Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01285/22.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/24/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR INOMINADA;
PERICULUM IN MORA;
NECESSIDADE DE ALEGAÇÃO DE FORMA CONCRETA E CIRCUNSTANCIADA;
Sumário:Necessidade de alegação de forma concreta e circunstanciada, dos factos que consubstanciam o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação.
Dito de outro modo, incumbe ao requerente da providência alegar factos concretos aptos ao preenchimento dos requisitos substanciais de que depende o deferimento da providência cautelar, nos termos do artigo 120º do CPTA. É, pois, obrigação do requerente da providência alegar factos e situações concretas da vida, em face das quais se mostre que a decisão administrativa controvertida, prejudica de imediato e irremediavelmente a sua posição jurídica. Isto é, exige-se ao requerente da providência que alegue factos concretos e circunstanciados, na medida em que sobre ele impende o ónus de alegar e de provar factos concretos e relevantes que permitam ao Tribunal concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Abstenção duma Conduta (CPTA) - Recurso jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
I..., Lda., com NIF ... e sede no Largo ..., ... ..., instaurou processo cautelar contra
1. Município ..., com NIF ... e sede na Avenida ..., ... ...,
2. Banco 1..., S.A. (doravante Banco 1...), com NIF ... e sede na Avenida ..., ... ..., e
3. Banco 2..., S.A. (doravante Banco 2...), com NIF ... e sede na Rua ..., ... ...,
formulando o seguinte pedido:
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, requer a V. Ex.ª que:
A) seja ordenado à Primeira Requerida que se abstenha de prosseguir com o pedido de pagamento do montante de 21.714,02 (vinte e um mil, setecentos e catorze euros e dois cêntimos) por via do acionamento das garantias supra identificadas pelos Requeridos Bancos, até à decisão com trânsito em julgado da ação que a Requerente irá instaurar contra a Primeira Requerida e o Requerido Banco;
B) seja ordenado aos Bancos Requeridos que se abstenham de pagar o montante em virtude do acionamento de quaisquer garantias ou cauções; e
C) seja ordenada a anulação de quaisquer ordens emitidas ou que venham entretanto a ser emitidas por quaisquer dos Requeridos em execução das referidas garantias ou cauções, bem como dos consequentes atos e operações materiais, se necessário for com a devolução de todos os montantes pagos na sequência da daquela execução;
D) atento o risco sério para o fim e para a eficácia da providência, se defira presente pedido sem citação nem audição da Primeira Requerida e da Segunda e Terceira Requeridas;
E) em alternativa, caso venha o Douto Tribunal a decidir pela improcedência do atrás requerido (o que, sem se conceder, academicamente e por mera hipótese de raciocínio se admite), seja ordenado à Segunda e Terceira Requeridas para procederem ao depósito da quantia em causa à ordem desse Tribunal, não a entregando à Primeira Requerida até à decisão com trânsito em julgado da ação principal a intentar pela Requerente, seguindo-se os demais termos até final.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi indeferida a providência cautelar.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Requerente formulou as seguintes conclusões:
A. Foi proposta providencia cautelar inominada contra o Município ..., com NIF ... e sede na Avenida ..., ... ..., 2. Banco 1..., S.A. (doravante Banco 1...), com NIF ... e sede na Avenida ..., ... ..., e 3. Banco 2..., S.A. (doravante Banco 2...), com NIF ... e sede na Rua ..., ... ..., doravante 1.º e 2.º e 3º Requeridos, respetivamente.

B. Essa providência cautelar tem como objetivo travar o acionamento de garantia bancária, que apenas foi acionada e visa a qual visa um objetivo manifestamente ilegal, através de mecanismos legais que se traduzem num claro abuso de direito,

Veja-se que,

C. Em 16.01.2008 foi proferido despacho pelo Governador Civil do Distrito de ... para efectivação da posse administrativa do contrato “Centro de Noite e apoio Social de ...”, designando para o efeito o dia 24.01.2008

D. Através do ofício n.º DOSO-OM-Of_74/2022, de 19.05.2022, o Requerido Município notificou a Requerente de que, nessa data, foram por si accionadas as garantias bancárias, bem como a retenção de cauções a seu favor relativas à obra “Centro de Noite e Apoio Social de Felgueiras”, para pagamento do prejuízo sofrido pelo Município, no valor de EUR 45.126,61, mais informando que “a somatória das garantias bancárias e da retenção da caução é de 22.920,06€, valor a reverter para os cofres do Município, devendo no entanto essa empresa voluntariamente proceder ao pagamento do restante prejuízo no valor de 22.206,55€”.
A Requerente respondeu ao ofício referido no ponto anterior em 25.05.2022, por

E. Ora, no nosso entendimento, tal lapso de tempo 2008-2022 revela que o atual accionamento das garantias sem qualquer demonstração ou fundamento é claramente desproporcional.

F. Pretendendo a 1.º Requerido, como esta muito bem assume, fazer-se pagar com aquelas quantias que abusivamente se locupletou.

G. O Tribunal a quo decidiu no sentido de indeferir liminarmente a providencia cautelar proposta, com fundamento de que “senão a de que não se encontram minimamente alegados, de forma concreta e circunstanciada, os factos que entende consubstanciarem o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação. Atente-se que a Requerente alude genericamente ao facto de o accionamento das garantias e seu consequente pagamento ao Município ... pelos Bancos Requeridos lhe causar um “enorme prejuízo”, sem o quantificar, sem mencionar as razões para que tal suceda, uma vez que não explica qual a sua situação financeira actual, quais os compromissos que tem assumidos e que se verá impossibilitada de cumprir, qual o seu activo e passivo, tudo no sentido de aferir da sua situação financeira, pois que a caracteriza de “frágil”. Ademais, o mero accionamento das garantias e o seu consequente pagamento ao Município pelos Bancos Requeridos não traduzem, de imediato e sem mais, um prejuízo na esfera da Requerente, pois que quem irá proceder, no imediato, ao pagamento do valor garantido – que, assinale-se, não se cifra numa quantia manifestamente elevada, tendo em consideração o valor da empreitada e o capital social da Requerente constante da sua certidão permanente, que juntou aos autos com o seu requerimento inicial como documento n.º ...1 – são os Bancos, pelo que a decisão do Município de accionar as garantias bancárias prestadas pela Requerente em 2006 não traduzem, per se, uma situação de constituição de facto consumado, nem tampouco, em face da parca, singela e conclusiva alegação da Requerente, a produção de prejuízos de difícil reparação.

H. Assim, nada mais resta ao Tribunal senão do que dar como não verificado, in casu, o requisito do periculum in mora (art.º 120º, n.º 1, primeira parte do CPTA)..” (sublinhado nosso)

I. Em primeiro lugar, a Requerente, aqui Recorrente, aduziu de forma clara tanto (a) as razões pelas quais se pode concluir pela existência de prejuízos graves e dificilmente reparáveis.

J. Como pediu ao Tribunal a quo que (b) fossem tomadas medidas que visassem acautelar o efeito útil da ação que venha a ser proposta.

K. Pois veja-se que por Prejuízo Abstrato se tem “o valor apurado, reduzido a uma expressão pecuniária, de avaliação dos danos quando não seja possível proceder à reparação em substância e tem cabimento a reparação em valor” Galvão Telles, Dir. Obrigações, 5.ª ed.-349

L. E por Prejuízo Concretoo dano real, o dano como se apresenta in natura, consistente na privação ou diminuição do gozo dos bens, materiais ou espirituais, ou na sujeição de encargos ou na frustração da aquisição ou acréscimo de valores” Galvão Telles, Dir. Obrigações, 5.ª ed.-347

M. Ao que podemos concluir que as razões aduzidas demonstram estar em causa tanto um Prejuízo Concreto – Probabilidade séria de locupletação dos valores da garantia

N. Como um Prejuízo Abstrato – Impossibilidade de pagar a trabalhadores e fornecedores;

Mas, também, aqui se reporta a Danos Previsíveis e Certos, nomeadamente (a) a Possibilidade do(s) Banco(s) virem a não emitir garantias bancárias, por perda de confiança; (b) Perda de possibilidade crédito, assim como (c) alterações de condições de crédito; e por fim, (d) perda de negócios por (d.1) impossibilidade de crédito ou impossibilidade de aceitação de condições mais “pesadas” de crédito ou até pela não emissão de garantias bancárias por parte do(s) Banco(s).

O. Os quais por serem previsíveis e estarem ao alcance do “homem médio”, não carecem de prova – Até porque esta se demonstra impossível.

P. Neste sentido o Acórdão da Relação do Porto, Proc. n.° 248/19.4T8PNF.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ba8e88417 28165ad80258603003a92f5?OpenDocument :

Q. A Requerente / Recorrente, para além de ter feito prova de claro abuso e fraude por parte da 1.ª Requerida - elencou os prejuízos que o acionamento da garantia iriam acarretar nomeadamente o facto de o acionamento desta garantia para além (1) de condicionar o acesso ao crédito e (2) novas garantias bancárias (3) também atenta quanto à credibilidade e ao prestígio da Requerente

R. Pois veja-se que a Requerente / Recorrente é “obrigada” a prestar garantias na generalidade das obras de média e grande dimensão, nomeadamente no acesso concursos públicos.

S. Ao que sobrevive por conta das garantias prestadas pelos bancos, as quais para além de lhe poderem vir a ser negadas, poderão levar a uma perda de confiança que implicará o pagamento de maiores taxas de juro.

T. Tendo, igualmente, como se depreende, efeito direto no acesso da Requerente ao crédito.

U. Ao que, mui respeitosamente se refere que, para além de (a) os danos mencionados serem de difícil / impossível reparação; (b) Os prejuízos que o acionamento da garantia poderiam acarretar, são muito superiores ao do não acionamento da garantia (que são inexistentes).

V. Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, Proc. n.° 12490/15, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/360458050539b81b80257ef300373378?OpenDocument:

W. Sendo patente os danos, consideráveis como Danos Previsíveis, pois são passiveis de conjeturar, prognosticar a sua produção, pelo homem médio (medianamente prudente e avisado).

X. Termos em que estão preenchidos tanto os pressupostos de “Fumus Boni Iuris”, como “Periculum in mora” - Entendendo-se “Fumus Boni Iuris” pela probabilidade séria de existência de um direito – Que não foi discutido no Despacho / Sentença proferido

Y. E por “Periculum in mora” o fundado receio de que a demora na obtenção de decisão no processo principal cause danos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos que justificam esta tutela urgente.

Z. Podendo a aqui Requerente fazer-se valer dos meios legalmente admissíveis, nomeadamente prova testemunhal e documental – Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 3962/21.0T8LBS.L1-8, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/4b5891ae4ba14332802586de00644281?OpenDocument

AA. O que efetivamente fez, conforme prova documental produzida e testemunhal arrolada que não foi ouvida.

BB. Ora, do teor dos autos extrai-se, por um lado, que a motivação para a dispensa de prova testemunhal se prendeu com o facto de o processo já conter os elementos necessários à prolação de decisão, dado a questão a apreciar e decidir ser unicamente de direito.

CC. Contudo, na motivação da matéria de direito podemos verificar que o tribunal considerou não provada a quantificação dos danos ou a qualificação dos mesmos como irreparáveis, desconsiderando a hipotética prova testemunhal oferecida pela Requerente

DD. Ao que só a não apresentação de prova, pronta e líquida, implica o indeferimento liminar do pretendido - o que no caso em apreço só foi discutido de forma sumária no Douto Despacho / Sentença proferido.

EE. A verdade, é que tribunal “a quo” considerou, implicitamente, que seria um acto inútil, proibido por lei, determinar a inquirição das testemunhas indicadas pela Recorrente, com os fundamentos constantes da sentença recorrida.

FF. Todavia, entendemos que o tribunal “a quo” errou, pois a prova testemunhal poderia ter contribuído para a formação da convicção do julgador, em concatenação com outras provas produzidas, e até ter propiciado a conclusão de que afinal era necessário melhor prova, como, por exemplo, pericial ou mero pedido de informação relativamente à contabilidade da Requerente no sentido de apurar concretamente em que é que o “exercício da actividade da Requerente que poderão ser afectadas de forma irreversível ou em que medida o acionamento das garantias bancárias e poderá constituir uma situação de facto consumado.”

GG. Assim é forçoso concluir-se que tendo sido requerida ou sugerida a realização de uma diligência, o juiz a quo somente não a deve efectuar se a considerar inútil ou dilatória, fundamentando devidamente a decisão.

HH. O Tribunal a quo, ao não permitir a audição das testemunhas arroladas pela aqui recorrente, violou frontalmente as normas contidas no artº. 392° do Código Civil.

II. Deve, em conformidade, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que mande baixar os autos à instância inferior, por forma a que seja concedida à recorrente a oportunidade de produzir a aludida prova.

JJ. E note-se que é requisito bastante para o decretamento da providência cautelar em pleito a prova de fraude ou abuso – Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 14917/21.5T8LSB.L1-8, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/683171a0d21f1a92802587990035aabd?OpenDocument

KK. Em tom de conclusão, será de realçar que o não decretamento desta Providência Cautelar poderá levar a uma decisão puramente platónica, que nunca ressarcirá a Requerente, face à natureza dos prejuízos irreparáveis que se elencou.

Termos em que, concedendo provimento ao recurso e alterando a douta decisão recorrida nos termos pugnados nas presentes alegações, farão
JUSTIÇA!
Não foram juntas contra-alegações.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1. A Requerente dedica-se à actividade de construção civil e obras públicas (cf. documento n.º ...1 junto com o requerimento inicial);

2. Por deliberação da Câmara Municipal ... de 02.05.2006 foi determinada a abertura de concurso público para a contratação da empreitada de obras públicas denominada “Centro de Noite e Apoio Social de Felgueiras” (cf. documentos de fls. 31 a 41 do processo administrativo);

3. A referida empreitada previa um prazo de execução de 245 dias, contados desde a data da sua consignação (cf. documentos de fls. 31 a 41 do processo administrativo);

4. Como preço base do procedimento de EUR 420.000,00 (cf. documentos de fls. 31 a 41 do processo administrativo);

5. Ao referido concurso foi apresentada proposta pela Requerente, com o preço de EUR 429.441,43 (cf. documentos de fls. 60 a 62, 65 a 79 do processo administrativo);

6. À qual foi adjudicado o contrato concursado (cf. documentos de fls. 65 a 80 do processo administrativo e documento n.º ...6 junto com o requerimento inicial);

7. O contrato de empreitada foi outorgado entre a Requerente e o Requerido Município em 04.01.2007 (cf. documento de fls. 81 a 93 do processo administrativo e documento n....02 junto com o requerimento inicial);

8. Para a execução daquele contrato, a Requerente prestou duas garantias bancárias

9. Uma emitida pela Requerida Banco 1..., no valor de EUR 21.472,07, com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento n.º ...5 junto com o requerimento inicial);

10. Outra emitida pelo Requerido Banco 2..., no valor de EUR 241,95, com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento n.º ...6 junto com o requerimento inicial);

11. Os trabalhos referentes à empreitada foram consignados em 11.01.2007 (cf. documento de fls. 94 do processo administrativo);

12. Em 16.10.2007, a Câmara Municipal ... deliberou o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento de fls. 95 a 100 do processo administrativo);
13. Através do ofício n.º DMOM-Of_488/2007, de 16.10.2007, o Requerido Município comunicou à Requerente o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento de fls. 101 e 102 do processo administrativo e documento n.º ...0 junto com o requerimento inicial);

14. Por carta datada de 30.10.2007 e recepcionada nos serviços do Requerido Município no dia 31.10.2007, a Requerente comunicou ao Município ... o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento de fls. 103 do processo administrativo);

15. Pelo ofício n.º DMOM-Of_546/2007, de 21.11.2007, o Requerido Município solicitou à Requerente a apresentação de um “plano de trabalhos real e exequível (conforme foi solicitado verbalmente), visto que ao apresentado nem será de elaborar comentários por tão irrealista que é” (cf. documento de fls. 104 do processo administrativo);

16. Através do ofício n.º DMOM-Of_597/2007, de 14.12.2007, o Requerido Município notificou a Requerente do seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documentos de fls. 105 e 106 do processo administrativo);
17. Em resposta àquela notificação, a Requerente, por carta datada de 28.12.2007 e recepcionada nos serviços do Requerido Município no dia 02.01.2008, informou o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento de fls. 106 do processo administrativo);

18. Em 15.01.2008, a Câmara Municipal ... deliberou o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento de fls. 107 a 114 do processo administrativo);

19. Através do ofício n.º DOPU-OM-Of_15/2008, de 15.01.2008, recebido pela Requerente em 16.01.2008, o Requerido Município comunicou à Requerente o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento de fls. 115 a 117 do processo administrativo);

20. Em 16.01.2008 foi proferido despacho pelo Governador Civil do Distrito de Viseu para efectivação da posse administrativa do contrato “Centro de Noite e apoio Social de Felgueiras”, designando para o efeito o dia 24.01.2008 (cf. documento n.º ...0 junto com o requerimento inicial);

21. O despacho referido no ponto anterior foi notificado à Requerente através do ofício n.º ...08, de 17.01.2008 (cf. documento n.º ...0 junto com o requerimento inicial);

22. Através do ofício n.º DOPU-OM-Of_170/2012, de 25.07.2012, o Requerido Município comunicou à Requerente o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento n.º ...9 junto com o requerimento inicial);

23. Por carta datada de 21.08.2012, a Requerente respondeu ao ofício referido no ponto anterior referindo o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento n.º ...9 junto com o requerimento inicial);

24. Por carta datada de 11.11.2019, a Requerente solicitou ao Requerido Município o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento n.º ...2 junto com o requerimento inicial);

25. Através do ofício n.º DOSO-OM-Of_74/2022, de 19.05.2022, o Requerido Município notificou a Requerente de que, nessa data, foram por si accionadas as garantias bancárias, bem como a retenção de cauções a seu favor relativas à obra “Centro de Noite e Apoio Social de Felgueiras”, para pagamento do prejuízo sofrido pelo Município, no valor de EUR 45.126,61, mais informando que “a somatória das garantias bancárias e da retenção da caução é de 22.920,06, valora reverter para os cofres do Município, devendo no entanto essa empresa voluntariamente proceder ao pagamento do restante prejuízo no valor de 22.206,55€” (cf. documento n.º ...4 junto com o requerimento inicial);

26. A Requerente respondeu ao ofício referido no ponto anterior em 25.05.2022, por mensagem de correio electrónico com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. documento n.º ...5 junto com o requerimento inicial);

27. O requerimento inicial que deu origem à presente acção foi apresentado no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no dia 14.06.2022 (cf. documento de fls. 28 do SITAF).

Em sede de factualidade não provada o Tribunal consignou:
Inexistem quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir que se tenham considerado não provados.

E, no que à motivação da matéria assente diz respeito, exarou:
Para o elenco da factualidade relevante ora reunida e considerada como provada, tomou o Tribunal em consideração a alegação das partes vertida nos articulados e a inexistência de desacordo ou confronto factual quanto à matéria assente.
A formação da convicção do Tribunal baseou-se ainda no teor dos documentos juntos aos autos pelas partes e daqueloutros que integram o processo administrativo.
Pese embora o teor dos requerimentos apresentados pela Requerente em 03.11.2022 e em 10.11.2022 [fls. 348 e 357 do SITAF, respectivamente], a verdade é que tal não abala a força probatória dos documentos que integram o processo administrativo, nem tampouco a formação da convicção do Tribunal para a fixação da matéria de facto dada como provada. Com efeito, além de inusitado, o teor daqueles requerimentos ignora por completo o determinado por despacho deste Tribunal em 12.10.2022. Com efeito, pese embora a entidade pública requerida não dispusesse de um processo administrativo devidamente organizado respeitante às fases pré-contratual e de execução do contrato de empreitada ora em discussão, a verdade é que nada a impede de proceder à sua organização no sentido de o remeter ao Tribunal para efeitos de apreciação e decisão da matéria de facto subjacente ao litígio posto. Tampouco impede o Tribunal de determinar a junção aos autos de todos os documentos existentes sobre aquelas matérias nos serviços do Requerido, devidamente organizados nos termos do disposto no art.º 84º do CPTA. Arguir a falsidade dos documentos que compõem o processo administrativo – muito embora o Município revele uma incompreensível inabilidade na sua organização, como de resto se nota em face daquilo que foi junto aos autos pelo Requerido Município, pois limitou-se a extrair um print do seu sistema informático e a juntar-lhe todos os documentos que havia remetido aos autos com a sua oposição, sem sequer juntar todos aqueles que devem existir nos seus serviços, pois que não juntou, a título meramente exemplificativo, o documento que a Requerente apresentou com o seu requerimento inicial como documento n.º ...4, sendo que constitui documento essencial para a matéria que aqui se discute, tratando-se, inclusivamente, de um documento da lavra do próprio Município – quando na realidade este integra quer documentos que a própria Requerente juntou aos autos com o requerimento inicial, respeitantes tanto à formação do contrato como à sua execução, cuja materialidade a Requerente também não coloca em causa, quer ainda documentos que o próprio Requerido Município havia juntado aos autos com a sua oposição (o que também não foi colocado em causa pela Requerente, pois não os impugnou), raia o limiar da boa-fé processual, estando mesmo no limite da litigância de má-fé.
DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença que indeferiu a providência cautelar.
Cremos que decidiu com acerto.
Estabelece o n.º 1 do artigo 112º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos que “Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo quem possua legitimidade”, as quais são adoptadas segundo os critérios estabelecidos no artigo 120º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos:
Estabelece o n.º 1 do artigo 120º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos que “as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”
Por sua vez estabelece o n.º 2 daquela citada norma que “Nas situações previstas no número anterior, a adopção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências”.
Nestes termos, concatenando os citados normativos, uma providência cautelar será adoptada quando cumulativamente se verifiquem os seguintes requisitos:
a) Haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal – periculum in mora:
b) Seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente – fumus boni iuris;
c) Ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam a sua concessão não se mostrem superiores aqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências – ponderação de interesses.
Vejamos, pois, se se encontram reunidos os pressupostos necessários à concessão da providência cautelar requerida.
-Do periculum in mora
O processo cautelar visa assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, só se justificando a tutela cautelar se existir necessidade de assegurar a utilidade da sentença. Com efeito, com o processo cautelar não se visa antecipar os efeitos da acção principal, mas tão só o de assegurar a utilidade da decisão sobre o litígio, afastando assim o perigo da inutilidade da sentença resultante do mero decurso do tempo e da adopção ou da abstenção de uma conduta ou pronúncia administrativa (vide, neste sentido, Vieira de Andrade in a “A Justiça Administrativa, 16º Edição, Coimbra, Almedina Editora, 2017).
Por outras palavras, as providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção principal, a situação de facto se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia (facto consumado) ou parte dela (prejuízos de difícil reparação).
Assim, tal como resulta do disposto da primeira parte do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o legislador consagrou duas vertentes do “periculum in mora” - o receio de constituição de uma situação de facto consumado ou, o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.
Existe fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado quando exista a impossibilidade de reintegração da esfera jurídica do requerido, isto é, caso o processo principal venha a ser julgado improcedente, será impossível proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme a legalidade. Neste caso, a providência é necessária para prevenir o risco de infrutuosidade da sentença a proferir no processo principal.
Haverá também “periculum in mora”, mas na vertente do “fundado receio de prejuízos de difícil reparação” quando a reintegração no plano dos factos se mostre difícil, seja porque se produzirão prejuízos ao longo do tempo que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou de pelo menos reintegrar integralmente. Neste caso, a providência cautelar é necessária para afastar o risco de retardamento da tutela que deverá se assegurada no processo principal.
Para tanto, cabe ao juiz efectuar um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para se concluir, se há ou não, razões para recear que a sentença seja inútil, por se ter consumado uma situação incompatível com ela ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deva beneficiar, que obstam à plena reintegração da sua esfera jurídica ou da possibilidade de a não reparar na sua totalidade por via da reintegração da legalidade a operar pela acção principal (vide, neste sentido, Acórdão deste TCAN de 07.07.2017, proc. n.º 01863/16.3BEBRG).
É de notar que o está aqui em causa não é prevenir o risco geral do dano a que todos os direitos se encontram expostos, mas dos danos causados pela demora da tutela principal e que pode redundar na inutilidade prática, total ou parcial, da sentença final favorável e, consequentemente, na inefectividade da tutela pretendida para o direito lesado.
Para que o requisito do periculum in mora se possa dar por verificado deve o Requerente alegar factos que demonstrem a existência de fundado receio na verificação de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa acautelar no processo principal. Ou seja, é ao requerente da providência que compete demonstrar - ónus de alegação e de prova que lhe está cometido de acordo com as regras gerais do ónus da prova - o prejuízo derivado do facto de não lhe ser concedida a providência concedida (Acórdão do TCASul de 22.01.2021, proc n.º 1796/20.9I3ELSI3).
Para tanto é necessário que o requerente alegue factos que atestem a impossibilidade da reintegração da sua esfera jurídica ou da maior ou menor dificuldade em concretizar essa reintegração, no caso do prejuízo de difícil reparação.
No presente caso, como sentenciado, impõe-se ao requerente da providência o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida [art.º 342º do CC], não podendo o tribunal substituir-se ao mesmo.
O requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que, da conjugação dos artºs 112º, n.º 2, alínea a), 114º, n.º 3, alíneas f) e g), 118º e 120º do CPTA, não se mostra consagrada uma presunção iuris tantum da existência dos aludidos requisitos como simples decorrência da execução dum acto, pelo que o requerente não está desobrigado ou desonerado de fazer a prova e demonstração dos factos integradores dos pressupostos ou requisitos em questão, alegando, para o efeito, de modo especificado e concreto tais factos, já que não é idónea uma alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas.
Com efeito, o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida cabe ao requerente [cf. artºs 342º do CC, 114º, n.º 3, alínea g), 118º e 120º do CPTA e 365º, n.º 1 do CPC], assim como lhe cabe o ónus do oferecimento de prova sumária de tais requisitos.
No caso vertente, alega a Requerente que o pagamento pelos Requeridos Banco 1... e Banco 2... ao Requerido Município da garantia bancária por si prestada para a execução da empreitada “Centro de Noite e Apoio Social de Felgueiras” causar-lhe-á “um enorme prejuízo, o qual é financeiramente incomportável neste momento”, criando “dificuldades acrescidas e inconciliáveis com a [sua] actividade económica imediata” pois “está numa situação económica frágil”, não estando “preparada e não poderia contar, não tendo forma de fazer face ao pagamento”.
E nada mais alega que substancie a invocação de periculum in mora no sentido de suportar o seu pedido de decretamento das providências requeridas.
Ora, analisada a alegação feita pela Requerente, outra conclusão não pode este Tribunal retirar senão a de que não se encontram minimamente alegados, de forma concreta e circunstanciada, os factos que entende consubstanciarem o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação.
Atente-se que a Requerente alude genericamente ao facto de o accionamento das garantias e seu consequente pagamento ao Município ... pelos Bancos Requeridos lhe causar um “enorme prejuízo”, sem o quantificar, sem mencionar as razões para que tal suceda, uma vez que não explica qual a sua situação financeira actual, quais os compromissos que tem assumidos e que se verá impossibilitada de cumprir, qual o seu activo e passivo, tudo no sentido de aferir da sua situação financeira, pois que a caracteriza de “frágil”.
Ademais, o mero accionamento das garantias e o seu consequente pagamento ao Município pelos Bancos Requeridos não traduzem, de imediato e sem mais, um prejuízo na esfera da Requerente, pois que quem irá proceder, no imediato, ao pagamento do valor garantido - que, assinale-se, não se cifra numa quantia manifestamente elevada, tendo em consideração o valor da empreitada e o capital social da Requerente constante da sua certidão permanente, que juntou aos autos com o seu requerimento inicial como documento n.º ...1 - são os Bancos, pelo que a decisão do Município de accionar as garantias bancárias prestadas pela Requerente em 2006 não traduzem, per se, uma situação de constituição de facto consumado, nem tampouco, em face da parca, singela e conclusiva alegação da Requerente, a produção de prejuízos de difícil reparação.
Importa também referir que, tendo a Requerente prestado as referidas garantias no âmbito da celebração de um contrato de empreitada de obras públicas que lhe foi adjudicado ao abrigo de um concurso público tramitado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março (que aprovou o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, abreviadamente designado por RJEOP) - não se compreendendo por que razão a Requerente faz alusão a normas do Código dos Contratos Públicos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro), que apenas entrou em vigor após a celebração do contrato de empreitada entre a Requerente e o Requerido Município, não se lhe aplicando, como é evidente, por força do disposto no art.º 16º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 18/2008 -, sabendo que tais garantias não haviam sido ainda libertadas pelo Requerido Município e que este, por ofício de 16.10.2007 [cf. pontos 12. e 13. do probatório], lhe comunicara a sua deliberação de rescindir o contrato de empreitada e, consequentemente, accionar as garantias bancárias prestadas pela Requerente, não colhe a sua parca argumentação de que, em Maio do corrente ano, não estava preparada para esse accionamento, não tendo forma de fazer o pagamento, pois que, havendo garantias por si prestadas, o mínimo que se exige é que tenha provisões para a eventualidade de ser chamada pelos Bancos garantes a efectuar-lhes o pagamento do montante que estes entregarem ao Município.
E continua: Portanto, o que se verifica é que a Requerente nada alega de concreto para substanciar essas suas alegações vagas e genéricas relativas às consequências para o exercício da sua actividade presente e futura decorrente do accionamento daquelas garantias bancárias, ficando o Tribunal sem saber quais são os seus compromissos actuais e futuros, quais os recursos financeiros disponíveis no momento para o pagamento daqueles valores caso lhe sejam, a breve prazo, pedidos pelos garantes ou qual o seu balanço (não descrevendo o seu activo e passivo actual, quais os seus capitais próprios e património existente).
Repare-se que não está aqui em causa a ausência de prova da factualidade alegada, mas a inexistência de factos substanciadores do periculum in mora por si invocado, pois que a sua alegação não chega, nem serve, para uma invocação clara e concreta desse requisito, por total ausência de factos sobre os quais pudesse recair a instrução, mediante a produção de diferentes meios de prova, sejam documentais ou testemunhais.
Pelo que, esmiuçada a alegação da Requerente, constata-se que além de assentar em meros juízos e conclusões por si retirados de factos que não alega e que, por tal motivo, não se compreendem, nada substancia no sentido de apurar se o accionamento das garantias bancárias e o seu subsequente pagamento pelos Bancos Requeridos, bem como o não decretamento das providências requeridas causará efectivamente prejuízos de difícil reparação ou se levará à constituição de uma situação de facto consumado ao ponto de a eventual procedência da acção principal se revelar inútil para a satisfação da pretensão da Requerente e da sua necessidade de tutela jurisdicional.
Repare-se que nem para uma apreciação meramente hipotética (mas que ainda assim se revelaria insuficiente para o decretamento das providências requeridas) o Tribunal dispõe de elementos para formular um juízo sobre o critério do periculum in mora, tal é a escassez de factos alegados pela Requerente.
Cingindo-se a uma mera articulação de juízos conclusivos, sem qualquer factualidade subjacente que pudesse permitir a mais pequena e breve incursão por parte do Tribunal no raciocínio que trilha para alegar o periculum in mora da tutela cautelar que pretende. (negrito e sublinhados nossos).
Ora, como é unanimemente referido pela jurisprudência, incumbe ao requerente da providência alegar factos concretos aptos ao preenchimento dos requisitos substanciais de que depende o deferimento da providência cautelar, nos termos do artigo 120º do CPTA. É, pois, obrigação do requerente da providência alegar factos e situações concretas da vida, em face das quais se mostre que a decisão administrativa controvertida, prejudica de imediato e irremediavelmente a sua posição jurídica. Isto é, exige-se ao requerente da providência que alegue factos concretos e circunstanciados, na medida em que sobre ele impende o ónus de alegar e de provar factos concretos e relevantes que permitam ao Tribunal concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação.
Olhando para a alegação que a Requerente, nesta parte, traz a juízo, é não apenas evidente como manifesta a insuficiência alegatória no que concerne ao periculum.
Por conseguinte, fica o Tribunal sem perceber, por falta de uma alegação, concreta, circunstanciada e densificada, quais as concretas e precisas condições de exercício da actividade da Requerente que poderão ser afectadas de forma irreversível ou em que medida o accionamento das garantias bancárias poderá constituir uma situação de facto consumado.
Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 30.10.2014, proc. n.º 0681/14, “A concessão das providências cautelares, no tocante ao requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º nº 1 al. b) e c) do CPTA, assenta nos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente conclusiva” não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito”.
Revemo-nos nesta leitura do Tribunal a quo e na abundante jurisprudência que trouxe aos autos.
Assim, não se podendo dar como verificado, in casu, o requisito do periculum in mora (art.º 120º, n.º 1, primeira parte do CPTA) sucumbe a providência, pois como também não deixou de sublinhar o Senhor Juiz, sendo os requisitos de decretamento de providências cautelares cumulativos, basta a improcedência de um deles para que a pretensão cautelar não possa ser provida, ficando, assim, prejudicada a análise do requisito do fumus boni iuris, atinente à probabilidade da procedência da pretensão formulada em sede de acção principal, nos termos do disposto no art.º 608º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art.º 1º do CPTA.
E fica também prejudicada, ao abrigo do mesmo preceito, a realização do juízo de ponderação de interesses previsto no n.º 2 do art.º 120º do CPTA, uma vez que tal ponderação apenas releva nas situações em que se verifiquem os requisitos para o decretamento das providências previstos no n.º 1 daquele preceito, o que, repete-se, ora não sucede.
Em suma,
São características próprias do processo cautelar a sua instrumentalidade - dependência em face de um processo principal, a provisoriedade - por não visarem a resolução do litígio, estando vedado ao tribunal conceder, através de uma providência cautelar, aquilo que só a sentença final pode proporcionar, e a sumariedade - cognição necessariamente sumária e perfunctória da situação de facto e de direito, visto que a finalidade própria do processo cautelar é assegurar que a demora na tomada da decisão final não acarrete a criação de uma situação de facto consumado com ela incompatível, ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses de quem dela deveria beneficiar (art.º 112º, n.º 1, do CPTA).
Para o efeito, impende sobre o requerente o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, oferecendo prova sumária da respetiva existência [cfr. art.º 114º, n.º 3, al. g)].
Os requisitos necessários à adoção de providências cautelares encontram-se plasmados nos n.ºs 1 e 2 do art.º 120º do CPTA, de cuja verificação cumulativa está dependente o respetivo decretamento.
O primeiro desses requisitos é o denominado periculum in mora. Nos termos do n.º 1 do referido art.º 120º, as providências cautelares são adotadas, “(…) quando haja fundado receio da constituição de uma situação de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (…)”.
Assim, o requisito do periculum in mora consiste na verificação do risco de a eventual decisão favorável que vier a ser proferida na ação principal não permitir assegurar, na sua plenitude, a pretensão que o autor aí pretende fazer valer, porque existe o fundado receio de que, pela demora normal do processo, a) se constitua uma situação de facto consumado ou b) se produzam prejuízos de difícil reparação (cf. art.º 120º, n.º 1, do CPTA).
Está-se perante a constituição de uma situação de facto consumado quando não é possível proceder à restauração natural da esfera jurídica do autor, no caso do processo principal vir a ser julgado procedente. Ou seja, ainda que os danos produzidos pela alteração da situação de facto do requerente sejam avaliáveis pecuniariamente, tem-se por verificado o requisito do periculum in mora quando não seja possível a reconstituição, no plano dos factos, da situação conforme a legalidade (neste sentido, cfr. Mário Aroso e Fernandes Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., 2017, pág. 972), obviando, desse modo, a que a decisão judicial não se torne numa decisão “puramente platónica”.
Por outro lado, ainda que não se vislumbre a impossibilidade de reconstituição, no plano dos factos, da situação conforme a legalidade, tem-se por verificado o requisito do periculum in mora quando exista o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação durante a pendência do processo principal.
São prejuízos de difícil reparação aqueles, ainda que suscetíveis de quantificação pecuniária, cuja compensação se mostre sempre insuficiente para devolver ao lesado a situação em que ele se encontraria sem eles (Acórdão do TCA Sul de 2.10.2008, processo 00239/08), seja porque a reconstituição natural, no plano dos factos, se preveja difícil, seja porque não serão reparáveis integralmente com a reintegração da legalidade. Isto é, para se aferir da possibilidade de se produzirem prejuízos de difícil reparação deve atender-se à “(…) maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, já que o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença (…)” (Acórdão deste TCA Norte de 14.03.2014, processo n.º 01334/12.7BEPRT-A).
Em síntese, quanto ao requisito do periculum in mora, (…) o juiz deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica (…) (cfr. Vieira de Andrade em A Justiça Administrativa (Lições), 14.ª ed., 2015, págs. 293).
De todo o modo, cumpre notar que o juízo sobre o fundado receio deve ser “(…) apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões (...)” (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3.ª ed., pág. 103).
Voltando ao caso concreto, considerou a sentença, e, quanto a nós, bem, que não se verifica o periculum in mora.
Reitera-se que o periculum in mora, a que alude a 1.ª parte do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, se traduz no fundado receio de que, quando o processo principal seja decidido e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja, pelo menos, porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis (….).
Impõe-se, assim, um juízo sobre o risco da ocorrência de prejuízos de difícil reparação, fundado na apreciação das circunstâncias específicas do caso concreto e segundo a factualidade trazida pelo requerente, que permitam aferir se a situação de risco é efectiva e não uma mera conjuntura de verificação eventual, recaindo sobre o impetrante o ónus de alegar e provar, ainda que sumariamente, factos conducentes ao juízo de periculum in mora.
Não é, todavia, um qualquer perigo que justifica ou pode fundar a decretação de uma providência cautelar porquanto se terá de exigir um perigo qualificado de dano, isto é, um perigo de dano que derive ou decorra da demora processual.
Não estamos, pois, perante um perigo genérico de dano, mas sim confrontados com um perigo qualificado e aferido numa perspetiva funcional, o que significa que só têm - ou devem ter - relevância os prejuízos que coloquem em risco a efetividade da sentença proferida no processo principal.
Como decidido no Acórdão do TCA Sul, de 14.7.2016, proc. nº 13412/16: “(... ) a prova do fundado receio a que a lei faz referência deveria ter sido feita pela aqui Recorrente, a qual teria que invocar e provar factos que levassem a concluir que seria provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, o que in casu não sucedeu na medida em que não basta um mero juízo de probabilidade, antes se exigindo a existência de um fundado receio”.
Assim, bem andou o Tribunal a quo quando considerou arredado este pressuposto.
Como ensinam Mário Aroso e Carlos Cadilha, “deve considerar-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente” [in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2017, pp. 970-972 (anotação 2 ao art.º 120º)];
Importa, pois, ter presente que o fundado receio a que a lei se refere é o receio apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade, a atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade.
Daí que se quanto ao juízo de probabilidade da existência do direito invocado (fumus boni iuris) se admite que o mesmo possa ser de mera verosimilhança, já quanto aos critérios a atender na apreciação do periculum in mora os mesmos devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal requisito visto que a qualificação legal do receio como fundado visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de protecção meramente cautelar com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas acções principais - Acórdão deste TCAN de 14.03.2014, proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A;
Por conseguinte, à semelhança da petição inicial numa acção administrativa, o requerente de uma providência cautelar deve expor as razões de facto e de direito em que fundamenta a sua pretensão, derivando do disposto no art.º 114.º, n.º 3, alínea g) do CPTA que “No requerimento, deve o requerente: (...) Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência”, em particular no que aqui interessa deve o Requerente concretizar em que medida o não decretamento da providência resultará num facto consumado ou em prejuízos de difícil reparação, não se afigurando bastante a mera alegação genérica de que os mesmos vão ocorrer.
O requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que, não se mostra consagrada uma presunção iuris tantum da existência dos aludidos requisitos como simples decorrência da execução dum acto, nem é idónea uma alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas - cfr., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14/07/2008, proc. n.º 0381/08, de 19/11/2008, proc. n.º 0717/08 e de 22/01/2009 no proc. n.º 06/09;
Incumbe, assim, ao requerente da providência o ónus de alegar e provar a matéria de facto integradora do periculum in mora, através de factos ou circunstâncias suficientemente determinadas que, segundo um juízo de normalidade e pelas regras de experiência comum, abarquem a situação de perigo justificativa da concessão da medida pretendida - artº 5.º, do CPC, o que, reitera-se, não ocorreu in casu.
Tratando-se, pois, não de ausência de prova da factualidade alegada, mas antes da inexistência de factos substanciadores do periculum in mora invocado, improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 24/02/2023

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro