Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00051/12.2BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/18/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:António Patkoczy
Descritores:IVA- ISENÇÃO DAS OPERAÇÕES ASSIMILADAS A EXPORTAÇÕES: MERCADORIAS DE ABASTECIMENTO DE EMBARCAÇÕES. COMPROVAÇÃO POR DOCUMENTOS ALFANDEGÁRIOS APROPRIADOS.
CASOS DE DISPENSA DE EMISSÃO DE DOCUMENTO DE EXPORTAÇÃO.
Sumário:I. A consideração da isenção contida no artº 14º do CIVA, e especificamente nas operações assimiladas a exportações relativas á transmissão de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações a que alude a alínea d), do nº 1, daquele preceito legal, pressupõe (conditio sine qua non) a sua comprovação, quando exigível, através de documento alfandegário apropriado, ao abrigo do disposto no nº8, do artº 28º daquele Código (actual artº 29º, nº8).
II. A dispensa de uma Declaração de Exportação a que se refere o artº 32º, nº 1, do Dec. Lei nº 180/88, de 20.05., o qual regula a exportação de mercadorias do território aduaneiro nacional, adequando-a á de âmbito comunitário regulado pelo C.A.C., apenas contempla, ainda que de forma não cumulativa e ao que ora importa, os casos de bens exportados…. para fins não comerciais ( alínea a),… ou contidos em pequenos volumes que na sua totalidade não ultrapassem os 20Kg e o valor de não exceda 15.000$ ( alínea c).
III. A consideração da comercialidade das operações tem a ver com a natureza da actividade em causa (transmissão de bens de abastecimento constituídas por provisões de bordo) e não a sua utilização dos mesmos pelo adquirente sendo que, só se consideram como mercadorias exportadas não comerciais as tidas como tal em legislação que expressamente assim as qualifique.
IV. A inobservância dos requisitos formais demonstrativos de tais operações determina a obrigação de liquidação de imposto devido, não relevando nessa sede, a invocada materialidade da sua transmissão. Cfr nº 9, do artº 29º, do CIVA (anterior nº 12, do artº 28º). *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:D., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE


1 - RELATÓRIO

A Impte. a sociedade “D., Lda.”, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida das liquidações adicionais de IVA e Juros Compensatórios relativas ao ano de 1993 e 1994.
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.
Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes
«Conclusões:
a) Subjacente à liquidação adicional impugnada pela Recorrente, bem como à sentença que julgou improcedente a impugnação, esteve o entendimento de, tendo sido pela Recorrente “efectuados diversos abastecimentos a navios”, inexistirem documentos alfandegários que provem o “embarque efectivo”, e que, sem esses documentos, os abastecimentos realmente efectuados não relevam para efeitos do disposto nos arts. 14º-1/d do CIVA.

b) Sucede que, nos abastecimentos em causa (efectuados a navios), não era exigível a apresentação de qualquer documento, tendo em consideração as normas legais aplicáveis.

c) O regime legal à luz do qual deveria ter sido apreciado e decidido o caso sub judice é o previsto no DL nº 180/88, de 20 de Maio, concretamente, as normas constantes dos arts. 1º-1 e 2/a, 3º, 4º e 32º-1/a desse diploma.

d) Não pode proceder o entendimento sufragado na douta decisão recorrida segundo o qual esse DL nº 180/88, de 20/05, não é aplicável ao caso sub judice, em virtude de a actividade levada a cabo pela ora Recorrente ser equiparada a exportação, uma vez que é precisamente esta circunstância que justifica a aplicação do citado diploma ao caso dos autos.

e) Diversamente do que foi entendido na douta sentença recorrida, os pressupostos elencados nas alíneas a), b) e c) do art. 32º-1 do DL 180/88, de 20/05, não são de verificação cumulativa, mas sim alternativa.

f) Os fornecimentos das mercadorias constantes nas facturas em causa nos presentes autos, que foram efectuados pela Recorrente no âmbito do seu escopo social (abastecedora de provisões a navios de longo curso), destinaram-se ao consumo e utilização a bordo dos navios a que essas mercadorias foram fornecidas.

g) Assim, o fornecimento dessas mercadorias não pode ser considerado como exportação para fins comerciais, pois se destinaram, por natureza, ao consumo a bordo das referidas embarcações.

h) Embora o art. 1º-2/a do D.L. nº 180/88, de 20/01, equipare a exportação o fornecimento de mercadorias para abastecimentos de embarcações destinadas à navegação marítima, o art. 32º-1/a desse mesmo diploma dispensa a declaração escrita relativamente às mercadorias exportadas para fins não comerciais, como será o caso daqueles fornecimentos de viveres e aprestos a embarcações destinadas à navegação marítima.

i) Sendo legalmente dispensada a apresentação dessa declaração escrita aos serviços aduaneiros, não exigindo, assim, a lei a intervenção destes, não pode ser exigida a apresentação dessa mesma declaração escrita para efeitos de comprovação de quaisquer transmissões de bens isentas ao abrigo do disposto, v.g., na alínea d) do nº 1 art. 14º do CIVA.

j) O art. 32º-1 do DL nº 180/88, de 20/05, estabelece um regime específico quanto aos três tipos de mercadorias elencadas nas respectivas alíneas a), b) e c).

k) Nos termos do art. 4º do DL nº 180/88, de 20/05, a forma exigida para a declaração de exportação é a forma escrita pelo que, no caso sub judice, sendo inexigível a obtenção de unia declaração escrita, conforme resulta inequivocamente do art. 32º-1 daquele diploma, não existia obrigatoriedade de comunicar os fornecimentos em causa às autoridades alfandegárias.

I) Ainda que se entendesse que os abastecimentos a bordo não preenchem a previsão daquela norma do art. 32º-1/a do DL nº 180/88, de 20/05, sempre, relativamente a alguns desses fornecimentos, seria preenchido o tatbestand da norma do art. 32º-1/c do DL nº 180/88, de 20/05, que dispensa de declaração escrita as mercadorias “Contidas em pequenos volumes, expedidos por qualquer via, quando, na sua totalidade, o peso não for superior a 20kg e o valor não exceda 15.000$00”.

m) Com efeito, muitos dos fornecimentos discriminados nas facturas que foram juntas com a Reclamação Graciosa apensa aos presentes autos foram feitos em pequenos volumes, sem que o seu peso excedesse os 20kg e sem que o seu valor excedesse os 15.000$00.

n) Assim, pelo menos relativamente ao fornecimento a bordo das mercadorias contidas em pequenos volumes cujo peso, na sua totalidade, não era superior a 20kg e cujo valor não excedia 15.000$, para comprovar a isenção prevista no art. 28º-8 do CIVA, à Recorrente nunca podia ser exigido qualquer documento alfandegário emitido pelos serviços aduaneiros, uma vez que a intervenção destes não era legalmente obrigatória.

o) Deste modo, sempre relativamente a tais abastecimentos a respectiva liquidação adicional de IVA deveria ter sido, como deverá ser, anulada.

p) O que, no caso concreto, deveria ter presidido à decisão de proceder ou não proceder à liquidação adicional de IVA, não era a validade ou invalidade dos documentos (de que a Recorrente dispunha) em termos meramente aduaneiros, mas sim se esses documentos eram adequados a comprovar uma operação que, ex vi do disposto no art. 14º-1/d do CIVA, se encontrava isenta.

q) Todavia, na fundamentação da decisão recorrida não foi analisada essa questão, apenas tendo considerado que não poderia haver lugar à isenção de IVA, por a aqui Recorrente não ter feito qualquer tipo de comunicação às autoridades alfandegárias.

r) O que determinou as liquidações em causa nos presentes autos não foi a verificação ou não verificação dos pressupostos da norma de incidência negativa do art. 14º-1/d do CIVA, mas sim o alegado incumprimento de uma norma que prevê o cumprimento de obrigações acessórias (art. 28º-8 do CIVA).

s) Destinando-se as obrigações acessórias (como é o caso da prevista no art. 28º-8 do CIVA, na redacção vigente à data dos factos) a garantir e a tornar efectivo o cumprimento da obrigação principal, não podem, elas próprias, ser consideradas com uma importância equivalente à da obrigação principal, em termos de o respectivo incumprimento equivaler ao não cumprimento dessa obrigação principal.

t) Uma norma que, no procedimento administrativo para cumprimento da obrigação de imposto, se integra na fase da liquidação (que constitui um dos elementos não essenciais do imposto), não pode ser interpretada no sentido de se sobrepor ou de derrogar uma norma de isenção ou de incidência negativa (que faz parte dos elementos essenciais do imposto).

u) A decisão recorrida, ao interpretar e aplicar a norma do art. 28º-8 do CIVA no sentido de que a falta de comunicação dos fornecimentos efectuados às autoridades alfandegárias importa a não concessão da isenção prevista no art. 14º-1/d do mesmo diploma, mesmo depois de os Serviços (da então DGA e da DGCI, actualmente integrados na AT) terem dado como verificados os pressupostos de facto dessa mesma isenção, fez uma incorrecta interpretação e aplicação daquelas normas, violando inclusive o disposto nos arts. 15º-4-8 da 6a Directiva/CEE, vigente à data dos factos, e 103º-2 da CRP.

v) Não foi tido em consideração pela douta decisão recorrida que, sem prejuízo de a Administração Tributária ter dado como provado que “foram efectuados diversos abastecimentos a navios', a Recorrente só não liquidou IVA nas transmissões de mercadorias destinadas ao abastecimento de navios quando pelos respectivos adquirentes lhe foram apresentadas provas (documentais) de que essas mercadorias se destinavam ao efectivo abastecimento de navios.

w) Em todos os fornecimentos de mercadoria em que a Recorrente não liquidou IVA este seu procedimento deveu-se exclusivamente ao facto de lhe ter sido comprovado que esses bens se destinavam ao abastecimento de navios, através da apresentação de declarações emitidas pelos legais representantes dos armadores facturas discriminativas das mercadorias assinadas pelo capitão do respectivo navio sob a aposição do carimbo com os dizeres do armador ou do próprio navio a que as mesmas se destinavam, e documentos comprovativos do pagamento, efectuado por transferência bancária, das empresas estrangeiras armadoras dos navios a que se destinavam as mercadorias facturadas.

x) Não havendo obrigatoriedade de intervenção dos serviços aduaneiros, esses documentos (sobretudo as declarações comprovativas de que os bens fornecidos se destinaram ao abastecimento de navios, vulgarmente designadas por declarações de isenção de IVA, emitidas pelos legais representantes dos armadores (agentes de navegação)) deveriam ter sido considerados meios comprovativos idóneos das transmissões a que se reporta o art. 14º-1/d do CIVA.

y) Pelo exposto, a sentença recorrida, ao não ter anulado as liquidações impugnadas, violou o disposto nos arts. 14º-1/a e 28º-8 do CIVA, e 32º do D.L. nº 180/88, de 20/5, bem como o disposto no arts. 15º-4-8 da 6º Directiva/CEE e 103º-2 da CRP, normas essas que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido constante nas presentes alegações e conclusões.
*
Nestes termos e com o mui douto suprimento, deverá ser dado provimento ao presente recurso e revogar-se a douta sentença recorrida, sendo a mesma substituída por outra que determine a anulação da liquidação impugnada, em conformidade com as precedentes alegações e conclusões, tudo com verificação das respectivas consequências legais, como é de direito e de
JUSTIÇA!”.

A Recorrida F.P não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal é de parecer que o recurso não merece provimento em razão do regime aduaneiro aplicável ás mercadorias para efeito da isenção de IVA na sua transmissão que impõe aquela comprovação através de documentos alfandegários apropriados.

Com dispensa dos Vistos Legais e com a concordância dos Juízes- Adjuntos e nada mais obstando, cumpre apreciar e decidir. – cfr. nº4, do artº 657º, do CPC.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (artigos 635.º, n. °4 e 639.º, n.º1, do CPC), são estas, em síntese, as questões que importa conhecer: (i) se a sentença enferma de erro de facto e de direito no apuramento do imposto liquidado adicionalmente ao ter considerado que as transmissões de bens de abastecimento das embarcações de navegação marítima não seriam isentas de imposto por não estar documentado, através de documento aduaneiro comprovativo, a exportação de mercadorias do território aduaneiro nacional.
*
3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual, o seguinte:
“A Impugnante “D., Lda.” é uma sociedade por quotas, enquadrada no regime normal do IVA, com periodicidade trimestral, desde 02 de Janeiro de 1989, pelo exercício de abastecimento a navios — Ship Chandler — CAE 052488;
2. A Impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização na sequência de pedidos de reembolsos dos períodos de 90/09T a 94/09T, tendo sido efectuadas liquidações adicionais de IVA aos anos de 1993 e 1994;
3. Das conclusões do Relatório de Inspecção, cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido consta:
“Desenvolvendo o Sujeito Passivo a actividade de Ship Chandler (abastecedor de navios) beneficia por esse fato da isenção consignada ma alínea d) do nº I do artigo 14º do CIVA, na Redacção dada a este artigo pelo DL290/92, não liquidando imposto nas facturas emitidas.
No entanto, para beneficiar da referida isenção, terá que possuir os elementos referidos no nº 8 do artº 28 do CIVA, ou seja os documentos alfandegários.
No decurso de visita de fiscalização verificou-se que no exercício de 1993 e de Janeiro a Abril de 1994 foram efectuados diversos abastecimentos a navios sem comprovação através de documentos alfandegários. Nestes termos não há prova de embarque efectivo das mercadorias e, por conseguinte, direito a isenção de IVA”;
4. A Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação de IVA, a qual foi totalmente indeferida por despacho de 08 de Maio de 1997, pela circunstância da Impugnante não possuir documentos alfandegários, para comprovar a isenção de IVA;
5. A Impugnante interpôs Recurso Hierárquico, o qual foi objecto de despacho de indeferimento a 06 de Abril de 2001;
6. No despacho de indeferimento, consta “Concordo. Face às razoes aduzidas nego provimento ao recurso, sendo consequentemente de manter o despacho recorrido.”
7. Da informação que esteve na base do despacho referido em 5), a qual se considera aqui integralmente reproduzida, consta:
“…. Nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 14º do CIVA, estão isentos do imposto de transmissão de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações afectas à navegação marítima em alto mar e que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca.
— Todavia, para que se verifique a referida isenção, de acordo com o nº 8 do artigo 28º do CIVA, esta deverá ser comprovada através de documentos alfandegários apropriados ou de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços indicando o destino que a eles irá ser dado.
— Nos termos do nº 12 do mesmo artigo, a falta dos referidos documentos comprovativos, determina a obrigação para o transmitente de bens ou prestador de serviços de liquidar o imposto correspondente.
— No caso em apreço dado que as Alfândegas já se pronunciaram sobre os documentos exigidos para a comprovação das referidas isenções conforme oficio nº 6087 de 98-10-14 da DGAIC - Alfândega de (...) que fez parte deste processo, onde se refere que os documentos que o sujeito passivo junta não têm qualquer validade em termos aduaneiros e por consequência não comprovam a exportação das mercadorias.
— Face ao que antecede, propõe-se o indeferimento do presente recurso, mantendo-se assim as liquidações adicionais respectivas.”
8. A Impugnante foi notificada do despacho de indeferimento a 21 de Maio de 2005;
9. A presente acção deu entrada a 17 de Setembro de 2001.

Factos não provados
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou, até, porque não há divergência entre as partes quanto à matéria de facto.

Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e nos próprios articulados apresentados pela Impugnante e pela Fazenda Pública, resultando que a questão em causa nos presentes autos, versa totalmente sobre interpretação jurídica e não, propriamente, sobre a matéria de facto.”

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso deste Tribunal.

E nas conclusões, a Recorrente começa por invocar [ nas alíneas a) a o)] que, as operações em causa nos autos, não careciam de D.A. para efeitos de reconhecimento da isenção de IVA a que alude a alínea a), do nº1, do artº 14º, do CIVA, por efeito da sua dispensa ao abrigo do disposto nas diversas alíneas do nº 1, do artº 32º, do Dec. Lei nº 180/88, de 20.05, cujos pressupostos não são cumulativos e atento o destino não comercial daquele fornecimento de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações em causa nos autos, assim como por se constatar que muitas mercadorias fornecidas se encontravam contidas em pequenos volumes com peso inferior a 20Kg e valor inferior a 15000$ a que alude as alíneas a) e c), daquele preceito legal.
Já nas conclusões das alíneas p) a y), invoca a existência de documentos entendidos como adequados a comprovar as operações assimiladas a exportações, não sendo lícito à ATA determinar a consideração como de operações sujeitas e não isentas de imposto por incumprimento de uma obrigação acessória (de apresentação das mercadorias a controlo alfandegário), por tal violar o artº 15, nº 4-8, da 6ª Directiva e artº 103º, nº 1, da CRP, devendo se bastar com as declarações dos adquirentes das mercadorias comprovativos do respectivo destino dos mesmos.
Vejamos,
Quanto ás 1ªs, pronunciou-se o tribunal recorrido, nos seguintes termos:
“… Da não obrigatoriedade de intervenção dos serviços aduaneiros em termos de emissão de um documento alfandegário — fazendo-se referência às normas em vigor à data do facto tributário
Como a própria Impugnante refere, no âmbito do seu escopo social — abastecedora de provisões a navios de longo curso — a Impugnante efectuou vários fornecimentos de víveres e aprestos a navios, sem a intervenção dos serviços aduaneiros.
O artigo 14º do CIVA contém as isenções aplicáveis às exportações, operações assimiladas a exportações e transportes internacionais.
Por sua vez, como operações isentas assimiladas a exportações temos as que se encontram consignadas na alínea d) do nº 1 do artigo 14º do CIVA, de acordo com o qual estão isentas de imposto “as transmissões de bens de abastecimento postos a bordo das embarcações afectas à navegação marítima em alto mar e que assegurem o transporte remunerado de passageiros ou o exercício de uma actividade comercial, industrial ou de pesca.”
Dispunha o então vigente artigo 28º, nº 8 do Código do Imposto sobre Valor Acrescentado (CIVA) — actual 29º, nº 8 que “As transmissões de bens e as prestações de serviços isentas (.4 devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado.”
Configura a isenção em causa, uma isenção objectiva, pois não depende da qualidade de quem realiza a operação.1 Tais isenções em causa são automáticas que em nada dependem da qualidade dos sujeitos que realizam a operação, mas apenas da natureza da actividade exercida.
1 Patrícia Noiret Cunha, in “Imposto sobre o Valor Acrescentado: Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao Regime do NA nas Transacções Intracomunitária”, Lisboa, ISQ 2004, pág. 200.
Por sua vez, dispunha o Código Aduaneiro Comunitário (CAC), no seu artigo 59º que qualquer mercadoria destinada a ser sujeita a um regime aduaneiro deve ser objecto de uma declaração para esse regime aduaneiro e o seu artigo 161º refere que o regime de exportação permite a saída de mercadorias comunitárias do território aduaneiro da Comunidade, devendo qualquer mercadoria comunitária destinada a ser exportada ser sujeita ao regime de exportação
Por sua vez, nos termos do artigo 61º do CAC, a declaração aduaneira pode ser feita por escrito, utilizando sistema informático ou por declaração verbal ou através de qualquer outro acto mediante o qual o detentor das aludidas mercadorias expresse a sua vontade.
Ora, resulta do que a própria impugnante refere, que esta efectuou entregas de mercadorias sem ter feito qualquer tipo de comunicação às autoridades alfandegárias e, por conseguinte, foram tais entregas efectuadas sem ter sido observado o disposto nos artigos citados e, sequentemente, não estão isentas de IVA.
Como tal, improcede a impugnação.
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Da aplicação do regime previsto no Decreto-Lei nº 180/88 de 20 de Maio.
Alega a Impugnante que deveria ser aplicado ao caso concreto dos presentes autos, o regime previsto no Decreto-Lei nº 180/88 de 20 de Maio.
De acordo com o seu artigo 1º, o Decreto-Lei nº 180/88 de 20 de Maio, visava regular a exportação de mercadorias do território aduaneiro nacional quando fossem enviadas, por qualquer via, para um Estado membro da Comunidade Europeia ou para um país terceiro, bem como para outros destinos equiparados a uma exportação, sem prejuízo das disposições adoptadas no âmbito da política agrícola comum.
Por sua vez, nos termos da alínea c), do nº 2 do supra referido artigo eram considerados destinos assimilados a uma exportação o fornecimento de mercadorias para abastecimento de embarcações destinadas à navegação que fazem serviço nas linhas internacionais, nelas compreendendo as linhas intracomunitárias.
Nesse intento, dispunha o artigo 32º, nº 1, al. c) do referido normativo que “sem prejuízo das disposições especiais aplicáveis aos objectos de correspondência postal e às encomendas postais, não será exigida declaração escrita relativamente às mercadorias (...) contidas em pequenos volumes, expedidos por qualquer via, quando, na sua totalidade, o peso não for superior a 20 kg e o valor não exceda 15.000$.”
Porém, o artigo 32º do referido nominativo dispunha de 3 alíneas cumulativas, nas quais figurava a al. a) da qual resultava que a norma apenas seria aplicável a situações não comerciais, nos termos da legislação aplicável.
Ora, como já se referiu, a actividade em causa nos presentes autos, é equiparada a exportação e, por conseguinte, não é aplicável à presente situação o regime previsto no Decreto-Lei nº 180/88 de 20 de Maio.
Assim sendo, improcede totalmente a presente impugnação…”
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Sustentando o recorrente falta de pronuncia do Tribunal “A Quo”, quanto á consideração da pretensa demonstração da transmissão daqueles bens ao abrigo do disposto na alínea d), do nº1, do artº 14º do CIVA, importa dizer que improcede totalmente tal falta de pronuncia já que O Mº Juiz expressamente referiu-se á prevalência neste caso da forma sobre a substância quanto á obrigação de comprovação de tais transmissões de bens a que alude o nº8, do artº 28º, do CIVA, e do qual dependia a sua consideração como de operação isenta.
Apreciando as ditas razões recursivas invocadas que sustentariam outro entendimento que, alegadamente, contrariavam o entendimento sufragado na sentença, importa ter presente que, nos termos do C.A.C. ( artº s 59º e segs), que qualquer operação que envolva a saída de mercadorias comunitárias para fora do território aduaneiro comum se encontra sujeita ao regime aduaneiro de exportação introduzido por aquele diploma, nos termos do qual a mesma se terá de processar através de declaração aduaneira adequada, pelo que é evidente que em geral, todas as operações relativas a exportação de bens, nele se incluindo as ditas operações assimiladas a exportações atento a referida natureza da actividade em causa expressamente consideradas no referido artº 1º, do Dec. Lei nº 180/88, de 20.05., que regula a exportação de mercadorias do território aduaneiro nacional adequando-a á de âmbito comunitário, o qual igualmente determina a entrega de uma Declaração de Exportação, e respectiva aceitação assim como dotando de adequadas acções de controlo por parte da estância aduaneira competente, nos termos do disposto nos artºs 3º e segs, do mesmo diploma, pelo que bem se compreende que tais operações só serão isentas de IVA em razão dessa qualidade de bens destinados ao estrangeiro nos termos do disposto na alínea d), do nº1, do artº 14º do CIVA, quando as mesmas cumpram os requisitos impostos pelo regime aduaneiro que as contempla, nos termos do mencionado CAC, como bem refere o Exmo. PGA no seu douto Parecer supra referido. Daí que a condição aposta na 1ª parte, do nº8, do artº28º, do CIVA, não resulta de qualquer cumprimento de mera obrigação acessória da obrigação tributária, e como tal susceptível de serem comprovados as operações através de outros meios de prova que demonstrem aquela colocação dos bens de tais operações naquelas condições legais, como pretende o recorrente, mas constitui “ conditio sine qua non” da isenção do tributo em causa, reportada á natureza das operações ora controvertidas, na justa medida em que as submete ao dito regime aduaneiro de exportação, e sem a qual a mesma não será considerada como exportação, antes como uma colocação da mercadoria no território nacional e como tal sujeita a imposto neste território. Quanto á possibilidade legal de dispensa da D.E. a que se refere o artº 32º daquele diploma legal, constata-se que o mesmo se reporta (ao que ora nos importa), ás mercadorias:
“a) Exportadas para fins não comerciais, nos termos da legislação aplicável;
…..
c) Contidas em pequenos volumes… quando, na sua totalidade, o peso não for superior a 20Kg, e o valor não exceda 15000$; “
Ora, ao contrário do que pretende o recorrente a referência aos fins não comerciais da mercadoria não tem a ver com a questão do seu autoconsumo interno pelo adquirente, antes desenha-se com base na natureza da actividade em causa como se referiu supra, o qual tratando-se de transmissão de bens de abastecimento constituídas por provisões de bordo ainda que destinados exclusivamente ao consumo da tripulação e dos passageiros de embarcações que efectuem navegação marítima em alto mar, nos termos conjugados do disposto na alínea d), do nº 1 e do nº4, todos do artº 14º, do CIVA, cujo escopo é de caracter comercial como considerou o Tribunal “A quo”, não perdendo essa qualidade pelo facto de tal transmissão se destinar, na esfera do adquirente, ao auto consumo interno, que, de resto, só se consideram mercadorias exportadas não comerciais as tidas como tal em legislação que expressamente as considere nesses termos ( cfr p. ex. as referidas no artº 3º, nº 2, do Dec. Lei nº 179/88, de 19.05. (isenção de imposto nas importações de mercadorias contidas na bagagem pessoal dos viajantes). Não procede portanto tal invocação daquela norma; já quanto ás situações contempladas na alínea c), do mesmo preceito, concede-se que tal condição é disjuntiva e não cumulativa com as restantes situações elencadas nas referidas alíneas do preceito. No entanto, a referência feita pelo recorrente da existência de diversas mercadorias contidas em pequenos volumes de peso e valor inferior àqueles limites, de acordo com diversa facturação invocada em sede impugnatória administrativa, não demonstra que na consideração da totalidade das mercadorias fornecidas a cada uma das embarcações assim abastecidas e pretensamente objecto de isenção de imposto nos termos legais, não ultrapassaram aquele outro limite relativo ao ∑ da totalidade dos volumes considerados. Assim, e de acordo com a presente fundamentação, carece de suporte legal a consideração da dispensabilidade da Declaração Aduaneira para efeitos da comprovação da isenção a que se refere o nº8, do artº 28º, sendo que tal falta determina a obrigatoriedade do transmitente de liquidar o imposto que lhe corresponda, nos termos do disposto no nº9, do referido artº 28º, do CIVA.
Quanto á 2ª questão posta relativa á consideração dos documentos relativos ás declarações emitidas pelos adquirentes comprovativos do destino das mercadorias àquele fim visado na norma de isenção, tal teria enquadramento na respectiva estatuição contida na 2ª parte do preceito que impõe tal demonstração relativa á natureza das operações isentas sob aqueloutra forma de comprovação ínsita no referido nº8, do artº 28º do CIVA, “in fine” mas, tal como resulta da respectiva previsão da mesma, essa possibilidade só se verifica no caso de inexistir a obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, pelo que resultando a mesma obrigatória, como se viu, não colhe a pretensão de á economia do imposto apenas importar a sua transmissão a favor de determinados adquirentes ainda que de armadores ou responsáveis de embarcações, já que como bem refere a sentença sob judicio á isenção objectiva de imposto apenas importa a natureza da actividade considerada, neste caso como equiparada a exportação, não se descortinando como tal determinação legal viola a referida disposição da 6ª Directiva, porquanto o artº15º da mesma estabelece, como principio geral ,que caberá aos Estados-Membros estabelecer as condições legais para efeitos das isenções de tais operações e com o intuito de evitar qualquer possibilidade de fraude, evasão e abuso, entre outras, de tais operações equiparadas a exportações elencadas na alínea a), do nº 4), daquele preceito, nem em que termos se entende violado o disposto no nº 2, do artº 103º, da C.R.P., já que não foi invocado qualquer fundamento que demonstre que a norma sob judicio viola qualquer preceito da lei fundamental, máxime o principio da legalidade , atento a origem comunitária do Código do IVA e atento a que tais exigências de comprovação das operações ínsita no referido nº 8, do artº 28º, teve origem no disposto no artº 2º, do Dec. Lei nº 290/92, de 28.12, o qual transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 91/680 CEE, de 16.12. , a qual procedeu á alteração da referida 6ª Directiva, e foi elaborada no uso de uma autorização legislativa, pelo que foi respeitado o subprincípio de reserva da lei que subjaz a tal principio geral ( exigência de lei em sentido formal), aqui entendida de “… forma mitigada, uma vez que, sobre a matéria, podem ser concedidas autorizações legislativas ao Governo…”, nas palavras dos Iltes. Jurisconsultos Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo II, págs. 218- 219.
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Nos termos expostos improcede totalmente o recurso deduzido, decisão a que se procede na parte dispositiva do presente Acórdão.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida que considerou válido o acto tributário controvertido.
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Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.

António Patkoczy
Ana Patrocínio
Cristina Bento