Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01414/19.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/20/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:INFORMAÇÃO NÃO PROCEDIMENTAL; CADUCIDADE; DOCUMENTO ADMINISTRATIVO; GRAVAÇÃO DE REUNIÕES;
Sumário:1-A informação procedimental pressupõe a existência de um processo pendente e um interesse direto ou interesse legítimo do requerente (artigos 82.º e segts do C.P.A.). A informação não procedimental, insere-se no âmbito da administração aberta e é conferida a todas as pessoas (art. 17.º e 85.º do CPA e lei nº 26/2016, de 22/08) independentemente de qualquer procedimento em curso, pelo que “é extraprocedimental e não procedimental”.

2-O direito de acesso à informação constitucionalmente garantido no artigo 268.º, n.ºs 1 e 2, não é prejudicado pela não dedução do pedido de intimação no prazo de 20 dias previsto no artigo 105.º, nº2, do CPTA, que não inibe a possibilidade de o interessado formular de novo o pedido de informação anteriormente recusado ou não integralmente satisfeito pela Administração, reiniciando-se novo prazo para obter tutela jurisdicional através do competente meio processual.

3- Considera-se documento administrativo, para efeitos da LADA (artigo 3.º, n.º1, alínea a), qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que tenha sido elaborado, esteja na posse ou seja detido por entidades públicas ou privadas, por efeito da sua atuação, ainda que circunstancial, no exercício de prerrogativas de autoridade ou segundo um regime de direito administrativo, seja o suporte de informação sob a forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material.

4- As gravações áudio de reuniões de câmara municipal ainda que destinadas a facultar a melhor redação das respetivas atas, constituem documentos administrativos para efeitos do direito à informação, enquanto não forem destruídas.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município de (...)
Recorrido 1:J. J. C. M.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Intimação Protecção Direitos, Liberdades e Garantias (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I-RELATÓRIO

1.J. J. C. M., vereador da Câmara Municipal de (...), veio, em causa própria, nos termos dos artigos 109.º e seguintes do CPTA, intentar uma INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS contra o Município de (...), pedindo a sua intimação a entregar-lhe os registos de áudio das reuniões de 29 de outubro e 5 de novembro de 2018 e, de 18 de março e de 20 de maio de 2019 e demais que se realizem do seu órgão executivo;

2.Como fundamento para a sua pretensão, alegou, em síntese, que o seu direito a se informar e ser informado consagrado no artigo 37.º, n.º 1, da CRP se encontra em risco de lesão iminente, uma vez que no próximo dia 1 de junho de 2019 irá realizar-se a reunião da Câmara para aprovação da minuta da ata da reunião da Câmara de 20 de maio de 2019 no âmbito da qual se determinou, com o seu voto contra, a eliminação das gravações, por iniciativa do Presidente, após a elaboração das atas.
Mais alegou que a reiterada recusa do Réu em ceder as aludidas gravações viola o n.º 1 do artigo 5.º da LADA e, bem assim, as alíneas c) e e) do artigo 6.º do RGPD.

3.Foi proferido despacho liminar de fls. 35 a 39 do SITAF, que deu por verificado o erro na forma de processo, determinando a convolação deste meio processual para a intimação para a prestação de informações (artigos 104.º e seguintes do CPTA).

4.Citado, o Réu apresentou a resposta a fls. 53-62 do SITAF, na qual se defendeu por exceção, invocando a caducidade do direito de ação (parcial) relativo ao pedido de acesso às gravações das reuniões de 29 de outubro e 5 de novembro de 2018 e, por impugnação, peticionando, a final, a total improcedência da intimação.

5. Efetuada a notificação da contestação, o autor exerceu o seu direito ao contraditório relativamente à invocada caducidade do direito de ação, conforme fls. 124-130 do SITAF;

6.Notificado, o Réu procedeu à junção dos documentos que constam de fls. 142-243 do SITAF.

7. Fixou-se o valor da causa, de acordo com os artigos 34.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, 6.º, n.º 4, do ETAF, 296.º, n.º 2 e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, em EUR 30.000,01 e, para efeitos tributários, em EUR 2.000,00, em conformidade com a alínea b), do n.º 1 do artigo 12.º do RCP

8. Proferiu-se despacho saneador, no qual, além do mais, se relegou o conhecimento da exceção da caducidade para momento posterior ao julgamento da matéria de facto.

9. Proferiu-se decisão que julgou a intimação parcialmente procedente, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva:
«Com os fundamentos supra expostos e de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, julgo a presente intimação parcialmente procedente e, em consequência, intimo o Réu a entregar ao Autor, no prazo de 10 [dez] dias, o registo áudio das reuniões de 29 de Outubro e 5 de Novembro de 2018 e de 18 de Março e de 20 de Maio de 2019 da Câmara Municipal de (...).

* *
Fixo o valor da presente intimação em EUR 30.000,01, devendo, contudo, atender-se, para efeitos de custas processuais, ao valor de EUR 2.000,01.
* *
Condeno o Autor e Réu no pagamento da totalidade das custas processuais, na proporção que ora se fixa em 10 % e 90 % para cada um, respectivamente.
* *
Registe-se e notifique-se. »

13. Inconformado com o assim decidido, o Recorrente Município de (...) interpôs recurso jurisdicional em que formula as seguintes conclusões:

«I. DA CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
i. Pelo presente recurso, o Recorrente impugna a matéria de facto, pois a conjugação da prova documental com a confissão do Recorrido conduzem, a uma única e gritante conclusão: a existência de um clamoroso erro de julgamento da matéria de facto, dando origem a uma decisão que urge ser revogada na medida em que andou mal o Tribunal a quo ao julgar improcedente, por não provada, a exceção de caducidade do direito de ação.
ii. Há um clamoroso erro de julgamento na matéria de facto na douta sentença, pois deveria ter sido dado como provado que “No dia 22 de fevereiro de 2019, foi indeferido o pedido das gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de 29 de outubro e de 5 de novembro de 2018”.
iii. O Recorrido confessou que a entrega das gravações das reuniões de Câmara de 29 de outubro de 2018 e 5 de novembro de 2018 foi recusada no dia 22/2/2019. – conforme decorre do artigo 15º do requerimento inicial e do documento nº5 junto com o mesmo.
iv. DEVE SER JULGADO PROVADO que “No dia 22 de fevereiro de 2019, foi indeferido o pedido das gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de 29 de outubro e de 5 de novembro de 2018.
v. O prazo de 20 dias para requerer a intimação conta-se desde a primeira decisão que não deu satisfação integral ao pedido de acesso.
vi. A presente intimação é intempestiva, pelo menos, quanto ás gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de 29 de outubro e de 5 de novembro de 2018, pois deveria ter sido instaurada até dia 14 de março de 2019.
vii. Ao julgar improcedente a exceção de caducidade do direito de ação, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 105º nº2 do CPTA.
II. DO ACESSO ÀS GRAVAÇÕES
viii. A decisão em crise viola o artigo 105º do CPTA e o artigo 3º da Lei nº 26/2016, de 22 de agosto.
ix. As gravações áudio das reuniões de Câmara são um mero suporte instrumental auxiliar de trabalho, equivalentes às notas pessoais do secretário para que este possa, em cumprimento do disposto no artigo 34º do CPTA, redigir a ata. – cfr. Informação do Ministério Público no PA nº 45/2019 junta como documento nº1
x. Se o legislador considerasse a gravação áudio essencial para aferir a veracidade e exatidão a ata, teria imposto a gravação das reuniões dos órgãos colegais, que até à data, são facultativas.
xi. Se as gravações áudio das reuniões de Câmara fossem documentos administrativos, o legislador teria previsto um prazo de conservação específico para as mesmas.
xii. As gravações áudio das reuniões de Câmara não são documentos administrativos, pelo que falece o pressuposto processual para a intimação para prestação de informações (artigo 105º do CPTA): a insatisfação de pedidos formulados no exercício do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos.

Nestes termos e nos mais e melhores de Direito que Vossas Excelências tão douta quanto proficientemente suprirão, deve o presente recurso ser provido, sendo revogada a douta Sentença de fls., e consequentemente, ser o Recorrente totalmente absolvido do pedido, nos termos e com todas as consequências legais.»

14.Não foram apresentadas contra-alegações.
*

15.O Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Norte notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146.º,n.º1 e 147.º, 2 do CPTA , não se pronunciou.
*
16. Sem vistos, por deles estar legalmente dispensado.
*

II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

16.Conforme é jurisprudência consolidada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do recorrente, cifrando-se as questões suscitadas que cumpre decidir, em saber se a decisão recorrida enferma:
(i) de erro de julgamento sobre a matéria de facto, por não ter dado como provado que “No dia 22 de fevereiro de 2019, foi indeferido o pedido das gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de 29 de outubro e de 5 de novembro de 2018”.
(ii) erro de direito por ter julgado improcedente a exceção da caducidade do direito de intentar a intimação para a prestação de informações.
(iii) erro de direito por afrontar o disposto no “artigo 105º do CPTA e o artigo 3º da Lei nº 26/2016, de 22 de agosto”
**
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.A. DE FACTO

17.Sem prejuízo da posterior apreciação das questões colocadas em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, importa desde já elencar os factos dados como assentes pela sentença recorrida:

«A) Em 8 de Fevereiro de 2019, o Autor, na qualidade de vereador da Câmara Municipal de (...), peticionou, através de correio electrónico dirigido à Directora Municipal de Administração e Finanças do Réu, as gravações áudio das reuniões daquele órgão executivo realizadas em 29 de Outubro de 5 de Novembro de 2018 [cf. cópia em documento n.º 5 da PI];

B) Em 22 de Fevereiro de 2019, a Directora Municipal de Administração e Finanças do Réu enviou, através de correio electrónico dirigido ao Autor, a seguinte mensagem [cf. cópia em documento n.º 5 da PI, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]:
“(…) Incumbe-me o Senhor Presidente da Câmara de o informar de que lhe deverão ser fornecidas as atas das reuniões de Câmara de 29 de Outubro de 2018 e de 5 de Novembro de 2018.
As gravações são instrumentos de trabalho, não documentos administrativos, tratando-se o registo áudio de um suporte auxiliar para a elaboração das atas das reuniões de câmara (…)”

C) Por ofício datado de 11 de Abril de 2019, emitido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de (...) sob o assunto “Gravação áudio das reuniões” foi-lhe transmitido o conteúdo do parecer proferido por aqueles, do qual consta, além do mais, o seguinte [cf. cópia fls. 142-161 do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]:
Solicita o Senhor Presidente da Câmara Municipal consulente o seguinte esclarecimento jurídico:
“O Município (…) tem como prática a gravação áudio das reuniões da Câmara Municipal que visa, apenas e tão só, a sua utilização como instrumento de apoio à elaboração das atas das respectivas sessões, para cumprimento do disposto no art. 57.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro (que aprovou em anexo o Regime Jurídico das Autarquias Locais) e artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro.
É que, na verdade, só a deliberação do órgão colegial reduzida a acta goza de eficácia jurídica, na medida que o seu conteúdo faz prova legal plena das deliberações tomadas, assumindo este documento administrativo uma importância jurídica tal que a sua falha se equipara, praticamente, em termos de resultados jurídicos, à inexistência de deliberação.
O carácter instrumental das referidas gravações áudio não permite que lhes sejam reconhecidas características que justifiquem a sua qualificação como documento administrativo, nos termos previstos na Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, porquanto, configuram, tão só, um meio auxiliar para elaboração da ata, sendo, nessa medida, equiparáveis a esboços ou apontamentos e outros registos de natureza semelhante, independentemente do suporte.
Assim se entende que a gravação áudio pode ser subsumível na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º da LADA que não considera documento administrativo “as notas pessoais, esboços, apontamentos, comunicações electrónicas pessoais e outros registos de natureza semelhante, qualquer que seja o seu suporte”.
Além das considerações atrás expostas, mais se entende que, atendendo a finalidade das gravações, a preservação das mesmas deverá ser garantida apenas durante o período de tempo estritamente necessário à elaboração, aprovação e assinatura das atas, procedendo-se à posterior eliminação de tais gravações. (…).
Neste sentido, cumpre-nos emitir a pronúncia requerida.
(…)
Questionando-se na Consulta não uma eventual pretensão de acesso no âmbito de um procedimento em curso mas na perspectiva do acesso geral (até têm sido suscitadas dúvidas quanto à obrigatoriedade ou não que recai sobre o Município, no sentido de, ao abrigo da LADA, serem disponibilizadas cópias e mantidas as gravações das reuniões da Câmara Municipal), aplica-se, pois, o regime da LADA, designadamente, o seu artigo 5.º (…).
(…) numa correcção interpretação que como tal tem que partir da letra da lei e não pode deixar de ter nela um mínimo de correspondência (cfr. N.º 2 do artigo 9.º do Código Civil), afigura-se que, por um lado, tratando-se de um conteúdo ou parte dele cujo suporte de informação se apresenta sob forma sonoro, o mesmo se abrange como “documento administrativo” no transcrito n.º 1 do artigo 3.º e, por outro lado, a respectiva natureza não é semelhante a qualquer dos casos referidos no n.º 2, ou seja, não se trata de um registo semelhante a notas pessoais, esboços, apontamentos ou comunicações electrónicas pessoais aí previstas.
Neste sentido, e apesar de, no caso concreto, a gravação servir apenas de instrumento auxiliar da elaboração da ata da correspondente reunião, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) tem entendido de uma forma geral – e independente da finalidade – que a gravação áudio constitui documento administrativo e, portanto, segue o regime estabelecido no n.º 3 do artigo 6.º da LADA. Pode ler-se, designadamente, nos recentes pareceres da CADA Ref.ª n.º 367/207 e n.º 368/2017, de 21 de Novembro e (…) Ref.ª 193/2018 de 22.05 (…).
Em consonância, sobre o acesso às gravações das sessões dos órgãos colegiais das autarquias locais, a CADA vem-se recorrente e insistentemente pronunciando no sentido de que estas gravações são documentos administrativos para efeitos da LADA (…)
Por outro lado, acompanhando nessa parte o raciocínio subjacente à consulta, é manifesto que a gravação das reuniões não é legalmente imposta, uma vez que apenas existe obrigatoriedade de elaboração das atas do órgão, como disposto o artigo 57.º da Lei n.º 75/2013, de 12.09 que estabelece, em anexo I, o regime jurídico das autarquias locais, na sua redacção actual e o artigo 34.º do CPA (…)
2.4. A tomada de som (gravação áudio) das reuniões de órgãos colegiais, (…) não se encontra constitucionalmente ou legislativamente prevista, nem em lugar alguma lei aborda essa questão. Contudo, nada parece impedir a gravação das sessões dos órgãos colegiais (…) possa ser prevista e disciplinada, designadamente, quanto às condições da sua realização e conservação, no respectivo regimento.
2.5. Contudo, em tal circunstância não deve ser olvidado que da gravação de som passam a constar não apenas o teor das intervenções dos membros (…) e de toda a demais interlocução na pendencia da reunião, como a indicação dos assuntos e das pessoas que nesses assuntos possam ter interesse e estar em causa e, bem assim, a indicação/identificação dos cidadãos que intervenham nas reuniões onde haja lugar à intervenção do público, o que pode colidir com matéria atinente à protecção de dados pessoais.
2.6. Por via da sua conservação, as gravações de som das reuniões (…) transformam-se ou constituem-se ope legis, em documentos administrativos e, em consequência, livremente acessíveis e acedíveis por qualquer um, em razão do princípio da administração aberta (ou, antes, do princípio do arquivo aberto) e independentemente (da titularidade) de qualquer interesse nesse acesso.
Por essa razão, não é legalmente admissível que o órgão cujas reuniões sejam gravadas e conservadas, estabeleça restrições ou denegações ao livre acesso a essas gravações, seja porque motivo seja (designadamente pela sua classificação como outros registos de natureza semelhante a notas pessoais, esboços ou apontamentos de modo a desconsidera-las como documento administrativo), salvo, naturalmente, pelas razões expressamente previstas na lei: informações que possam pôr em risco ou causar dano à segurança interna e externa do Estado, matérias em segredo de justiça, documentos nominativos e segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de empresas.”
Ou seja, o facto de a gravação não ser imposta por lei, não tem como consequência que, sendo efectuada, não deva ser considerada um documento administrativo para efeitos da LADA, nem que, por não ser obrigatória, passe por isso a, como pretendido na Consulta, ser “equivalente” a um mero esboço nota pessoal ou apontamento.
Daí que, embora venha expressamente referido na Consulta que a finalidade das gravações é delimitada à elaboração das respectivas atas, existindo a gravação – designadamente por ser conservada no arquivo documental da autarquia – assume a natureza de documento administrativo, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º da LADA, com autonomia documental em relação à ata, estando dela devidamente individualizada, pelo que, se for requerido o respectivo acesso, pode, nos termos legalmente consignados – como de seguida veremos, ser exigida a sua disponibilização Os termos dessa disponibilização têm naturalmente que obedecer ao regime de acesso como se passa a analisar (…)”
Afigura-se-nos ser de distinguir o acesso de qualquer membro da Câmara Municipal e o acesso de qualquer cidadão, conforme o seguinte trecho do parecer da CADA Ref.ª n.º 193/2018, de 22/05 (…)
Dessa forma, entende-se, em conformidade com o disposto na LADA, bem com nas alíneas c) e e) o artigo 6.º do RGPD que o tratamento dos dados pessoais pelos membros do órgão é lícito, na medida em que é necessário ao exercício de funções de interesse público (respeitam ao exercício funcional) e para o cumprimento de uma obrigação jurídica, afigurando-se ainda que, como impõe a alínea b) do artigo 5.º do RGPD, a finalidade do seu acesso é determinado, explicito e legítimo.
Porém, em relação a qualquer cidadão não membro do órgão, nas partes de gravações que estejam eventualmente incluídos dados nominativos, justificar-se-á a restrição de acesso, só devendo estas ser facultadas quando se verificar o preenchimento da previsão do n.º 5 do artigo 6.º da LADA conjugado com os artigos 5.º e 6.º do RGPD. (…)”

D) Em 29 de Maio de 2019, a Câmara Municipal de (...) reuniu e deliberou aprovar, por maioria, com declaração de voto do Autor, a alteração e o aditamento de uma nova norma ao seu regimento, correspondente ao n.º 4 do artigo 11.º com a seguinte redacção [cf. cópias da ordem de trabalhos, da proposta da alteração, da minuta da acta e do regimento, respectivamente, em documentos n.ºs 1 a 4 da petição inicial, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]:
“As reuniões são objeto de gravação áudio, a qual servirá como mero instrumento de apoio à elaboração da ata e, se necessário, à clarificação de eventuais dúvidas, sendo eliminada pelo presidente da Câmara, após a leitura e aprovação da ata da respetiva reunião".

E) Na reunião identificada na alínea antecedente, o ora Autor peticionou o acesso às gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de (...) de 29 de Outubro de 5 de Novembro de 2018 e, bem assim, de 18 de Março de 29 de Maio de 2019 [cf. resumo da intervenção do próprio constante da acta em fls. 187-233 do SITAF e igualmente acessível na hiperligação http://www.cm-(...).pt/fotos/galeria_documentos/ata10_20_05_2019_4810716115d14b1038be88.pdf]

F) Na reunião identificada nas alíneas antecedentes, o Presidente da Câmara Municipal de (...) respondeu ao Autor que “não terá acesso às gravações e que recorra aos tribunais” [cf. resumo da intervenção constante da acta em fls. 187-233 do SITAF e acessível em http://www.cm-(...).pt/fotos/galeria_documentos/ata10_20_05_2019_4810716115d14b1038be88.pdf];

G) Em 27 de Maio de 2019, o Autor apresentou presencialmente neste Tribunal a petição inicial da presente intimação [cf. carimbo aposto sobre o cabeçalho em fls. 1 do SITAF];
*
Factos não provados.
Considera-se não provada, conclusiva, de direito ou sem relevância para a decisão a proferir, a matéria alegada a que se não fez referência.»
*
III.B. DE DIREITO

18.As questões suscitadas pelo Recorrente no âmbito do presente recurso jurisdicional serão apreciadas no respeito pelos parâmetros estabelecidos, para tal efeito, pelos artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redação conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi no art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
19.A intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões constitui um processo principal e urgente destinado a obter a satisfação de pretensões informativas quando esteja em causa o direito à informação procedimental ou o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (art.º 104.º do C.P.T.A.)
20.A liberdade de informação integra o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos, censura ou discriminações (cfr. artigo 37.º, n.ºs 1 e 2 da C.R.P.), sendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 48.º do texto constitucional, todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos sobre os atos das entidades públicas.
20.1. Por sua vez, o direito à informação dos administrados (artigo 268.º, n.ºs 1 e 2 da C.R.P.) engloba um número alargado de direitos “instrumentais”, nomeadamente a consulta do processo, a transcrição de documentos e a passagem de certidões.
20.2. Tradicionalmente, distingue-se o direito à informação procedimental (artigo 268.º, n.º 1 da C.R.P.), ou seja, o direito de os cidadãos serem informados pela Administração sempre que o requeiram sobre o andamento de processos em que sejam diretamente interessados e o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, e o direito à informação não procedimental, isto é, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (n.º 2).
A distinção entre informação procedimental e não procedimental assenta no tipo de informação que está em causa, na qualidade de quem a solicita e no distinto objetivo que se pretende atingir com a sua tutela Cfr. Ac. do TCAN de 14/4/2005, P. 00548/04.8BEPNF).
20.3. A primeira pressupõe a existência de um processo pendente e um interesse direto ou interesse legítimo do requerente (artigos 82.º e segts do C.P.A.).
20.4.A informação não procedimental, insere-se no âmbito da administração aberta e é conferida a todas as pessoas (art. 17.º e 85.º do CPA e lei nº 26/2016, de 22/08) independentemente de qualquer procedimento em curso, pelo que “é extraprocedimental e não procedimental”. Cfr. Luiz S. Cabral de Moncada, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado, 3.ª Edição, Quid Iuris, pág.127.
Nos termos do n.º1 do artigo 17.º do CPA “ Todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas e segundo o seu n.º2 “ O acesso aos arquivos e registos administrativos é regulado por lei.”
Essa Lei é a nº 26/2016, de 22/08, que aprovou o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e a reutilização dos documentos administrativos, e transpôs a Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, e a Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro.
Em suma, no âmbito do direito à informação não procedimental está em jogo a possibilidade constitucionalmente reconhecida pelo art.º 268.º, n.2 a qualquer interessado de aceder a documentos que se encontrem em arquivos ou registos da administração, à margem de qualquer processo em curso e compreende o direito de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência ou conteúdo, abrangendo qualquer das modalidades que integram o direito à informação procedimental, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
20.5. O direito à informação assume-se, por conseguinte, como um verdadeiro direito subjetivo, assegurado pela Constituição e pela lei.
20.6. Quer o acesso à informação procedimental, quer o acesso à informação não procedimental, são concretizações de direitos conaturais a uma Administração aberta e moderna, própria de um Estado de Direito Democrático, fundado na lei e no respeito pela dignidade da pessoa humana.
20.7. No caso, conforme a matéria de facto apurada permite concluir, o direito à informação que o requerente pretende exercer é o de acesso aos arquivos e documentos administrativos, que tem previsão constitucional nos n.ºs 1 e 2 do artigo 268.º, por estar em questão a obtenção de uma informação de natureza administrativa, nos artigos 17.º e 85.º do CPTA e na Lei n.º 26/2016, de 22.08.
21. Apreciemos agora os erros assacados á decisão do tribunal de 1.ª instância.
*
Do Erro de Julgamento sobre a matéria de facto

22. Da conjugação do regime enunciado nos artigos 637.º, n.º2, 640.º, n.ºs 1 e 2, al.a), 641.º, n.º2, al.b) e 662.º do CPC, e art.º 149.º do CPA, o tribunal de 2.ª Instância tem de efetuar um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da 1.ª Instância, formando a sua convicção autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e recorrendo a presunções judiciais ou naturais.
22.1. O recurso da matéria de facto restringe-se à matéria impugnada, estando subtraída ao campo de cognição do Tribunal de 2.ª Instância a matéria de facto fixada que não seja alvo de impugnação, e tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao Recorrente é exigido, como correlativos dos princípios da auto responsabilidade, cooperação, lealdade e boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desse ónus, indicar não só a matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram essa solução diversa, com a respetiva análise critica, isto, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada pelo tribunal a quo ( art.º 640.º, n.º1, al. a) do CPC.
22.2. Assinale-se que é firme entendimento jurisprudencial que o direito à impugnação da matéria de facto não subsiste a se, mas antes assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito. O princípio da limitação dos atos, consagrado no art.º 130.º do CPC, tem de ser observado em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto se a análise da situação concreta, ponderadas as várias soluções de direito plausíveis, evidenciar que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito.
22.3. No caso, o Recorrente cumpriu com os ónus que sobre si impendiam em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto levado a cabo pela 1.ª instância, na medida em que indica nas conclusões a concreta matéria de facto que impugna e indica, na motivação, os meios de prova que, na sua perspetiva, impõem esse julgamento de facto diverso que postula.
Vejamos.
22.4. O Recorrente impugna o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal de 1.ª instância por não ter dado como provado que “No dia 22 de fevereiro de 2019, foi indeferido o pedido das gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de 29 de outubro e de 5 de novembro de 2018”, defendendo ser a essa a decisão que se impunha em face da «conjugação da prova documental com a confissão do Recorrido».
22.5. A prova documental invocada pelo Recorrente é o documento n.º 5 junto com a p.i., que constitui uma mensagem de correio eletrónico da “Exma. Senhora Dra. M. G. para o Recorrido».
22.6. A confissão invocada pelo Recorrido, assenta na consideração do que foi alegado pelo requerente no artigo 15.º do requerimento inicial , onde escreveu «que o receio é tanto ou mais fundado, na exata medida em que já foi recusado ao A. a entrega das referidas gravações, com o argumento daqueles registos áudio serem “instrumentos de trabalho” não documentos administrativos “, ao arrepio do disposto no artigo 3.º, n.º1 da Lei nº 26/2016, de 22 de agosto, Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), que as define como documentos administrativos, conforme comunicação que ao diante se junta aqui e se dá por integralmente reproduzida ( cfr. Doc. nº 5)».
22.7. Entende o Recorrente que da conjugação do teor do documento n.º 5 com o alegado no disposto no ponto 15.º do R.I., o requerente confessou que a entrega das referidas gravações foi recusada através da dita mensagem de correio eletrónico, que data do dia 22/01/2019, pelo que, o Tribunal a quo ao não ter decidido pela prova dessa matéria deu causa à “ existência de um clamoroso erro de julgamento da matéria de facto, dando origem a uma decisão que urge ser revogada na medida em que andou mal o Tribunal a quo ao julgar improcedente, por não provada, a exceção de caducidade do direito de ação».
22.8. O Tribunal de 1.ª instância deu como assente o teor do documento n.º 5 que materializa a comunicação efetuada pela Diretora Municipal de Administração Municipal e Finanças do Réu, ora Recorrente ( cfr. ponto B. dos factos assentes) em resposta à solicitação que lhe fora dirigida pelo Recorrido (ponto A. dos factos assentes), de acesso às gravações das reuniões de câmara de 29 de outubro e 5 de novembro de 2018, nos termos que se transcreve:
««A) Em 8 de Fevereiro de 2019, o Autor, na qualidade de vereador da Câmara Municipal de (...), peticionou, através de correio eletrónico dirigido à Diretora Municipal de Administração e Finanças do Réu, as gravações áudio das reuniões daquele órgão executivo realizadas em 29 de Outubro de 5 de Novembro de 2018 [cf. cópia em documento n.º 5 da PI];
B) Em 22 de Fevereiro de 2019, a Diretora Municipal de Administração e Finanças do Réu enviou, através de correio eletrónico dirigido ao Autor, a seguinte mensagem [cf. cópia em documento n.º 5 da PI, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]:
“(…) Incumbe-me o Senhor Presidente da Câmara de o informar de que lhe deverão ser fornecidas as atas das reuniões de Câmara de 29 de Outubro de 2018 e de 5 de Novembro de 2018.
As gravações são instrumentos de trabalho, não documentos administrativos, tratando-se o registo áudio de um suporte auxiliar para a elaboração das atas das reuniões de câmara (…)”
22.9. Da leitura do documento n.º 5 que a 08/02/2019 retira-se que o requerente, ora Recorrido, enviou email á Diretora Municipal de Administração e Finanças, a solicitar o acesso às gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de (...) e que, em reposta lhe foi enviado e-mail do qual resultam os seguintes factos:
(i)o e-mail contendo a resposta à solicitação do requerente foi enviado no dia no dia 22/02/2019;
(ii) por M. G. (Diretora Municipal de Administração e Finanças da CMVNG) e,
(iii) por incumbência do Senhor Presidente de Câmara.
(iv) tendo sido transmitido ao requerente, ora Recorrido, que:
a) lhe deverão ser fornecidas as atas das reuniões de 29 de outubro de 2018 e de 5 de novembro de 2018, que lhe foram enviadas em anexo a esse e-mail e,
b) as gravações são instrumentos de trabalho, não documentos administrativos, tratando-se o registo áudio de um suporte auxiliar para a elaboração das atas das reuniões de câmara.
22.9.1.Perante o teor daquela comunicação, concluiu-se que na sequência do requerimento apresentado pelo requerente, via email, no dia 08.02.19, foram-lhe facultadas as atas das ditas reuniões mas negado o acesso ao registo áudio que o mesmo requereu, o que é confirmado, se dúvidas houvesse, pelas palavras do próprio requerente plasmadas no ponto 15.º do seu requerimento inicial, onde, recorde-se, afirmou que lhe foi «recusada (…) a entrega das referidas gravações, com o argumento daqueles registos áudio serem “instrumentos de trabalho, não documentos administrativos» e daí que, como afirma no ponto 16.º daquele r.i., «reiterou na própria reunião, o pedido e entrega dos registos das reuniões de 29 de outubro e 5 de novembro de 2018, bem com as relativas às reuniões realizadas em 18 de março e de 20 de maio de 2019».
22.9.2. Os meios de prova destinam-se a determinar a convicção do julgador no sentido de que determinadas realidades ou acontecimentos, internos, ou externos, captáveis pelos sentidos, se verificam ou não, ao passo que “factos” são acontecimentos externos ou internos suscetíveis de serem percecionados pelos sentidos” Ac. STJ de 03.04.1963, Processo 058690, in base de dados da DGSI.
22.9.3. As provas, essas é que têm por função a demonstração da realidade dos factos (art.º 341.º) e, por isso, as provas não são factos, mas antes os meios que o legislador coloca ao dispor das partes e do tribunal através dos quais se procura demonstrar a realidade dos enunciados acontecimentos externos ou internos suscetíveis de serem captados pelos sentidos, ou seja, são os meios legalmente estabelecidos a que as partes ou o próprio tribunal pode recorrer para formar a convicção do julgador sobre a ocorrência ou não desses acontecimentos externos ou internos.
22.9.4.Daí que os documentos mais não sejam do que escritos que corporizam declarações de ciência, pelo que na descrição da matéria de facto provada só se deva consignar os factos eventualmente provados por esses documentos. Acds. STJ, de 3.10.91, BMJ, n.º410, pág.680;de 29.11.95, BMJ,n.º 451,pág.313; 01.02.95, CJ/STJ, Ano III,T.I.,pág.264; do STA, de 31.10.2007, AD,556º,pág.761 e de 16.01.2008,AD,559º,pág.1463

22.9.5. Na fundamentação de facto da decisão só podem ter assento os factos- a matéria produtora ou desencadeadora do efeito jurídico pretendido pela parte.
22.9.6. No caso, o Senhor Juiz a quo levou aos factos assentes o pedido efetuado pelo autor e, bem assim, a resposta dada pela entidade púbica, nos seus exatos termos, quando em relação a esses documentos apenas constitui facto o envio do requerimento e a remessa da resposta.
22.9.7. Daí que a jurisprudência sistematicamente tem afirmado que não configura julgamento da matéria de facto a remissão para documentos e/ou o dar-se por reproduzidos certos e determinados elementos documentais, impondo-se dos mesmos extrair os factos concretos e significantes (com interesse) para a ulterior apreciação e decisão de direito.
22.9.8. A remissão para documentos ou a reprodução integral do seu teor, ainda que se declare que se dá por provado o respetivo teor, pode não constituir base segura para uma decisão de direito, se nada se explicitar quanto ao seu conteúdo, pois ao dar-se como provado um documento, a cujo exame critico não se procede, a sentença apenas estabelece a existência de tal documento, mas não fixa quais dos factos que dele se podem retirar que estão provados e quais os que não estão provados.
22.9.9. No caso, procedendo ao exame critico das ditas provas, impunha-se, conforme vem invocado pelo Recorrente que fosse levado aos factos assentes a matéria que reclama, porque a mesma é comprovada pelo documento n.º5 ( alíneas A) e B) dos factos assentes) e pela confissão do requerente no ponto 15 do r.i.
22.9.2.1Assim, considerando que de acordo com as várias soluções de direito plausíveis essa matéria pode ser relevante para a boa decisão da causa, decide-se aditar aos factos assentes um ponto “ B.1”, nos seguintes termos:
«No dia 22 de fevereiro de 2019, foi indeferido o pedido das gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de 29 de outubro e de 5 de novembro de 2018».
*
Do Erro de Direito decorrente de se ter julgado improcedente a exceção da caducidade do direito de ação por não se ter considerado que o prazo para intentar a intimação se iniciou, em relação ao pedido de acesso às gravações áudio das atas das reuniões de 29 de outubro e 5 de novembro de 2019, a partir do dia 22 de fevereiro de 2019.

23.O Recorrente aponta à decisão recorrida erro de julgamento por via do Meritíssimo juiz ter considerado improcedente a exceção da caducidade do direito de ação, com o que violou o disposto no art.º 105.º, n.º2, do CPTA, uma vez que, tendo o requerente sido notificado do indeferimento do pedido das gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de 29 de outubro e de 5 de novembro de 2018, no dia 22 de fevereiro de 2019, a intimação deveria ter dado entrada em juízo nos 20 dias seguintes, o que não sucedeu.
23.1. Por essa razão, o Recorrente conclui que o pedido de intimação é intempestivo quanto às gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de 29 de outubro e de 5 de novembro de 2018, pois a intimação deveria ter sido instaurada até ao dia 14 de março de 2019.
Vejamos.
24.O tribunal de 1.ª Instância julgou a exceção da caducidade do direito de ação improcedente seguindo o seguinte iter decisório:
(i) primeiro, porque sendo ónus probatório do requerido, ora Recorrente, não se encontrar plenamente evidenciado que o pedido das gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de 29 de outubro e 5 de novembro de 2018 que o autor havia previamente formulado em 8 de fevereiro de 2019 fora efetivamente indeferido, «Isto pela simples razão de que a mensagem de correio eletrónico que lhe fora enviada em 22 de Fevereiro de 2019 pela Diretora Municipal de Administração e Finanças do Réu(…), para além de em lado algum, referir expressamente a negação do aludido pedido de informação, não teve na sua génese uma qualquer decisão proferida, seja pelo Presidente da Câmara Municipal de (...), seja pela própria Diretora daquele departamento municipal do Réu»;
(ii) Segundo, porque ainda que assim não fosse, conforme jurisprudência que cita «O prazo de caducidade do processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões tem por atenção à definição do seu termo o pedido formulado que o Autor tem como indeferido ou insatisfeito, mesmo que seja repetição de outro anterior que também pudesse motivar recurso à intimação, mas de prazo já ultrapassado, nada impedindo que renove a pretensão» (cfr. Ac. do TCAN, de 22/10/2015, processo 00279/15.3BEMDL, acessível em www.dgsi.pt);
(iii) Terceiro, porque «o objeto dos presentes autos(…) diz apenas e tão só, respeito á satisfação do pedido de informações que fora efetuado ( e, em parte, reiterado, renovado) pelo Autor na reunião da Câmara Municipal de dia 20 de maio de 2019»
24.1. Em razão dos referidos considerandos decidiu o Senhor Juiz à quo que «o termo inicial do prazo de caducidade do direito de ação, seja ele qual for- o decurso do prazo de decisão ou o indeferimento da sua pretensão- deve ser aferido tendo por base este último pedido de 20 de Maio de 2019», e nessa conformidade, tendo a intimação sido intentada no dia 27 de maio de 2019, entendeu que «não há como não concluir que a prática do referido ato processual por parte do autor foi efetivamente tempestiva, à luz de qualquer das alíneas a) ou b) do n.º2 do artigo 105.º do CPTA», julgando a exceção improcedente.
24.2. Pese embora discordemos do primeiro argumento invocado na decisão recorrida, na sequência do apontado erro de julgamento quanto à matéria de facto, sendo para nós facto assente que ao primeiro pedido de acesso às gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de (...) de 19 de outubro e de 5 de novembro de 2018, a Administração respondeu com uma recusa na permissão desse acesso, a verdade é que essa circunstância, como resulta da própria decisão recorrida e do que mais se dirá nesta sede, não é suscetível de abalar a decisão que julgou improcedente a invocada exceção de caducidade do direito de ação.
Vejamos.
24.3. Sobre a Administração impende o dever de emitir pronúncia sobre todos os requerimentos que lhe sejam dirigidos pelos cidadãos e pelas empresas, agindo e relacionando-se com os mesmos de boa-fé e dentro do princípio da colaboração (artigos 10.º, 11.º e 17.º do CPA).
24.4.No caso, recorde-se, ao pedido formulado pelo requerente a 08/02/2019 foi dada uma resposta negativa, informando-se o mesmo que as gravações das atas a que pretendia aceder «são instrumentos de trabalho, não documentos administrativos, tratando-se o registo áudio de um suporte auxiliar para a elaboração das atas das reuniões de câmara».
24.5. Perante esta comunicação, é inegável que assistia ao Recorrente o direito de acesso aos tribunais através do mecanismo processual do pedido de intimação para prestação de informações de forma a obter tutela judicial para esta sua pretensão, para o que estava obrigado a cumprir os pressupostos do artigo 105.º do CPTA, designadamente, de intentar esse meio processual no prazo de 20 dias a contar da data em que foi informado da recusa em lhe fornecerem os suportes áudio das reuniões indicadas, das quais apenas lhe foi fornecida a cópia das respetivas atas.
24.6. E, perante esta recusa, é um facto que o aqui Recorrido não reagiu judicialmente, conquanto não intentou intimação para a prestação dessa informação no competente TAF, no prazo de 20 dias, a contar dessa recusa.
24.7. Mas daí não resulta que lhe estivesse vedado recorrer ao Tribunal, nos moldes em que o fez, ou seja, perante nova recusa da Administração a um novo pedido que também incluía o acesso às gravações das ditas reuniões de Câmara, respeitando o prazo de 20 dias previsto no artigo 105.º do CPTA.
24.8. Decorre da facticidade apurada que no dia 20 de maio de 2019 e perante a deliberação da Câmara Municipal de (...) de aprovar uma alteração e aditamento ao regimento, de um novo normativo que de então em diante passará a habilitar o Presidente desse órgão executivo a destruir os suportes áudio das reuniões daquele órgão, após a aprovação da respetiva ata, o mesmo requerente reiterou o pedido de acesso às gravações áudio das ditas reuniões de 29 de outubro e 5 de novembro de 2018 e formulou, ainda, novo pedido de acesso ás gravações das reuniões de 18 de março de 2019 e de 20 de maio de 2019 ( alíneas D e E dos factos assentes), pedido esse que foi categoricamente recusado pelo Senhor Presidente de Câmara, dando-lhe a seguinte resposta: «não terá acesso às gravações e que recorra aos tribunais» - (alínea F dos factos assentes).
24.9. É em relação a esta recusa do Presidente da Câmara Municipal (relativa ao pedido formulado no dia 20 de maio de 2019) que o autor reagiu contenciosamente através da presente intimação.
30. Em relação a este meio processual, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha sustentam que “o CPTA configura a intimação como o meio processual próprio, de caráter impositivo, e não impugnatório, para reagir contra qualquer forma de recusa do direito à informação, num contexto em que não parece haver lugar à prática de atos administrativos, mas à mera realização de prestações de facto”. In Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, 4.ª Edição, pág.856.

E prosseguem aqueles autores, afirmando ser “de notar que a não introdução em juízo do pedido de intimação no prazo curto que se encontra legalmente cominado não preclude a possibilidade de o interessado renovar, perante a Administração, o pedido de informação, de consulta do processo ou de passagem de certidão, pelo que o carater urgente do processo não tem um efeito excludente quanto ao exercício do direito à informação, nem põe em causa o princípio da tutela jurisdicional efetiva. Por outro lado, este é um processo expedito, que se destina apenas a efetivar o direito à informação (que poderá justamente ser utilizado como meio processual instrumental) pelo que não prejudica a possibilidade da tutela de quaisquer outros interesses pretensivos do particular, através do recurso aos meios processuais adequados».
30.1. Trata-se de doutrina que acompanhamos. O direito de acesso à informação constitucionalmente garantido no artigo 268.º, n.ºs 1 e 2, não é prejudicado pela não dedução do pedido de intimação no prazo de 20 dias previsto no artigo 105.º, nº2, do CPTA, que não inibe a possibilidade de o interessado formular de novo o pedido de informação anteriormente recusado ou não integralmente satisfeito pela Administração, reiniciando-se novo prazo para obter tutela jurisdicional através do competente meio processual se tal se demonstrar necessário.
30.2. Nesse sentido, para além da jurisprudência deste TCAN, firmada no acórdão de 22.10.2015, citado pela decisão recorrida Ac. TCAN, de 22.10.2015, Processo n.º 00279/15.3BEMDL, também em acórdão deste TCAN, de 07.03.2013 se expendeu que “Nada impede um requerente de formular novo pedido por não ter obtido resposta ao anterior, mas tinha que ser esse novo pedido o fundamento para o pedido de intimação judicial, e não um pedido anterior, relativamente ao qual já havia caducado o direito”.
31.No caso, assistia ao requerente, ora Recorrido, como bem se refere na decisão recorrida, o direito a formular novo pedido de acesso à gravação áudio das reuniões de 29 de outubro e 5 de novembro de 2018, e de reagir contenciosamente perante a não satisfação desse concreto pedido.
31.1. Nesta situação, ainda que a recusa de acesso às gravações áudio configurasse um ato administrativo, que não configura, e imperasse a disciplina prevista no art.º 13.º do CPA, ainda assim, lhe assistiria o direito a formular novo pedido de acesso às gravações áudio das ditas reuniões de câmara de outubro e novembro de 2018, uma vez que o contexto normativo em que o requerente formulou o primeiro pedido –em 08.02.2109 - sofreu uma alteração radical com a aprovação da alteração e aditamento de uma nova norma ao regimento das reuniões daquele órgão executivo, ao atribuir ao Presidente desse órgão o direito de destruir as gravações das reuniões logo após a aprovação das respetivas atas, o que sempre tornaria justificável a formulação de um novo pedido de acesso aos registos áudio das referidas reuniões e a consequente possibilidade de intimação judicial em caso de recusa ou satisfação parcial do pedido.
32. Assim, concordamos com o tribunal a quo ao julgar que no caso, o prazo para o requerente, ora Recorrido, intentar a intimação deve ser aferido tendo por base este último pedido de 20 de maio de 2019.
32.1.Termos em que improcede o apontado erro de julgamento.
*
Erro de Direito por se ter julgado que os registos sonoros das atas das reuniões de câmara são documentos administrativos.

33. O Recorrente assaca erro de julgamento de direito à decisão proferida pelo TAF, imputando-lhe a violação do artigo 105.º do CPTA, bem como do disposto no artigo 3.º da lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, argumentando que tais gravações não são documentos administrativos.
33.1. Insiste que as gravações são um mero suporte instrumental auxiliar de trabalho, útil apenas ao respetivo secretário para que possa, em cumprimento do disposto no artigo 34.º do CPA, redigir “um resumo de tudo o que nela tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e apreciação da legalidade das deliberações tomadas”, sendo um substituto para os seus apontamentos e notas pessoais manuscritas, que não são, nem nunca foram considerados documentos administrativos.
33.2. Contrariamente ao sufragado pelo Tribunal a quo, discorda que as gravações constituam um registo para efeitos de eventual prova de inexatidão, manipulação ou qualquer outra vicissitude, uma vez que a ata é colocada à aprovação dos membros participantes, que podem ou não atestar a sua exatidão, pelo que, não estando em causa documentos administrativos falece o pressuposto processual para a intimação para a prestação de informações.
33.3. Nessa conformidade, advoga que a sentença deve ser totalmente revogada, e em consequência, o Recorrente absolvido do pedido formulado.
34. Desde já adiantamos que não assiste qualquer razão ao Recorrente, merecendo a decisão da 1.ª instância, a nossa inteira adesão, não padecendo a mesma de qualquer erro de julgamento, estando-se, aliás, perante uma decisão muito bem fundamentada.
34.1. Escreve o Senhor Juiz a quo, para além do mais, que “o que, na realidade, aqui importa passa por aferir se as gravações áudio das reuniões da Câmara Municipal de (...) são ou não são documentos administrativos”.
E considerando, “a acepção intencionalmente ampla do conceito de documentos administrativos consagrada na alínea a) do n.º1 do artigo 3.º da LADA” no qual se prevê que para efeitos da dita Lei considera-se documento administrativo “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob a forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material (…)», entendeu o tribunal de 1.ª Instância “ estes correspondem a todos aqueles que se encontrem na posse ou detenção v.g. de uma autarquia local, em conformidade com a alínea e) do artigo 4.º da LADA, seja qual for o respetivo suporte de informação, escrita, visual, sonora, eletrónica ou qualquer outra forma material ( cf. JOSÉ RENAT GONÇALVES in Acesso à Informação das entidades Públicas, 2002, pp.33)” .E «pese embora a gravação das reuniões das Câmaras Municipais não sejam obrigatórias, e isso quer no plano constitucional, quer no plano legal, uma vez de acordo com o artigo 57.º da Lei n.º 75/2013, de 12/09 e do artigo 34.º do CPAA» sendo apenas obrigatória a sua documentação e aprovação em ata, o certo é que “ a partir do momento em que esse registo, depois de consagrado no plano regulamentar, é realizado, efetivado, e permanece na sua posse ou detenção, o mesmo passa a assumir-se, inelutavelmente, como um instrumento poderoso e, por isso autónomo, ao nível co controlo da transparência da atividade administrativa (…) uma vez que do suporte áudio passarão a constar não apenas o teor das intervenções dos membros do órgão colegial bem como toda a demais interlocução na pendência da reunião, elementos estes que , como se sabe, não raras as vezes, intencionalmente ou não, ficam de fora da redação final das respetivas actas”.
Refere ainda o senhor Juiz que este entendimento é o que vem sendo reiterado pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos no que «diz respeito à livre acessibilidade das gravações áudio de reuniões de Câmara Municipal, nomeadamente, nos seus pareceres n.º 216/2017 de 20 de junho de 2017, n.º 368/2017, de 21 de novembro(…)n.º 43/2017, de 19 de dezembro e 404/2017 de 19 de dezembro de 2017 (….)»
Nessa conformidade, o Tribunal reconheceu o direito do autor, aqui Recorrido, a aceder aos registos áudio das reuniões de 19 de outubro e 5 de novembro de 2018 e de 18 de março e 20 de maio de 2019.
34.2. É nosso entendimento, em linha com linha da decisão recorrida, que as gravações das reuniões dos órgãos executivos dos municípios, como o caso, constituem documentos administrativos, constando da decisão recorrida bem demonstradas as razões pelas quais essa conclusão nos parece evidente.
34.3. A este respeito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha referem que ”os documentos administrativos podem consistir em: (a) documentos de qualquer natureza (suportes de informação gráficos, sonoros, audiovisuais, informáticos) ainda que de caráter interno, que integrem o processo; (b) documentos privados ou públicos que se encontrem na posse da entidade requerida, ainda que não tenham sido produzidos no interior da Administração” Cfr. Ob. Cit. Pág. 857, ou seja, também para estes avalizados autores, as gravações ou suportes áudio de reuniões de órgãos públicos são documentos administrativos.
34.4.Neste sentido, o Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão identificado na decisão recorrida, decidiu já que a gravação sonora de uma reunião consubstancia um documento administrativo, por se tratar de um registo fonográfico produzido por uma entidade administrativa, não descaracterizando essa qualificação o facto de a gravação se destinar apenas a permitir a elaboração da ata respetiva. Cfr. Ac. de 04.11.2010, Processo n.º 6744/10
34.5. Por fim, veja-se ainda o que escreve João Caupers, segundo o qual, documento administrativo, para efeito do exercício do direito à informação, é o documento relativo ao exercício da função administrativa, que, como tal, foi elaborado ou se encontra na posse de entidades públicas ou privadas, por efeito da sua atuação, ainda que circunstancial, no exercício de prerrogativas de autoridade ou segundo um regime de direito administrativo. Cfr. CJA, n.º 75, pp 109/110.
34.6. Tendo presente a noção de documento administrativo exposta, dúvidas não se colocam quanto à natureza de documento administrativo das gravações das referidas atas, pelo que, como bem se decidiu, e se confirma, o requerente tem direito de aceder às gravações áudio das reuniões de 29 de outubro e 5 de novembro de 2018, e de 20 de maio de 2019 da Câmara Municipal de (...).

35.Impõe-se, consequentemente, julgar improcedente o apontado vício e confirmar-se a decisão recorrida.
*
IV.DECISÃO.

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso, julgar parcialmente procedente a intimação, e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique.
DN.
*
Porto, 20 de dezembro de 2019.



Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro