Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00020/03 - Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/14/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO.
Sumário:1. Por força do disposto no artigo 613.º/1 do CPC, "ex vi" do art.º 666º/1 do mesmo Código, depois de proferido acórdão fica esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa.
2. Contudo, nos termos das disposições combinadas dos artigos 613.º/2, 615.º, 666.º/1, todos do CPC e 125.º/1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), é lícito a qualquer das partes arguir a nulidade do acórdão quando faltar a assinatura de juiz, não se mostrem especificados os fundamentos de facto e de direito da decisão, ocorra oposição dos fundamentos da decisão, falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva conhecer ou pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
3. Nos termos do disposto no artigo 615.º/1-d) do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1.º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2.º segmento da norma).
4. A referida nulidade reconduz-se ao incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º/2 ex vi artigo 663.º/2, do mesmo diploma, o qual consiste por um lado, em resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Soc. Construções..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Indeferida a arguição de nulidade do acórdão
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES…, LDA. notificada do acórdão deste Tribunal de 25/6/2015 (fls. 614 a 624) vem arguir a nulidade do mesmo, por preterição de formalidades legais, por não ter sido previamente notificada do parecer do MP para sobre ele se pronunciar antes do acórdão e nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação.

As Conclusões são as seguintes:
1. Deve conhecer-se das nulidades de preterição de formalidades essenciais e omissão de pronúncia e, em consequência, anular-se o acórdão proferido com as devidas consequências legais.
2. A não notificação do parecer do MP afectou os direitos da impugnante, violando o direito ao contraditório e igualdade de armas.
3. Foi violado o artigo 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
4. Qualquer norma que o tribunal tenha aplicado em sentido contrário é inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo previsto no artigo 20º n.º 4 da Constituição da República.
5. Se é violada a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, é também violado o artigo 8º da Constituição, que manda obedecer aos instrumentos de direito internacional que obrigam Portugal.
6. Se o TCAN aplicou a norma do artigo 195º n.º 1 e 201, n.º 1 do CPC para justificar a não nulidade, tais normas quando interpretadas no sentido de não exigirem a prévia notificação dos pareceres do MP às partes são inconstitucionais por violação do direito a um processo equitativo previsto no artigo 20º n.º 4, da Constituição da República e por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição.
7. E por violação do direito a um processo equitativo previsto no artigo 6º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que garante o direito ao contraditório e igualdade de armas e por violação do artigo 14º que garante a igualdade processual e os outros direitos.
Justiça!

Em síntese, das conclusões da Requerente retiramos que a nulidade do acórdão resulta do facto de não ter sido notificada do parecer do MP que lhe era desfavorável, o que viola o princípio do contraditório e igualdade de armas previsto no art. 20º n.º 4 da Constituição e 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 8º da Constituição.
A omissão de notificação influiu na decisão em causa, pelo que é nulo todo o processado após o parecer, por força do disposto no art.º 195º do CPC.

Do requerimento (mas não das conclusões) constam ainda a arguição dos vícios de nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, uma vez que o TCA não se pronunciou sobre todas as questões.

Notificada, a Requerida nada disse.

O Ministério Público também nada disse.

Com vistos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento, nos termos do disposto no artigo 666.º/2 do CPC.
II
Segundo o disposto no artigo 613.º/1 do CPC, "ex vi" do art.º 666º/1 do mesmo Código, depois de proferido acórdão fica esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa.

Contudo, nos termos das disposições combinadas dos artigos 613.º/2, 615.º, 666.º/1, todos do CPC e 125.º/1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), é lícito a qualquer das partes arguir a nulidade do acórdão quando faltar a assinatura de juiz, não se mostrem especificados os fundamentos de facto e de direito da decisão, ocorra oposição dos fundamentos da decisão, falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva conhecer ou pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Nos termos do disposto no artigo 615.º/1-d) do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1.º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2.º segmento da norma).

A referida nulidade reconduz-se ao incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º/2 ex vi artigo 663.º/2, do mesmo diploma, o qual consiste por um lado, em resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.

Na tese da Requerente, este tribunal cometeu uma nulidade ao omitir a notificação do parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA.

Tal nulidade, a existir, não seria do acórdão - pois não consta do catálogo legal do art. 613º CPC ("ex vi" do art. 663º/2) nem do art. 125º CPPT- mas sim uma irregularidade processual que segue o regime previsto no art. 195º CPC (anterior art. 201º), susceptível de gerar nulidade processual - se pudesse influir no exame e decisão da causa (art. 195º/1 CPC).

Mas como veremos, não foi praticada qualquer nulidade processual nem (muito menos) ocorre nulidade do acórdão.

Nos termos do art. 14º do CPPT cabe ao Ministério Público a defesa da legalidade, a promoção do interesse público e a representação dos ausentes, incertos e incapazes, devendo sempre ouvido nos processos judiciais antes de ser proferida a decisão final, nos termos deste Código.
Nos tribunais superiores, diz o art. 289º do CPPT, antes dos Vistos a cada um dos adjuntos, os autos irão com vista ao Ministério Público. Se no parecer for suscitada questão que obste ao conhecimento do pedido, é necessária a sua notificação às partes como resulta do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artº 121º do CPPT, para sobre a questão se pronunciarem, em conformidade com o princípio do contraditório enunciado no art.º 3º n.º 3 do CPC, e do princípio da igualdade de faculdades e meios de defesa a que alude o art. 98º da LGT.

Em decorrência dos mesmos princípios, tal notificação é necessária também se o Ministério Público arguir novos vícios do acto impugnado ou suscitar questões sobre as quais as partes ainda não tenham tido oportunidade de se pronunciar.

Contudo, não será necessária a audição das partes sobre questões relativamente às quais elas já se tenham pronunciado. O art.º 121º do CPPT não exige tal notificação nem ela resulta do art. 3º n.º 3 do CPC que apenas proíbe que sejam decididas questões sem que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem (cfr. Jorge Lopes de Sousa in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", vol. II, pp. 301).

E também não decorre da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (o alegado art. 6º) nem de qualquer norma constitucional, quer sejam os n.º 4 do art. 20º, art. 8º ou mesmo o art. 13º.

Aliás, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 82/2007 que o Recorrente transcreveu em abono da sua tese, julgou inconstitucional por violação do direito a um processo equitativo (artigo 20º n.º 4 da Constituição da República), a norma do artigo 173º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho, interpretado no sentido de permitir, em recurso de deliberação do Conselho Superior da magistratura, a emissão de parecer do Ministério Público sobre a questão prévia da legitimidade do autor da participação disciplinar para interpor recurso contencioso da deliberação que rejeitou reclamação contra a deliberação de arquivamento do procedimento disciplinar, com a qual não havia sido anteriormente confrontado, e sem que desse parecer seja dado conhecimento ao recorrente para se poder pronunciar (itálico nosso).

Ora a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer não invocou qualquer questão que obste ao conhecimento do pedido, não arguiu novos vícios do acto nem suscitou nenhuma questão acerca da qual as partes não tiveram possibilidade de se pronunciar.

Sendo assim, nenhum contraditório haveria que estabelecer quanto ao parecer. Nem as partes de modo algum se viram confrontadas com questões novas suscitadas no parecer do MP, razão pela qual o Requerente não tinha que dele ser notificado.

Por conseguinte, a nulidade (quer processual quer do acórdão) não se verifica.

Arguiu também a Recorrente a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia e falta de fundamentação. Mas fá-lo sem especificar nem concretizar que pronúncia deveria ter sido emitida e não foi, e o que deveria ter sido fundamentado e não foi. Limita-se a transcrever as conclusões das alegações de recurso e a concluir no final que o “TCAN não se pronunciou sobre todas as questões”.

Nas conclusões desta arguição de nulidade o Recorrente tão pouco faz qualquer referência à nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, focando-se na nulidade por falta de notificação do parecer do MP.

Ora os recursos jurisdicionais visam apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação, e salvo questões de conhecimento oficioso (art. 608º/2 CPC), o objecto do recurso delimita-se pelas conclusões (art. 635º/4 do CPC). O direito a arguir nulidade processual ou de acórdão está devidamente delimitado na lei, não sendo lícito aproveitar tal incidente para obter uma mudança de decisão baseada em critérios interpretativos divergentes da parte interessada Ac. do STA n.º 0196/13 de 07-05-2014 Relator: FRANCISCO ROTHES
Sumário: I - A reforma das decisões judiciais, como uma das excepções legalmente previstas aos princípios da estabilidade das decisões e do esgotamento do poder jurisdicional após a decisão, pressupõe que, por manifesto lapso, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, a decisão tenha sido proferida com violação de lei expressa ou que dos autos constem documentos ou outro meio de prova que, só por si e inequivocamente, implique decisão em sentido diverso e que não tenha sido considerado igualmente por lapso manifesto (cf. arts. 613.º, n.º 2, e 616.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC).
II - Essa faculdade excepcional de reformar a decisão tem como escopo corrigir um erro juridicamente insustentável e, como a jurisprudência tem vindo a afirmar, só será admissível perante erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto, se teriam evidenciado ao autor ou autores da decisão, não fora a interposição de circunstância acidental ou uma menor ponderação tê-la levado ao desacerto.
III - Essa faculdade não se destina à mudança do decidido com base nas divergências entre as partes e o tribunal quanto à interpretação e aplicação das regras de direito ou quanto ao apuramento, interpretação e qualificação dos factos relevantes, as quais, se encerrarem erros de julgamento, só poderão ser corrigidos por recurso, nos casos em que a lei ainda o admita.

III – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em conferência, indeferir a requerida nulidade do acórdão.

Custas pela Requerente, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 (três) UCs – cfr. Tabela II referenciada no artigo 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 14 de setembro de 2017
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira