Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00431/04
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/13/2005
Relator:Valente Torrão
Descritores:RECURSO APLICAÇÃO COIMA - PAGAMENTO VOLUNTÁRIO COIMA - AUSÊNCIA INTERESSE AGIR (INTERPOR RECURSO)
Sumário:1. Porque o artº 83º do RGIT regula a matéria dos recursos jurisdicionais de decisões de aplicação de coimas, não existe lacuna que tenha de ser preenchida com a aplicação do artº 73º do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, que se refere ao regime geral das contra-ordenações, pelo que não é admissível recurso jurisdicional de decisão de tribunal tributário que não apreciou o recurso de decisão de aplicação de coima por ter decidido que a recorrente não tinha interesse em agir, em virtude do anterior pagamento voluntário da coima.
2. Efectuado o pagamento voluntário da coima aplicada em processo de contra-ordenação tributária, atento o disposto no artº 61, c) do RGIT, extingue-se o respectivo procedimento por contra-ordenação.
3. Deste modo, o arguido carece de interesse em agir para efeitos de interposição de recurso, tal como determina o artº 401º, nº 2 do CPP, subsidiariamente aplicável por força do disposto nos artºs. 41º do DL nº 433/82, de 27 de Outubro e 3º, alínea b) do RGIT, pelo que o tribunal de recurso não pode conhecer do objecto deste.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. “A.., SA “, pessoa colectiva nº , com sede no Lugar do Espido, Via Norte - Maia, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF do Porto que não conheceu do recurso por si interposto da decisão administrativa que lhe aplicou uma coima no montante de 40.096$00, por apresentação tardia da declaração de início de actividade (v. fls. 10) apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
a) A douta sentença interpreta e aplica erradamente o disposto no artigo 401º, n° 1, alíneas b), d) e n° 2 do CPP, porquanto esta disposição legal é de aplicação restrita aos recursos de decisões judiciais, o que não é o caso.
b) A douta sentença recorrida padece de erro quando afirma que a decisão recorrida foi proferida em 18.04.2002.
c) Ao contrário do afirmado na douta sentença, o pagamento da coima não permite inferir que a Recorrente aceitou a aplicação dessa mesma coima, desde logo porque apresentou o presente recurso judicial.
d) Por outro lado, sem o pagamento da coima a RF recusava-se a recepcionar a declaração de início de actividade (vide depoimento testemunhal).
e) Estamos perante coima aplicada fora do âmbito ou sem dependência de instauração de processo contra-ordenacional, situação relativamente à qual o extinto artigo 213º, n° 4 do CPT admitia o recurso hierárquico e o recurso judicial mesmo na hipótese do seu pagamento a pedido do contribuinte.
f) Embora no actual artigo 80° do RGIT não exista disposição legal equivalente à do referido artigo 213°, n° 4 do CPT, tal não significa que o legislador tenha deixado de admitir o recurso ou impugnação judicial contra a aplicação de coima paga pelo contribuinte sem instauração de processo contra-ordenacional.
g) Com efeito, a douta sentença viola o direito fundamental à tutela judicial efectiva dos administrados contra quaisquer actos lesivos, genericamente consagrado nos artigos 20°, n° 1 e 268°, n°4 da CRP e 9° da LGT.
h) O direito da recorrente a apresentar o presente recurso judicial decorre, entre outros, do disposto nos artigos 95°, n° 1 e 2 alínea i), 96° e 101º, alínea c) da LGT, indevidamente omitidos e violados pela douta sentença,
i) dos quais se extrai que o contribuinte tem direito de impugnar ou recorrer de qualquer acto lesivo dos seus direitos ou interesses, designadamente contra a aplicação de coimas,
j) e que aquele direito é irrenunciável, não sendo admissível, em processo tributário, o regime da aceitação tácita do acto tributário, designadamente em virtude de pagamento.
l) A douta sentença viola o direito fundamental de defesa do arguido, constitucionalmente consagrado no artigo 32°, n° 10 da CRP e reflectido, entre outros, no disposto no artigo 80° do RGIT.
m) A legitimidade ou interesse em agir afere-se “in casu” à luz do artigo 59°, n° 2 do RGCO, ex vi do artigo 3°, alínea b) do RGJT.
n) Assim, cumpre conhecer do objecto ou mérito do presente recurso e, a final, deve ser anulada a coima aplicada à recorrente, pelos motivos referidos na p.i., cujo teor se dá por reproduzido.
o) Em suma, porque a recorrente não violou o artigo 110°, nº 1 do CIRC, i.e. porque não apresentou a declaração de início de actividade passados mais de 90 dias contados da data da sua inscrição definitiva no RNPC.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V. Ex.cias, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, anulada a douta Sentença recorrida e, a final, anulada a coima concretamente aplicada, com as legais consequências, assim se fazendo inteira JUSTIÇA.

2. O MºPº entende que o recurso deve ser rejeitado por inadmissibilidade legal, atento o valor da coima aplicada.

3. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

4. São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância e que relevam para a decisão:
a) Em 20.12.2001, a recorrente apresentou-se no 1° Serviço de Finanças da Maia pretendendo fazer apresentação da declaração de início de actividade para efeitos de IVA.
b) Dado que no cartão provisório de identificação de pessoa colectiva e entidade equiparada constava como data da respectiva emissão o dia 30.07.2001, o funcionário do serviço invocou tal facto e daí concluiu que a declaração de início de actividade estava a ser apresentada fora do prazo legal.
c) Por tais factos, o chefe de serviço considerou existir uma infracção ao disposto no artº. 117°, nº 2 do RGIT, na vertente da mera negligência.
d) Consequentemente, decidiu haver lugar ao pagamento de uma coima, a qual foi fixada na própria declaração (cf. “canhoto” de fls. 43), no montante de 40.096$00, atento o pagamento voluntário.
e) A recorrente pagou a coima devida nessa mesma altura.

5. Conforme já acima referido, o Mmº Juiz recorrido não tomou conhecimento do recurso por entender que a recorrente não gozava do pressuposto processual do interesse em agir.

O MºPº em 1ª instância, por sua vez, suscitou a questão da própria inadmissibilidade legal do recurso em função do valor do processo - 40.096$00.

Em resposta ao parecer do MºPº veio a recorrente dizer que o seu recurso é admissível ao abrigo do disposto no artº 73º, nº 1, alínea d) do DL nº 433/82, de 27 de Outubro.

Quid juris?

5.1. Parece-nos que esta questão, aliás, de conhecimento oficioso, deve ser apreciada antes da suscitada pelo Mmº Juiz “a quo” na decisão recorrida, uma vez que só pode conhecer-se do interesse em agir se o recurso for legalmente admissível. Sendo este inadmissível, ao tribunal cabe apenas declarar tal inadmissibilidade, nenhuma outra questão tendo de apreciar.

Vejamos então se “in casu” a lei concede ou não o direito de recurso.

Estabelece o artigo 83º, nº 1 do RGIT, aprovado pelo artigo 1º, nº 1 da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho:
“1. O arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1ª instância para o Tribunal Central Administrativo, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância e não for aplicada sanção acessória”

O valor da coima aplicada à recorrente foi de 40.096$00.

Por força do disposto no artigo 24º, nº 1 da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, o valor da alçada dos tribunais de 1ª instância é de 750.000$00 (3.740, 98 euros), pelo que um quarto desse valor corresponde a 187.500$00 (935,25 euros).

Então, temos de concluir que, da decisão jurisdicional que conheceu da decisão que aplicou a coima à recorrente, não é legalmente admissível recurso para este Tribunal.

E, assim sendo, não pode tomar-se conhecimento do objecto do recurso que tem de ser agora rejeitado, apesar de o não ter sido logo em 1ª instância.

5.2. Defende, no entanto, a recorrente a aplicação subsidiária do disposto no artº 73º, nº 1, alínea d) do nº 433/82, de 27 de Outubro.

Este entendimento é defendido por alguma doutrina com o fundamento de que a razão de ser da admissibilidade do recurso, neste caso, se prende com a garantia da tutela judicial efectiva assegurada pelos artºs 20º, nº 1 e 268º da CRP, que poderia ficar afectada quando não fosse proferida uma decisão sobre o mérito da decisão de aplicação de coima ou sem a realização de diligências que o arguido considera necessárias. Neste sentido V. Lopes de Sousa e Simas Santos –Contra-ordenações –Anotações ao Regime geral 2ª edição, pág. 401.

Salvo o devido respeito, porém, a tutela judicial é assegurada pela possibilidade de recurso para o tribunal tributário seja qual for a decisão que este venha a proferir.

De qualquer forma, em matéria de recursos jurisdicionais nas infracções tributárias, a respectiva regulamentação consta dos artºs 83 e 84º do RGIT, aprovado pelo artº 1º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho.

Sendo assim, e ao contrário do entendimento manifestado pela recorrente, não há que recorrer ao RGCO como regime subsidiário, já que não existe lacuna a preencher.

“É preciso ter muito cuidado em matéria de integração analógica. É que só há lugar a integração quando exista lacuna e esta só existe quando haja uma situação que é necessário regular e o não é, isto é, para a qual a lei não dê directamente solução. Quando a lei dá solução à questão suscitada, não há lacuna, mas frequentemente se confunde a existência de lacuna com regulamentação diversa dos ramos do direito ou irrazoabilidade da solução legal.”
Curso de Processo Penal - Germano Marques da Silva, Verbo, I, pág. 104 . V. ainda sobre esta matéria - José Oliveira Ascensão – O Direito – Introdução e Teoria geral, 10ª edição, 1997, pág. 431 e segs.

No caso concreto o que se passa é que o legislador, em matéria de recursos das decisões jurisdicionais, quis estabelecer regimes diversos nas contra-ordenações em geral e nas contra-ordenações tributárias e aduaneiras. Deste modo, não pode o intérprete, perante um determinado recurso em matéria de contra-ordenações tributárias e aduaneiras, pretender aplicar as normas do RGCO, na mesma matéria, que o legislador não contemplou no RGIT.

A lacuna só existe quando a regulamentação de determinado regime ou questão foi omitida pelo legislador e não quando essa regulamentação é diversa de outra consagrada em matéria semelhante. Assim, o juiz, perante um recurso jurisdicional em matéria de contra-ordenações tributárias ou aduaneiras, porque tal matéria se encontra regulada no artº 83º do RGIT, deve limitar-se a aplicar exclusivamente as normas neste contidas.

E que o legislador quis regular de forma diversa esta matéria resulta logo do nº 1 do artº 84º do RGIT, já que é diverso o valor em função do qual é admissível recurso. Por outro lado, da mesma norma e do nº 2 do mesmo artigo se verifica que, enquanto o RGCO apenas admite recurso só para a Relação, e, em princípio, restrito a matéria de direito, o RGIT admite recurso, quer relativo a matéria de facto, quer de direito, sendo que neste caso o recurso é interposto directamente para o STA.

Sendo assim e uma vez que no RGIT não se prevê a possibilidade de recurso em função do valor da coima, o mesmo é legalmente inadmissível.

6. De todo o modo, ainda que se aceite que o citado artigo 73º, nº 2 é aplicável às contra-ordenações aduaneiras e tributárias, mesmo assim, o recurso não deve ser conhecido por falta de legitimidade da recorrente, tal como se decidiu em 1ª instância.

Na verdade, resulta do disposto no artº 61º, alínea c) do RGIT que o procedimento por contra-ordenação se extingue por pagamento voluntário da coima no decurso do processo de contra-ordenação tributária.

No caso dos autos e conforme resulta das alíneas d) e e) do probatório supra, a coima foi fixada na declaração de início de actividade, tendo sido paga voluntariamente pela recorrente.

Estabelece o artº 401º, nº 2 do CPP, subsidiariamente aplicável em matéria de contra-ordenações (v. artº 41º do nº 433/82 de 27 de Outubro e 3º, alínea b) do RGIT), que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
“Nos termos das disposições combinadas dos artºs 41º do DL nº 433/82, de 27 de outubro e 647º, parágrafo 3º do CPP de 1929 e 401º, nº 1, alínea a) do CPP de 1987, carece de legitimidade para recorrer quem requer e paga voluntariamente aplicável por contra-ordenação” – Acórdão do STA, de 17.4.91 –Recurso nº 13.056, Apêndice ao DR de 30/91993, pág. 195.

Ora, extinto o procedimento contra-ordenacional por motivo do pagamento voluntário acima referido, a recorrente colocou-se voluntariamente numa situação de já nada poder fazer relativamente à coima aplicada. O mesmo é dizer que o seu interesse em agir deixou de existir, uma vez que já nada há que discutir em função da extinção do procedimento contra-ordenacional.

Sendo assim, também por este fundamento este tribunal não poderia conhecer do objecto do recurso.

7. Nestes termos e pelo exposto rejeita-se o recurso pelos fundamentos acima referidos, não se tomando conhecimento do objecto do mesmo.

Custas pela recorrente.

Porto, 13 de Outubro de 2005
João António Valente Torrão
Fonseca Carvalho
Dulce Neto