Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00700/11.0BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/08/2018
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ADIANTAMENTO POR CONTA DOS LUCROS
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F..., Lda. e Fazenda Pública
Recorrido 1:Fazenda Pública e F..., Lda.
Decisão:Concedido provimento aos recursos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

F..., Lda., pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Rua…, em Coimbra, interpôs recurso jurisdicional do despacho interlocutório proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em 16/03/2012, que determinou a não realização da inquirição da testemunha arrolada pela ora Recorrente, e, bem assim, da sentença, proferida em 25/01/2013, que julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial deduzida contra as liquidações de retenção na fonte de IRS, e respectivos juros compensatórios, dos anos de 2007, 2008 e 2009, no valor de € 107.105,83.
Igualmente, inconformado com a sentença proferida, veio o Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública da mesma interpor recurso jurisdicional.

A Recorrente F..., Lda. terminou as suas alegações de recurso do despacho interlocutório proferido em 16/03/2012 formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“a) O direito ao recurso contencioso ou à acção judicial, reconhecido nos art.°s 268.°, n.° 4, e 20.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), envolve como uma sua dimensão normativa o direito à prova e de prova dos factos úteis ao conhecimento do pedido;
b) O processo judicial tributário é, pelo menos, desde a Lei Geral Tributária, um processo de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais;
c) Como processo de partes, toda a prova requerida pelas partes tem de ser produzida, salvo se ela for manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária (art.° 113.° do CPPT), não bastando apenas a existência de um “bonus fumus juris” de que a prova pode ser impertinente, inútil ou desnecessária;
d) A impugnante tem o direito de usar os meios de prova previstos em direito.
e) Sendo assim, não pode o juiz recusar a produção de prova testemunhal que lhe haja sido pedida.
f) No seu juízo sabre a utilidade das provas, o juiz não pode antecipar qualquer possível resultado das mesmas, com a natureza de uma presciência, tendo de formar o seu juízo apenas em função da adequabilidade do meio probatório tal como está legalmente conformado para a prova dos factos que se pretendem, tendo de entrar nessa decisão em linha de conta as possíveis soluções de direito que a factualidade alegada probanda seja susceptível juridicamente de alcançar.
g) A produção e requisição da prova requerida pela impugnante nunca poderá ter-se como “manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária”, para utilizar a linguagem do STA.
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se a notificação das testemunhas a fim das mesmas prestarem depoimento.”

Não houve contra-alegações.

Relativamente ao recurso da sentença, a Recorrente F..., Lda. terminou as suas alegações de recurso da seguinte forma:
“a) Em 1 de Janeiro de 2010 entrou em vigor, por força do disposto no art.º 16.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, o novo Sistema de Normalização Contabilística (SNC).
b) Por mor da entrada em vigor desse diploma e do disposto nos seus n.ºs 3.1 e 4.1 do seu anexo, foi publicada a Portaria n.º 1011/2009, de 9 de Setembro, tendo essa Portaria procedido a uma nova definição/arrumação das contas.
c) Aquando da realização da inspecção tributária, vigorava já o SNC.
d) E a recorrente tinha procedido, a partir de 1 de Janeiro de 2010, à conversão das contas criadas e existentes no tempo de vigência do POC para as novas contas decorrentes da aplicação do SNC.
e) A conta n.º 27820, a que se refere a sentença, é a Conta que, no regime do SNC, sucedeu à Conta 26820, do tempo do POC: no tempo do POC, servia para contabilizar as operações relativas a “Outros devedores e credores”, no tempo do SNC, as operações relativas a “Outras Contas a pagar e a receber”.
f) Nos anos de 2007, 2008 e 2009, a recorrente nunca efectuou quaisquer lançamentos numa conta 27820, Acréscimos e Diferimentos, Dr. F..., como resulta dos respectivos balancetes respeitantes a esses anos.
g) Só por erro de simpatia com os registos das idênticas operações, realizadas com relação aos exercícios de 2010 e seguintes, na apreciação da contabilidade relativa aos anos de 2007, 2008 e 2009, é que se pode admitir que o julgador tenha entendido que a recorrente efectuou, na vigência do POC, qualquer registo na conta 27820.
h) O relatório de inspecção não dá conta da existência de qualquer conta 27820, no tempo do POC, sendo que, a existir, ela teria de constar do balancete de cada um dos anos.
i) Por outro lado, a Conta 12101 já no sistema do POC dizia respeito a “Depósitos à Ordem”, tal como, de resto, no SNC.
j) Mas essa Conta admitia uma Subconta de “erros contabiliz”, para registo de operações cujo lançamento, a crédito ou a débito, na conta “Depósitos à Ordem” houvesse sido efectuada com erro.
l) Ao contrário do considerado no ponto 13 do probatório, as transferências bancárias aí referidas, nos anos de 2007, 2008 e 2009, nunca foram efectuadas numa conta POC 27820 “Acréscimos e Diferimentos-conta Dr. F...”, mas tão só na conta POC 26820, Outros devedores e credores, Dr. F... e na conta POC 12 101, Depósitos à ordem-Erros de contabiliz.”;
k) Não se pode esquecer o valor reduzido dos lançamentos levados à Conta 12101, próprio de erros de contabilização, de apenas €3.500,00;
m) Impõe-se dar como provado que, também, em 2007, 2008 e 2009 as transferências bancárias mensais da conta da sociedade (Caixa e Bancos), para duas contas bancárias tituladas pelo sócio gerente F..., foram lançadas duas na conta 26820, Outros devedores e credores-Dr. F... e quatro lançadas na Conta 12101, Depósitos à Ordem-Erros de contabiliz.”, nos valores respectivos de € 66.950,00 e €3.500,00.
n) Estando provado que a quantia de €105.000,00 diz respeito a transferências bancárias mensais da conta da sociedade (Caixa e Bancos) para duas contas bancárias tituladas pelo sócio gerente F..., não se vê que possa ser-lhe atribuída uma natureza contabilística diferente das demais transferências mensais, por força do princípio contabilístico da congruência no tratamento no registo das operações.
o) Deve ser dada à parte impugnada da sentença a mesma solução de direito, com cuja formulação se concorda, adoptada para a parte do pedido que procedeu.
Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a douta sentença recorrida na parte recorrida, anulando-se totalmente o acto tributário impugnado.”
Não foram apresentadas contra-alegações.

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1 – O Tribunal “a quo” julgou parcialmente procedente a impugnação, nos autos acima identificados, por ter considerado que relativamente a transferências efectuadas das contas bancárias da sociedade impugnante F..., LDA, para as contas bancárias do sócio-gerente Dr. F... lançadas na contabilidade no conta 26820, do Plano Oficial de Contabilidade, em vigor à data, nos anos de 2007, 2008 e 2009, nos montantes de respectivamente, € 26.000,00, € 28.000,00 e € 76.199,00 e regularizações de saldos de contas de disponibilidades, por contrapartida do movimento a débito da mesma conta 26820, nos mesmos anos de 2007, 2008 e 2009, nos montantes de, respectivamente €50.000,00, € 43.325,40 e € 95.930,42, a Administração Tributária não demonstrou os pressupostos legais da sua actuação, ao quantificar as quantias em causa como adiantamentos por conta de lucros, tributáveis nos termos do art. 5.º, n.º 2, alínea h do Código do IRS.
2 - Por ter entendido que a Administração Fiscal, não demonstrou, como lhe cabia, que tais quantias, contabilizadas naquela conta 26820, estavam mal contabilizadas e não tinham nenhuma das naturezas que ali poderiam cair, por força do POC, nomeadamente a natureza de “ empréstimos correntes”, conclusão decorrente de na matéria de facto dada como não provada, ter considerado como tal, o facto de estas quantias não serem empréstimos gratuitos efectuados pela sociedade ao sócio-gerente.
3 - No entanto, tal conclusão assenta, com todo o respeito pela douta sentença proferida, num erro na apreciação da prova.
3 - As quantias em causa, a terem a configuração de mútuos efectuados pela sociedade ao sócio, como, invocado pela impugnante, deveriam ter sido classificadas na conta 25, mais concretamente na conta 2551, pois esta era a conta respeitante aos empréstimos a sócios, excepcionada nas Notas Explicativas do POC, relativas à conta 268, existindo doutrina relevante, na área da contabilidade neste sentido.
4 - Pelo que, estando a contabilização incorrectamente efectuada numa conta de terceiros (268-Devedores e credores diversos) e não existindo quaisquer elementos na contabilidade que justificassem tratar-se de mútuos efectuados pela sociedade ao sócio, parece-nos enfermar de erro, com todo o respeito, considerar-se não provado que a contabilidade não demonstra existirem os invocados contratos de mútuo.
5 - Reconhecendo alguma deficiência na explanação constante do Relatório de Inspecção, a argumentação da Inspectora Tributária demonstra, no entanto, que os movimentos a favor do sócio-gerente não podiam ter a natureza de mútuos, estando implícito que não se encontram registadas na conta correcta, assentando nesta má contabilização, o pressuposto que conduziu à tributação, cabendo à Impugnante alegar e provar factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo da AF, de tributação dos movimentos das quantias em causa, como adiantamentos por conta de lucros.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que conclua pela verificação dos pressupostos de facto, que fundaram a tributação das quantias em causa como adiantamentos por conta de lucros, enquadráveis na previsão legal do art. 5.º, n.º 2, alínea h) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, que conduziu parcialmente às liquidações de retenções na fonte de IRS impugnadas, assim se fazendo JUSTIÇA.”

A Recorrida F..., Lda. apresentou contra alegações, tendo concluído nos termos seguintes:
“1 - Os recursos jurisdicionais visam modificar as decisões recorridas e daí que o seu objecto sejam os vícios e os erros de julgamento que o recorrente lhes atribua.
2 - Assim torna-se imprescindível que o recorrente na sua alegação de recurso desenvolve um ataque pertinente e eficaz aos elementos do silogismo judiciário em que assentou a decisão recorrida.
3 - Não o tendo o recorrente procurado demonstrar o desacerto dos concretos fundamentos da decisão recorrida, com indicação dos vícios ou erros que o afectam, o recurso necessariamente improcede.
4 - A AF tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a efectuar a correcção em causa, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito) e mediante uma fundamentação expressa e acessível, compreendendo-se esta exigência em face das pluralidade de razões que impõem a exigência de fundamentação dos actos administrativos, que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, até à garantia da transparência e da ponderação da actuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico e jurisdicional do acto.
5 - Como se afirma na sentença recorrida, “a AF tinha que ter dito mais do que o que disse, ou seja, tinha que ser ela, uma vez que lhe competia demonstrar os pressupostos legais da sua actuação, a vir demonstrar, em primeira linha, que as quantias registadas naquela conta corrente estavam mal contabilizadas e não tinham nenhuma das naturezas que ali poderiam cair por força do POC, nomeadamente, a natureza de “empréstimos correntes”.
Termos em que e nos mais de direito deve o recurso interposto improceder com as legais consequências.”
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento a todos os recursos interpostos.
****
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
****
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir acerca da legalidade do despacho interlocutório, que dispensou a produção de prova testemunhal, e se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao ter julgado de forma parcialmente diferente as correcções que foram qualificadas como adiantamento por conta dos lucros ao sócio-gerente da impugnante.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

O despacho interlocutório, proferido em 16/03/2012, tem o seguinte teor:
“Não se encontram factos alegados susceptíveis de prova testemunhal, razão pela qual se indefere o requerimento de prova.

Na sentença prolatada em 25/01/2013 foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
3.1. Factos Provados:
1. A Impugnante é uma sociedade comercial por quotas, com sede na Rua…, em Coimbra, que tem por objecto a prestação de serviços de medicina dentária, com dois sócios, F… e P…, sendo o primeiro gerente (fls. 123 e 124 do P.A.);
2. Através da Ordem de Serviço n.º OI201000456, da Direcção de Finanças de Coimbra, foi efectuada uma inspecção externa à Impugnante, aos exercícios de 2007, 2008 e 2009 (fls. 174 do PA);
3. Em resultado da inspecção efectuada, foi elaborado um “Projecto de Relatório de Inspecção Tributária”, sancionado superiormente, que aqui se dá por integralmente reproduzido, incluindo os seus anexos, do qual consta, designadamente, que foram efectuadas correcções “de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal” relativas a Retenção na Fonte de IRS, para os anos de 2007, 2008 e 2009, no valor de € 36.220,00, € 27.655,08 e € 35.125,88, respectivamente, nomeadamente, com os seguintes fundamentos:
III.3.2 – Controle de outros registos contabilísticos – Levantamentos/meios de pagamentos
Quanto às saídas de meios monetários, verificou-se que no ano de 2007, se encontram contabilizados mensalmente a débito da conta Caixa, por contrapartida da conta Depósitos à Ordem, valores que correspondem aos cheques levantados, apurados com base no extracto bancário da conta da empresa. Os pagamentos das despesas encontram-se lançados essencialmente, a crédito da conta Caixa.
Deve-se tal procedimento contabilístico, segundo explicação dada, às dificuldades verificadas ao nível da identificação dos cheques levantados e correspondente pagamento de despesas.
De facto, na contabilidade e nos documentos em arquivo, em muitas situações, não são feitas referências ao meio de pagamento utilizado, limitando ou impossibilitando assim a conferência dos mesmos.
Continuando a análise à conta Caixa, verifica-se que foi lançado a crédito um documento interno no valor de € 50 000,00, sem descrição que o justifique, sendo a contrapartida o débito da conta 26802 – Dr. F..., conforme anexo 15, fls. 1 a 8. Tal movimento contabilístico expressa a regularização do saldo de Caixa, que de outro modo não tinha aderência à realidade. Perante estes factos constata-se, que as saídas dos meios monetários são superiores às despesas contabilizadas.
Relativamente ao exercício de 2008, e mantendo-se as insuficiências ao nível do controle interno atrás referidas, o sujeito passivo procedeu à conciliação bancária da conta de Depósitos à Ordem, para o que elaborou mapa de conciliação bancária, que constitui o Anexo 16, fls. 1 a 4, e que consiste num apanhado dos movimentos que constam do extracto bancário e não constam do extracto contabilístico. Assim:
- O saldo da conta de Depósitos à Ordem evidenciado no balanço, foi obtido através do controle dos recebimentos e dos pagamentos feitos com base nos extractos emitidos pela entidade bancária – entradas e saídas efectivas de meios da empresa, sendo o saldo contabilístico acertado com o saldo evidenciado no extracto bancário.
- No seguimento do referido controlo, foi efectuado movimento contabilístico a crédito da conta de Depósitos à Ordem no valor de € 194 614,00, com base no documento interno com o número 2, em Anexo 17, fls. 1 a 3, por forma a serem colmatadas as irregularidades do saldo contabilístico desta conta, traduzidas num saldo elevado, sem qualquer aderência à realidade. De facto, caso não fosse efectuado o acerto antes referido de € 194 614,00, o saldo contabilístico seria de € 195 981,00, divergindo totalmente do saldo real, que assume o valor de € 1 367,00 ou € 4 827,00 considerando movimentos os ainda não registados no extracto bancário.
Junta-se em Anexo 18, fls. 1 a 3, extracto contabilístico da conta Depósitos à Ordem e extracto bancário da mesma conta.
Pelo mesmo documento e mesma finalidade, foram efectuados movimentos de regularização dos saldos de várias contas designadamente: Caixa, Fornecedores e conta de sócio 26820 – Dr. F..., na qual foi lançada a débito a importância de € 110 272,42.
Também quanto a 2009, efectuada idêntica análise se verifica, conforme lançamento do documento interno nº 2 de 2009, em Anexo 19, fls. 1 a 4 que o sujeito passivo procedeu a movimentos de regularização de saldos contabilísticos em contas de fornecedores, na caixa (lanç. crédito de € 69 000,00) tendo debitado a conta “26802 – Dr. F...” por € 53 372,76 (acertos 2009).
Ainda em 2009, foi lançada a débito da conta do sócio o valor de € 42 557,66, referente a acerto da conta de depósitos à Ordem de 2007 – Anexo 19, fls. 3 e 4.
Concluiu-se das verificações e análises feitas, que os movimentos efectuados a débito da conta 26802 – Dr. F..., expressam levantamentos sem identificação de despesas, levantamentos ou pagamentos de despesas identificados como tendo sido feitos pelo sócio, bem como transferências para as suas contas bancárias.
Em consequência, vão ser apurados seguidamente valores objecto de proposta de tributação.
III.4 – Proposta de Tributação – Adiantamento por conta de lucros
A – Movimentos na conta bancária da empresa relacionados com o sócio gerente – Transferências bancárias – 2007, 2008 e 2009
Verificados os movimentos nos extractos bancários em arquivo documental, constatou-se haver mensalmente, transferências bancárias para duas contas abertas na entidade bancária Santander Totta em nome do sócio gerente.
Dos talões bancários, em Anexo 20, fls. 1, retiram-se os nomes e números que se indicam:
· Dr. F…, nº 14343727020
· F…, nº 30704480001
Os valores das transferências, que se interpretam como adiantamentos por conta de lucros, foram apurados em mapas elaborados em 2007, 2008 e 2009, e são os que constam do quadro seguinte:
AnosValoresAnexos
2007131 100,00Anexo 21, fls. 1 a 35
200894 950,00Anexo 22, fls. 1 a 40
200979 699,00Anexo 23, fls. 1 a 36
TOTAL305 749,00
B – Valores das regularizações de saldos de disponibilidades – conta 26820 – Dr. F...
Como se relatou anteriormente, no item III.3.2, o sujeito passivo efectuou movimentos contabilísticos de regularização de saldos das contas de disponibilidades, algumas vezes designados de acertos, por contrapartida de movimentos a débito da conta 26820 – Dr. F....
Com efeito, temos em síntese as seguintes situações irregulares:
· Em 2007, o valor da regularização foi de € 50 000,00;
· Em 2008, o SP contabilizou na conta 26820, transferências no valor de € 28 000,00 (Janeiro a Março) e ainda a importância de € 110 275,40 (conforme anexo 17) que inclui quantias transferidas que não haviam sido registadas na conta do sócio, o que perfaz € 138 275,40.
Tendo em conta as transferências atrás apuradas e o total contabilizado, como consta no quadro que se segue, apurou-se o valor de € 43 325,40 resultante de regularizações de saldos.

Valores
1. Transferências apuradas94 950,00
2. Total contabilizado a)138 275,40
3. Regularização de saldo (2-1)43 325,40

· Em 2009, os acertos do saldo bancário de 2007 e de 2009 foram respectivamente de € 42 557,66 e de € 53 372,76.

Em face da análise produzida, interpretamos os valores lançados em conta corrente do sócio, que resultam da regularização de saldos de meios monetários como adiantamentos por conta de lucros, nos valores de € 50 000,00, € 43 325,40 e € 95 930,42, respectivamente em 2007, 2008 e 2009.

C – Fluxos financeiros – Empréstimos bancários – Investimentos

Da análise à conta 23 – Empréstimos Bancários e aos extractos bancários da conta da empresa, verificamos que a entrada de fluxos financeiros a título de empréstimos de curto prazo (livranças, que são liquidadas, e contraídas novas livranças) nos anos em análise, tem alguma relevância no quadro da empresa.
Não espelhando a contabilidade na conta 23 – Empréstimos, todos os empréstimos e reembolsos dos mesmos (segundo foi dito por falta de apresentação dos documentos) procedeu-se através dos extractos bancários da conta da empresa ao levantamento das entradas de fluxos financeiros a título de empréstimos, evidenciando-se no quadro seguinte os empréstimos contraídos e a sua liquidação:

Empréstimos obtidosData da liquidação
DataValores
2007-06-1322 000,002007-07-20
2007-10-3125 000,002008-02-01
2008-02-1520 000,002008-04-09
2008-04-0915 000,002008-06-13
2008-06-1310 000,002008-08-21
2008-08-253 750,002008-11-11
2008-10-0740 000,002008-11-13
2008-11-1332 000,002009-02-04
2009-02-0424 000,002009-04-03
2009-04-0320 000,002009-05-07
2009-04-0316 000,002009-06-02
2009-06-0212 000,002009-07-06
2009-07-194 000,002009-08-19
2009-10-0130 000,00
Neste contexto, importa realçar que o sujeito passivo nos anos em análise praticamente não realizou investimentos, tendo apenas adquirido, como anteriormente se relatou, uma viatura, que financiou através de locação financeira, não se destinando assim os empréstimos a financiamento de investimentos. Também da análise que fazemos da actividade, não se concluiu gerar a mesma situações deficitárias de tesouraria, que justifiquem o recurso ao crédito.

Assim, da apreciação conjunta dos factos relatados, afigura-se-nos que estamos perante uma empresa que gera excedentes de tesouraria, o que permite concluir que a situação de endividamento se deve apenas à prática reiterada de retiradas monetárias, pagamentos de despesas da esfera pessoal e outros levantamentos efectuados pelo sócio gerente, realidade que não foi objecto de qualquer tributação.
D – Adiantamento por conta de lucros – Retenções na fonte

As situações relatadas, traduzidas em levantamentos mensais de quantias por parte do sócio da conta bancária da sociedade (transferências bancárias) e em valores contabilizados em conta corrente do sócio (26802 – Dr. F...) resultantes de regularizações dos saldos de disponibilidades, nos anos de 2007, 2008 e 2009, configuram uma retirada de fundos por parte do sócio qualificável como Rendimentos de Capitais – Adiantamento por Conta de Lucros, sujeitos a IRS de acordo com o disposto na al. h) do n.º 2 do art.º 5.º do Código do IRS.
Ora os rendimentos de capitais provenientes da distribuição de lucros ou de adiantamentos por conta de lucros estão sujeitos a retenção à taxa liberatória de 20%, conforme dispõe a alínea c) do n.º 3 do artigo 71º do CIRS (sem prejuízo da opção pelo seu englobamento, conforme nº 6 do referido artigo 71º).
Assim, a empresa encontrava-se obrigada a efectuar a retenção na fonte, em cumprimento do disposto no artigo 101º do CIRS. Reportando-se a situação a Dezembro de 2007, 2008 e 2009, deveriam os montantes de retenção na fonte ter sido entregues nos cofres do Estado, no prazo estabelecido no artigo 98º do CIRS, que se apresentam no quadro que se segue:

Descrição200720082009
Transferências Bancárias131 100,0094 950,0079 699,00
Regularizações de saldos de disponibilidades50 000,0043 325,4295 930,42
Adiantamentos por conta de lucros181 100,00138 275,42175 629,42
Retenção na fonte à taxa de 20%36 220,0027 655,0835 125,88

(…)” (fls. 190 a 195 do PA);
4. O Projecto de Relatório a que se refere o ponto 3. supra foi enviado para a morada da sede da Impugnante, por carta registada com a data de 14-01-2011, para efeitos do exercício do direito de audição previsto nos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPIT (fls. 171 a 173 do P.A. em apenso);
5. Em 02-02-2011 foi elaborado Relatório de Inspecção Tributária, sancionado superiormente, que aqui se dá por integralmente reproduzido, com o mesmo teor do Projecto, parcialmente transcrito no ponto 3. supra, a que acresceu a informação de que a Impugnante, notificada, não exerceu o direito de audição (fls. 202 e ss. do P.A. em apenso);
6. O Relatório a que se refere o ponto anterior foi enviado para a sede da Impugnante através de Ofício n.º 2223, de 2011-02-10, remetido através carta registada com A/R, assinado em 15-02-2011 (fls. 200 e 201 do P.A.);
7. Em 29-06-2011 deu entrada no Serviço de Finanças de Coimbra 1 um requerimento, intitulado “Processo de Reclamação Graciosa”, que aqui se dá por integralmente reproduzido, enviado por correio registado com data de 28-06-2011, de teor essencialmente idêntico ao da presente p.i., arrolando, a final, uma testemunha e juntando documentos (fls. 5 a 18 do P.A. em apenso);
8. Sobre o requerimento a que se refere o ponto 7. supra, em 05-08-2011, foi elaborado, pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra, um projecto de decisão de indeferimento, que aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual, para o que ora importa, tem, nomeadamente, o seguinte teor: “Desta forma, os valores lançados na conta do sócio serão de qualificar como adiantamentos por conta de lucros, cuja incidência vem prevista no já citado art.º 5º alínea h) do CIRS, por força da presunção do art.º 6º, nº 4 do CIRS, que pode ser ilidida com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento da Direcção-Geral dos Impostos, conforme nº 5 do citado art.º 6º do CIRS.
As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, nos termos do art.º 73º da LGT, sendo que o artº 64º do CPPT e para efeitos da ilisão de qualquer presunção prevista nas normas de incidência tributária, podem os interessados solicitar a abertura do procedimento contraditório próprio, mediante petição, instaurado no órgão periférico local da área do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação, sendo aceites todos os meios de prova, de harmonia com o disposto no art.º 50º do CPPT.
Neste caso concreto, a reclamante optou pela reclamação graciosa, que conforme determina o art.º 69º do CPPT, caracteriza-se pela simplicidade de termos e brevidade das resoluções e confina-se à anulação total ou parcial dos actos de liquidação de impostos, cujos meios de prova, nos termos da alínea e) do mesmo artigo, está limitado à forma documental.
Tal limitação implica que a sociedade reclamante fizesse prova, pela forma documental, que os lançamentos na conta corrente do sócio (movimentos contabilísticos de regularização de contas de disponibilidades, cuja contrapartida foram movimentos a débito da conta 26820 – Dr. F...), não fossem de qualificar como lucros ou adiantamentos por conta de lucros, sendo certo que o alegado mútuo gratuito e de forma continuada, além de extravasar o objecto social da empresa, em nada constituiu uma vantagem para a sociedade.
Por tal facto, a liquidação de IRS e Juros Compensatórios, que teve como base as retiradas continuadas de fundos da empresa, ora reclamante, por parte do sócio gerente, nos anos de 2007, 2008 e 2009, serão qualificáveis como “Rendimentos de Capitais – Adiantamentos por Conta de Lucros”, nos termos do art.º 5º, nº 2 alínea h) do CIRS, e por isso sujeitos a retenção na fonte a uma taxa liberatória de 20%, conforme vem estabelecido no art.º 98º do mesmo diploma.
Conclusão
(…)
Da liquidação e juros compensatórios associados, veio a reclamante controverter com o argumento que se tratariam de empréstimos a título gratuito, feitos pela sociedade ao sócio, e por isso, afastados da presunção que qualifica aqueles valores como rendimentos de Capitais, nos termos do art.º 5º, nº 2, alínea h) do CIRS.
Verificado nos autos:
- que a atribuição de empréstimos não faz parte do objecto social da sociedade;
- que pelo menos um deles, no valor de 50.000 € carecia de ser reduzido a escrito;
- que o escopo da sociedade é obter lucros, pelo que não tem cabimento que faça empréstimos sem documento comprovativo ou confissão de dívida:
- que mesmo que se considere actos extravagantes, estes para além de não terem trazido qualquer benefício à sociedade ainda contribuíram para a situação deficitária da empresa, conforme vem referido no relatório da Inspecção Tributária;
- que através da reclamação graciosa a reclamante está confinada à prova documental, não tendo, contudo, apresentado quaisquer documentos que comprovem os factos alegados.
Razão que se considera não ter havido ilegalidade na liquidação de IRS e Juros Compensatórios.
Termos que somos de parecer que a presente reclamação deva merecer o indeferimento.” (fls. 141 e ss. do P.A. em apenso);
9. O Projecto de decisão a que se refere o ponto anterior foi, para os efeitos do art. 60.º n.º 1 b) da LGT, enviado ao Exmo. Mandatário da Impugnante, por ofício n.º 11938, de 2011-09-08, através de carta registada com A/R, assinado em 09-09-2011 (fls. 135 a 137 do P.A.);
10. Por despacho de 29-09-2011 do Director de Finanças, baseado na informação de 28-09-2011, que deu conta do não exercício do direito de audição por parte da reclamante, foi a reclamação graciosa indeferida, “tornando agora definitivo o projecto de decisão em apreço, notificado ao Reclamante, e nos termos e com os fundamentos no mesmo já aduzidos” (fls. 138 do P.A. em apenso);
11. A decisão a que se refere o ponto anterior foi enviada ao Exmo. Mandatário da Reclamante, por ofício n.º 13710, de 2011-10-14, através de carta registada com A/R, assinado em 17-10-2011 (fls. 157 a 159 do P.A. em apenso);
12. Em 02-11-2011 deu entrada neste Tribunal a presente impugnação, remetida por correio registado, com data de 31-10-2011 (cfr. fls. 2 e 28 dos autos).
Mais se provou que:
13. Nos anos de 2007, 2008 e 2009 foram feitas transferências bancárias mensais da conta da sociedade para duas contas bancárias tituladas pelo sócio gerente F..., algumas sem lançamento contabilístico, duas lançadas na conta “27820” e quatro lançadas na conta “12101” com a menção “erro contabiliz.”, nos valores de € 105.100,00, € 66.950,00 e € € 3.500,00, respectivamente para os anos de 2007, 2008 e 2009 e outras com lançamento na conta “26820”, , no valores de € 35.500,00, € 28.000,00 e € 76.199,00, respectivamente, para os anos de 2007, 2008 e 2009, conforme, fls. 382 a 385, 418 a 419 e 459 a 461, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nos valores totais de € 131.100,00, 94.950,00 e 79.699,00 (cfr. extractos bancários e apanhados para cada um dos anos, constantes dos anexos 21, 22 e 23 ao Relatório, de fls. 382 e ss. do P.A. em apenso);
14. Durante os anos de 2007, 2008 e 2009 foram efectuados movimentos de regularização de saldos nas contas da contabilidade de disponibilidades (caixa e bancos) por contrapartida do movimento a débito da conta “26820 – Dr. F...”, no montante total de € 50.000,00, € 43.325,40, € e € 95.930,42, respectivamente (cfr. Anexos 17, 18, 19 e 21, fls. 4, a fls. 366 e ss. do P.A.);

3.2. Factos não provados
1. As quantias de € 105.100,00 € 66.950,00 e € 3.500,00, respectivamente, dos anos de 2007, 2008 e 2009, sem lançamento contabilístico, duas lançadas na conta “27820” e quatro lançadas na conta “12101” com a menção “erro contabiliz.”, a que se referem o ponto 13. dos factos provados são quantias mutuadas pela sociedade de forma gratuita ao sócio (estando em causa a demonstração da existência de mútuos e a sua alegada gratuitidade, é patente que a prova teria que ser feita, em primeira linha, através de documentos, desempenhando a prova testemunhal um papel, quando muito, complementar. Estes dois factos (mútuos e gratuitidade dos mesmos), tendo em conta a sua natureza e o facto de se tratar de uma sociedade comercial, sujeita a contabilidade organizada, e, principalmente, às exigências de forma impostas pelo art. 1143.° do Código Civil - que, na redacção em vigor em 2007, para as quantias superiores a € 2.000,00 e em 2008, para as quantias superiores a € 2.500,00, exigia, pelo menos, a forma escrita, sendo que para as quantias superiores a € 20.000,00 (2007) e € 25.000,00 (2008) a forma era a escritura pública -, nunca poderiam dar-se como provados exclusivamente com base na prova testemunhal, Ora, nem em sede de procedimento de inspecção, nem em sede de reclamação graciosa, nem na presente, a Impugnante juntou algum documento que demonstrasse os mútuos e a sua gratuitidade, nomeadamente, documentos escritos, registos contabilísticos, etc., nem sequer algum movimento de sentido contrário, ou seja, de devolução dos montantes alegadamente mutuados à sociedade, motivo pelo qual foi entendido ser a prova testemunhal inútil no presente caso);
2. As quantias as que se refere o ponto 14. supra, bem como as quantias de € 26.000,00, € 28.000,00 e € 76.199,00, respectivamente para os anos de 2007, 2008 e 2009, todas com lançamento contabilístico na conta “26820”, a que se refere o ponto 13. supra, não correspondem a empréstimos gratuitos (nem no Relatório de Inspecção, nem na presente Impugnação a FP demonstra esta situação, sendo certo que esta conta, de acordo com o POC, aplicável à data, era a conta onde, nomeadamente, eram registados os empréstimos correntes que não fossem de registar nas contas 25 - accionistas, 2623 - outros devedores e credores - pessoal - adiantamentos aos órgãos sociais ou 2624 - pessoal - adiantamentos ao pessoal).
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico dos documentos que constam dos autos, não impugnados, e do Processo Administrativo em apenso, cuja relevância foi referida a propósito de cada ponto.

2. O Direito

A sociedade Recorrente, em face da decisão final proferida na presente impugnação judicial, não parece ter desistido do recurso que interpôs do despacho interlocutório que subiu com a decisão da causa também recorrida. Tanto mais que continua a afirmar que a inquirição da testemunha oferecida se revela pertinente para a instrução probatória e para a boa decisão da causa.
Quando arrolou a testemunha na sua petição inicial, atento o seu teor, tinha, certamente, em vista fazer prova dos factos alegados nos artigos 13.º e 14.º, relativos às circunstâncias e motivos por que as quantias em apreço nos autos teriam sido transferidas da sociedade para o seu sócio.
Nas alegações de recurso referentes à sentença final, a sociedade Recorrente acaba por condescender, em sintonia com a fundamentação ínsita na decisão da matéria de facto (cfr. factos não provados), concordando com a asserção de que a natureza dos factos em causa demanda que a sua prova seja efectuada, essencialmente, através de documentos. Contudo, ainda refere que não se segue daí que o depoimento não possa revelar-se útil para a compreensão dos registos contabilísticos efectuados, maxime, no que importa à concreta aplicação efectuada dos alegados diferentes regimes contabilísticos e à ausência de indicação, nos balancetes dos anos de 2007, 2008 e 2009, de qualquer conta com o código 27820, Acréscimos e Diferimentos, Dr. F....
Ora, como agora já temos o sentido da decisão final, o alcance das alegações formuladas no âmbito do despacho interlocutório assume outra dimensão:
Relembra-se que o tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do Código de Processo Civil (CPC), quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente – cfr. artigo 660.º do CPC.
Nesta conformidade, importa começar por apreciar os recursos que incidem sobre a decisão final e aí avaliar a influência que poderá ter, de acordo com o julgamento que se vier a fazer, a dispensa da produção da prova testemunhal.
A sociedade Recorrente não deixa de afirmar que a decisão recorrida, de indeferimento da produção de prova testemunhal, parte da compreensão errada da inadmissibilidade de produção de prova testemunhal que seja meramente instrumental. Reiterando que essa prova não pode deixar de ter-se como útil à decisão da causa, como é o caso de saber-se que aplicação foi efectivamente efectuada do novo Sistema de Normalização Contabilística (SNC) e a que tipo de operações dizem respeito os lançamentos efectuados e se dos balancetes, de cada um dos anos de 2007, 2008 e 2009, foi feita constar alguma conta 27820, Acréscimos e Diferimentos, Dr. F....
Comecemos, então, pelos fundamentos de recurso apontados pelos Recorrentes à sentença recorrida.
Para o que aqui releva, estava em causa na impugnação judicial apreciar se houve erro na qualificação dos montantes transferidos para o sócio enquanto adiantamento por conta de lucros, por se tratar de mútuos gratuitos e se a AT não demonstrou a base da presunção, constante do n.º 4 do artigo 7.º (agora, artigo 6.º, n.º 4) do CIRS, ou seja, se não demonstrou que as quantias haviam sido escrituradas na sua conta corrente e que as mesmas não resultavam de mútuos, prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais, caso em que não pode funcionar tal presunção de que as quantias são adiantamentos por conta de lucros.
Para tanto, tendo a Meritíssima Juíza encontrado, conforme resulta da fundamentação do acto no RIT, várias formas de entrada dos valores da sociedade na esfera do sócio-gerente, acabou por tratar de modo diferenciado as correcções efectuadas, nos seguintes termos:
“(…) No caso concreto, existem duas situações distintas, ambas reconduzidas ou qualificadas de adiantamento por conta de lucros por parte da AT:
A primeira, refere-se às transferências bancárias mensais da conta da sociedade para as contas bancárias do sócio gerente, a que se refere o ponto 13. do probatório e, dentro desta, ao facto de algumas das transferências não terem lançamento contabilístico, estarem lançadas na conta 27820 ou na conta 12101 com a menção “erro contabil.” e outras se encontrarem lançadas na conta 26820 já identificada;
A segunda, refere-se às regularizações de saldos das contas de disponibilidades por contrapartida do movimento a débito da citada conta 26820.
Quanto à primeira das situações, relativa às transferências bancárias entre contas da sociedade e do sócio e, dentro desta, quanto às situações não relevadas contabilisticamente ou com a relevação 27820 (sendo que a conta 27 do POC se referia a “Acréscimos e diferimentos”, não havendo nele menção alguma a uma conta 278) ou 12101 “erro contabil” (a conta 12 refere-se, de acordo com o POC a depósitos à ordem), verifica-se que a AF demonstrou essas transferências através dos extractos bancários da empresa e com talões de transferência (ponto 13. do probatório), sendo certo que a origem de tais quantias não estava expressa na contabilidade, nomeadamente em qualquer conta corrente identificável ou cuja causa jurídica estivesse expressamente declarada. Ora, tendo demonstrado que os valores em causa foram transferidos para contas pessoais do sócio gerente, tal situação enquadra-se, claramente, no disposto nos n.° 1 e n.° 2 al. h) do art. 5.° do CIRS.
Neste sentido, cfr. Acórdão do TCA Sul de 22-02-2011, proc, n.° 04487/11: “O montante de proveito de uma sociedade directamente depositado na conta bancária pessoal de um seu gerente, que o não fez relevar na sociedade, tem de se entender que o foi a título de adiantamento por conta de lucros e que constitui um rendimento deste, a tributar em sede de IRS, categoria E, como rendimento de capitais, de englobamento obrigatório no rendimento colectável.”
Assim sendo, tem que se considerar que a AF, neste caso, demonstrou os pressupostos legais da sua actuação, o que significa que, se a impugnante pretendia pôr em causa a qualificação do facto tributário, de acordo com a jurisprudência acima citada, teria que alegar e provar factos (através de prova concludente) que pusessem em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado feito pela Administração para prova da existência do facto tributário.
Ora, da matéria de facto que o Tribunal julgou provada e não provada desde logo se verifica que tal não foi conseguido pela Impugnante.
Com efeito, esta limitou-se a alegar que tais quantias correspondiam a empréstimos gratuitos da sociedade ao sócio, não juntando qualquer documento susceptível de confirmar essa situação.
É certo que arrolou uma testemunha, mas, como se deixou dito acima, na fundamentação da matéria de facto, e aqui se recupera, estando em causa a demonstração da existência de mútuos e a sua alegada gratuitidade, é patente que a prova teria que ser feita, em primeira linha, através de documentos, desempenhando a prova testemunhal um papel, quando muito, complementar. Estes dois factos (mútuos e gratuitidade dos mesmos), tendo em conta a sua natureza e o facto de se tratar de uma sociedade comercial, sujeita a contabilidade organizada, e, principalmente, às exigências de forma impostas pelo art. 1143.° do Código Civil - que, na redacção em vigor em 2007, para as quantias superiores a € 2.000,00 e em 2008, para as quantias superiores a € 2.500,00, exigia, pelo menos, a forma escrita, sendo que para as quantias superiores a € 20.000,00 (2007) e € 25.000,00 (2008) a forma era a escritura pública -, nunca poderiam dar-se como provados exclusivamente com base na prova testemunhal. Como nem em sede de procedimento de inspecção, nem em sede de reclamação graciosa, nem na presente impugnação, a Impugnante juntou algum documento que demonstrasse os mútuos e a sua gratuitidade, nomeadamente, documentos escritos, registos contabilísticos, etc., nem sequer algum movimento de sentido contrário, ou seja, de devolução dos montantes alegadamente mutuados à sociedade, foi entendido ser a prova testemunhal inútil no presente caso, já que o Tribunal não se poderia convencer da realidade do alegado somente com base em prova testemunhal.
Acresce que é na própria contabilidade da Impugnante que existe uma dualidade, como se viu, de tratamento das situações: umas contabilizadas na conta 26820 e outras sem qualquer registo contabilístico. Ora, se estas últimas configuravam empréstimos, não se vê por que razão não foram naquela conta contabilizadas, como as restantes, o que reforça a ideia de que não tinham a mesma natureza.
Do que se deixa dito resulta que a Impugnante não conseguiu levantar dúvidas fundadas sobre a existência e qualificação destes factos tributários subjacentes à tributação impugnada, razão pela qual a mesma se tem que manter, improcedendo a presente impugnação nesta parte.
Depois, quanto às outras duas situações verificadas, a saber, transferências bancárias das contas da sociedade para as contas do sócio gerente, lançadas na contabilidade na conta 26820 (ponto 13. do probatório) e regularizações de saldos das contas de disponibilidades por contrapartida do movimento a débito da conta “26820 - Dr. F...” (ponto 14. do probatório), o raciocínio feito anteriormente, nos termos do art. 100.0 do CPPT, tem de se repetir, ou seja, tem de se verificar se a AT demonstrou os pressupostos legais da sua actuação ao qualificar as quantias em causa como adiantamento por conta de lucros. Só que, neste caso, ao contrário do anterior, as quantias qualificadas como tal estavam lançadas na contabilidade numa determinada conta - a conta 26820, ou seja, a origem de tais quantias estava expressa na contabilidade, nomeadamente nessa conta corrente.
Consultado o Plano Oficial de Contabilidade, ainda em vigor à data dos factos, nomeadamente o capítulo 12 - Notas explicativas, verifica-se que a conta 26 se intitula de “Outros devedores e credores” e que na conta 268 - “Devedores e credores diversos” estão abrangidas as dívidas derivadas de “Operações relacionadas com vendas de imobilizado”; empréstimos correntes que não sejam de classificar na conta 25 “Accionistas (sócios) ou em 2623”, “outros devedores e credores - Pessoal - adiantamentos ao pessoal’, subsídios atribuídos à empresa; outras operações relativas a dívidas de e a terceiros que não sejam de classificar na conta 25 “Accionistas (sócios) ou em 2628 ou 2629”. Intitulando-se a conta 26820 “Dr. F...”, parece daqui resultar que se tratava de uma conta onde eram registados os “empréstimos correntes que não sejam de classificar na conta 25 «Accionistas (sócios)»”. Por isso, a alegação da RFP de que não resulta da contabilidade que as quantias são mútuos, quanto a estes valores, não é correcta. E se assim era, então a AF tinha que ter dito mais do que o que disse, ou seja, tinha que ser ela, uma vez que lhe competia demonstrar os pressupostos legais da sua actuação, a vir demonstrar, em primeira linha, que as quantias registadas naquela conta corrente estavam mal contabilizadas e não tinham nenhuma das naturezas que ali poderiam cair por força do POC, nomeadamente, a natureza de “empréstimos correntes”. Só após tal demonstração por parte da AF, caberia à impugnante “alegar e provar factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado feito pela Administração para prova da existência do facto tributário ou da sua quantificação” (cfr. Ac. cit.).
Analisado o Relatório de Inspecção (cfr. ponto 3. do probatório onde o mesmo se encontra transcrito no que a estas correcções diz respeito), verifica-se que em parte alguma a AF tenta fazer tal demonstração, sendo que, aliás, nunca refere a natureza da conta onde tais valores se encontravam registados, limitando-se a relatar os movimentos contabilísticos e a concluir que “os movimentos efectuados a débito da conta 26820 - Dr. F..., expressam levantamentos sem identificação de despesas, levantamentos ou pagamentos de despesas identificados como tendo sido feitos pelo sócio, bem como transferências para as suas contas bancárias” e que “Os valores das transferências, que se interpretam como adiantamentos por conta de lucros” ou “Em face da análise produzida, interpretamos os valores lançados em conta corrente do sócio, que resultam da regularização de saldos de meios monetários como adiantamentos por conta de lucros”, ou ainda que “As situações relatadas, traduzidas em levantamentos mensais de quantias por parte do sócio da conta bancária da sociedade (transferências bancárias) e em valores contabilizados em conta corrente do sócio (26802 - Dr. F...) resultantes de regularizações dos saldos de disponibilidades, nos anos de 2007, 2008 e 2009, configuram uma retirada de fundos por parte do sócio qualificável como Rendimentos de Capitais - Adiantamentos por Conta de Lucros”. Ou seja, limita-se a concluir pela qualificação de adiantamento por conta de lucros, sem sequer configurar e afastar nenhuma das situações enquadráveis na própria conta onde tais quantias se encontravam registadas, nomeadamente, da possibilidade de se tratar de empréstimos correntes, como, aliás, defende a Impugnante.
De notar que a fundamentação das correcções a ter em conta é apenas a que consta do Relatório de Inspecção, contemporânea dos actos impugnados, não valendo os argumentos avançados, nomeadamente, em sede de reclamação graciosa, que, por serem posteriores, não podem pretender fazer parte dessa fundamentação.
Assim, e concluindo, quanto às correcções que se referem a regularização de saldos de disponibilidades por contrapartida da conta 26820 e às transferências bancárias da sociedade para o sócio registadas na contabilidade na conta identificada, pelo facto da AF, a quem cabia o ónus de provar os pressupostos de facto necessários ao enquadramento dos montantes em causa no artigo 5°, n.° 2, alínea h), do CIRS, não o ter feito, tal desobriga a impugnante de alegar e provar factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo da AF e, por isso, não podem tais correcções manter-se, procedendo a impugnação nesta parte. (…)”
Ora, foi este julgamento parcialmente procedente que motivou recursos por ambas as partes, incidindo sobre a decisão da matéria de facto.
Sustenta a sociedade Recorrente que a sentença errou no julgamento efectuado, em matéria de facto e de direito, sobre as operações imputadas à “Conta 27820 – Conta Dr. Guerra”, pelo que, correspondentemente, se impõe a alteração do quadro dos factos dados como provados e factos dados como não provados, bem como, decorrentemente, a solução dada a essa questão de direito.
Também a Recorrente Fazenda Pública argumenta existir erro na apreciação da prova. Defendendo que as quantias em causa, a terem a configuração de mútuos efectuados pela sociedade ao sócio, como, invocado pela impugnante, deveriam ter sido classificadas na conta 25, mais concretamente na conta 2551, pois esta era a conta respeitante aos empréstimos a sócios, excepcionada nas Notas Explicativas do POC, relativas à conta 268. Pelo que, estando a contabilização incorrectamente efectuada numa conta de terceiros (268-Devedores e credores diversos) e não existindo quaisquer elementos na contabilidade que justificassem tratar-se de mútuos efectuados pela sociedade ao sócio, entende a Fazenda Pública enfermar de erro considerar-se não provado que a contabilidade não demonstra existirem os invocados contratos de mútuo.
A AT acaba por reconhecer alguma deficiência na explanação constante do Relatório de Inspecção, mas, ainda assim, refere que a argumentação da Inspectora Tributária demonstra que os movimentos a favor do sócio-gerente não podiam ter a natureza de mútuos, estando implícito que não se encontram registadas na conta correcta, assentando nesta má contabilização o pressuposto que conduziu à tributação, cabendo à Impugnante alegar e provar factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo da AF, de tributação dos movimentos das quantias em causa, como adiantamentos por conta de lucros.
Não residem dúvidas, compulsada a fundamentação constante do RIT e das decisões que sobre o mesmo recaíram, que a AT, sempre que possível, teve na base da análise da situação concreta a contabilidade da sociedade também Recorrente, com referências permanentes aos códigos das contas e com junção dos respectivos documentos, muitas vezes por extractos das contas e por período temporal.
Por esse motivo e por a apreciação do acto impugnado dever partir da sua fundamentação para realizar as correcções em crise, a sentença recorrida colheu elementos no processo administrativo para motivar a respectiva decisão da matéria de facto e acabou por distinguir quantias relevadas nas diversas contas da contabilidade da sociedade Recorrente, designadamente, na conta 26820 e na conta 27820. Todavia, sempre reportadas ao Plano Oficial de Contabilidade (POC), por ser o sistema contabilístico que estava em vigor aquando dos lançamentos na contabilidade em causa – anos de 2007, 2008 e 2009. Afigura-se-nos natural esta abordagem, dado que o novo Sistema de Normalização Contabilística (SNC) somente entrou em vigor em 01/01/2010, por força do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, bem como a Portaria n.º 1011/2009, de 9 de Setembro, que procedeu a uma nova definição e ordenação das contas. Queremos com isto dizer que a leitura natural dos documentos ínsitos no processo administrativo seria por referência ao POC, dado que os registos que tenham sido efectuados nas contas o terão sido de acordo com a nomenclatura e arrumação vigente nesses anos - em 2007, 2008 e 2009.
No entanto, uma vez que na sentença recorrida se escalpelizou, com apoio nas notas explicativas do POC, a natureza dos registos que podiam ser efectuados nas contas, cujos extractos se mostram ínsitos no processo administrativo, os Recorrentes aí encontraram notórios erros, que a sociedade Recorrente explicou apontando para o facto de a acção inspectiva a que foi submetida ter decorrido já no ano de 2010, em plena vigência do SNC.
Nestes termos, por força da motivação da decisão da matéria de facto e pela própria fundamentação da sentença recorrida, suscita-se a dúvida quanto ao rigor na identificação das contas em causa. Isto porque a sociedade Recorrente veio esclarecer que, dando execução ao novo regime contabilístico, procedeu, a partir de Janeiro de 2010, data da entrada em vigor do novo SNC, à conversão para a designação/numeração do novo regime do SNC das Contas abertas ao tempo da vigência do POC.
Deste modo, o sistema contabilístico que já vigorava, aquando da realização da acção inspectiva e da elaboração do respectivo relatório, a que se referem os Pontos 2 a 9 do probatório da sentença recorrida, era o SNC, na versão saída dos referidos diplomas de 2009.
Alerta, por isso, a sociedade Recorrente que, ao tempo da realização da inspecção tributária, a contabilização das operações realizadas pela recorrente estava, então, já sujeita a esse novo SNC, seja no registo a efectuar em cada uma das Contas definidas na mencionada Portaria, seja na sua relevação nos respectivos balancetes, apresentados, de resto, em anexo no relatório da inspecção tributária. Estando a Recorrente obrigada a fazer a conversão/importação das Contas, na transição do sistema de contabilização segundo as regras do POC para as regras do SNC, com referência a 31 de Dezembro de 2009, por em 1 de Janeiro de 2010 entrar em vigor o novo SNC, não havia outra solução a dar, para o futuro (depois de 01/01/2010), do que contabilizar, depois de 01/01/2010, na Conta correspondente do SNC a realidade que estava espelhada na “Conta 26820-Dr. Guerra” na vigência do POC. Ora, segundo a sociedade Recorrente, essa conta apenas poderia ser a “Conta 27820-Dr. Guerra”, cuja rubrica é, precisamente, a de “Outras contas a receber e a pagar”. Deste modo, na sua óptica, os registos efectuados na “Conta 26820-Dr. Guerra”, subordinada às regras do POC, sob a rubrica “Outros devedores e credores”, têm a mesmíssima natureza contabilística dos que, posteriormente, vieram a ser levados ao registo sob a “Conta 27820-Dr. Guerra”, na vigência do SNC, sob a rubrica “Outras Contas a pagar e a receber”. Tendo em conta a natureza da nova Conta do SNC, definida em função não da posição subjectiva da sociedade nos créditos ou débitos, mas antes da existência real dos créditos e débitos contabilizados, é o registo contabilístico, nela efectuado, mais expressivo quanto à natureza das operações cujo valor é levado ao registo. Afirma, porém, a sociedade Recorrente que, em momento algum, contabilizou, na vigência do POC, fosse o que fosse numa Conta sob a rubrica de “Acréscimos e Diferimentos-conta Dr. F...”, que corresponderia à conta 27820.
Perante esta argumentação, fica claro que a decisão da matéria de facto se refere a contas vigentes no âmbito do POC, dado que o menciona expressamente; estando, portanto, essencialmente, impugnados os pontos 13 e 14 da matéria assente e os pontos 1 e 2 dos factos não provados.
O erro imputado à matéria vertida nestes pontos do probatório prende-se, basicamente, com a valoração da prova produzida e com eventual défice instrutório.
O alegado erro não é detectável à vista desarmada, todavia, o facto de a sentença recorrida referir que o POC não tem qualquer menção a uma conta 278, ficando-se pela detecção de uma conta 27 relativa a “Acréscimos e diferimentos”, indicia, claramente, que algo não está bem e que se justificaria uma melhor instrução para averiguar afinal a que respeita a conta 27820, antes de condicionar o desfecho da acção a tal constatação.
Efectivamente, a nomenclatura, a numeração e a ordenação das contas e dos seus códigos constantes do POC sofreram alterações com a entrada em vigor do SNC.
Se na conta 12101, tanto no POC como no SNC, se registam depósitos à ordem, já a mesma sintonia não acontece com as contas 26820 e 27820.
Vejamos:
Na conta 268 “Outras Operações” no SNC registam-se os movimentos com os accionistas não contemplados noutras contas, a que poderá corresponder no POC as contas 2519, 2529, 2539 ou 2559; ou seja, a conta 25 – sócios/accionistas no POC corresponde agora no SNC à conta 26 – sócios/accionistas.
Na conta 278 “Outros Devedores e Credores” no SNC registam-se outras operações referentes a contas a receber e a pagar que não se encontrem especificadas noutras contas, a que corresponderá no POC à conta 268 “Devedores e Credores Diversos”.
Confirma-se que não existe qualquer conta 278 no POC.
Nesta conformidade, a confirmar-se que os documentos constantes do processo administrativo reflectem já a transição para o novo sistema de contabilização, necessariamente, a fundamentação da sentença recorrida não poderia manter-se e, provavelmente, o desfecho da acção seria outro.
Porém, algumas dúvidas subsistem, pois não resulta evidente dos documentos nem da alegação de recurso se o procedimento de transição abrangeu todas as contas de 2007, 2008 e 2009 ou somente os registos efectuados em 2009 e, por outro lado, também não está comprovado se essa transferência está realmente reflectida nos documentos dos autos.
Estas incertezas decorrem do facto de alguns extractos de conta apresentarem visível a data da sua emissão e outros não e de se detectarem, para o ano de 2009, tanto registos na conta 27820 como na conta 26820, não sendo, portanto, claro, que a primeira corresponda à segunda numa eventual transição (cfr. o Anexo 23 ao RIT, que espelha os eventuais levantamentos feitos pelo gerente F... em 2009, onde se observam lançamentos feitos na conta 26820/1201 e na conta 27820).
Por outro lado, se também a identificação da conta 26820 corresponder afinal à conta 25 no POC, então já teremos de forma evidente um registo em conta que reflecte os movimentos com os sócios/accionistas (e especificamente na conta do sócio-gerente).
Ora, se, para além da norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, a única presunção legal que se conhece, neste âmbito, é a que decorre da norma do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, na redacção então em vigor, segundo a qual os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros; então, para esta presunção operar pressupõe-se, efectivamente, o registo na conta corrente do sócio. Podendo, por isso, fazer diferença a existência de erro na decisão da matéria de facto.
Contudo, dos elementos constantes nos autos, não conseguimos descortinar com a segurança e certeza exigíveis qual a extensão do erro. Tudo indica que existe erro devido à relevância dada a uma conta 278 que não existe no POC. Todavia, impõe-se, desde logo, produzir prova quanto à efectiva transição das contas com reflexos na informação prestada à inspecção tributária realizada em 2010 quanto aos anos de 2007, 2008 e 2009.
Assim, os elementos disponíveis não permitem formar convicção firme quanto à matéria de facto impugnada, impondo-se a promoção de diligências probatórias tendo em vista a ampliação da decisão da matéria de facto, permitindo, então, uma cabal e ampla apreciação da natureza dos valores e a que título foram transferidas essas quantias da sociedade para o sócio gerente que se qualificaram como adiantamento por conta dos lucros; pois só após suprimento do défice instrutório apontado será possível retirar as devidas e mais seguras ilações.
Deste modo, não podendo sufragar-se, sem mais, o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, a sentença, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, sejam promovidas e efectivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, do aspecto apontado como deficitariamente instruído.
Aqui chegados, reconhecemos que todos os meios de prova, o que inclui a prova testemunhal oferecida, poderão coadjuvar no esclarecimento referido supra - saber-se que aplicação foi efectivamente efectuada do novo SNC e a que tipo de operações dizem respeito os lançamentos efectuados e se dos balancetes, de cada um dos anos de 2007, 2008 e 2009, foi feita constar alguma conta 27820, Acréscimos e Diferimentos, Dr. F... - pelo que a questão relativa ao recurso do despacho interlocutório fica resolvida por natureza.
Nestes termos, urge conceder provimento a todos os recursos.

Conclusão/Sumário

Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento a todos os recursos, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supram os apontados vícios, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica.
Sem custas.
Porto, 08 de Março de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro