Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00393/11.4BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/15/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:CONTRATO DE AJUDAS FINANCEIRAS; IFAP; PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE; COMPETÊNCIA.
Sumário:1- Viola o princípio da proporcionalidade a decisão do IFAP de modificação unilateral do contrato de ajuda financeira que na sequência da expropriação de uma parcela de terreno integrante do projeto financiado, exige a restituição das quantias atribuídas ao beneficiário sem tomar em consideração que a impossibilidade de cumprimento do contrato não incidiu sobre a totalidade das ações abrangidas pelo projeto. A restituição apenas deve incidir sobre o direito da beneficiária ao prémio anual por perda de rendimento, na proporção da área expropriada e do período de atribuição do prémio que ainda restava após a expropriação.

2- O Conselho Diretivo do IFAP detém um poder de superintendência que se traduz na possibilidade de revogar as decisões proferidas pelos seus vogais, quer proferidas no uso de poderes delegados, quer proferidas sem competência. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P
Recorrido 1:S., S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte:

I. RELATÓRIO

1.1.A S., S.A., com sede em (...), (...), instaurou ação administrativa especial, contra o INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P., com sede na Rua (…), (…), visando a anulação ou declaração de nulidade da ((i) decisão do Vogal do Conselho Diretivo do IFAP de modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas a medidas florestais na agricultura e lhe determinou o pagamento/reembolso da quantia de € 22.922,03; (ii) da decisão do Vogal do Conselho Diretivo do IFAP que rejeitou o recurso hierárquico impróprio e que, apreciando-o como reclamação, indeferiu as pretensões da A. e da (iii) decisão do Vogal do Conselho Diretivo do IFAP que manteve a decisão referida em b).

Alegou, para o efeito, em síntese, que as decisões:
Violam o regime da revogabilidade dos atos administrativos previstos no art.º 140.º, n.º 1, al. b) e 141.º do CPA;
Padecem de falta de fundamentação pois assentam em juízos meramente conclusivos. Na decisão referida em a) não é invocada qualquer disposição legal que fundamente a decisão e omite-se a discriminação das ajudas atribuídas às áreas expropriadas e os cálculos que levaram à exigência das quantias em causa, tanto mais que em anteriores ofícios de 18.3.2010 e 17.4.2010 se realizaram cálculos distintos;
Padecem de erro nos pressupostos uma vez que o direito de rescisão ou modificação unilateral pressupõe o incumprimento contratual por parte do beneficiário, sendo certo que a A. sempre cumpriu com as obrigações contratuais e legais a que está adstrita e a redução da área afeta ao projeto não lhe é imputável decorrendo de expropriação não previsível;
Ademais, nos termos do art.º 47.º, n.º 1 al. c) do Regulamento (CE) 1974/2006, os Estados Membros podem reconhecer como força maior ou circunstâncias excecionais e, nessa medida, não exigir o reembolso de parte ou da totalidade da ajuda recebida pelo beneficiário nas hipóteses de expropriação de uma parte importante da exploração agrícola se essa expropriação não era previsível na data em que o compromisso foi assumido;
As decisões violam os princípios da legalidade, da proporcionalidade e adequação, da justiça, da igualdade, da proteção da confiança, tendo sido violado o principio da boa fé e abuso de direito porquanto a A. deu a conhecer atempadamente a situação de expropriação, tendo reiterado a necessidade de uma resposta urgente quanto às consequências da expropriação e por forma a apresentar tais valores à entidade expropriante de modo a ser ressarcida dos mesmos, sendo que esta não deu uma resposta atempada;
As decisões referidas em b) e c) padecem de (i) erro nos pressupostos porquanto se tratavam de recursos hierárquicos impróprios, de ato praticado pelo delegado para o órgão delegante, e deveriam ter sido admitidos, (ii) violam o artigo 172.º do CPA pois cabia ao órgão delegado apenas remeter o recurso para o órgão delegante, não podendo decidir o recurso hierárquico improprio;
Padecem de vicio de desvio de poder pois a A. utilizou as ajudas nos fins para que foram concedidas, sem agora poder beneficiar das medidas;
As decisões violam de forma arbitrária, desproporcional e onerosa as legitimas expetativas e confiança da A., e o seu autor não tinha poder para praticar os atos.

1.2. Regularmente citado, o Réu contestou, defendendo a caducidade do direito de ação, e pugnando pela improcedência da ação, sustentando, em suma, não ser aplicável, em sede de incentivos financeiros, o regime da revogabilidade previsto no art.º 141.º do CPA, prevalecendo o princípio da repetição do indevido, e sendo certo que o período de vigência do contrato é de 1998 a 2017;
A decisão final remete para o ofício de audiência prévia, encontrando-se este devidamente fundamentado e constatando-se que a A. compreendeu as razões subjacentes ao ato;
Considerando que no decurso da execução do contrato ocorreu uma alteração nos pressupostos que determinaram a elegibilidade da candidatura da A. nos termos em que a mesma foi aprovada, o contrato deve ser modificado nos termos do art. 6.º, n.º 2 e 5 do DL 31/94 e Reg (CEE) 2080/92;
Ademais sendo obrigações do beneficiário manter integralmente os requisitos da concessão de ajuda e as condições que determinam o cálculo do montante das ajudas, o não cumprimento das obrigações ou o desaparecimento ou inexistência das condições e requisitos de elegibilidade determina a modificação ou rescisão dos contratos e o reembolso das ajudas indevidamente recebidas, com juros (clausulas C.3, C.7 e E.1 do contrato);
A expropriação traduz-se numa impossibilidade superveniente e definitiva de prosseguimento do projeto e de cumprimento das obrigações a que o beneficiário estava adstrito que desonera as partes das obrigações respetivas, pelo que em relação à parte expropriada o IFAP encontra-se desobrigado do pagamento do remanescente da ajuda, e embora não seja a expropriação imputável ao beneficiário, porque implica o incumprimento das obrigações futuras devem ser restituídas as verbas afetas à área expropriada, procedendo o beneficiário o seu reembolso nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa;
Não ocorre qualquer violação da boa fé, agindo a entidade demandada de acordo com a legalidade;
Não existe órgão hierárquico superior ao Conselho Diretivo do IFAP, sendo os órgãos praticados por delegação praticados pelo órgão colegial, donde apenas é admissível a reclamação e não recurso hierárquico;
Não ocorrem os vícios de desvio de poder, nem violação dos princípios da proporcionalidade, confiança e justiça;
Não há incompetência porque os atos foram praticados ao abrigo de deliberação de competências.

1.3.A A. apresentou resposta.

1.4. Foi proferido despacho saneador.

1.5. Foram apresentadas alegações tendo as partes mantido as posições vertidas nos articulados iniciais.

1.6. O TAF de Mirandela proferiu sentença que julgou a ação procedente, constando da mesma o seguinte segmento decisório:
«Nestes termos, e pelas razões aduzidas, julga-se procedente a presente ação e, em consequência, anulam-se as decisões do vogal do Conselho Diretivo do IFAP contidas nos ofícios 033362/2010, 018183/2011 e 026232/2011.

Custas pela Entidade Demandada (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º do CPTA, artigo 6.º, n.º 1 e tabela I-A do RCP).

Registe e notifique.»

1.7. Inconformado com a decisão, o Apelante interpôs recurso jurisdicional, no qual formulou as seguintes conclusões:
«A. Por sentença proferida em 1/2/2019, pelo Tribunal foi julgada procedente a ação administrativa interposta por S., SA, e em consequência foi determinada a anulação das decisões do vogal do Conselho Diretivo do IFAP contidas nos ofícios ref.ª 033362/2010, 018183/2011 e 026232/2011, no entendimento que:
Há violação do princípio da proporcionalidade;
Não existia qualquer motivo para a rejeição dos recursos hierárquicos impróprios apresentados pela A. para o conselho diretivo;
Não dispunha o vogal de qualquer competência para a decisão de rejeição do recursos hierárquico impróprios interpostos pela A..

B. Considerou o Tribunal a quo, que há violação do princípio da proporcionalidade por as decisões não incidirem apenas sobre o direito da recorrida ao prémio anual por perda de rendimento, na proporção da área expropriada e do período de atribuição do prémio que ainda restava após a expropriação.

C. Este entendimento não parece correto, pois, em face da expropriação de parte da exploração da recorrida, e embora a mesma não resultasse da sua vontade, nem tão pouco lhe fosse imputável, tal facto implica objetivamente o incumprimento das obrigações a que esta se encontrava legal e contratualmente adstrita, encontrando-se o recorrente desobrigado do pagamento do remanescente da ajuda, e obrigado a recuperar os montantes indevidamente recebidos nos termos da Cláusula E.1. do contrato de atribuição da ajuda, bem como segundo as regras do enriquecimento sem causa, previstas no Artº 473º do Código Civil.

D. Com efeito, nos termos dos nºs 1, 2 e 3 do Artº 84.º da Lei n.º 168/99, a requisição de bens imóveis confere ao requisitado o direito a receber uma justa indemnização que visa ressarcir o prejuízo que para este advém da requisição, e que tem em conta o período da requisição, o capital empregue para a construção ou aquisição e manutenção dos bens requisitados e o seu normal rendimento, a depreciação derivada do respetivo uso e, bem assim, o lucro médio que o particular deixa de perceber por virtude de requisição.

E. Quer isto significar que, muito embora a impossibilidade de dar continuação ao projeto, nos termos inicialmente previstos, não resulte da vontade da recorrida, e tão pouco lhe seja imputável, esta implica objetivamente o incumprimento futuro das obrigações a que se vinculara, devendo no entanto, ser restituídas todas as verbas afetas à área expropriada, inexistindo desta forma o vício de violação do princípio da proporcionalidade.

F. Considera o Tribunal a quo, que inexistem motivos para a rejeição dos recursos hierárquicos impróprios apresentados pela A. para o conselho diretivo.

G. Salvo melhor opinião, este entendimento não é correto, pois, nos termos do Artº 166.º do CPA, o recurso hierárquico só existe desde que praticado por órgãos sujeitos aos poderes hierárquicos de outros órgãos e que a lei não exclua tal possibilidade.

H. Relativamente aos atos administrativos praticados pelo IFAP, I.P., não é admissível o recurso hierárquico por inexistência de sujeição ao poder hierárquico de outro órgão, pois, os atos do Conselho Diretivo, mesmo quando praticados por delegação de competências, são praticados pelo órgão colegial, apenas cabendo, em termos de impugnação graciosa, a figura da reclamação prevista nos Artºs 161º e ss do CPA e, em termos de impugnação contenciosa os meios previstos na lei.

I. Não existindo na estrutura orgânica do IFAP, IP., um órgão hierarquicamente superior ao órgão decisório (Conselho Diretivo), nem qualquer entidade que sobre o mesmo detenha poderes de supervisão ou tutela administrativa, o IFAP, I.P., através de Ofício ref.ª 018183, notificou a ora recorrida da rejeição do recurso hierárquico, nos termos do Artº 173º, alínea b) do Código de Procedimento Administrativo (CPA), uma vez que não era este o meio de reação procedimental adequado.

J. Verifica-se assim, que ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, existia motivo para a rejeição dos recursos hierárquicos impróprios apresentados pela recorrida para o Conselho Diretivo.

K. Entende por fim o Tribunal a quo que não dispunha o Vogal autor do ato impugnado, qualquer competência para a decisão de rejeição dos recursos hierárquico impróprios interpostos pela recorrida.

L. Salvo melhor opinião este entendimento não é correto, porquanto como ficou demonstrado, o recurso hierárquico impróprio não era admissível, sendo, como ficou demonstrado que os autores dos atos tinham competência para decidir a rescisão contratual, nomeadamente, delegação de competências que consta expressamente dos referidos atos:
Ofício ref.ª 033362/2010 – Decisão final – ato praticado por J., Vogal do Conselho de Administração do IFAP, I.P., por “delegação de poderes – Deliberação nº 1721/2010, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 187, de 24 de Setembro de 2010. (Negrito nosso) Ofício refª 026639/2010 – Ofício de audiência prévia – ato praticado por A., Diretor do Departamento de Apoios ao Investimento do IFAP, I.P., por “delegação de poderes – Despacho nº9897/2009, publicado no Diário da República, nº 71, 2ª Série, de 13 de Abril de 2009. (Negrito nosso)
Ofício refª 026639/2010 – Ofício de audiência prévia – ato praticado por A., Diretor do Departamento de Apoios ao Investimento do IFAP, I.P., por “delegação de poderes – Despacho nº9897/2009, publicado no Diário da República, nº 71, 2ª Série, de 13 de Abril de 2009. (Negrito nosso) (Cfr. Doc. junto ao PA de Pag.s 51 a 52)
Ofício refª 018183/20111 – resposta ao Recurso Hierárquico Impróprio – ato praticado por J., Vogal do Conselho de Administração do IFAP, I.P., por “delegação de poderes – Deliberação nº 1721/2010, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 187, de 24 de Setembro de 2010. (Negrito nosso) (Cfr. Doc. junto ao PA de Pag.s 34 a 37)

M. Face ao exposto deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando a sentença recorrida, considerando-se válida a decisão final proferida pelo IFAP, I.P.

Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando a sentença recorrida, considerando-se válida a decisão final proferida pelo IFAP, I.P.»

1.8. O Apelado contra-alegou mas não apresentou conclusões.

1.9. O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela confirmação da sentença.

1.10. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
**
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n. º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n. º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Assentes nestas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a decisão proferida pelo TAF de Mirandela fez errada interpretação e aplicação do direito ao considerar:
(i) que a decisão do vogal do Conselho Diretivo do IFAP de modificação unilateral do contrato e, consequentemente, de restituição integral das quantias recebidas pela Autora, viola o princípio da proporcionalidade;
(ii) a admissibilidade dos recursos hierárquicos impróprios e, nessa conformidade, que os mesmos foram ilegalmente rejeitados pelo vogal do Conselho Diretivo do IFAP;
(iii) que o vogal do Conselho Diretivo do IFAP não tinha competência para a prática dos três atos administrativos impugnados, julgando verificado o vício da incompetência relativa;
*
III- FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO

3.1. O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:
«
1. A S. S.A. apresentou ao então IFADAP, em 26.11.1996, projeto de investimento no âmbito das Medidas Florestais na Agricultura (Reg. (CEE) 2080/92) a que foi atribuído o número 96.21.8958.5, tendo como objetivo a arborização de 83,95 ha dos prédios rústicos denominados Quinta de (...), no concelho de (...), inscritos na matriz sob os artigos 1487 e 1488, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos. – cfr. docs. de fls. 357 e ss. do pa apenso aos autos.
2. Por deliberação de 27.5.97 o projeto foi aprovado, atribuindo-se uma ajuda de 17.508.00$00, correspondendo a plano de financiamento dos investimentos e prémios anuais de manutenção entre os anos de 1999 a 2003 e por perda de rendimento de 1998 a 2017. – cfr. docs. de fls. 338 e ss. do pa apenso aos autos.
3. Em 26.6.1997 foi celebrado entre o então IFADAP e a A. Contrato de Atribuição de Ajuda ao abrigo do Reg. (CEE) 2008/92 – Medidas Florestais na Agricultura, do qual consta, além do mais,

(Imagens no original da sentença)

- fls. 333 e ss. do p.a.
4. Por carta datada de 10.12.2009 a A. comunicou à Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte a existência de um processo de expropriação, no âmbito da obra do IC5 (...) – (...), que afeta 80830m2 da área abrangida pelo projeto, solicitando informação sobre os montantes a repor. – fls. 61 do p.a.
5. Por ofício datado de 18.3.2010 a DRAP Norte informa o A. que “caso se confirme a expropriação terá de devolver: subsidio - 8.066,49€ ; PPR - 12.265,44 €; PM – 3.434,00€” – fls. 70 do p.a.
6. Por carta rececionada em 24.5.2010 a A., informa que a resposta não contempla as ajudas vincendas, insistindo na obtenção de resposta urgente sobre os montantes a repor. – fls. 68 e 69 do p.a.
7. Por ofício datado de 17.5.2010 a DRAP Norte informa o A. que “as ajudas a receber, relativas à área (10,64ha) a expropriar são
2010 - 1468,32 €
2011 - 1468,32 €
2012 - 1468,32 €
2013 - 1468,32 €
2014 - 1468,32 €
2015 - 1468,32 €
2016 - 1468,32 €
2017 - 1468,32 €
2018 - 1468,32 €”
- fls. 67 do p.a.
8. Por oficio com a referencia 026639/2010 a A. foi notificada para se pronunciar, em sede de audiência previa, sob a proposta de modificação unilateral do contrato e devolução da quantia de € 22.922,03, nos seguintes termos,

(Imagens no original da sentença)

[...]
- fls. 51 e 52 do p.a.
9. Por oficio com a referencia 033362/2010 a A. foi notificada da decisão final com o seguinte teor,

(Imagens no original da sentença)

- fls. 31 e ss. do p.a.
10. Por oficio datado de 3.2.2011 a A. apresenta requerimento dirigido ao Vogal do Conselho Diretivo do IFAP, que designa reclamação da decisão final referida no ponto anterior, nos seguintes termos,

(Imagens no original da sentença)

- fls. 102 e ss. dos autos.
11. Por oficio datado de 24.2.2011 a A. apresenta requerimento dirigido ao Conselho Diretivo do IFAP, que designa recurso hierárquico impróprio da decisão final do Vogal do Conselho Diretivo, nos seguintes termos,

(Imagens no original da sentença)

- fls. 104 e ss. dos autos.
12. Por oficio 018183/2011 o A. é notificado da decisão do Vogal do Conselho Diretivo do IFAP relativamente aos requerimentos de 3.2.2011 e 24.2.2011 apresentados pela A., nos seguintes termos,

(Imagens no original da sentença)

- fls. 51 e ss. dos autos.
13. Por ofício datado de 25.6.2011 a A. apresenta requerimento dirigido ao Vogal do Conselho Diretivo do IFAP, nos seguintes termos,

(Imagens no original da sentença)

- fls. 109 e ss. dos autos.
14. Por oficio datado de 28.7.2011 a A. apresenta requerimento dirigido ao Conselho Diretivo do IFAP, que designa recurso hierárquico impróprio da decisão do Vogal do Conselho Diretivo sobre a reclamação apresentada, nos seguintes termos,

(Imagens no original da sentença)

- fls. 115 e ss. dos autos.
15. Por oficio 026232/2011 o A. é notificado da decisão do Vogal do Conselho Diretivo do IFAP relativamente aos requerimentos de 25.6.2011 e 28.7.2011 apresentados pela A., nos seguintes termos,

(Imagens no original da sentença)

- fls. 57 e ss. dos autos.

Fundamentação de facto
A matéria de facto provada resultou da conjugação dos elementos documentais juntos aos autos e ao processo administrativo apenso nos termos identificados no probatório

III.B. DE DIREITO
3.2. Dos Erros de Julgamento
O Tribunal de 1.ª instância julgou procedente a ação que a autora moveu contra o IFAP, anulando as decisões impugnadas, proferidas pelo vogal do Conselho Diretivo do IFAF, insertas nos ofícios ref.ª 033362/2010, 018183/2011 e 026232/2011, por considerar que foi violado o princípio da proporcionalidade, que não existia motivo legal para a rejeição dos recursos hierárquicos impróprios apresentados pela autora para o Conselho Diretivo e por considerar que o identificado vogal não dispunha de competência para proferir a decisão de rejeição dos recursos hierárquicos interpostos pela autora.
São estas as questões sobre as quais nos temos de pronunciar.
**
3.3. Do erro de julgamento por o tribunal a quo ter julgado violado o princípio da proporcionalidade.
3.3.1. Antes de avançarmos na análise do erro de julgamento assacado à decisão em crise, importa ter presente a fundamentação jurídica expendida pelo Tribunal a quo para julgar a decisão proferida pelo vogal do Conselho Diretivo do IFAP de modificação unilateral do contrato de ajudas financeiras celebrado com a autora, determinando a devolução integral das quantias recebidas pela autora, como violadora do princípio da proporcionalidade (artigo 5.º do CPA).
Pode ler-se na decisão recorrida a seguinte fundamentação fático - jurídica:
«V.1. Do erro nos pressupostos (quanto à inexistência dos pressupostos para a modificação unilateral e exigibilidade de reembolso) e da desproporcionalidade
A A. sustenta que os atos padecem de vício de violação de lei resultante de não estarem reunidos os pressupostos de que dependia modificação unilateral e restituição das ajudas, concretamente a inexistência de um incumprimento contratual que lhe fosse imputável, e, por outro lado, o art. 47.º, n.º 1 al. c) do Regulamento (CE) 1974/2006 reconhecer como circunstancia que afasta o dever de reembolso a expropriação de uma parte importante da exploração agrícola se essa expropriação não era previsível na data em que o compromisso foi assumido. Mais pugna pela desproporcionalidade dos atos.
Como resulta do probatório na sequência da apresentação de projeto de investimento no âmbito das Medidas Florestais na Agricultura (Reg. (CEE) 2080/92) a que foi atribuído o número 96.21.8958.5, foi celebrado em 26.6.1997 o Contrato de Atribuição de Ajuda ao abrigo do Reg. (CEE) 2008/92 – Medidas Florestais na Agricultura do qual consta como obrigações do beneficiário “manter integralmente os requisitos de concessão da ajuda objecto deste contrato” (C.3.) e “manter integralmente as condições que determinam o cálculo das ajudas” (C.7).
Consta ainda do contrato que,
“E.1. O IFADAP pode rescindir unilateralmente o presente contrato no caso de incumprimento pelo Beneficiário de qualquer das suas obrigações ou da inexistência ou desaparecimento, que lhe seja imputável, e qualquer dos requisitos da concessão de ajuda.
E.2. O IFDAP pode, também, modificar unilateralmente o contrato, nomeadamente quanto ao montante das ajudas, desde que, neste caso, tal se justifique face às condições concretamente verificadas na execução do projecto, ou à falta ou insuficiência de documentos comprovativos.
E.3. No caso de rescisão do contrato pelo IFADAP, o Beneficiário constitui-se na obrigação de reembolsar este Instituto das importâncias recebidas a titulo de ajuda, acrescidas de juros à taxa legal, calculados desde a data em que tais importâncias foram colocadas à sua disposição.
[...]
E.6. No caso de modificação unilateral do contrato que determine a obrigação de devolução de importâncias recebidas, é aplicável o convencionado em E.3, E.4, e E.5, incidindo a percentagem prevista sobre o montante da importância a devolver”
O Decreto-Lei n.º 31/94, que estabelece regras relativas à aplicação em Portugal dos Regulamentos (CEE) n.ºs 2078/92, 2079/92 e 2080/92, do Conselho, de 30 de Junho, que instituem, respetivamente, os regimes de ajudas a métodos de produção agrícola compatíveis com as exigências da proteção do ambiente e de preservação do espaço natural, à reforma antecipada na agricultura e às medidas florestais na agricultura, prevê também no artigo 6.º que, “1 - Em caso de incumprimento pelos beneficiários das obrigações decorrentes do contrato, o IFADAP pode modificar ou rescindir unilateralmente os contratos.
2 - Em caso de rescisão do contrato pelo IFADAP, o beneficiário será notificado para, no prazo de 15 dias, proceder à restituição das importâncias recebidas, acrescidas de juros à taxa legal, contados desde a data em que tais importâncias foram colocadas à sua disposição, sem prejuízo da aplicação de outras sanções previstas na lei.
3 - No caso de o reembolso não ser feito no prazo estabelecido no número anterior, passarão a incidir sobre as importâncias em dívida juros calculados à taxa moratória legalmente estabelecida, contados desde o termo do referido prazo e até ao efectivo reembolso.
4 - Verificada a situação prevista no número anterior, constitui-se, ainda, o beneficiário na obrigação de pagar ao IFADAP os encargos resultantes das despesas extrajudiciais para cobrança dos montantes devidos, fixando-se esta obrigação em 10% do valor total das quantias recebidas pelos beneficiários.
5 - O disposto nos n.os 2, 3 e 4 é igualmente aplicável aos casos de modificação unilateral do contrato que determine a obrigação de devolução das importâncias recebidas.”
E a Portaria 199/94 previa no seu artigo 7.º que, além do mais, os beneficiários se comprometem a “c) Manter e proteger os povoamentos florestais instalados ou beneficiados e as infra-estruturas neles existentes por um período mínimo de 10 anos, ou, quando haja lugar ao pagamento do prémio por perda de rendimento, durante o seu período de atribuição.”
Como resulta dos atos impugnados, por força da expropriação no ano de 2010, de uma área de 80.830 m2 afeta ao projeto aprovado e contratado em 1997, que previa a atribuição de uma ajuda ao investimento nos anos de 1997 e 1998, prémio de manutenção de 1999 a 2003 e prémio de perda de rendimento de 1998 a 2017, a Entidade Demandada procedeu à modificação unilateral do contrato e demandou a restituição de € 7.221,34 da ajuda, € 3.435,25 de prémio à manutenção e € 12.265,00 de prémio por perda de rendimento.
O direito à modificação unilateral previsto no artigo E.2. do contrato e que decorre da existência de justificação “face às condições concretamente verificadas na execução do projecto”. A respeito de preceito semelhante escreveu-se no Acórdão do TCA Norte de 14.9.2010, P. 00033/10.9BEMDL que “este preceito não exige que o incumprimento resulte de «condições concretamente verificadas na execução do projecto» ou da «falta ou insuficiência de documentos comprovativos», como se refere no acórdão citado, mas antes que se justifique a modificação unilateral e não a rescisão quando as condições de execução do contrato ou a falta de documentos comprovativos assim o exigir”.
Acrescentamos, ainda, que opostamente ao que decorre do ponto E.1.do contrato em que a resolução é determinada por incumprimento imputável ao Beneficiário, a modificação unilateral ali prevista não demanda que o incumprimento seja imputável ao Beneficiário.
Na realidade este preceito orienta-se no sentido de cláusulas que representam exceções ao princípio da estabilidade e cumprimento pontual dos contratos, como as previsões referentes (i) à alteração anormal de circunstâncias prevista no art. 437.º do CC enquanto causa de modificação do contrato e (ii) às situações de impossibilidade de cumprimento não imputáveis ao devedor (art. 790.º e ss. do CC) que exoneram, total ou parcialmente, o devedor da sua obrigação.
Com efeito, constitui princípio fundamental do direito o de que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, o que significa dever o cumprimento ajustar-se inteiramente à prestação, ou – o que vale o mesmo – que esta deve ser cumprida pontualmente, não apenas no aspecto temporal, mas em toda a linha, em todos os sentidos, ponto por ponto; e o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (art. 762º/1).
E, sendo certo que o conteúdo da prestação é aquele que resulta da vontade das partes (arts. 398º/1 e 405º), certo é também que seja no cumprimento da obrigação, seja no exercício do direito correspondente, as partes devem proceder de boa fé (art. 762º/2).
Este respeito pelo princípio da boa fé tem implicações várias, podendo justificar, por vezes, a ampliação, a modificação ou a restrição do conteúdo da prestação (relativamente ao seu desenho, à sua expressão literal, decorrente dos estritos termos contratuais).
Com efeito, um dos casos em que aa resolução ou modificação é admitida está tipificada no art.º 437.º n.º 1 do CC onde se estatui que “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.” O que quer dizer que a resolução ou a modificação do contrato fundada na lei só está legitimada quando, cumulativamente, se verificarem os dois requisitos nela identificados: por um lado, ter ocorrido a alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar e, por outro, tendo-se verificado essa alteração, a exigência da obrigação à parte lesada afetar gravemente os princípios da boa fé contratual e não estar coberta pelos riscos do negócio.
Acrescente-se que o não cumprimento da obrigação pode ter causas diversas, procedendo, umas vezes, de causas imputáveis ao devedor, e outras, de causas a este não imputáveis – v.g., quando procede de facto de terceiro, de caso fortuito ou de força maior, ou de facto do credor (seja impedindo o devedor de cumprir, seja impossibilitando a prestação ou não prestando a cooperação necessária à realização desta).
Preceitua o art. 790.º, n.º 1, do Código Civil (doravante CC), que a “obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor”. Ou seja, casos de impossibilidade imputável a terceiro, a caso fortuito ou de força maior, ao credor ou à própria lei.
Todavia, como vem entendendo a doutrina e a jurisprudência, esta impossibilidade, dita impossibilidade objetiva, é uma impossibilidade absoluta e não meramente relativa; por isso a obrigação só se extingue, de harmonia com o mesmo preceito, «quando a prestação se tenha tornado verdadeiramente impossível e já não quando apenas se tenha tornado muito difícil ou excessivamente onerosa” Vide Ac. STJ de 10.12.1991:BMJ, 412º-460.
No caso dos contratos bilaterais o artigo 795.º prevê que “quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa”.
Note-se que a impossibilidade pode ser apenas parcial caso em que o devedor se exonera mediante a prestação do que for possível, devendo, neste caso, ser proporcionalmente reduzida a contraprestação a que a outra parte estiver vinculada (art. 793.º n.º 1 do CC).
Neste enquadramento, bem se vê que a expropriação de parte da área afeta ao projeto, mais de 10 anos após a candidatura e celebração do contrato de atribuição de ajuda, imprevisível à data em que o contrato foi celebrado reveste as particularidades do caso de força maior (enquanto ato de terceiro pelo qual o devedor não é responsável), traduzindo uma impossibilidade objetiva absoluta parcial não imputável ao devedor. Neste sentido, o principio da boa fé não se compadeceria com a exigência ao beneficiário de cumprimento da obrigação de manter integralmente os requisitos da concessão da ajuda (C.3.) nem de manter integralmente as condições que determinam o cálculo da ajuda, nem manter e proteger os povoamentos florestais instalados ou beneficiados e as infra-estruturas neles existentes pelo período de atribuição do prémio por perda de rendimento.
E do ponto de vista da Entidade Demandada também seria contrário ao principio da boa fé que se mantivesse a obrigação de cumprir integralmente a contraprestação a que se obrigou.
Entendemos, por isso, que a situação dos autos – expropriação de parte da área afeta ao projeto – se insere no âmago do direito de modificação unilateral previsto na alínea E.2., ou seja as condições concretamente verificadas na execução do projeto justificam a modificação unilateral, pois que ocorre uma impossibilidade objetiva parcial de cumprimento do contrato, manifestamente não imputável ao Beneficiário.
A problemática, põe-se, nas consequências da verificação desta impossibilidade objetiva parcial de cumprimento e na medida da desoneração de cada uma das partes quanto à respetiva contraprestação.
Neste ponto é de aceitar a posição da Entidade Demandada quanto à não aplicação do artigo 47.º, al. c) do Regulamento (CE) n.º 1974/2006, de 15.12, segundo o qual “1. Os Estados-Membros podem reconhecer, nomeadamente, as seguintes categorias de força maior ou de circunstâncias excepcionais e, em consequência, não exigir o reembolso de uma parte ou da totalidade da ajuda recebida pelo beneficiário:
[...]
c) Expropriação de uma parte importante da exploração agrícola, se essa expropriação não era previsível na data em que o compromisso foi assumido;”
É que o Regulamento estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.º 1698/2005 do Conselho relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), e não ao Regulamento (CEE) 2080/92 que rege as ajudas objeto do contrato celebrado pela A., não lhe sendo portanto aplicável.
Na sequência da previsão do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 31/94, também no contrato se estabelecem apenas os termos da devolução de importâncias recebidas quando a modificação unilateral do contrato “determine a obrigação de devolução de importâncias recebidas”. Isto é, se ao passo que no incumprimento imputável ao beneficiário em que ocorre rescisão há lugar à restituição das importâncias recebidas, a modificação conduzirá, ou não, à obrigação de reembolso, o que se compreende na logica de a situação que ditou a modificação unilateral ter, ou não, repercussão nas prestações das partes, e/ou de decorrer, ou não, de causa imputável ao beneficiário.
Nesta medida, serão os princípios da boa fé e da proporcionalidade, subjacentes a institutos como os previstos no art. 437.º n.º 1 do CC e 793.º n.º 1 do CC, que determinam que a modificação do contrato se faça “segundo juízos de equidade” e que, em caso de impossibilidade de cumprimento meramente parcial a exoneração será “mediante a prestação do que for possível, devendo, neste caso, ser proporcionalmente reduzida a contraprestação a que a outra parte estiver vinculada”.
E, do mesmo modo, por obediência ao principio da proporcionalidade (artigo 5.º, n.º 2 do CPA) a Administração deverá escolher dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes do que disponha aqueles que apenas afetem as posições dos particulares em termos adequados e proporcionais aos objetivos a realizar.
Vejamos.
Como resulta do artigo 2.º, n.º 1 do Regulamento (CEE) 2080/92
“O regime de ajudas pode incluir:
a) Ajudas destinadas a cobrir as despesas de arborização;
b) Um prémio anual por hectare arborizado, destinado a cobrir os custos de manutenção das superfícies arborizadas durante os primeiros cinco anos;
c) Um prémio anual por hectare, destinado a compensar perdas de rendimento decorrentes da arborização das superfícies agrícolas;
d) Ajudas aos investimentos relativos ao melhoramento das superfícies arborizadas, tais como a instalação de quebra-ventos, corta-fogos, pontos de água e caminhos de exploração florestal, bem como ao melhoramento dos montados de sobro.
Neste sentido a Portaria 199/94 previa que,
“5.º
Prémios anuais
Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os beneficiários da ajuda à arborização de superfícies agrícolas referida no número anterior têm direito a dois prémios anuais por hectare arborizado, destinados a:
a) Cobrir, durante os primeiros cinco anos, os custos decorrentes das operações de manutenção das superfícies arborizadas constantes do projecto de investimento;
b) Compensar as perdas de rendimento decorrentes da arborização das superfícies agrícolas.
[...]
6.º
Beneficiários
1 - Podem beneficiar das ajudas previstas no presente diploma:
a) Ajuda à arborização de superfícies agrícolas: toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva;
b) Ajudas à beneficiação de superfícies florestais: agricultores e suas associações;
c) Prémio destinado a cobrir os custos de manutenção das superfíces arborizadas: todos os beneficiários da ajuda à arborização de superfícies agrícolas;
d) Prémio destinado a compensar perdas de rendimento: todas as pessoas, singulares ou colectivas, de direito privado, beneficiárias da ajuda à arborização, com excepção daquelas que cessem a actividade agrícola ao abrigo do Regulamento (CEE) n.º 2070/92, do Conselho, de 30 de Junho.”
Neste sentido, considerando o projeto da A., foram-lhe atribuídas (i) ajudas destinadas a cobrir as despesas de arborização e a investimentos relativos a melhoramento das superfícies arborizadas, despesas e investimentos a serem realizados nos anos de 1997 e 1998, (ii) um prémio anual por hectare arborizado, destinado a cobrir os custos de manutenção das superfícies arborizadas durante os primeiros cinco anos entre os anos de 1999 a 2003 e (iii) um prémio anual por hectare, destinado a compensar perdas de rendimento decorrentes da arborização das superfícies agrícolas, entre os anos de 1998 a 2017.
Não foi questionado que até à expropriação a A. tivesse concretizado as ações relativamente às quais o projeto foi aprovado, designadamente quanto à arborização e melhoramento das superfícies e quanto a manter e proteger os povoamentos florestais instalados ou beneficiados e as infra-estruturas neles existentes.
O que sucede é que, por força da expropriação, relativamente a 80.830m2 da área abrangida pelo projeto a A. não irá poder cumprir a obrigação a que se reporta o art. 7.º, al. c) da Portaria 199/94, de manter e proteger os povoamentos florestais instalados ou beneficiados e as infra-estruturas neles existentes, mas inversamente também não irá suportar nessa mesma medida a perda de rendimento decorrente da arborização da superfície agrícola, que era compensada pelo prémio por perda de rendimento.
Nestes termos, a modificação unilateral do contrato e, consequentemente, a desoneração pela Entidade Demandada da contraprestação resultante do contrato será proporcional e adequada na medida em que encontre correspondência com as obrigações que a A. deixe de cumprir.
Ora, tendo em conta que a impossibilidade de cumprimento pela A. apenas ocorre mais de 10 anos após a realização das ações de arborização e de realização de investimentos em infraestruturas, e sete anos depois do termo da atribuição do prémio anual por hectare arborizado, destinado a cobrir os custos de manutenção das superfícies, numa altura em que as obrigações da A. se traduzem apenas na manutenção e proteção dos povoamentos florestais instalados ou beneficiados e as infra-estruturas neles existentes e em que a A. apenas deixa de suportar a perda de rendimento resultante arborização, naturalmente que a proporcionalidade demanda que a modificação do contrato incida apenas sobre o prémio anual por perda de rendimento, na medida da área que foi expropriada e pelo período em que a A. deixará de suportar a perda de rendimento.
Ora, o que se deteta, por analise é que a Entidade Demandada excluiu todas as ajudas relativamente à área expropriada, ou seja, considerando a área total do projeto e as ajudas e prémios atribuídos, apurou a proporção de tais ajudas e prémios quanto à área expropriada e exigiu a sua restituição. Desconsiderando não só que o incumprimento (ou impossibilidade de cumprimento da A.) não incidia sobre a totalidade das ações abrangidas pelo projeto, como não era originário, mas sim superveniente abarcando apenas cerca de 7 anos em que a A. não iria suportar correspetivamente a perda de rendimento pela qual auferia o prémio anual.
E é aqui que, efetivamente, reside a desproporcionalidade na modificação unilateral do contrato e na exigência de restituição das quantias atribuídas à A., ou seja, ela não incidir apenas sobre o direito da A. ao prémio anual por perda de rendimento, na proporção da área expropriada e do período de atribuição do prémio que ainda restava após a expropriação.
Nessa medida, impõe-se concluir que a decisão não se pode manter, face aos vícios que lhe vinham imputados.»

3.3.2. Da decisão sob sindicância resulta que o Tribunal a quo julgou violado o princípio da proporcionalidade por as decisões impugnadas não incidirem apenas sobre o direito da recorrida ao prémio anual por perda de rendimento, na proporção da área expropriada e do período de atribuição do prémio que ainda restava após a expropriação.

3.3.3. O apelante considera que o entendimento sufragado na decisão recorrida é incorreto, porquanto, não obstante concorde que a expropriação de parte da exploração da apelada não tivesse resultado de ato da sua vontade, não lhe sendo tão pouco imputável, esse facto implica objetivamente o incumprimento das obrigações a que se encontrava legal e contratualmente adstrita, encontrando-se o apelante desobrigado do pagamento do remanescente da ajuda, e obrigado a recuperar os montantes indevidamente recebidos nos termos da Cláusula E.1. do contrato de atribuição da ajuda, bem como segundo as regras do enriquecimento sem causa, previstas no Artº 473º do Código Civil ( conclusão C).

3.3.4.É incontroverso que em consequência da aludida expropriação se verificou uma situação de incumprimento/impossibilidade objetiva parcial do contrato de ajudas financeiras celebrado entre a autora e o IFAP. A discordância do apelante em relação ao decidido pela 1.ª Instância tem a ver com as consequências «da verificação desta impossibilidade objetiva parcial de cumprimento e na medida da desoneração de cada uma das partes quanto á respetiva contraprestação».
Quanto às consequências daí decorrentes, o apelante propugna que, pese embora a impossibilidade de dar continuação ao projeto, nos termos inicialmente previstos, não resulte da vontade da recorrida, esta implica objetivamente o incumprimento futuro das obrigações a que se vinculara, pelo que devem ser restituídas todas as verbas afetas à área expropriada, inexistindo o vício de violação do princípio da proporcionalidade ao assim se determinar.
Ademais, o apelante entende que, por força do disposto nos nºs 1, 2 e 3 do Artº 84.º da Lei n.º 168/99, conferindo a requisição de bens imóveis ao autor (requisitado) o direito a receber uma justa indemnização que visa ressarcir o prejuízo que para o mesmo advém da requisição, e que tem em conta o período da requisição, o capital empregue para a construção ou aquisição e manutenção dos bens requisitados e o seu normal rendimento, a depreciação derivada do respetivo uso e, bem assim, o lucro médio que o particular deixa de perceber por virtude de requisição, devem ser-lhe restituídas todas as verbas afetas à área expropriada.
Na tese do apelante, traduzindo-se a expropriação numa impossibilidade superveniente e definitiva de prosseguimento do projeto e de cumprimento das obrigações a que a beneficiária estava adstrita, essa impossibilidade, nos contratos bilaterais como é o caso do contrato de atribuição de ajudas financeiras, desonera as partes das obrigações respetivas, pelo que, em relação á área afeta à expropriação entende que se encontra desobrigado do pagamento do remanescente da ajuda, sendo exigível ao beneficiário o reembolso do indevidamente recebido nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.
Mas sem razão.

3.3.5. Conforme bem decidiu o Tribunal a quo, através de uma sólida e consistente motivação jurídica, no caso, a atuação do IFAP é violadora do princípio da proporcionalidade.
Nos termos da cláusula E.1 do contrato de atribuição de ajuda, a modificação unilateral do contrato de ajudas financeiras que determina a obrigação de devolução de importâncias recebidas assenta no pressuposto prévio e essencial do «incumprimento pelo Beneficiário de qualquer das suas obrigações ou da inexistência ou desaparecimento, que lhe seja imputável, de qualquer dos requisitos de concessão da ajuda».
No caso em juízo, conforme evidenciam os factos assentes, e disso se dá conta na decisão sob apreciação, a autora sempre cumpriu escrupulosamente todas as obrigações contratuais a que se vinculou, designadamente, os compromissos referidos no art.º 7.º da Portaria n.º 199/94, de 06.04.

3.3.6.A previsão legal da possibilidade de resolução/modificação unilateral do contrato de ajudas financeiras por parte do apelante não lhe confere um poder discricionário de dispensar a verificação dos pressupostos legais exigíveis para que se possa dar por verificada uma situação de incumprimento contratual imputável ao beneficiário, exigindo a prévia verificação e demonstração dos pressupostos inerentes à responsabilidade contratual do beneficiário.

No caso, resultando a situação de impossibilidade/incumprimento parcial do contrato de ajudas financeiras celebrado entre a autora e o IFAP, da expropriação duma área ( 80.830 m2) que integrava a área de intervenção do projeto abrangido pelas ajudas financeiras concedidas á autora, reduzindo essa área, expropriação essa determinada por força da definição do traçado de um projeto rodoviário e respetiva construção, a que a autora é totalmente alheia, a repercussão decorrente dessa expropriação nas obrigações contratuais da autora, que surjam como consequência necessária e adequada desse facto, não lhe são imputáveis, por não ter sido a autora quem decidiu a expropriação, antes a ela se tendo visto sujeita.

3.3.7. Não se questiona que por força da expropriação da área de 80.830m2 que estava afeta ao projeto de investimento financiado pelo IFAP, a autora ficou impedida de cumprir com a obrigação prevista no art.º 7.º, al. c) da Portaria 199/94 de manter e proteger os povoamentos florestais instalados ou beneficiados e as infra- estruturas neles existentes. Também não se questiona, que em consequência desse mesmo facto, a autora não irá suportar nessa mesma medida a perda de rendimento decorrente da arborização da superfície agrícola, que era compensada pelo prémio por perda de rendimento.

3.3.8. Porém, o que está em causa é assegurar que a modificação unilateral do contrato por parte do IFAP em virtude dessa ocorrência que foi a expropriação da referida parcela de terreno, seja proporcional e adequada às obrigações que a autora deixe de cumprir.
No caso, exigir como exigiu o apelante que a autora devolvesse integralmente as ajudas concedidas, fere os mais elementares sentimentos de justiça, pela desproporcionalidade entre a constatada impossibilidade de cumprimento das obrigações contratuais que foram assumidas pela autora e as consequências alvitradas pelo IFAP, que são manifestamente irrazoáveis e injustas.
A apelada recebeu do IFAP, nos termos contratados uma ajuda ao investimento, que englobava diferentes tipos de verbas, a que deu aplicação escrupulosa, realizando o investimento e aplicando as verbas atribuídas nos termos contratualmente prescritos, realizando os investimentos e as arborizações e florestações previstas no projeto aprovado e financiado, a qual, aliás, por bem ter cumprido as suas obrigações contratuais foi destinatária dum “Prémio à manutenção” entre os anos de 1999 e 2003 e, bem assim um “Prémio por perda de rendimento” entre os anos 1998 e 2010, destinado a compensá-la do menor rendimento gerado por este investimento florestal, pelo que, sendo inquestionável que sempre cumpriu e respeitou as vinculações que subscreveu ao outorgar o contrato de ajudas financeiras, fere o mais elementar sentimento de justiça que tenha agora, mais de 10 anos após a realização das ações e dos investimentos anteditos, de arcar com as consequências de se ver impedida de cumprir o contrato de ajudas financeiras nos seus exatos termos por força de um facto superveniente, cuja ocorrência não lhe é imputável mas que veio a traduzir-se numa redução da área afeta ao projeto de investimento coberto pelo contrato de ajudas financeiras em causa nestes autos.

Aceitar-se a decisão do IFAP, seria aceitar que o direito nada tem de justo e que a justiça é cega e meramente formal.

3.3.9. O IFAP excluiu todas as ajudas relativamente à área expropriada, exigindo a sua restituição, desconsiderando que a impossibilidade de cumprimento da autora não incidia sobre a totalidade das ações abrangidas pelo projeto e, bem assim, que abarcava apenas 7 anos em que a autora não teria de suportar a perda de rendimento pela qual auferia o prémio anual, quando a vinculação ao princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 5.º do CPA, reclamava do seu agir, que as quantias exigidas á autora incidissem apenas sobre o direito da autora ao prémio anual por perda de rendimento, na proporção da área expropriada e do período de atribuição do prémio que ainda restava após a expropriação.

Termos em que se impõe julgar improcedentes os apontados fundamentos de recurso, e confirmar-se a decisão recorrida.
**
3.4. Do erro de julgamento decorrente da consideração como ilegal da rejeição dos recursos hierárquicos impróprios pelo vogal do Conselho Diretivo do IFAP.
3.4.1. O Tribunal a quo entendeu que não havia razão válida para a rejeição dos recursos hierárquicos impróprios interpostos pela autora para o Conselho Diretivo do IFAP, quanto às decisões do vogal do Conselho Diretivo do IFAP contidas nos ofícios 018183/2011 e 026232/2011, relativas, respetivamente, á (i)decisão final de modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas a medidas florestais na agricultura e lhe determinou o pagamento/reembolso da quantia de € 22.922,03 (contida no oficio 033362/2010) e à (ii) decisão de indeferimento da reclamação quanto àquela decisão final (a contida no oficio 018183/2011) violam o disposto no art. 176.º do CPTA.
3.4.2. Pode ler-se na decisão recorrida, a este respeito, o seguinte:
«(…) As garantias administrativas são meios de reação, em sede administrativa, aos comportamentos da administração. Segundo o Código de Procedimento Administrativo as impugnações administrativas podem assumir quatro modalidades: a reclamação, o recurso hierárquico impróprio, o recurso tutelar e por fim o recurso hierárquico.
A reclamação consubstancia-se no pedido de reapreciação do ato que é dirigido diretamente ao seu autor conforme o disposto no art. 158.º nº 2, al. a do CPA, sendo sempre admissível quando não exista disposição em contrário.
O recurso hierárquico é admissível desde que haja hierarquia e a lei não exclua essa possibilidade (art. 166º do CPA). Uma relação de hierarquia pressupõe o poder de direção (dar ordens) supervisão (revogar e suspender atos administrativos) e disciplinar.
Por sua vez recurso hierárquico impróprio corresponde ao pedido de reapreciação do ato dirigido a um órgão da mesma entidade pública a que pertence o autor do ato recorrido, e que, exerce sobre este um poder de supervisão, art. 176º do CPA. Exemplo típico de recurso hierárquico impróprio é o que ocorre quando há recurso de actos do delegado para o delegante em que exista um processo de delegação sem hierarquia.
Nos termos do art. 176º do CPA, «1. Considera-se impróprio o recurso hierárquico interposto para um órgão que exerça poder de supervisão sobre outros órgãos da mesma pessoa colectiva, fora do âmbito da hierarquia administrativa. 2. Nos casos expressamente previstos por lei, também cabe recurso hierárquico impróprio para os órgãos colegiais em relação aos actos administrativos praticados por qualquer dos seus membros
Nos termos dos artigos 17.º e ss. da Lei Quadro dos Institutos Públicos, na redação vigente à data, e 4.º e ss. da Lei Orgânica do IFAP (DL 87/2007) o IFAP, enquanto instituto público, adotou como modelo de órgão de direção o Conselho Diretivo que corresponde ao órgão colegial responsável pela definição da atuação do instituto, composto por um presidente e quatro vogais.
Como é sabido, não existe uma relação de dependência hierárquica entre o conselho diretivo e os seus vogais, na medida em que não existe qualquer poder de direção (dar ordens) ou poder disciplinar pelo órgão colegial sobre os seus membros, como é pressuposto nesse tipo de relação, embora o órgão colegial tenha poderes para revogar os atos praticados por aqueles no âmbito das competências do conselho diretivo, delegadas ou subdelegadas, nos termos previstos do art. 39.º do CPA.
Mas se é certo não haver uma relação de hierarquia entre os membros e o órgão (Presidente, vogais e Conselho Diretivo), o certo é que existe neste caso um poder de superintendência, traduzido na possibilidade de revogar actos administrativos, em qualquer das hipóteses que se podem prefigurar: (i) actos praticados no âmbito da delegação; (ii) actos praticados sem que o vogal tivesse competência (nem delegada, nem emergente da distribuição de funções).
Estamos, nestes casos, perante uma hipótese enquadrada nos denominados recursos hierárquicos impróprios. Segundo Freitas do Amaral tais recursos sãos os “recursos administrativos mediante os quais um acto praticado por um órgão de certa pessoa colectiva pública perante outro órgão da mesma pessoa colectiva que, não sendo superior do primeiro, exerça sobre ele poderes de superintendência”.
O CPA acolheu esta noção no art. 176º, 1 do CPA: “Considera-se impróprio o recurso hierárquico interposto para um órgão que exerça o poder de supervisão sobre outro órgão da mesma pessoa colectiva, fora do âmbito da hierarquia administrativa”.
Estes recursos “hierárquicos impróprios” são sempre admissíveis, isto é, desde que a lei preveja a existência de um órgão, dentro da mesma pessoa coletiva, com poderes de revogar um ato administrativo, se for interposto recurso hierárquico para esse órgão, com poderes de supervisão, o mesmo fica constituído no dever de decisão. Só não será assim se, houver lei especial a afastar o regime geral.
Acrescente-se que uma das hipóteses típicas do recurso hierárquico impróprio é, precisamente, a do recurso dos atos do delegado para o delegante em que haja delegação sem hierarquia. (Cf. a este propósito, o Prof. Freitas do Amaral, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, Vol. I, 1981, p. 123 e segs. e Curso de Direito Administrativo, vol. III, p. 58 e, entre outros, os acs. STA de 02.06.08, rec.43300 e de 17.12.08, rec. 841/08). E que será, salvo previsão legal expressa, de natureza facultativa.
Ora, da decisão final de modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas a medidas florestais na agricultura e lhe determinou o pagamento/reembolso da quantia de € 22.922,03 (contida no oficio 033362/2010) e da decisão que incidiu sobre a reclamação daquele ato resulta que são praticadas pelo vogal no exercício de competências delegadas pelo conselho diretivo.
No âmbito da LQIP e da Lei Orgânica do IFAP não se deteta previsão legal que afaste o regime geral de impugnação administrativa, pela via do recurso hierárquico impróprio, dos atos do vogal no exercício de competências delegadas para o órgão colegial delegante.
Assim, não existia qualquer motivo para a rejeição dos recursos hierárquicos impróprios apresentados pela A. para o conselho diretivo, procedendo quanto a este fundamento a ação.»

3.4.3. O apelante sustenta que o entendimento vertido na decisão sob análise não é correto pois, nos termos do Artº 166.º do CPA, o recurso hierárquico só existe desde que praticado por órgãos sujeitos aos poderes hierárquicos de outros órgãos e que a lei não exclua tal possibilidade ( Conclusão G) mas que, relativamente aos atos administrativos praticados pelo IFAP, I.P., não é admissível o recurso hierárquico por inexistência de sujeição ao poder hierárquico de outro órgão, pois, os atos do Conselho Diretivo, mesmo quando praticados por delegação de competências, são praticados pelo órgão colegial, apenas cabendo, em termos de impugnação graciosa, a figura da reclamação prevista nos Artºs 161º e ss do CPA e, em termos de impugnação contenciosa os meios previstos na lei.
Não existindo na estrutura orgânica do IFAP, IP., um órgão hierarquicamente superior ao órgão decisório (Conselho Diretivo), nem qualquer entidade que sobre o mesmo detenha poderes de supervisão ou tutela administrativa, o IFAP, I.P., através de Ofício ref.ª 018183, notificou a ora recorrida da rejeição do recurso hierárquico, nos termos do Artº 173º, alínea b) do Código de Procedimento Administrativo (CPA), uma vez que não era este o meio de reação procedimental adequado, pelo que, na sua ótica, existia motivo para a rejeição dos recursos hierárquicos apresentados pela apelada- (Conclusões G a J).
Mas sem nenhuma razão.

3.4.3.O discurso jurídico elaborado pelo Tribunal de 1.ª instância é claro e preciso na indicação das razões pelas quais se considerou que os ditos recursos hierárquicos impróprios eram admissíveis e, como tal, ilegais as decisões do vogal do Conselho Diretivo do IFAP que os rejeitou.
Em contraponto, os argumentos patenteados pelo apelante para que este TCAN reaprecie a decisão sob sindicância e a revogue, não são consistentes, antes se apresentam como frágeis e inconsequentes.
3.4.4. Como é por demais sabido, há uma clara distinção que se tem de ter presente quando entramos neste domínio, que é a distinção entre a figura do recurso hierárquico e a do recurso hierárquico impróprio.
Embora a expressão recurso hierárquico apele à existência de uma relação de hierarquia, a verdade é que nos recursos hierárquicos impróprios não existe tal relação de hierarquia entre o autor do ato recorrido e a entidade/órgão para quem se recorre e daí a utilização do vocábulo “impróprio”.
Na verdade, trata-se de meios de impugnação distintos, com distintos pressupostos e requisitos, tendo apenas de comum que dentro da mesma pessoa coletiva, um órgão possa revogar um ato praticado por outro, o que reclama que exista uma relação de tutela ou, o mesmo é dizer, um poder de supervisão de um órgão sobre o outro.

3.4.5. Na situação vertente, se é inquestionável que não existe nenhuma relação de hierarquia entre os vogais do Conselho Diretivo do IFAP e os seus vogais, por aquele não deter nenhum poder de direção sobre os respetivos vogais, também é certo, como se refere na decisão em crise, que o Conselho Diretivo tem poderes para revogar os atos praticados pelos vogais no âmbito das suas competências, delegadas ou subdelegadas.
Conforme se prescreve no art.º 39.º do CPA, o Conselho Diretivo detém um poder de superintendência que se traduz na possibilidade de revogar as decisões proferidas pelos seus vogais, quer proferidas no uso de poderes delegados, quer proferidas sem competência.
Igual compreensão tem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, in Código do Procedimento Administrativo Comentado, Vol. II, Almedina, pág. 327, a respeito do artigo 176.º do CPA quando advertem que «O preceito cinge estes recursos às hipóteses em que estão em causa dois órgãos da mesma pessoa coletiva, exercendo um deles poder de supervisão sobre o outro, mas fora do âmbito da hierarquia administrativa. Exemplo de escola da espécie aqui considerada é o caso do recurso para o sub (delegante) do ato do (sub) delegado, quando são órgãos do mesmo ente jurídico. Mas detendo o delegante ( em geral, por força do art.º 142.º, n.º2, do Código) um poder de supervisão sobre os atos do delegado (…) há, portanto, lugar a recurso hierárquico impróprio, dos atos do delegado para o delegante».

Termos em que, sem outros desenvolvimentos, improcede o apontado fundamento de recurso, impondo-se confirmar a sentença recorrida.
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3.5. Do erro de julgamento decorrente da consideração da falta de competência do vogal do Conselho Diretivo do IFAP para a prática dos três atos administrativos impugnados.
3.5.1. O Tribunal a quo julgou verificado o vício de incompetência relativa quanto às decisões do Vogal do Conselho Diretivo do IFAP que determinaram a (i) modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas a medidas florestais na agricultura, ordenando á autora o pagamento/reembolso da quantia de € 22.922,03 (contida no oficio 033362/2010); (ii) a rejeição do recurso hierárquico e indeferimento da reclamação quanto àquela decisão final (a contida no oficio 018183/2011) e (iii) a rejeição do recurso hierárquico e indeferimento da reclamação quanto à decisão contida no oficio 018183/2011 (a contida no oficio 026232/2011), por considerar que não dispunha o Vogal autor das mesmas, de qualquer competência para as proferir.
E decidiu de forma correta, conforme podemos verificar pela fundamentação que consta da decisão sob sindicância e que ora transcrevemos:
« (…)Consta das decisões que estas foram praticadas pelo Vogal do Conselho Diretivo do IFAP, J., ao abrigo da delegação de poderes constante da Deliberação n.º 1721/2010 da Presidente do Conselho Diretivo publicada no Diário da República, 2.ª Série, n.º 187 de 27.10.2010 e da qual resulta que,
O conselho directivo do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I. P. (IFAP), no âmbito das competências próprias constantes do artigo 21.º da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro, republicada pelo Decreto-Lei n.º 105/2007, de 03 de Abril alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro e da sua Lei Orgânica, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 87/2007, de 29 de Março e em conformidade com o disposto nos artigos 35.º a 40.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro, e ainda, pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro alterado pelo Decreto-Lei n.º 278/2009, de 02 de Outubro, na sua reunião de 13 de Julho de 2010, deliberou delegar no vogal João Carlos Mourão Pastorinho da Rosa, com a faculdade de subdelegar:
[...]
3.2 – [...] determinar a reposição de valores indevidamente recebidos, aplicar sanções e penalizações, reconhecer a incobrabilidade de créditos, nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 87/2007, no âmbito dos processos de pagamento referidos no número anterior, até ao limite de (euro) 200 000,00, por beneficiário e, conjuntamente com outro membro do conselho directivo, até ao limite de (euro) 500 000,00, por beneficiário.”
Estabelece o Código de Procedimento Administrativo (CPA), no nº 1 do seu artigo 35º, com a epígrafe “Da delegação de poderes”:
“1. Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre a mesma matéria.”.
A delegação de poderes consiste, assim, «no acto pelo qual um órgão normalmente competente para a prática de certos actos jurídicos autoriza um outro órgão ou agente, indicados por lei, a pratica-los também» – Cfr. Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, I, Almedina, pp. 226.
Entre os requisitos da delegação de poderes encontram-se: a existência de lei de habilitação; a existência de dois órgãos, dos quais um seja o órgão normalmente competente (delegante) e o órgão eventualmente competente (delegado); o ato de delegação.
Sem essa habilitação a delegação é ilegal e os atos praticados ao abrigo dela ficam feridos do vício de incompetência relativa, geradora de anulabilidade.
Nos termos dos artigos 17.º e ss. da Lei Quadro dos Institutos Públicos, na redação vigente à data, e 4.º e ss. da Lei Orgânica do IFAP (DL 87/2007) o IFAP, enquanto instituto público, adotou como modelo de órgão de direção o Conselho Diretivo que corresponde ao órgão colegial responsável pela definição da atuação do instituto, composto por um presidente e quatro vogais.
Ao abrigo do art. 6.º, n.º 1 do DL 31/94, conjugado com os arts. 3.º, n.º 2 al. a) e 5.º, n.º 2 do DL 87/2007 e 21.º n.º 1 al. a) e l) a Lei Quadro dos Institutos Públicos1 a competência para as decisões de modificação unilateral dos contratos e, consequentemente, exigência de reposição de quantias cabe ao conselho diretivo, tratando-se de competência própria deste órgão.
1 Na redação da Lei 64-A/2008, vigente à data do ato e delegação de competências e da prática dos atos a) e b), e do DL 40/2011 vigente à data da prática o ato c).
O art. 35.º, n.º 3 do CPA contém uma habilitação genérica de delegação de poderes dos órgãos colegiais nos respetivos presidentes quanto a atos de administração ordinária.
Contudo, como se escreveu no Ac. do TCA Sul de 20.4.2006, P. 10642/01, a habilitação genérica conferida pelo art. 35.º, n.º 3 deve ser objeto de interpretação restritiva, como notam “Freitas do Amaral, João Caupers e outros, podendo ler-se no seu CPA Anotado, 3ª edição, em anotação ao citado artigo 35º:
«Por actos de administração ordinária devem entender-se os actos de gestão corrente, isto é, aqueles que se destinam imediatamente a assegurar a continuidade do serviço. (...) a nosso ver, a nota específica desta espécie de actos deve (...) buscar-se no seu carácter não inovador, complementar ou de execução face àqueles outros que configuram as verdadeiras e próprias decisões e fundo, com as características da intencionalidade e da originalidade que lhes são inerentes – e que, por tal motivo, não prescindem de um acto de delegação mais circunstanciado (o previsto no nº1 do presente artigo).»
Igualmente Santos Botelho, Autor Esteves e C. Pinho sugestivamente referem que «No domínio dos actos de administração ordinária, e portanto correntes e repetidos, não é precisa lei de habilitação» (Cfr. CPA Anotado e Comentado, 5ª edição, pág.215, sublinhado nosso). Obviamente, deve ler-se esta passagem restritivamente, no sentido de não ser precisa lei de habilitação específica, bastando para o efeito a “lei de habilitação” genérica prevista no artigo 35º/2. Na verdade, a pág. 214 da obra citada, os mesmos autores reconheciam que o primeiro requisito da delegação de poderes é «radicar na lei de habilitação», não podendo resultar de «mera vontade do órgão».
Finalmente, também na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo se encontra eco desta visão restritiva do potencial do artigo 35º/2 como lei habilitante dos actos de delegação de poderes, podendo ler-se no Acórdão da 2ª Subsecção do CA, de 14-06-2005, Processo 0483/05:
«O conceito de negócios correntes é similar ao conceito de administração ordinária estabelecido no artigo 35.º, n.º 2, do CPA, apenas abarcando poderes de actos instrumentais de actos decisórios, configurando uma delegação de poderes de natureza burocrática, deixando de fora poderes decisórios no âmbito de licenciamento de obras.»”
Neste sentido, não cabe nesta habilitação genérica a possibilidade de modificar unilateralmente um contrato de atribuição de ajudas e exigir a correspondente devolução de quantias e, consequentemente, de decidir as reclamações sobre tal decisão ou sequer sobre um recurso hierárquico impróprio.
Mas será que existe lei de habilitação específica?
O art. 23.º n.º 1 al. d) da LQIP previa a possibilidade de o presidente do conselho diretivo exercer as competências que lhe fossem delegadas pelo conselho diretivo, com faculdade de subdelegar. Encontrando-se aqui a norma de habilitação para a delegação de competências no presidente do conselho diretivo e faculdade de subdelegação deste.
Note-se que na anterior Lei Orgânica do então IFADAP previa-se expressamente a possibilidade de, ainda com exceções, o conselho de administração delegar as suas competências em qualquer dos seus membros (art. 9.º, n.º 2 do DL 414/93).
Contudo a Lei Orgânica do IFAP (constante do DL 87/2007) não contém idêntica previsão e à data não vigorava, ainda, o disposto no n.º 6 do art. 21.º da LQIP que só com a publicação do DL 123/2012 passou a prescrever que “O conselho diretivo pode delegar competências em qualquer dos membros previstos no n.º 1 do artigo 19.º”.
É certo que pela Deliberação 1722/2010, publicada no Diário da República, 2.ª Série, n.º 187 de 24.9.2010, o conselho diretivo do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I. P. (IFAP), delegou na presidente do conselho diretivo, Ana Isabel Caeiro Paulino, com a faculdade de subdelegar, as competências para determinar a reposição de valores indevidamente recebidos (ponto 1.6). Contudo, embora o presidente seja um dos membros do órgão colegial, não é por essa circunstância que se pode admitir que, ao integrar o órgão colegial aquando da tomada da Deliberação 1721/2010 pretendeu subdelegar no vogal os poderes que lhe foram delegados pelo conselho diretivo.
Na realidade, foi o Conselho Diretivo do IFAP que delegou a sua competência diretamente no seu vogal, J., autor dos atos impugnados nos autos - como aliás a própria deliberação o refere, e não uma subdelegação de competências da presidente no vogal - mas sem que dispusesse de habilitação legal para o efeito.
E tanto basta para se considerar que, à míngua de lei habilitante, a delegação contida na Deliberação 1721/2010 é ilegal e, consequentemente, os atos praticados ao abrigo dela ficam feridos do vício de incompetência relativa, geradora de anulabilidade.
O que afeta, naturalmente, o ato de modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas a medidas florestais na agricultura e lhe determinou o pagamento/reembolso da quantia de € 22.922,03 (contida no oficio 033362/2010), o ato de indeferimento da reclamação quanto àquela decisão final (contido no oficio 018183/2011) e o ato de indeferimento da reclamação quanto à decisão contida no oficio 018183/2011.
Cumpre, ainda, referir que, considerando a distinção entre a reclamação e o recurso hierárquico impróprio, os atos de rejeição dos recursos hierárquicos, contidos nos ofícios 018183/2011 e 026232/2011, porque estavam dirigidos ao órgão colegial, naturalmente que não poderiam ter sido objeto de decisão (por incompetência) pelo órgão delegado.
Com efeito, é que a competência para a sua rejeição prevista no art. 173.º do CPA (ex vi art. 176.º, n.º 3 do CPA) sempre reside na esfera do delegante, cabendo apenas ao autor do ato recorrido pronunciar-se sobre o recurso e remetê-lo ao órgão competente para dele conhecer, notificando o recorrente da remessa do processo (art. 172.º ex vi art. 176.º, n.º 3 do CPA).
Donde, naturalmente não dispunha também o vogal qualquer competência para a decisão de rejeição do recursos hierárquico impróprios interpostos pela A.
Procede, pois, quanto a este fundamento a presente ação.»

3.5.2. O apelante entende que o julgamento efetuado pelo Tribunal a quo, é incorreto, mas apenas refere que os autores dos atos tinham competência para praticar os referidos atos, nomeadamente, delegação de competências que consta expressamente dos referidos atos.
O apelante não aduz nenhum argumento que abale a decisão proferida. Note-se que o apelante não impugna os fundamentos em que o tribunal a quo se alavancou para julgar como julgou, não invocando regime jurídico ou interpretação jurídica de onde resulte a ilegalidade da sentença recorrida.
E porque a decisão recorrida se mostra alicerçada em fundamentos jurídicos sólidos, para além de revelar uma compreensão dos preceitos legais aplicáveis isenta de qualquer reparo negativo, antes nela se expendendo uma arguta e hábil fundamentação jurídica, impõe-se julgar improcedente o apontado fundamento de recurso e manter a decisão recorrida.
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IV-DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte, em julgar a presente apelação, totalmente improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
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Custas pelo Apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Registe e notifique.
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Porto, 15 de maio de 2020.
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Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro