Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01446/06.6BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/17/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:SENTENÇA; LIQUIDAÇÃO DE HONORÁRIOS; TRÂNSITO EM JULGADO; RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
Sumário:1 - Se bem que com a prolação da Sentença recorrida o Tribunal a quo esgota o seu poder jurisdicional quanto à matéria em causa [isto é, em torno de saber por que montante eram devidos honorários a mandatária constituída, quantias a que, independentemente do montante em que viesse a ser fixado, acrescia IVA, para além de juros de mora], sempre ao julgador é lícito rectificar erros materiais [Cfr. artigo 613.º, n.ºs 1 e 2 do CPC] constantes da Sentença quando a mesma contenha “… erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto…” [Cfr. artigo 614.º, n.º 1 do CPC] pois que, obviamente e de forma muito clara, não quis o legislador que por causa não atinente ao julgamento da causa, o segmento decisório pudesse padecer de alguma particularidade que lhe retirasse a sua objectividade necessária.

2 - Não merece nenhuma censura jurídica, o despacho do Tribunal a quo proferido já depois de ter transitado em julgado a Sentença proferida [e por não ter sido deduzido recurso jurisdicional], pelo qual vem a ser rectificado o dispositivo no que é atinente à menção das partes, em termos de onde se lê “Réu“ deva ler-se “Autor“, e onde constava a condenação do Réu a pagar ao Autor um concreto montante fixado pelo Tribunal a título de honorários a advogada constituída pelo Autor para a demanda judicial do Réu, com a menção de que a essa quantia acrescia ainda os eventuais impostos devidos que fossem suportados com esse pagamento de honorários.

3 - Ao contrário do que sustentou o Recorrente, subjacente à decidida rectificação não está a correcção de qualquer erro de julgamento, seja de facto seja de direito, nem sequer o suprimento de uma nulidade da Sentença, antes o mero suprimento de um erro de escrita [na identificação da parte, o que por experiência de vida até é comum acontecer] que é justificável pela manifesta inexactidão com que essa referência foi feita, que redundou num lapso manifesto.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:J.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO



ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público junto do TAF de Viseu, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datado de 25 de janeiro de 2021, pelo qual foi rectificado o segmento decisório da Sentença proferida em 24 de junho de 2020 [posteriormente rectificada por despacho datado de 26 de junho de 2020], no Incidente de liquidação de honorários a advogado, requerido por J. [devidamente identificado nos autos].
*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
1. Por sentença de 24/06/2020, retificada quanto a erro de cálculo constante do seu dispositivo por despacho de 26/06/2020, foi o Réu Estado Português condenado a pagar ao Autor “a importância total de € 3.250,00 (…) a título de indemnização pelos honorários devidos quer à mandatária constituída pelo autor quer ao seu próprio trabalho como advogado em causa própria (também honorários), sendo a importância de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de honorários à identificada mandatária do autor, a importância de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) a título de honorários devidos ao autor pela sua intervenção no processo principal como advogado em causa própria, a importância de € 500,00 (quinhentos euros) a título de honorários devidos ao mesmo autor como advogado também em causa própria neste incidente de liquidação e, ainda, nos juros civis à taxa legal de 4% sobre tal importância, contados ou que que se vencerem a partir da prolação desta decisão e, ainda, acrescendo a este montante os eventuais impostos devidos que o Réu venha a suportar com esse pagamento de honorários Itálicos, negritos e sublinhados nossos.”, com custas a cargo do Autor e do Réu, na proporção do vencimento/decaimento;
2. Em tempo oportuno, o Autor não interpôs recurso dessa sentença, não lhe arguiu qualquer nulidade nem requereu a sua reforma;
3. O mesmo sucedeu com o Réu Estado Português que, apesar dela discordar em alguns aspetos (v.g. quanto ao decidido no tocante aos referidos pontos 2. e 3. do pedido formulado no incidente de liquidação de honorários), e ponderando todo o referido segmento decisório/condenatório, decidiu não interpor recurso independente;
4. E, assim, a sentença proferida transitou em julgado, passando, desta feita, a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos termos e com os limites previstos no art. 619º, nº 1, do CPC;
5. Consequentemente, o Estado Português deu cumprimento ao assim decidido, efetuando o pagamento ao Autor da indemnização por honorários fixada na sentença, no valor total de € 3.250,00, acrescida de juros de mora vencidos desta a data da sentença no valor de € 33,12, perfazendo um total global de € 3.283, 12, nos termos que se referiram no requerimento apresentado nos autos em 24/09/2020, com junção do pertinente documento comprovativo, fazendo-o sem acréscimo (por não serem legalmente devida), de qualquer quantia a título de “eventuais impostos devidos que o Réu venha a suportar com esse pagamento de honorários”;
6. E, também com base naquela decisão, o Ministério Público, em representação do Réu Português, apresentou nos autos e remeteu ao Autor, em 06/07/2020, a respetiva nota discriminativa e justificativa das custas de parte e, em 14/07/2020, apresentou reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte que o Autor apresentara nos autos, assim como apresentou pronúncia quanto à reclamação da nota apresentada pelo Autor;
7. Porém, posteriormente, através de requerimento apresentado em 07/10/2020, veio o Autor requerer ao Mmo. Juiz que “se digne ordenar ao Estado que pague o IVA de 23% sobre os honorários de 2.000,00, pois nos autos está o recibo com o respetivo IVA. O Estado, através do MP, parece que não quer pagar”;
8. E, no seu requerimento de 16/10/2020, alegando que aquele requerimento era uma versão de trabalho, veio o Autor invocar a existência de lapso de escrita no dispositivo da sentença, na parte em que nela foi decidido que “e, ainda, acrescendo a este montante os eventuais impostos devidos que o Réu venha a suportar com esse pagamento de honorários”, sustentando que onde está Réu queria dizer-se Autor, concluindo/peticionando nesse requerimento, além do mais, que: “Esclarecendo-se, concluindo-se e ordenando-se, se disso for o caso, e constar da lei, o seu pagamento em conformidade”;
9. Em 20/10/2020, o Ministério Público, em representação do Réu Estado Português, apresentou pronúncia sobre esses requerimentos, pugnando, em suma, pela improcedência da deduzida pretensão de correção do dispositivo da sentença, por não ocorrer um qualquer erro de escrita devido a lapso manifesto, que fosse suscetível de ser retificado a todo o tempo nos termos e ao abrigo do disposto no art. 614º, do CPC, e pela improcedência das pretensões de que seja ordenado ao Estado Português que pague o IVA de 23% sobre os honorários de € 2.000,00, “pois nos autos está o recibo com o respectivo IVA” e/ou de que se esclareça, conclua e ordene, “se disso for o caso, e constar da lei”, o seu pagamento em conformidade, por tais pretensões contenderem com o mérito da causa e com um eventual erro de julgamento, que extravasa a previsão do invocado art. 614º, do CPC, e cuja reapreciação está vedada por lei, por estar esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, tanto mais que a possibilidade de a parte arguir qualquer nulidade a esse propósito ou de, eventualmente, requerer a reforma da sentença, ao abrigo do disposto nos arts. 615º, nº 1, alínea c), e nº 4, ou 616º, nº 2, do CPC, sempre estaria precludida no presente momento processual, por não ter(em) sido deduzida(s) no prazo legal, tendo a sentença já transitado em julgado – v. art. 619º, do CPC;
10. Porém, por decisão proferida em 25/01/2021, o Mmo. Juiz a quo concluiu que “assiste razão ao requerente e autor, Jorge de Jesus Alves, de existe de facto um erro material ou lapso no dispositivo da sentença, traduzido no facto de ter escrito “Réu” em vez de “Autor” nos dizeres da mesma in fine “… e, ainda, acrescendo a este montante eventuais impostos devidos que o Réu venha a suportar com esse pagamento de honorários” e, assim, nos termos das disposições conjuntas dos artigos 613º, nº 2, e 614º, nº 1, ambos do CPC, ex vi do disposto no artigo 1º do CPTA, se rectifica a mesma sentença/dispositivo relativamente ao mencionado segmento e, porque de erro ou lapso manifesto se trata, e assim determino que a palavra “Réu” dele (dispositivo da sentença) nessa parte, passe a constar a palavra “Autor”. Rectifique no lugar próprio”;
11. Não se concordando com a assim determinada correção do dispositivo da sentença e com a fundamentação que, para esse efeito, foi adotada pelo Mmo. Juiz a quo, interpõe-se o presente recurso;
12. Por se entender que, manifestamente, não ocorre no caso vertente qualquer erro material, v.g. de escrita, devido a lapso manifesto que fosse suscetível de ser corrigido, a todo o tempo, nos termos do disposto nos referidos arts 613º, nº 2, e 614º, nº 1, do CPC (v. ainda o nº 3 deste último preceito legal);
13. Mas antes que o agora decidido tem, na realidade, subjacente a correção de um erro de julgamento e/ou o suprimento de uma causa de nulidade da sentença, que estão imperativamente vedados por lei, face ao trânsito em julgado da sentença;
14. Na verdade, atento o disposto nos acima transcritos arts. 613º, nºs 1 e 2, 614º, nºs 1 e 2, 615º, nº 1, alínea c), e nº 4, 616º, nº 2, alínea d), em conjugação com o disposto no art. 619º, nº 1, do CPC, decorre, no presente caso, que, face ao trânsito em julgado da sentença proferida, e sem prejuízo de um eventual recurso de revisão, a decisão que dela constava, proferida sobre a relação material controvertida, passou a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos termos previstos naquele preceito legal;
15. E. assim, e independentemente da eventual existência de fundamento para esse efeito (v.g. por eventual oposição entre os respetivos fundamentos e a decisão), estava arredada a possibilidade de suprir qualquer nulidade da sentença, ou porventura proceder à sua reforma, nos termos do disposto nos referidos arts. 615º e 616º, do CPC;
16. Restaria, portanto, a possibilidade de retificação de erros materiais, nos termos do disposto no art. 614º, do CPC;
17. Porém, e em primeiro lugar, resulta claramente do teor literal desde preceito legal, que só é legalmente suscetível retificação a todo o tempo o erro meramente material, de mera dissonância entre aquilo que o juiz escreveu e aquilo que quis escrever (ou seja, quando a vontade que foi declarada pelo julgador divergir da sua vontade real);
18. Extravasando o âmbito desse preceito legal a correção de eventuais erros de julgamento, isto é, quando o julgador escreveu o que realmente quis escrever, mas decidiu mal, contra os factos provados ou contra o direito aplicável, só passíveis de alteração através da oportuna interposição de recurso ou de eventual pedido de reforma da sentença, ou quando a decisão proferida se mostra em oposição com a respetiva fundamentação, caso em que existiria, sim, fundamento para a oportuna arguição da respetiva nulidade, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, alínea c), e nº 4, do CPC;
19. Em segundo lugar, nos termos desse preceito legal, a retificação desses erros materiais, v.g. dos erros de escrita, só é legalmente admissível se forem devidos a lapso manifesto, ou seja, a um lapso que seja evidente, patente, ostensivo, aquele que resulta de imediato, de modo flagrante, do próprio teor da decisão judicial, sem necessidade de elaboradas demonstrações (v. Ac. do STA de 18-09-2019, proc. 01211/17.5BEAVR);
20. No caso vertente, e em divergência com o decidido pelo Mmo. Juiz a quo, afigura-se-nos de meridiana clareza que não ocorre, na decisão proferida, e transitada em julgado, o referenciado erro material, de escrita, e, muito menos, que ele seja devido a lapso manifesto, isto é, que ele resulte de imediato, de modo flagrante, do próprio teor da decisão judicial, sem necessidade de elaboradas demonstrações;
21. Atendendo-se, para o efeito, à formulação de todo o segmento condenatório (condenação do Réu no pagamento de uma indemnização de um determinado montante, montante este acrescido de juros de mora e de eventuais impostos que o Réu venha a suportar com esse pagamento), em conjugação com a referência expressa no segmento final a eventuais impostos devidos e com o tempo verbal que lhe foi associado, reportado a uma ação futura e eventual (venha a suportar), da qual não vemos que se possa sustentar a existência de qualquer lapso de escrita e, muito menos, que este seja manifesto;
22. Pelo contrário, de tal formulação emerge, a nosso ver, claramente (e independentemente do acerto do assim decidido e da eventual contradição com a respetiva fundamentação), que o Mmo. Juiz quis, como escreveu, incluir na condenação do Réu Estado Português, a acrescer ao pagamento do montante indemnizatório aí fixado, os juros de mora e os eventuais impostos devidos que o Réu venha a suportar com esse pagamento e, portanto, aquando deste;
23. Aliás, com a ora determinada retificação do dispositivo da sentença, com a substituição do “Réu” pelo “Autor”, resulta que o segmento final da decisão proferida passe a ter a seguinte redação:“(…) condena-se o Réu Estado Português a pagar ao Autor, (…) a importância total de € 3.250,00 (…) a título de indemnização pelos honorários devidos quer à mandatária constituída pelo autor quer ao seu próprio trabalho como advogado em causa própria (também honorários), (…) e, ainda, nos juros civis à taxa legal de 4% sobre tal importância, contados ou que se vencerem a partir da prolação desta decisão e, ainda, acrescendo a este montante os eventuais impostos devidos que o Autor venha a suportar com esse pagamento de honorários”;
24. O que implica que a decisão condenatória fique destituída da correspondente concordância verbal e, sobretudo, de qualquer nexo, nos termos e pelas razões acima explicitados;
25. Dos quais decorre evidente a impossibilidade de, no futuro, se verificar a hipótese que assim resultaria da decisão condenatória ora retificada, isto é, de que o Autor venha a suportar eventuais impostos com esse pagamento de honorários;
26. E que, assim, e manifestamente, não seria o Autor (mas o Réu, como constava da sentença proferida) quem poderia, eventualmente e no futuro, vir a suportar eventuais impostos devidos com esse pagamento;
27. Afigurando-se-nos evidente, em face do acima exposto, que, ao contrário do preconizado pelo Autor e do que veio a ser decidido pelo Mmo. Juiz a quo, o dispositivo da sentença não padece de qualquer erro de escrita devido a lapso manifesto, o único que seria passível de ser retificado no presente momento processual;
28. Porém, e como se vê dos respetivos requerimentos apresentados em 07 e 16/10/2020 e da argumentação neles invocada, antes se verifica que o realmente pretendido pelo Autor era, na verdade, e a pretexto da invocada existência do referenciado lapso de escrita, e por apelo à fundamentação da sentença, de facto e de direito, e á prova documental existente (v.g. o recibo emitido pela mandatária judicial constituída pelo Autor), incluir também na condenação do Réu Estado Português o pagamento de IVA de 23% sobre o valor de € 2.000, fixado no dispositivo da sentença a título de indemnização pelas despesas de honorários com a mandatária constituída pelo Autor;
29. Verificando-se, assim, nos termos acima explicitados, que, sob a veste da invocada ocorrência de lapso de escrita, o Autor visava, na realidade, corrigir/alterar o que fora decidido nesse segmento do dispositivo da sentença sobre o acréscimo de “eventuais impostos devidos que o Réu venha a suportar” com o pagamento do montante indemnizatório fixado;
30. De modo a que o Réu passasse aí a ser condenado a pagar-lhe o valor correspondente a 23% de IVA sobre de o montante de € 2.000 de honorários da mandatária, que o mesmo suportou e pagou, “conforme consta do recibo nos autos e está provado”;
31. Simplesmente, e como se notou oportunamente na pronúncia apresentada nos autos, esta questão contende inequivocamente com o mérito da causa e, consequentemente, com um erro de julgamento e/ou com uma causa de nulidade da sentença, no que – em divergência com a respetiva prova existente nos autos e a respetiva fundamentação de facto e de direito – veio a ficar decidido na sentença a esse propósito e, como tal, não se inseria no âmbito da previsão do invocado art. 614º, do CPC;
32. Não obstante, esta pretensão veio a obter acolhimento na decisão proferida pelo Mmo. Juiz a quo, que, aliás, ainda foi mais longe do que o requerido pelo Autor, ao afirmar na fundamentação do despacho que determinou a retificação do dispositivo da sentença, “tendo em consideração aqueles supra referidos considerandos da sentença, nos quais se fundamentou e justificou parcelarmente aqueles montantes que somaram também o total referido”, que “o Réu Estado Português foi condenado inequivocamente (sentença) a pagar ao Autor o montante global ou total de € 3.250,00 e, ainda, nos impostos que o Autor tiver de suportar”, considerando ainda que “ao montante total fixado acresceria ou acresce o respetivo IVA à taxa legal de 23%”;
33. Ora, afigura-se-nos evidente que tal alteração da decisão condenatória, com a extensão e alcance que assim lhe foram atribuídos na decisão do Mmo. Juiz a quo de 25/01/2021, não se mostra legalmente admissível;
34. Por, na verdade, não consubstanciar uma mera retificação de um qualquer e evidente lapso material de escrita, mas antes altera os próprios os termos da condenação do Réu Estado Português, tal como esta ficara assente, por anterior decisão transitada em julgado;
35. Verificando-se, desde logo, que o Mmo. Juiz a quo, para fundamentar a existência do referido erro material de escrita do dispositivo da sentença, teve que fazer apelo à respetiva fundamentação e às regras do silogismo judiciário, necessitando, desta feita, de recorrer a “elaboradas demonstrações” para concluir que, no segmento decisório, escreveu “Réu” em vez de “Autor”, sem que, porém, e atento o acima exposto, resultasse de imediato, de modo flagrante, do próprio teor desse segmento decisório, atentos os seus próprios termos e a respetiva formulação verbal, que a decisão condenatória antes proferida pudesse abranger o pagamento do IVA já pago pelo Autor;
36. Além disso, para sustentar esse entendimento (que, repita-se, não emerge minimamente do teor literal do segmento decisório da sentença), o Mmo. Juiz a quo fez apelo a “considerandos da sentença previamente ao dispositivo” que nem sequer correspondem inteiramente ao que naquela havia sido efetivamente considerado;
37. Efetivamente, vista a fundamentação da sentença de 24/06/2020 (ulteriormente retificada quanto ao aludido erro de cálculo), verifica-se que, no tocante às quantias indemnizatórias fixadas ao Autor pela sua intervenção em causa própria, no processo principal e neste incidente, o Mmo. Juiz a quo, ao contrário do que agora veio afirmar para sustentar a existência de erro de escrita, apenas referenciou o acréscimo do IVA à taxa legal de 23% em termos meramente eventuais, utilizando, em ambos os casos, a expressão “se acaso for devido”;
38. O que significa que, na decisão de 25/01/2021, o Mmo. Juiz a quo acabou por atribuir um alcance à decisão condenatória que, além de não ser suportado pelo seu teor literal, também nem sequer se encontra totalmente ancorado na respetiva fundamentação da sentença;
39. Seja como for, é incontornável que, no presente caso, a decisão condenatória antes proferida, e transitada em julgado, não padece de qualquer erro de escrita devido a lapso manifesto que pudesse ser objeto de retificação, nos termos que ora vieram a ser decididos;
40. Assim como é incontornável que o erro de julgamento e/ou a causa de nulidade da sentença que, na realidade, o Autor pretendia ver corrigidos – por desconformidade do que veio a ficar decidido na sentença a esse respeito com a respetiva prova documental existente nos autos e/ou por oposição entre a decisão e a respetiva fundamentação de facto e de direito – não se inserem no âmbito da previsão do invocado art. 614º, do CPC;
41. Efetivamente, atento o trânsito em julgado da sentença, a questão ora suscitada pelo Autor nos seus requerimentos (de inclusão do pagamento do IVA à taxa de 23% referente aos honorários pagos à mandatária constituída no pagamento da indemnização em que o Réu Estado Português foi condenado) e, muito menos, com a extensão que o Mmo. Juiz a quo agora lhe pretendeu dar (de incluir também nessa condenação o efetivo pagamento de IVA à taxa de 23% relativamente às quantias indemnizatórias atribuídas ao Autor enquanto advogado em causa própria), não seria passível de – como veio a suceder – ser reapreciada e decidida de modo diferente daquele que ficara a constar da anterior decisão;
42. Sendo certo que, por um lado, o erro de julgamento só poderia ter sido corrigido mediante a reapreciação do decidido através da oportuna interposição de recurso pelo Autor (independente ou subordinado), o que não ocorreu;
43. E que, ademais, a existência de oposição entre os fundamentos e a decisão ou a ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade poderia ter constituído motivo para a arguição em tempo oportuno de nulidade da sentença (v. art. 613º, nº 2, e 615º, nºs 1, alínea c), e 4, do CPC), mas que, porém, e neste momento, se encontra precludida, em face do o trânsito em julgado da sentença;
44. O mesmo sucedendo com uma eventual reforma da sentença, nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 613º, nº 2, e 616º, 2, do CPC;
45. Assim, e como decorre do acima exposto, mostra-se evidente que, no presente caso, a pretexto de um pretenso lapso de escrita, o Mmo. Juiz a quo acabou a reapreciar o mérito da causa e a alterar o anteriormente decidido, em termos que, com a determinada retificação do dispositivo da sentença, fosse corrigido um verdadeiro erro de julgamento e/ou uma causa de nulidade da sentença;
46. Visando, por essa via, sem qualquer apoio no teor da decisão condenatória anteriormente proferida, incluir na condenação do Réu Português o acréscimo do pagamento do IVA de 23% sobre o montante indemnizatório total de € 3.250,00;
47. Efetuando, para o efeito, uma reapreciação “dos considerandos da sentença previamente ao dispositivo” que, não só vai mais além do que era visado na própria pretensão que o Autor formulara nos citados requerimentos, como, e sobretudo, vai mais além do que o que constava efetivamente da própria fundamentação da sentença anteriormente proferida e transitada em julgado;
48. Subvertendo, desta feita, a regra fundamental de que, uma vez proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa;
49. E pondo em causa as regras da confiança e segurança jurídicas imanentes às sentenças proferidas pelos tribunais;
50. Já que foi, com base na decisão proferida, que, nos termos sobreditos, o Ministério Público, em representação do Réu Estado Português, ponderou e decidiu oportunamente pela não interposição de recurso independente; e, subsequentemente, apresentou e remeteu ao Autor a nota discriminativa de custas, reclamou da nota que este apresentou e respondeu à reclamação que, por sua vez, este deduziu;
51. Assim como foi também com base nessa decisão condenatória que, uma vez transitada em julgado, e como referido supra, o Réu Estado Português lhe deu cumprimento espontâneo, pagando ao Autor a indemnização nela fixada, acrescida dos respetivos juros de mora, sem o acréscimo de qualquer quantia a título de eventuais impostos devidos que o Réu venha a suportar com esse pagamento de honorários”;
52. Pois que, efetivamente, com o pagamento da indemnização em que assim foi condenado por sentença transitada em julgado, o Réu Estado Português não veio a suportar quaisquer eventuais impostos, por não se mostrarem legalmente devidos;
53. Na verdade, e como oportunamente se notou na reclamação à nota de custas de parte apresentada pelo Autor, está em causa nos presentes autos a condenação do Réu Estado Português no pagamento de uma indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual, que visa ressarcir um dano a título de despesas de honorários (e não propriamente o pagamento pelo Estado Português de uma qualquer quantia a título de prestação de serviços);
54. Ora, a este respeito, tem vindo a ser considerado que, em termos tributários, o pagamento de uma indemnização, enquanto mera compensação ressarcitória de um prejuízo/dano, sem qualquer vínculo sinalagmático, na medida em que não tem subjacente uma qualquer transmissão de bens ou uma prestação de serviços, não é tributável, não estando sujeito a IVA – v. Ac. do STA de 31/10/2012 – proc. 01158/11 e Decisão da CAAD de 15/04/2019, proc. nº 581/2017-T;
55. Ademais, o entendimento agora manifestado pelo Mmo. Juiz a quo no sentido de, sem qualquer apoio no teor do dispositivo da sentença anteriormente proferida, decidir agora (ex novo) fazer incluir o pagamento de IVA a 23% sobre o valor global da indemnização fixada de € 3.250,00, não só atenta manifestamente contra a confiança que o Réu Estado Português depositou no oportunamente decidido, frustrando por completo a sua legítima expetativa de que dera integral cumprimento à decisão condenatória;
56. Como, ademais, implicaria também que o Autor, no tocante às duas parcelas indemnizatórias atinentes ao trabalho que desenvolveu como advogado em causa própria, viesse a receber do Estado, a esse título (de IVA), um valor que claramente não despendeu nem irá despender, por não ser devido nos termos da lei (v.g. do CIVA);
57. Já que, manifestamente, e atenta a própria natureza desse contrato (v. arts. 1157º e 1158º, do Código Civil, e arts. 1º e 2º da Lei nº 49/2004, de 24/04, e art. 67, do EOA), nunca poderia estar em causa nessa parte uma retribuição dos serviços profissionais prestados pelo Autor, como advogado, a si próprio, no âmbito de um contrato de mantado forense, ou seja, um contrato de prestação de serviços, que o mesmo tivesse outorgado consigo próprio (!), que legalmente impusesse a emissão da respetiva fatura, com a liquidação e cobrança, a si próprio, desse imposto, para depois o entregar ao Estado;
58. Com o inerente enriquecimento ilegítimo do Autor à custa do Estado;
59. Situação esta que, se se tivesse verificado em tempo oportuno – isto é, à data da prolação da decisão condenatória antes proferida, constituiria necessariamente um fator que o Ministério Público, em representação do Réu Estado Português, teria também que ponderar, a par do mais decidido, para efeitos de fundar a sua decisão relativa à oportuna interposição de recurso quanto ao mérito da causa;
60. Direito que resulta agora precludido, coartando, desta feita, a possibilidade de o Réu Estado Português exercer cabalmente o seu direito de defesa;
61. Tudo para se concluir que esta alteração do decidido, corrigindo um erro de julgamento e/ou uma causa de nulidade da sentença, já transitada em julgado, está imperativamente vedada por lei, no atual momento processual, pelo que, e tal como considerado no citado Ac. do STA de 04-10-2017, proc. 034/16, a decisão ora proferida é juridicamente inexistente.
62. Por violação do disposto nos arts. 613º, nºs 1 e 2, 614º, nº 1, 615º, nºs 1, alínea c), e nº 4, 619º, nº 1, do CPC (ex vi o art. 1º, do CPTA).

TERMOS EM QUE,
Deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida a 25/01/2021, substituindo-a por outra que indefira os requerimentos apresentados pelo Autor em 07/10/2020 e em 16/10/2020, assim se mantendo inalterada a decisão condenatória anteriormente proferida nos autos, por sentença transitada em julgado.
ASSIM,
farão V. Exas., como sempre,
JUSTIÇA.”
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O Recorrido J. apresentou Contra alegações, no âmbito das quais elencou a final as conclusões que para aqui se extraem:

“[…]
1. O despacho rectificativo é insusceptível de recurso, atento o valor do IVA de 460,00€.
2. Os tribunais administrativos têm alçada.
3. O efeito útil do recurso é de 460,00 €.
4. Se o Estado não recorreu da sentença também não o podia agora nem pode.
5. Quanto ao mérito, bem decidiu o tribunal.
6. Bem se vê que a sentença quis condenar o Estado a pagar o IVA dispendido pelo autor.
7. Deve manter-se o despacho sob recurso.
8. O valor da sucumbência de qualquer das partes é de 460,00 € o que se declara para efeitos de taxa de justiça e recurso, nos termos do artigo 12º, nº 2 do RCJ.”
*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitadas pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se o despacho recorrido padece de erro de julgamento em matéria de direito, tendo para tanto sustentado que o mesmo consubstancia a correcção de um erro de julgamento e/ou uma causa de nulidade da Sentença, já transitada em julgado, o que estava vedado fazer por lei ao Tribunal a quo, e que por essa razão o despacho recorrido é juridicamente inexistente, em decorrência do disposto nos artigos 613.º, n.ºs 1 e 2, 614.,º, n.º 1, 615.º, n.ºs 1, alínea c), e 4, 619.º, n.º 1, todos do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

Para efeitos de conhecimento do mérito do recurso jurisdicional deduzido pelo Recorrente, cumpre fixar a factualidade que segue:

1 – O ora Recorrido interpôs no TAF de Viseu acção de indemnização contra o Estado Português, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, por violação do direito a uma decisão em prazo razoável, que aí correu termos sob o Processo n.º 1446/06.6BEVIS, onde a final da Petição inicial formulou o pedido que para aqui se extrai como segue:

“[…]
3. condenar-se o Estado Português a pagar ao autor:
a) uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a € 15.000,00;
b) juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a citação até efetivo pagamento sobre € 15.000,00;
c) despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pelo requerente, despesas de certidões, todas as despesas de tradução de documentos e quaisquer outras;
d) e honorários a advogado neste processo nos Tribunais Administrativos, conforme artigos 28º a 31º, mas nunca inferiores a € 5.000,00;
e) juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a citação até efetivo pagamento sobre as quantias referidas em c), d), f) e g);
f) a todas as verbas atrás referidas devem acrescer quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado;
g) deve ainda ser condenado em custas e demais encargos legais, como o reembolso de taxas de justiça inicial e subsequente e preparos para despesas e quaisquer outras pagas pelo autor.”

2 – Essa acção veio a ser julgada totalmente improcedente por Sentença proferida em 11 de dezembro de 2015, do que o Autor interpôs recurso de apelação para este TCA Norte em 11 de janeiro de 2016, que por seu Acórdão proferido em 03 de novembro de 2017 decidiu, entre o mais, e como vertido sob a alínea d) do segmento decisório, que “Os honorários dos Advogados deverão ser fixados em ulterior incidente de liquidação.

3 – Tendo os autos baixado ao TAF de Viseu, aí correu termos o Incidente de liquidação, no âmbito do qual, a final, foi proferida Sentença datada de 24 de junho de 2020, pela qual foi julgado parcialmente procedente o incidente, cujo segmento decisório para aqui se extrai como segue:

V.-DECISÃO
Pelo exposto, razões de facto e de direito atrás aduzidas, julga-se o presente incidente de liquidação parcialmente procedente, por parcialmente provado e, em consequência, condena-se o Réu Estado Português a pagar ao Autor, J., a importância total de € de € 2.950,00 (dois mil novecentos e cinquenta euros) a título de indemnização pelos honorários devidos quer à mandatária constituída pelo autor quer ao seu próprio trabalho como advogado em causa própria (também honorários), sendo a importância de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de honorários à identificada mandatária do autor, a importância de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) a título de honorários devidos ao autor pela sua intervenção no processo principal como advogado em causa própria, a importância de € 500,00 (quinhentos euros) a título de honorários devidos ao mesmo autor como advogado também em causa própria neste incidente de liquidação e, ainda, nos juros civis à taxa legal de 4% sobre tal importância, contados ou que que se vencerem a partir da prolação desta decisão e, ainda, acrescendo a este montante os eventuais impostos devidos que o Réu venha a suportar com esse pagamento de honorários.
Custas a cargo do Autor e do Réu, na proporção do vencimento/decaimento.
[…]”

4 – Precedendo requerimento do Autor, ora Recorrido, essa Sentença foi rectificada no seu dispositivo, por despacho datado de 26 de junho de 2020;

5 – A Sentença proferida no Incidente de liquidação de honorários transitou em julgado a 2 de Setembro de 2020;

6 – Precedendo requerimento do Autor, ora Recorrido, essa Sentença foi rectificada no seu dispositivo, por despacho datado 25 de janeiro de 2021.

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 24 de junho de 2020, que depois de ter apreciado a pretensão deduzida pelo Autor contra o Estado Português em sede do Incidente para efeitos de liquidação de honorários, veio depois o Tribunal a quo [para além da sua rectificação – da Sentença –, por despacho datado de 26 de junho de 2020] a rectificar o seu dispositivo, por despacho datado 25 de janeiro de 2021.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Compulsadas as Alegações apresentadas pelo Recorrente, o mesmo ancora a sua pretensão recursiva no facto de o despacho recorrido ter violado o disposto nos artigos 613.º, n.ºs 1 e 2, 614.º, n.º 1, 615.º, n.ºs 1, alínea c), e 4, e 619.º, n.º 1, todos do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, em suma, por ter o Tribunal a quo procedido à rectificação do segmento da Sentença quando a mesma já havia transitado em julgado, e quando a alteração introduzida vem no seu entender [do Recorrente] a traduzir-se na correcção de um erro de julgamento e/ou uma causa de nulidade da Sentença, e que o despacho recorrido é assim juridicamente inexistente.

Por sua vez, no âmbito das Contra Alegações que apresentou o Recorrido, sustentou o mesmo em suma, que o despacho recorrido, datado de 25 de janeiro de 2021, não admite recurso, atento o valor da sucumbência.

E neste conspecto, em face do que alegou o Recorrido nas suas Contra alegações, não lhe assiste razão, aqui dando por reproduzida decisão proferida pelo Tribunal a quo, datada de 04 de maio de 2021, que se ancorou e bem no disposto no artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, desde logo, porque tendo o Tribunal a quo rectificado a Sentença recorrida, essa rectificação não reveste qualquer autonomia face à Sentença, pois que sempre é da Sentença que se trata.

Como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, introduziu o mesmo uma rectificação ao segmento decisório, sendo que como assim resulta das conclusões 61.º e 62.º das Alegações do Recorrente, o que assaca o mesmo ao despacho recorrido é a violação do disposto nos artigos 613.º, n.ºs 1 e 2, 614.º, n.º 1, 615.º, n.ºs 1, alínea c), e 4, 619.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, sustentando que esse despacho consubstancia a correcção de um erro de julgamento e/ou uma causa de nulidade da sentença, já transitada em julgado, o que lhe estava vedado por lei.

Portanto, em torno do valor da sucumbência, e como assim apreciou o Tribunal a quo no seu despacho datado de 04 de maio de 2021, não tendo o recorrente Ministério Público aludido ao valor da sucumbência nas suas Alegações de recurso e respectivas conclusões, o valor do recurso jurisdicional por si intentado é necessariamente o que veio indicado pelo Autor na Petição inicial que motiva os autos.

Ou seja, não tendo o Recorrente indicado qual o valor do recurso jurisdicional tem-se o mesmo por fixado no valor da causa, em conformidade com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RCP.

Efectivamente, estando subjacente à pretensão recursiva do Recorrente, o sustentado erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, porque invoca que estava o Tribunal a quo legalmente impedido de introduzir alterações à Sentença, desde logo por estar já esgotado o seu poder jurisdicional, mostra-se claro que não colocou o Recorrente em causa qualquer questão atinente ao valor que importe relevar para efeitos de apreciação da regra da sucumbência.

Posto isto, cumpre apreciar e decidir do erro de julgamento que vem imputado pelo Recorrente ao despacho recorrido datado de 25 de janeiro de 2021.

Vejamos.

Em face da Sentença datada de 24 de junho de 2020, daí resulta claro que o Tribunal a quo apreciou o concreto pedido que lhe foi formulado pelo Autor [o que se impunha ser decidido face ao Acórdão deste TCA Norte datado de 03 de novembro de 2017], e que em torno do que aí decidiu em sede do dispositivo, não veio a condenar em quantidade ou termos diversos do que lhe foi apresentado pelo Autor no Requerimento inicial que motivou o Incidente de liquidação.

Por ter interesse, para aqui se extrai o pedido deduzido a final do Requerimento inicial, como segue:

“[…]
Deve o Estado ser condenado a pagar ao autor os honorários da advogada no processo no montante de 3.500,00 € a que acresce IVA à taxa de 23% no montante de 805,00 €, no total de 4.305,00 €, acrescido tudo dos juros legais desde a notificação deste incidente até integral pagamento.
2. Deve o Estado ser condenado a pagar ao próprio autor honorários simbólicos de 750 euros, a que acresce IVA de 23%, no montante de 172,50 €, o que soma 922,50 €, nos termos do artigo 18º desta PI de liquidação, bem como juros legais desde a notificação até integral pagamento.
3. Como lhe devem ser fixados honorários de forma equitativa pela elaboração desta peça, tendo em conta ainda os docs juntos, e pelo trabalho que o processo venha a dar, bem como juros legais desde a notificação até integral pagamento.”

No fundo, no âmbito do Incidente de liquidação e tendo presente o caso julgado já formado pelo Acórdão deste TCA Norte proferido nestes mesmos autos, já acima referido, em que foi relegado para ulterior liquidação nos termos do artigo 358.º, n.º 2 do CPC, em torno da liquidação dos honorários requerida pelo Autor [tendo presente que, como assim resulta de forma expressa do pedido formulado na Petição inicial, que a todas as quantias que por si foram peticionadas devem acrescer os impostos que eventualmente sejam devidos], assentava em que fossem determinados os montantes de honorários que eram devidos a quem o patrocinou, com a abrangência formulada no pedido deduzido.

E sendo certo que resultou provado sob a alínea k) do probatório da Sentença recorrida que o Autor pagou à sua mandatária a quantia de €4.305,00, sendo €3.500,00 a título de honorários e o remanescente [€805,00] a título de IVA à taxa de 23% [julgamento este que não foi objecto de recurso por parte do ora Recorrente], mas como assim apreciou e fundamentou o Tribunal a quo, não era esse valor, na importância de €3.500,00 vinculativo para o Tribunal porque havia de aferir da justeza ou não desse montante de honorários, e que havia que proceder à sua quantificação, quando então veio a fazê-lo e atentos os termos e os pressupostos em que o fez, daí resulta que na fundamentação de direito aportada pelo Tribunal a quo foi julgado que ao valor por si fixado [Tribunal a quo] visando os honorários da mandatária constituída pelo Autor, no montante de €2.000,00, acrescerá o IVA à taxa de legal de 23%.

Neste patamar, tendo presente o teor decisório da Sentença proferida enunciada sob o ponto 3 do probatório, cumpre para aqui extrair o segmento decisório da Sentença recorrida [já com a rectificação introduzida por despacho datado de 26 de junho de 2020, sendo da nossa autoria o sublinhado, que consubstancia o teor da rectificação], como segue:

V.-DECISÃO
Pelo exposto, razões de facto e de direito atrás aduzidas, julga-se o presente incidente de liquidação parcialmente procedente, por parcialmente provado e, em consequência, condena-se o Réu Estado Português a pagar ao Autor, J., a importância total de € 3.250,00 (três mil duzentos e cinquenta euros) a título de indemnização pelos honorários devidos quer à mandatária constituída pelo autor quer ao seu próprio trabalho como advogado em causa própria (também honorários), sendo a importância de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de honorários à identificada mandatária do autor, a importância de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) a título de honorários devidos ao autor pela sua intervenção no processo principal como advogado em causa própria, a importância de € 500,00 (quinhentos euros) a título de honorários devidos ao mesmo autor como advogado também em causa própria neste incidente de liquidação e, ainda, nos juros civis à taxa legal de 4% sobre tal importância, contados ou que que se vencerem a partir da prolação desta decisão e, ainda, acrescendo a este montante os eventuais impostos devidos que o Réu venha a suportar com esse pagamento de honorários.
[…]”

Cumpre ainda para aqui extrair também o segmento decisório da Sentença recorrida [já com a rectificação introduzida pelo despacho datado de 26 de junho de 2020, e com a rectificação introduzida pelo despacho recorrido datado de 25 de janeiro de 2021, sendo da nossa autoria o sublinhado, que consubstancia o teor da rectificação], como segue:



V.-DECISÃO
Pelo exposto, razões de facto e de direito atrás aduzidas, julga-se o presente incidente de liquidação parcialmente procedente, por parcialmente provado e, em consequência, condena-se o Réu Estado Português a pagar ao Autor, J., a importância total de € 3.250,00 (três mil duzentos e cinquenta euros) a título de indemnização pelos honorários devidos quer à mandatária constituída pelo autor quer ao seu próprio trabalho como advogado em causa própria (também honorários), sendo a importância de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de honorários à identificada mandatária do autor, a importância de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) a título de honorários devidos ao autor pela sua intervenção no processo principal como advogado em causa própria, a importância de € 500,00 (quinhentos euros) a título de honorários devidos ao mesmo autor como advogado também em causa própria neste incidente de liquidação e, ainda, nos juros civis à taxa legal de 4% sobre tal importância, contados ou que que se vencerem a partir da prolação desta decisão e, ainda, acrescendo a este montante os eventuais impostos devidos que o Autor venha a suportar com esse pagamento de honorários.
[…]”

Preliminarmente, cumpre dizer que em face do que apreciou e decidiu o Tribunal a quo na Sentença recorrida, o Réu Estado Português, ora Recorrente, não pôs em causa, por qualquer forma, que a Senhora mandatária que havia sido constituída pelo Autor, não era/fosse sujeito passivo de IVA.

De resto, a aplicação do IVA, resultando de uma imposição legal, só o mesmo não seria devido se o prestador de serviços estivesse isento de tributação nesse domínio, questão que não se colocou, nem se coloca agora neste Tribunal de recurso apreciar, porque esse valor a título de imposto foi liquidado pela mandatária do Autor e este pagou-lhe esse valor, embora assente num pressuposto quantitativo diferente, isto é, de que os honorários por si devidos o eram no valor de €3.500,00, quando como assim resultou provado, ou melhor, não tendo resultado provado como tal valor foi assim contado pelo Autor ou pela sua mandatária, porque não foi feita prova quanto a esse concreto valor, veio a julgar o Tribunal a quo em equidade, fixando o valor devido à mandatária em €2.000,00, que fundamentou no sentido de que era “… coerente, ajustado e adequado…” sendo que, o montante de IVA, cuja taxa está legalmente fixada, advém a final da realização de uma mera operação aritmética.

Aliás, sob os pontos 15.º e 18.º do Requerimento atinente ao Incidente de liquidação, o Autor já referia que aos valores por si peticionados em sede dos honorários, acrescia IVA de 23%, invocação essa que está em linha com o que já tinha o Autor formulado na Petição inicial [Cfr. alínea f) desse pedido], que este TCA Norte apreciou por seu Acórdão datado de 03 de novembro de 2017, e que também assim consta dos pontos 1 e 2 do pedido deduzido a final do Requerimento inicial.

Como extraído supra, atento o teor do segmento decisório da Sentença datada de 24 de junho de 2020 – Cfr. ponto 3 do probatório -, assim como esse mesmo segmento com as rectificações introduzidas, quer pelo despacho datado de 26 de junho de 2020, quer pelo despacho recorrido datado de 25 de janeiro de 2021, é manifesto que o Julgador exerceu o seu poder de rectificação, que o fez precedendo requerimento do Autor, mas que o podia fazer ex officio, já que é mais do que manifesto, sendo até uma evidência, que a referência no segmento decisório a “Réu” se tratava de um flagrante lapso, e que a entidade visada era o “Autor”.

E é tão evidente que o Tribunal a quo não quis referir-se ao Réu, antes ao Autor, desde logo pela própria natureza das coisas, pela própria natureza da relação jurídica que veio a estabelecer-se entre o Autor e o Réu por efeito da demanda judicial deste por aquele, e das implicações jurídico-tributárias que implica a emissão por um profissional liberal de um documento que em si contende com o recebimento de uma certa quantia a título de honorários.

No caso do imposto em causa, o IVA traduz um fluxo monetário na emitente [a mandatária do Autor], que deve ser objecto de prestação de contas junto do Estado, sendo que, caso o mesmo não venha a ser entregue nos cofres do Estado [por parte da mandatária do Autor], está assim a ser desviado do seu destino legal único.

Importa salientar que o eventual não recebimento do IVA por parte da mandatária do Autor não justifica que esse imposto não tenha de ser entregue ao Estado, já que é ao sujeito passivo de IVA que compete, em conformidade com o Código daquele imposto, entregar o imposto resultante da diferença entre o imposto liquidado e o imposto dedutível, independentemente de o ter recebido ou não do Autor.

Atento o mecanismo em que se encerra o IVA, o mesmo não constitui uma sua receita própria [da mandatária], pois para si emerge a obrigação de o entregar ao Estado, não se dilucidando como poderia o Autor deixar de proceder ao pagamento do montante de imposto que é legalmente devido, e como poderia a sua mandatária vir a invocar não lhe ser imputável a falta de pagamento do imposto, depois de o ter liquidado.

Julgamos assim que o decidido pelo Tribunal a quo não merece nenhuma censura jurídica, e que, aliás, a rectificação por si introduzida podia e devida ser introduzida sem dependência de qualquer prazo [Cfr. artigo 614.º, n.º 3 do CPC], pois que da Sentença proferida nenhuma das partes deduziu recurso, já que a mesma transitou em julgado em 02 de setembro de 2020.

Efectivamente, tendo o Tribunal a quo discriminado os factos que deu como provados e não provados e tendo aplicado as normas jurídicas que entendeu convocáveis para o efeito segundo as várias soluções plausíveis em direito, resulta evidente que quis condenar o Réu Estado Português no pagamento das concretas quantias por si fixadas a título de honorários, a cujas quantias acrescia o IVA, e que pela Sentença proferida o Tribunal a quo não veio a condenar em quantidade nem em objecto diverso do que vinha pedido pelo Autor, seja na Petição inicial, seja no Requerimento que motivou o incidente de liquidação [Cfr. artigos 607.º e 609.º, n.º 1, ambos do CPC]

E se bem que com a prolação da Sentença recorrida o Tribunal a quo esgotou o seu poder jurisdicional quanto à matéria em causa [isto é, em torno de saber por que montante eram devidos honorários, quantias a que, independentemente do montante em que viesse a ser fixado, acrescia IVA, para além de juros de mora], sempre ao julgador é lícito rectificar erros materiais [Cfr. artigo 613.º, n.ºs 1 e 2 do CPC] constantes da Sentença quando a mesma contenha “… erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto…” [Cfr. artigo 614.º, n.º 1 do CPC] pois que, obviamente e de forma muito clara, não quis o legislador que por causa não atinente ao julgamento da causa, o segmento decisório pudesse padecer de alguma particularidade que lhe retirasse a sua objectividade necessária.

Como julgamos, e atento o teor da rectificação introduzida pelo Tribunal a quo pela decisão recorrida, não esteve em causa o suprimento de nenhuma nulidade da Sentença que devesse ser tempestivamente arguida, pois que não era o facto de em vez de “Réu” passar a constar “Autor” que por si tornava a decisão ambígua, obscura ou ininteligível.

Com efeito, na relação controvertida que opunha o Autor ao Réu, e em face do que era/foram os pedidos deduzidos pelo Autor, atentos os pedidos de condenação formulados contra o Réu [Cfr. alínea f) da Petição inicial], nem todos eles importavam em que devessem acrescer impostos aos valores em que o Estado viesse a ser condenado.

Com efeito, a indemnização fixado por este TCA Norte, pelo seu Acórdão datado de 03 de novembro de 2017, a título de danos não patrimoniais, no montante de €4.000,00 não pressupõe a incidência de qualquer imposto, mormente de IVA.

Mas como assim decidido sob a alínea b) daquele Acórdão proferido, sobre aquele montante acresciam as quantias “… que eventualmente sejam devidas a título de imposto”.

Por aquele Acórdão, este TCA Norte decidiu em conformidade com o pedido formulado pelo Autor, e neste conspecto, se o Autor tivesse de proceder ao pagamento de quaisquer impostos por forças das despesas/encargos em que teve de incorrer para efeitos da demanda do Réu, o que resulta claro, é que o Réu é também o responsável por esses pagamentos.

Ora, de nenhuma outra forma se poderia entender o segmento decisório da Sentença datada de 24 de junho de 2020, com a menção a “Réu” ou a “Autor”, pois que é manifesto que, pelo segmento decisório, tendo sido o Autor quem pagou honorários à sua mandatária, muito obviamente que só ela é que lhe poderia liquidar a ele [Autor] o montante que a mesma teve como devido em sede de IVA [e como assim seria com qualquer outro imposto] e que o Réu seria o responsável por esse pagamento.

Ou seja, nunca é ou seria o Réu quem suportaria impostos com o pagamento dos honorários à mandatária do Autor, por não ter o Réu estabelecido nesse domínio qualquer relação jurídica com a mesma, pois que a mesma surge na relação bipartida entre o Autor e o Réu, porque prestou serviços ao Autor, e que as instâncias judiciais apreciaram e decidiram que esses encargos deviam ser todos eles suportados pelo Réu, pois que a responsabilização do Réu foi motivada por responsabilidade civil extracontratual com fundamento em atraso na administração da justiça.

Portanto, nunca o Estado foi condenado pela Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a ter de pagar impostos por força da relação controvertida tida para com o Autor.

O que decorre do segmento decisório, com ou sem a rectificação, é que por força da apreciação do pedido e visando o pagamento de honorários à mandatária do Autor, o valor do montante que o Réu foi condenado a pagar não se fixa apenas pelo valor dos honorários e dos impostos que acrescessem, antes também pelos juros de mora, e assim, o valor parcial de €2.460,00, traduz o computo da condenação decidida pelo Tribunal a quo, em face do que foi tributariamente devido, sem que o Autor tivesse a legitimidade/direito de o recusar perante a sua mandatária.

A rectificação levada acabo pelo Tribunal visou assim e tão só, repor a concreta realidade.

E o Recorrente não pode deixar de saber e conhecer que, em face do que constituía o pedido deduzido pelo Autor na Petição inicial e no Requerimento inicial, que o IVA em causa foi-lhe liquidado, e portanto, que teve o Autor de o suportar obrigatoriamente, e na medida em que tal assim sucedeu, tal importa num encargo patrimonial que cabe ao Réu suportar no contexto do pedido deduzido em sede de responsabilidade civil extracontratual.

Ou seja, não releva para o efeito se a quantia que acresceu era a título de IVA. O que é significativo é que por força dos honorários que teve de pagar, a prestadora de serviços liquidou-lhe IVA, nos termos do respectivo Código do IVA, e nessa medida, por causa da demanda que teve de fazer do Estado junto dos Tribunais, o encargo por si sofrido, sendo de €2.000,00, passou a ser de €2.460,00 pois que aquela prestação está sujeita a IVA, ao qual a prestadora de serviços não podia obviar, e consequentemente, também não o podia o Autor, donde, o seu concreto encargo para com a mandatária por si constituída se ficou por aquele valor, em que incorre o Réu, para além dos júris de mora que também são legalmente devidos.

Tendo o Autor procedido ao pagamento à sua mandatária da quantia de €3.500,00 a título de honorários e do que acresceu em sede de IVA, o seu efectivo encargo foi de €4.305,00, como assim foi julgado provado.

Mas tendo resultado provada a emissão de recibo e por esse montante acrescendo ainda IVA, como resulta da fundamentação vertida na Sentença, não tendo o Autor logrado fazer prova desse valor, porque não logrou o Autor fazer prova de que a sua mandatária tenha despendido mais de 35 horas de trabalho, desde logo porque julgou o Tribunal a quo julgou que por se tratarem de factos pessoais só a mesma sobre eles poderia depor, e não foi arrolada como testemunha, e também por inexistir uma nota de honorários ou nota discriminativa de despesas e honorários feita/subscrita pela sua mandatária, daí que o Tribunal a quo, segundo um juízo de equidade, tenha fixado o valor de €2.000,00, valor este relativamente ao qual é que fica o Réu civilmente responsável pelo seu pagamento, assim como do acréscimo de IVA.

Ao contrário do que sustentou o Recorrente, subjacente à decidida rectificação não está a correcção de qualquer erro de julgamento, seja de facto seja de direito, nem sequer o suprimento de uma nulidade da Sentença, antes o mero suprimento de um erro de escrita [na identificação da parte, o que por experiência de vida até é comum acontecer] que é justificável pela manifesta inexactidão com que essa referência foi feita, que redundou num lapso manifesto.

Portanto, ao contrário do que sustenta o Recorrente não está em causa nenhum erro de julgamento, porque o que o Tribunal a quo queria escrever só poderia ser a referenciação a “Autor”, tratando-se, concretamente de um erro material, e que não tem assim sustentação a sua conclusão de que o segmento decisório antes da rectificação é que fazia sentido, pois que não faz.

Com efeito, é curial fazer notar que o recibo do pagamento dos honorários já está efectivamente nos autos, só que está assente em pressupostos que os não reconheceu o Tribunal a quo desde logo quanto ao valor, pois que apenas reconheceu como devido o valor de €2.000,00, sendo o IVA o resultado de uma mera operação aritmética.

E portanto, esse recibo apenas terá se ser reformulado, e nas instâncias próprias. Tão somente isso.

E como assim julgamos, não é minimamente sustentável a posição deduzida pelo Recorrente, pois que, de forma manifesta, o Tribunal a quo exerceu o seu poder jurisdicional no âmbito dos poderes que lhe advêm do disposto nos artigos 613.º, n.º 2 e 614.º, n.º 1, ambos do CPC.

Termos em que, improcedem assim as conclusões apresentadas pelo Recorrente, devendo por conseguinte o despacho recorrido manter-se.
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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Sentença; Liquidação de honorários; Trânsito em julgado; Rectificação de erros materiais.

1 - Se bem que com a prolação da Sentença recorrida o Tribunal a quo esgota o seu poder jurisdicional quanto à matéria em causa [isto é, em torno de saber por que montante eram devidos honorários a mandatária constituída, quantias a que, independentemente do montante em que viesse a ser fixado, acrescia IVA, para além de juros de mora], sempre ao julgador é lícito rectificar erros materiais [Cfr. artigo 613.º, n.ºs 1 e 2 do CPC] constantes da Sentença quando a mesma contenha “… erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto…” [Cfr. artigo 614.º, n.º 1 do CPC] pois que, obviamente e de forma muito clara, não quis o legislador que por causa não atinente ao julgamento da causa, o segmento decisório pudesse padecer de alguma particularidade que lhe retirasse a sua objectividade necessária.
2 - Não merece nenhuma censura jurídica, o despacho do Tribunal a quo proferido já depois de ter transitado em julgado a Sentença proferida [e por não ter sido deduzido recurso jurisdicional], pelo qual vem a ser rectificado o dispositivo no que é atinente à menção das partes, em termos de onde se lê “Réu“ deva ler-se “Autor“, e onde constava a condenação do Réu a pagar ao Autor um concreto montante fixado pelo Tribunal a título de honorários a advogada constituída pelo Autor para a demanda judicial do Réu, com a menção de que a essa quantia acrescia ainda os eventuais impostos devidos que fossem suportados com esse pagamento de honorários.
3 - Ao contrário do que sustentou o Recorrente, subjacente à decidida rectificação não está a correcção de qualquer erro de julgamento, seja de facto seja de direito, nem sequer o suprimento de uma nulidade da Sentença, antes o mero suprimento de um erro de escrita [na identificação da parte, o que por experiência de vida até é comum acontecer] que é justificável pela manifesta inexactidão com que essa referência foi feita, que redundou num lapso manifesto.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente Estado Português, e em confirmar o despacho recorrido.
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Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Notifique.
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Porto, 17 de dezembro de 2021.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro