Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00039/10.8BECBR-A
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/13/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:LEVANTAMENTO DO SIGILO BANCÁRIO. INTERVENÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR. REQUISITOS.
Sumário:I) Tendo-se decidido, no tribunal a quo, pela legitimidade e pela justificação das recusas das identificadas instituições bancárias, uma eventual quebra do sigilo bancário a decidir por este TCAN, a justificar a intervenção do tribunal superior no incidente de dispensa do segredo bancário, passaria pelo entendimento de que os elementos bancários, em causa, se mostrariam indispensáveis à descoberta material dos factos em questão na Impugnação judicial deduzida, e nessa medida interessariam à realização da justiça, devendo sobrepor-se ao interesse particular dos clientes das instituições bancárias, tais como a reserva à vida privada bem como das relações de confiança que se estabelecem entre as entidades bancárias e os respectivos clientes, de acordo com o princípio da prevalência dos interesses preponderantes.
II) Considerando que, nos presentes autos de impugnação de liquidações de IVA, em que a fiscalização tributária concluiu que a maior parte da facturação se configurava como fictícia por não corresponder a efectivas operações comerciais e tendo a Impugnante solicitado a remessa de extractos e de cheques bancários de que possa depreender-se, eventualmente, pela realidade dessas operações materiais, os elementos bancários, em questão, mostram-se indispensáveis à descoberta material dos factos, objecto da impugnação judicial, e nessa medida interessarem à realização da justiça, devendo sobrepor-se aos interesses particulares acima assinalados.
III) E estabelecendo-se uma ponderação de interesses, ente os interesses públicos e privados, em presença, segundo critérios de proporcionalidade, decidindo-se no sentido da prevalência dos primeiros em detrimentos dos segundos, e, em consequência, dever determinar-se uma quebra ou o levantamento do sigilo bancário.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Banco Millenium - BCP e Caixa Geral de Depósitos, SA
Recorrido 1:L... e Fazenda Pública
Decisão:determinado o levantamento do sigilo bancário.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
No processo de impugnação judicial supra identificado, intentado por L...(na qualidade de responsável subsidiária) contra os actos de liquidação de IVA dos exercícios de 2003, 2004 e 2005, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra solicitou a diversas instituições bancárias a entrega de documentos e a prestação de informações bancárias, designadamente extractos bancários e cópias de cheques, a requerimento da Impugnante.

Na sequência da escusa dessas instituições, fundamentada no dever de sigilo a que estão obrigadas, o Juiz remeteu a este Tribunal Central Administrativo Norte uma certidão de diversas peças processuais extraída daquele processo de impugnação judicial, pedindo a resolução do incidente nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 2 e 3 do 135º do CPP.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de se dever determinar a quebra do sigilo bancário, acompanhando o parecer do Ministério Público da 1ª instância.

Sem vistos nos termos do art. 657º nº 4 do C. Proc. Civil.



2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO PROCESSSO - QUESTÕES A APRECIAR
A questão sucitada nos autos prende-se com a intervenção deste Tribunal Superior no sentido de emitir pronúncia quanto à quebra do sigilo bancário nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 135º do CPP, ou seja, saber se para a realização da justiça será realmente necessário, em concreto, determinar o levantamento do segredo profissional (bancário) e os bancos serem obrigados a enviar as informações pretendidas.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Com interesse para a decisão do presente Incidente, considera-se apurada a seguinte factualidade:
a) Na Impugnação judicial em causa instaurada contra os actos de liquidação de IVA referentes aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, no montante global € 370 747,38 vem peticionada a anulação dos actos tributários impugnados, com todas as consequências legais, com fundamento em: (i) falta de demonstração de factos susceptíveis de ilidir a presunção da veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e respectivos documentos de suporte, quanto às correcções técnicas (ii) falta de idoneidade do método de quantificação utilizado pela administração fiscal, na parte das correcções técnicas efectuadas; (iii) inobservância do dever de fundamentação; (iv) erro nos pressupostos de facto e de direito dos actos tributários, quanto às correcções feitas através métodos indirectos.
b) As liquidações impugnadas tiveram origem na acção de inspecção levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra, cujo relatório final se encontra a fls. 64 a 101 do presente incidente e no qual se concluiu pela existência de indícios de que a maior parte da facturação dos anos (2003, 2004 e 2005) era fictícia, não correspondendo a efectivas operações comerciais, mas antes a operações simuladas.
c) Na parte referente à prova, além da indicação de testemunhas, a impugnante requereu ainda que, com referência à devedora originária M... - Comércio de Sucatas, Lda, fossem oficiadas: (i) a CCAM de Coimbra para remeter os extractos bancários daquela sociedade, com à referência a todas as contas de que a mesma era titular entre as datas de 1.4.2003 a 31.12.2005; (ii) o Millenium BCP para remeter os extractos bancários da referida sociedade, com à referência a todas as contas de que a mesma era titular entre as datas de 1.4.2003 a 31.12.2005; (iii) as entidades bancárias identificadas no documento A junto à impugnação, para remeterem cópias dos cheques aí identificados.
d) Por despacho de 16/12/2011, o Tribunal de 1ª instância determinou o cumprimento do requerido pela impugnante e referido em c) - cfr. fls. 216 dos autos e fls. 148 deste apenso.
e) Por ofícios juntos a incidente, as instituições bancárias Millenium - BCP e Caixa Geral de Depósitos, S.A escusaram-se a cumprir com o determinado ao abrigo do dever de segredo bancário, nos termos do artigo 78º do RGICSF.
f) O tribunal de 1ª instância julgou legítima e justificada a escusa das instituições bancárias, ao abrigo do dever de sigilo bancário mas, no entendimento de que a quebra do sigilo bancário se mostrava justificada face à prevalência do interesse preponderante da boa administração da justiça, solicitou, ao abrigo do artigo 135º do CPP, ex vi do artigo 519º, nº 4 do CPC, a intervenção deste tribunal - cfr. decisão de fls. 172 a 177 do presente incidente.
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3.2. DE DIREITO

No presente incidente está em causa a escusa de várias entidades bancárias em fornecer elementos - extractos de contas bancárias e cópias de cheques - referentes à devedora originária, solicitados pelo Tribunal a quo (a requerimento da impugnante), invocando para o efeito o dever de segredo profissional.

Em matéria de sigilo bancário dispõem os art.s 519° e 618° do C. Proc. Civil e 182° e 135° do CPP, o seguinte:
Art. 519.º
(Dever de cooperação para a descoberta da verdade)
1. Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
2. Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n° 2 do art. 344.° do Código Civil.
3. A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:
a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;
b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicilio, na correspondência ou nas telecomunicações;
c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n° 4.
4. Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
Art. 618º
(Recusa legítima a depor)
3. Devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao segredo profissional, ao segredo de funcionários públicos e ao segredo de Estado, relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo, aplicando-se neste caso o disposto no n°4 do artigo 519.°.
Art. 182.°
(Segredo profissional ou de funcionário e segredo de Estado)
1 - As pessoas indicadas nos artigos 135.° a 137. ° apresentam à autoridade judiciária, quando esta o ordenar, os documentos ou quaisquer objectos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem, por escrito, segredo profissional ou de funcionário ou segredo de Estado.
2 - Se a recusa se fundar em segredo profissional ou de funcionário, é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 135. °, n.º 2 e 3, e 136. °, n.º 2. 3 - Se a recusa se fundar em segredo de Estado, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 137. °, n.º 3.
Art. 135.°
(Segredo profissional)
1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa, os advogados, os médicos, os jornalistas, os membros de Instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional podem escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo.
2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.
3 - O tribunal superior àquele onde o incidente se tiver suscitado, ou, no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o plenário das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao principio da prevalência do interesse preponderante. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
4 - O disposto no número anterior não se aplica ao segredo religioso.
5 - Nos casos previstos nos n. °s 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável.”

Ora, sobre esta matéria, e por referência a factualidade essencialmente idêntica, este Tribunal tomou já posição nos termos dos Acs. de 18-04-2012, Proc. nº 77/10.0BECBR-A e de 19-05-2011, Proc. nº 69/10.0BECBR-A, o primeiro ao que se crê ainda inédito e o segundo disponível em www.dgsi.pt, ponderando-se que o segredo profissional invocado nestes autos pelas instituições bancárias a quem foram solicitados os elementos referidos vem regulado nos artigos 78º e 79º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGISSF), aprovado pelo DL nº 298/92 de 31/12 (com alterações introduzidas pelo DL nº 246/95 de 14/9, DL nº 232/96 de 5/12, DL nº 229/99 de 22/7, DL nº 250/2000 de 13/10, DL nº 285/2001 de 3/11, DL nº 201/2002 de 26/9, DL nº 319/2002 de 28/12, DL nº 252/2003 de 17/10, DL nº 145/2006, de 31/7, DL nº 104/2007, de 3/4, DL nº 357-A/2007, de 31/10, DL nº 1/2008 de 3/1, DL nº 126/2008, de 21/7, DL nº 211-A/2008, de 3/11, Lei nº 28/2009, de 19/6, DL nº 162/2009, de 20/7, Lei nº 94/2009, de 1/9, DL nº 317/2009, de 30/10, DL nº 52/2010, de 26/5, DL nº 71/2010, de 18/6, Lei nº 36/2010, de 2/9, DL nº 140-A/2010, de 30/12 e Lei nº 46/2011, de 24/6 e DL nº 88/2011, de 20/7).
Os referidos artigos 78º e 79º do RGISSF contêm as regras que definem o dever de segredo, os seus destinatários, as excepções e as sanções pela sua violação, estando abrangidos pelo segredo bancário os factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações destas com os seus clientes (artigo 78º, nº 1), designadamente, os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias (artigo 78º, nº 2).
O segredo bancário pretende salvaguardar uma dupla ordem de interesses: (i) por um lado, um interesse de ordem pública, o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança, sendo o segredo um elemento decisivo para a criação desse clima de confiança; (ii) por outro lado, o segredo visa também a protecção dos interesses dos clientes da banca, para quem o segredo constitui a defesa da discrição da sua vida privada, tendo em conta a relevância que a utilização de contas bancárias assume na vida moderna, em termos de reflectir aproximadamente a «biografia» de cada sujeito, de forma a que o direito ao sigilo bancário se pode ancorar no direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa - cfr. acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ n.º 2/2008, de 13/2/2008, publicado no DR 1ª Série, n.º 63, de 31/3/2008, páginas 1879 e seguintes.

Porém, dado o segredo bancário não constituir um fim em si mesmo, nem sequer um valor absoluto, a lei prevê diversas situações em que o mesmo pode ser derrogado em face de outros interesses públicos ou privados. Por isso, no artigo 79º do RGICSF, estão previstas excepções ao dever de sigilo: (i) autorização do cliente (nº 1); (ii) no âmbito dos poderes de supervisão e de controlo dos riscos [alíneas a) a c) do nº 2]; (iii) nos termos da lei penal e de processo penal [alínea d) do nº 2]; (iv) quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo [alínea e) do nº 2].

Daí que, embora o nº 1 do artigo 519º do CPC imponha a todas as pessoas (sejam ou não partes na causa) o dever de cooperação com o Tribunal para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que lhes for requisitado e praticando os actos que lhe forem determinados, segundo a alínea c) do nº 3 desse normativo seja legítima a recusa de colaboração com o tribunal se a obediência importar violação do sigilo profissional - o segredo bancário constitui uma modalidade de sigilo profissional - ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado. Isto, sem prejuízo do disposto no nº 4, que preceitua que uma vez deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
À escusa em processo penal com o fundamento de segredo profissional, aplicável in casu, reporta-se o artigo 135º do Código de Processo Penal. Ora, de acordo com o disposto neste normativo (aplicável por força do disposto neste artigo 519º, nº 4 do Código de Processo Civil), tendo sido invocada escusa pela entidade bancária para fornecer os elementos solicitados, colocam-se duas hipóteses: (a) a autoridade judiciária tem dúvidas quanto à legitimidade da escusa e, neste caso, procede às averiguações necessárias e se, depois dessas averiguações e de ultrapassadas as dúvidas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ouvido o organismo representativo da profissão, decide, ordenando a prestação da informação; (b) a autoridade judiciária aceita a validade da escusa e, no caso de entender, apesar da legitimidade da escusa, serem indispensáveis os elementos recusados, pede ao tribunal superior (o competente para o efeito) que determine que sejam fornecidos os elementos pretendidos, com quebra do segredo profissional.
No presente caso, perante a escusa das entidades bancárias em apreço em fornecer os elementos solicitados, o Tribunal de 1ª Instância entendeu que havia o dever de segredo profissional das entidades bancárias às quais tinham sido pedidos elementos e, por isso, considerou legítima tal escusa. Todavia, como resulta do despacho proferido e junto a fls. 172 a 177 do presente incidente, entendeu ainda que o segredo bancário não deveria prevalecer sobre o interesse preponderante da realização da justiça, por os elementos em causa serem indispensáveis à descoberta da verdade material.

Daí ter colocado a questão a este tribunal, nos termos previstos no artigo 135º, nº 2 e 3 do Código de Processo Penal e artigo 519º, nº 4 do Código de Processo Civil [ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT].

Assim, a questão que se nos coloca e que importa decidir é a de saber se para a realização da justiça será realmente necessário, em concreto, determinar o levantamento do segredo profissional (bancário) e os bancos serem obrigados a enviar as informações pretendidas.
Como resulta da factualidade supra referida, os actos de liquidação de IVA dos exercícios respeitantes aos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 (que foram objecto da Impugnação judicial em causa e no âmbito da qual foi deduzido o presente incidente), tiveram origem no apuramento de imposto em falta no âmbito de uma acção de inspecção levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária e cujos fundamentos constam do relatório de inspecção junto a fls. 64 a 101 do presente incidente. Na impugnação judicial, o pedido formulado foi o de anulação dos actos tributários impugnados, tendo como causa de pedir, entre outras, a falta de demonstração de factos susceptíveis de ilidir a presunção de verdade das operações constantes da escrita do contribuinte e respectivos documentos de suporte, quanto às correcções técnicas e a falta de idoneidade do método de quantificação utilizado pela Administração Fiscal.
Ora, da leitura do relatório de inspecção que está subjacente às liquidações impugnadas, resulta que o apuramento do imposto em falta assentou, essencialmente, no facto de a administração tributária ter concluído que a maior parte da facturação desses anos (2003, 2004, 2005 e 2006) era fictícia, não correspondendo a efectivas operações comerciais, mas antes a operações simuladas. A administração tributária alicerçou tal conclusão, além do mais, em indícios relacionados com os meios de pagamento utilizados (cheques e numerário) e em irregularidades detectadas na imputação contabilística de tais pagamentos (referindo não haver, em muitos casos, correspondência entre os valores depositados e os valores dos recibos e entre os cheques e os valores dos talões de depósitos imputados a pagamento), bem como na utilização de cheques emitidos para terceiros ou levantados pelos responsáveis da devedora originária e que foram imputados ao pagamento de facturas cujos emissores nunca receberam esses cheques e ainda na emissão de cheques em branco em nome de determinado operador.
Tendo a Impugnante solicitado a remessa dos elementos bancários (extractos de contas e cheques) reportados aos exercícios em questão com vista à demonstração da realidade das operações materiais, afigura-se-nos que tais elementos se mostram indispensáveis à descoberta material dos factos em causa na impugnação judicial, e nessa medida, poderem contribuir para a realização da justiça.

Assim, na ponderação dos interesses aqui em confronto - entre o interesse público de uma boa administração da justiça e o interesse privado tutelado pelo sigilo bancário -, o primeiro deve sobrepor-se ao segundo e, em consequência, deve ser determinado o levantamento do sigilo bancário.



4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em determinar o levantamento do sigilo bancário nos termos supra referidos e, consequentemente, determinar que as instituições bancárias Millenium BCP e Caixa Geral de Depósitos, S.A forneçam os elementos indicados pela impugnante na petição inicial (na parte referente à prova) e que, oportunamente, lhes foram solicitados nos autos de impugnação judicial.

Sem custas.

Notifique-se. D.N..

Porto, 13 de Março de 2014
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Pedro Marques
Ass. Fernanda Esteves