Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02379/15.0BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Esperança Mealha
Descritores:CAUTELAR; CRITÉRIO DE EVIDÊNCIA
Sumário:Não pode ser decretada uma providência cautelar, com base no critério de evidência vertido no artigo 120.º/1-a) do CPTA/2004, quando não estão alinhados no processo cautelar todos os factos necessários à apreciação das questões de direito suscitadas pelos vícios que a Recorrente imputa ao ato suspendendo e quando a apreciação destes implica a análise de um conjunto de problemas jurídicos cuja resposta não é ostensiva nem se atinge sem esforço de exegese.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:PARQUE VE – GESTÃO DE PARQUES DE ESTACIONAMENTO, SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE VALONGO
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida, em síntese, por considerar que não existe o apontado erro na decisão da matéria de facto, sendo irrelevante para a decisão o facto pretendido aditar; e por não se mostrar verificado o requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte
1. Relatório
PARQUE VE – GESTÃO DE PARQUES DE ESTACIONAMENTO, SA, interpõe recurso jurisdicional da sentença do TAF de Penafiel que julgou improcedente o processo cautelar intentada pela Recorrente contra o MUNICÍPIO DE VALONGO, no qual pede a suspensão de eficácia do ato do Presidente da Câmara Municipal que determinou a deslocalização da Feira Semanal de Valongo para a Av. Emídio Navarro e algumas vias a ela adjacentes a partir de 14.11.2015 ou, a verificar-se entretanto a mesma, a ordenar a imediata cessação da realização da Feira Semanal de Valongo na referida Avenida e vias adjacentes.

O Recorrente apresentou alegações, concluindo nos seguintes termos que delimitam o objeto do recurso:

1.- Resulta prova, por não ser controvertida a seguinte matéria: entre a Requerente e Requerido foi celebrado um contrato denominado: “Concessão do Fornecimento e Exploração de Parcómetros Colectivos nas Zonas de Estacionamento de duração limitada na freguesia de Valongo” pelo prazo de 20 anos de 429 lugares de estacionamento na via pública. Entende a Recorrente que esta factualidade se mostra necessária para a apreciação das questões suscitadas no presente recurso, pelo que deverá figurar nos factos provados.

2.- A decisão do Presidente da Câmara Municipal de Valongo de deslocalizar a Feira Semanal de Valongo do Parque do Apeadeiro de Susão para a Av. Emídio Navarro e para algumas vias adjacentes onde estão localizados 104 lugares de estacionamento de duração limitada, cuja exploração está concessionada à Requerente e que estão a ser ocupados aos Sábados para a realização da Feira, não foi proferida nem pelo órgão colegial Câmara Municipal de Valongo nem pela Assembleia Municipal mas pelo Presidente da Câmara de Valongo.

3.- O acto praticado e acima identificado, não cabe nem nas competências da Câmara Municipal nem do Presidente da Câmara – arts.33.º e 35.º da Lei 75/2013, de 12 de Setembro.

4.- Não existe no presente caso acto imputável à Câmara Municipal, já que foi um dos membros do órgão colegial - em violação da própria colegialidade -, o Presidente da Câmara, que pretendeu fazer passar decisão individual sua por decisão do órgão a que pertence.

5.- Tal acto é juridicamente inexistente, razão por que deverá ser julgada verificada e declarada a inexistência do acto do Sr Presidente da Câmara, a qual é manifesta e ostensiva.

6.- A decisão descrita (na conclusão 1.ª) é também um acto nulo, por serem nulas, por falta de legitimação do sujeito, as deliberações de órgãos colegiais tomadas com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos. Subsidiariamente,

7.- A decisão supra descrita conduziu a uma alteração ao “Contrato de Concessão do Fornecimento, Instalação e Exploração de Parcómetros Colectivos nas Zonas de Estacionamento de duração limitada na freguesia de Valongo” celebrado entre a Requerente e Requerida, porquanto o objecto deste contrato reside na concessão à Requerente para exploração de 429 lugares de estacionamento por 20 anos. Por força desta decisão do Município o contrato ficará restringido a 325 lugares durante todos os Sábados até 2020.

8.- Essa modificação do objecto do contrato carece de autorização prévia da Assembleia Municipal, de acordo com o princípio do paralelismo de forma e de competência que rege a revisão dos contratos, a qual não foi emitida.

9.- O acto é assim, anulável por falta de legitimação do sujeito – art.163.º, n.º 1 do NCPA.

Subsidiariamente,

10.- É da competência da assembleia municipal definir o que vai ser concessionado e respectivas condições gerais, onde se insere a área da concessão, parte integrante do objecto do contrato. O acto é também inválido, pois não pode deixar de reconhecer ser violada a norma que atribui à assembleia municipal a competência para rever o objecto do contrato de concessão celebrado entre Recorrente e Recorrida, razão por que o acto do Presidente da Câmara é anulável por falta de competência (art.25.º, n.º 1, p) da Lei 75/2013 e art.163.º, n.º 1 do NCPA)

11.- O contrato de concessão não pode ser alterado se o seu objecto for desrespeitado, como é o caso – art.180.º, n.º 1, a) do CPA. Ora, o objecto do contrato concessão celebrado entre Requerente e Requerida consiste na entrega por parte do Município à Requerente pelo prazo de vinte anos de 429 lugares de estacionamento a fim de serem explorados de Segunda-Feira a Sábado durante 20 anos.

12.- A supressão da sua exploração por um dia por Semana, atinge o núcleo essencial, a sua prestação típica ou o seu objecto, para cuja alteração é necessário o mútuo acordo das partes, e à qual a Requerente não deu o seu assentimento.

13.- O acto viola assim o disposto no art.180.º, a) do CPA, pelo que é anulável, por vício quanto aos pressupostos – art.163.º, n.º 1 do NCPA.

14.- Este acto configura também e ainda a violação do contrato de concessão, incorrendo o Requerido em responsabilidade contratual, verificando-se in casu um concurso de responsabilidade: contratual e extracontratual – arts.3.º e segs. da Lei 67/2007.

15.- Dispõe o art.120.º, n.º 1, a) do CPTA que as providências cautelares são adoptadas quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal. De resto, o Requerido nem sequer lançou mão da resolução fundamentada sustentando que o deferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.

16.- É o que se verifica in casu atentos os vícios do acto e violação do contrato acima descritos e que o tornam inexistente ou nulo, ou, pelo menos, anulável, pelo que a providência cautelar requerida deverá ser decretada nos termos do artigo 120º, n.º1, a) do CPTA, uma vez que não se pode afirmar-se que exista dúvida sobre a manifesta ilegalidade do acto e que o pedido na acção principal não possa deixar de ser julgado procedente. Afigura-se evidente e inequívoca que a pretensão a formular pelo requerente no processo principal irá ser julgada procedente, atentos os vícios notórios que o acto patenteia, ou seja, o mesmo é manifestamente ilegal.
17.- Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a Douta sentença por violação, entre outros, do disposto no art.180.º do CPA, arts.150.º, 151.º, n.º 1 a), 161.º, 1 h), 162.º, 163.º, n.º 1 do NCPA, arts.3.º e segs. da Lei 67/2007 arts.25.º, 33.º e 35.º da Lei 75/2013, arts. 112.º e ss, 120.º/1 a) e ss do CPTA, e ser decretada a suspensão de eficácia do acto praticado pelo Sr Presidente da Câmara de Valongo com data de 30 de Outubro de 2015 de deslocalizar a Feira Semanal de Valongo para a Av. Emídio Navarro e algumas vias a ela adjacentes e ser ordenada a imediata cessação da realização da Feira Semanal de Valongo na Av. Emídio Navarro e vias adjacentes, bem como ser o Recorrido intimado a abster-se de praticar quaisquer actos para execução material da Feira na Avª Emídio Navarro e vias contíguas.

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O Recorrido contra-alegou, concluindo o seguinte:
A providência requerida não pode ser adotada com base na alínea a) nº 1 do artº 120º CPTA (na versão anterior), atenta a complexidade das questões que importa apreciar para julgar a evocada ilegalidade do ato requerido;

2º Não se mostra provado nos autos o interesse em agir da Recorrente em sede cautelar, porquanto não é alegado nem provado fundado receio de que a Recorrente perca (no todo ou pelo menos em parte) a utilidade prática da sentença pretendida no processo principal;

3º A douta sentença recorrida faz uma correta interpretação e aplicação do Direito, não violando qualquer disposição do CPA ou do CPTA.

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O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida, em síntese, por considerar que não existe o apontado erro na decisão da matéria de facto, sendo irrelevante para a decisão o facto pretendido aditar; e por não se mostrar verificado o requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.
A Recorrente respondeu ao parecer, concluindo como nas alegações de recurso.
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2. Factos

O tribunal recorrido decidiu o seguinte sobre a matéria de facto:
“A) A Requerente foi notificada do ofício datado de 30/10/2015 assinado pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Valongo nos seguintes termos:





Cfr. documento n.º 14 junto aos autos com o requerimento inicial , cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

*
Não existem quaisquer outros factos provados ou não provados relevantes para a boa decisão da causa.”
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3. Direito
A sentença recorrida, depois de salientar que na situação dos autos a Requerente/Recorrente pretende que o requerido/Recorrido se abstenha de ocupar 104 lugares de estacionamento concessionados para a realização da feira semanal de Valongo, ao sábado, decidiu julgar improcedente o pedido cautelar, em síntese, por entender não estar verificado o critério de evidência necessário ao decretamento da providência ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA/2004; e também não se mostrar verificado o periculum in mora exigido para o decretamento da providência ao abrigo da alínea b) do mesmo preceito legal.
A Recorrente impugna esta decisão quanto a um ponto da matéria de facto e na parte em que entendeu não verificado o disposto no artigo 120.º/1-a) do CPTA/2004.
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3.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A Recorrente começa por impugnar a decisão sobre a matéria de facto, alegando que à mesma devia ser aditado um facto que não se mostra controvertido, consistente no contrato denominado “Concessão do Fornecimento e Exploração de Parcómetros nas Zonas de Estacionamento de duração limitada na freguesia de Valongo”.

Neste ponto assiste razão à Recorrente, pois ainda que tal facto possa não ser determinante para a decisão do recurso – tal como o mesmo foi delimitado pela Recorrente – ainda assim não deixa de ser um facto pertinente, sobre o qual não existe controvérsia.

Assim, decide-se aditar à matéria provada o seguinte facto:

B) Entre a Requerente e o Requerido foi celebrado um contrato denominado “Concessão do Fornecimento e Exploração de Parcómetros nas Zonas de Estacionamento de duração limitada na freguesia de Valongo”, pelo prazo de 20 anos, abrangendo 429 lugares de estacionamento na via pública.

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3.2. Erro de julgamento
A Recorrente alega que “não pode afirmar-se que exista dúvida sobre a manifesta ilegalidade do ato e que o pedido na ação principal não possa deixar de ser julgado procedente”, pelo que a providência devia ter sido decretada ao abrigo do artigo 120.º/1-a) do CPTA/2004, na medida em que o ato suspendendo é inexistente por não ter sido praticado por um órgão colegial, mas sim pelo Presidente da Câmara Municipal, que não tem competência para o efeito; é nulo por desrespeito do quórum e maioria legalmente estabelecida; e, subsidiariamente, é anulável por falta de legitimação do sujeito, por traduzir uma alteação ao contrato de concessão celebrado com a Requerente (por força desta decisão do Município o contrato ficará restringido a 325 lugares durante todos os Sábados até 2020), que carecia de autorização prévia da Assembleia Municipal

Sem razão, porém.

Como se escreveu no Acórdão do TCAN de 17.04.2015, P. 01299/14.0BEPRT, “[P]ara que a suspensão de eficácia do ato administrativo possa ser decretada com base no critério de evidência vertido no artigo 120.º/1-a) do CPTA, mostra-se necessário que esteja demonstrada nos autos cautelares uma dupla evidência: por um lado, uma evidência de facto, no sentido de se verificarem as circunstâncias que consubstanciam o(s) vício(s) em causa; e, por outro, uma evidência de direito, por não ser questionado ou não o ser, em termos minimamente atendíveis, o direito aplicável àqueles factos.

No caso vertente, nenhuma dessas evidências se verifica. Por um lado, não pode afirmar-se com segurança que estejam alinhados neste processo cautelar todos os factos necessários para apreciar as questões de direito suscitadas pelos vícios que a Recorrente imputa ao ato suspendendo (e lembre-se que o recurso quanto à decisão da matéria de facto limitou-se ao ponto acima referido); por outro lado, a própria alegação da Recorrente confirma o já afirmado na sentença recorrida: que a apreciação do eventual sucesso da sua pretensão invalidatória implica a análise de um conjunto de questões jurídicas (designadamente, quanto à qualificação do ato aqui em causa, à competência para a sua prática e aos eventuais efeitos que o mesmo possa projetar sobre o contrato de concessão, nomeadamente quanto a saber se o mesmo constitui uma alteração unilateral do contrato, como pretende a Recorrente, ou antes uma alteração das circunstâncias em que o mesmo foi celebrado, ou eventualmente nenhuma destas hipóteses), cuja resposta não é ostensiva nem se atinge sem esforço de exegese, como é demonstrado, além do mais, pela sucessão de desvalores jurídicos que, com base em factos similares, a própria Recorrente assaca ao ato (inexistência, nulidade e anulabilidade).

Não estão, por isso, reunidas as condições para que a providência possa ser decretada ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA/2004, como bem decidiu a sentença recorrida.


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4. Decisão

Pelo exposto, acordam em proceder ao referido aditamento à matéria de facto e, no demais, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 21.04.2016
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia