, só tinha o seu sócio gerente; os serviços de inspeção tributária procederam à circularização dos 12 utilizadores conhecidos de faturas da E. tendo sido recolhidas 205 faturas dos anos de 2012 a 2014, num total de €1.769.719,66, que corresponde a uma base tributável de €1.438.796,35 e IVA liquidado de €330.923,31, admitindo-se, pelos números de série em falta, a emissão de mais 256 faturas cujo utilizadores não foram identificados; a empresa não dispunha de instalações fixas no exercício da atividade; pouco depois da sua constituição o técnico oficial de contas renunciou às funções por existirem atrasos da gerência na entrega dos documentos, tendo a sociedade deixado de cumprir as suas obrigações fiscais, não tendo contratado qualquer outro técnico oficial de contas, sendo o seu gerente que se encarregava da emissão de faturas, recebimentos e pagamentos; a empresa não tinha veículos automóveis para o exercício da atividade e o seu sócio gerente utilizava um veículo ligeiro de passageiros, Mercedes Classe A, , o que juntamente com os restantes elementos e informações recolhidas fica demonstrada a inexistência de qualquer estrutura empresarial adequada a prestar os serviços que constavam das faturas, sendo que nenhum dos utilizadores comprovou a utilização de transportes ou exibiu os documentos de transportes, apesar da impugnante dizer que era a empresa ou P. que ia buscar e levar a mercadoria; na emissão das faturas não foi observado um critério lógico e sequencial, comportamento típico dos emitentes de faturação falsa; os serviços de inspeção tributária apuraram ainda nas suas bases de dados que não existe nenhuma entidade nacional a referir que efetuou vendas à E. nos anos de 2012 a 2014, nem foram detetadas quaisquer transações no espaço comunitário a favor da empresa; factos que revelam fortes indícios que as faturas emitidas em nome da E. detetadas nas ações inspetivas são falsas/fictícias por não corresponderem a efetivas transações comerciais), competia à impugnante demonstrar que essas faturas correspondiam a transações económicas reais e como tal competia-lhe abalar a prova da administração tributária alegando e demonstrando que essas empresas tinham efetivamente fornecido esses bens e serviços, o que não logrou, de todo, fazer.
(…)

Por fim, não tem a Recorrente razão quando afirma que “provou que manteve relações comerciais” com as empresas cujas faturas foram desconsideradas (cf. conclusões R a T das suas alegações de recurso), pois o que resulta da sentença sob recurso é precisamente o contrário – ou seja, que a Recorrente não logrou provar a substância das prestações de serviços e transmissões de bens constantes nas faturas desconsideradas pela ATA, aqui em causa -, sendo certo que, como foi já aqui referido, o seu recurso soçobrou no segmento em que pretendia pôr em causa a decisão de facto constante na mesma, por falta de cumprimento dos respetivos requisitos legais.

Assim sendo, e em face do exposto, há que concluir que a sentença sob recurso não padece de qualquer dos erros de julgamento que lhe são imputados pela Recorrente, devendo o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente.
***
Atendendo ao seu total decaimento no presente recurso, a Recorrente é condenada em custas [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
***

Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

Não tendo a Recorrente cumprido o ónus de especificação decorrente do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 640.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT que sobre si recaía, estava-lhe vedado discutir a apreciação que o Tribunal a quo fez da prova produzida, maxime da prova testemunhal, designadamente, e como parece pretender, através de um ataque ao modo como o julgador formou a sua convicção relativamente à mesma.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.
*
Custas pela Recorrente.
*
Porto, 9 de junho de 2021
Margarida Reis (relatora) – Maria do Rosário Pais – Tiago Afonso Lopes de Miranda.