Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00305/19.7BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/09/2022
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR; PROCESSO PENAL; AUTONOMIA; ARTIGO 5º DO REGULAMENTO DE DISCIPLINA DA GUARDA NACIONAL REPUBLICANA:
APROVADO PELA LEI 145/99, DE 01.09; ABUSO SEXUAL DE MENORES POR MILITAR DA G.N.R; ESCOLHA DA SANÇÃO; DISCRICIONARIEDADE; SANÇÃO EXPULSIVA
Sumário:1. A autonomia do processo disciplinar face ao processo penal, consignada no artigo 5º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Lei 145/99, de 01.09, faz todo o sentido, dado que a natureza e finalidade de um procedimento e outro são completamente distintas, assim como a natureza e finalidade das sanções penais e disciplinares.

2. As sanções penais visam retribuir e prevenir os crimes assim como a ressocialização do arguido; na sanção disciplinar não existe a preocupação de “reinserir” o agente nos serviços, antes de pretende preservar o bom funcionamento e imagem dos serviços perante as repercussões da infracção e reforçar no agente a consciência do cumprimento dos seus deveres funcionais e da necessidade do seu contributo para melhorar a imagem e o funcionamento dos serviços.

3. Por outro lado, é pacífico o entendimento de que na escolha e medida da sanção disciplinar existe uma larga margem de discricionariedade administrativa e técnica. Pelo que o Tribunal só pode invalidar a escolha da sanção feita pela Administração em caso de erro grosseiro ou desvio de poder.

4. No caso, em que a infracção cometida se traduziu na prática, fora do exercício de funções e enquanto treinador de uma equipa de juvenis, de crimes de abuso sexual de crianças, importunação sexual, pornografia de menores aliciamento, entre a aplicação de uma pena não expulsiva, pretendida pelo visado, e uma pena expulsiva, aplicada pelo acto impugnado, não se vislumbra erro grosseiro nesta escolha, antes pelo contrário, mostra-se plenamente acertada a aplicação sanção expulsiva.

5. Numa situação destas é evidente a inviabilização da relação funcional com a G.N.R., não prejudicando esta conclusão o facto de no processo crime ter sido suspensa a execução da pena, dado que ali existe, entre outras, a preocupação com a reinserção social do delinquente, o que não se verifica no processo disciplinar onde apenas existe a preocupação com o bom funcionamento e a preservação da imagem das instituições.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Ministério da Administração Interna veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 01.02.2021 pela qual foi julgada procedente a acção intentada por AA... para anulação do acto pelo qual lhe foi aplicada a sanção disciplinar de separação do serviço.

Invocou para tanto, em síntese, que o Tribunal a quo errou no enquadramento jurídico dos factos provados e invadiu a esfera da discricionariedade da Administração ao considerar a sanção aplicada desproporcional.

O Recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, julgando-se a acção improcedente.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A. A douta sentença recorrida considerou que «atenta a gravidade da conduta da atuação do autor (embora estejam em causa 15 infrações não se afigura que esteja em causa uma prática reiterado e habitual de infrações, tendo em conta designadamente a existência de um louvor, boa informação e comportamento no serviço; e embora lhe seja imputada a existência de dolo direto na prática das infrações em causa, não se pode olvidar que no processo penal o autor confessou espontaneamente e sem reservas, mostrando arrependimento), a pena expulsiva seja adequada e proporcional» .

B. No entanto, tal juízo sobre a proporcionalidade da pena aplicada enferma de erro sobre a apreciação dos factos dados como provados, bem como de erro na aplicação do direito.

C. No ato impugnado, o recorrente considerou todas as circunstâncias atenuantes da responsabilidade do recorrido, disciplinarmente relevantes para a determinação da pena disciplinar a aplicar, através da fundamentação por remissão para o relatório final, para o parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR e para o parecer da Direção de Assessoria Jurídica da Secretaria Geral do MAI.
Estas circunstâncias atenuantes são: o bom comportamento do autor, a confissão espontânea das infrações, a existência de um louvor e a boa informação de serviço.

D. O princípio da independência do processo disciplinar face ao processo crime postula que o efeito do caso julgado penal, em caso de condenação, vincula a entidade administrativa quanto à prova dos factos dados como provados e quanto aos seus autores.

E. Esta vinculação apenas abrange os factos dados como provados e não as considerações e valorações efetuadas pelo Tribunal Judicial sobre a ilicitude, a culpa e a determinação da pena criminal aplicável e da sua medida.

F. Como tal, afigura-se-nos errónea a seguinte afirmação da douta sentença recorrida: «face aos elementos constantes dos autos, não se nos afigura que atenta a gravidade da conduta da atuação do autor (embora estejam em causa 15 infrações não se afigura que esteja em causa uma prática reiterado e habitual de infrações, tendo em conta designadamente a existência de um louvor, boa informação e comportamento no serviço; e embora lhe seja imputada a existência de dolo direto na prática das infrações em causa, não se pode olvidar que no processo penal o autor confessou espontaneamente e sem reservas, mostrando arrependimento), a pena expulsiva seja adequada e proporcional.»

G. Uma vez que o Tribunal a quo fundou o seu juízo sobre a legalidade do ato impugnado no facto de a entidade administrativa não ter considerado como circunstâncias atenuantes as considerações efetuadas em sede penal, à luz das valorações jurídico-penais, consideramos, salvo melhor e douta opinião, que a douta sentença recorrida padece de erro sobre a apreciação dos factos relevantes e do direito para a valoração jurídico-disciplinar da pena disciplinar aplicada.

H. Por outro lado, o Tribunal a quo também andou mal quando procedeu à apreciação do princípio da proporcionalidade.

I. O recorrente encontra-se vinculado na sua apreciação dos factos, aos que foram dados como provados em sede criminal.

J. Calcorreando a acusação, o relatório final, o parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina da GNR, o parecer da Direção de Serviços de Assessoria Jurídica e o despacho punitivo, proferido pelo Ministro da Administração Interna, não se discerne qualquer erro grosseiro ou manifesto na apreciação da prova, na valoração da conduta do ora recorrido (ilicitude e culpa) ou na ponderação de todos os fatores mencionados no artigo 41.º do RDGNR para a determinação da pena.

K. «[O]s tribunais não podem substituir-se à Administração na fixação concreta da pena, pelo que a graduação da pena disciplinar, não sendo posta em causa a qualificação jurídico-disciplinar das infracções, não é contenciosamente sindicável, salvo erro grosseiro ou manifesto, ou seja, se a medida da pena for ostensivamente desproporcionada, uma vez que tal actividade se insere na chamada actividade discricionária da Administração» in Acórdão do STA de 06-03-1997, proferido no processo n.º 41112, relatado pelo Conselheiro Pais Borges.

L. Assim, ao anular o despacho punitivo, o Tribunal a quo errou na apreciação e aplicação do direito, pelo que deve ser anulada a douta sentença recorrida.

M. Assim, este Douto Tribunal Central, enquanto Tribunal de última instância que é, em regra, deve revogar a douta sentença, constituindo uma orientação correta para os tribunais de 1.ª instância no julgamento destas matérias.
*
II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1) O Autor é guarda principal de Infantaria nº (...) a prestar serviço no Posto Territorial de (...) (Porto) – facto não controvertido.

2) O Autor foi treinador da equipa de juvenis do (...) - facto não controvertido.

3) Em 07.10.2015, por Despacho nº 821/15 CTPRT, o Comandante do Comando Territorial do Porto determinou a instauração do processo disciplinar ao autor, ao qual foi atribuído o número PD 562/15, na sequência dos factos constantes no Auto de Notícia com o NUIPC 285/15.8GFPNF– cfr. folhas 4 e 5 do processo administrativo.

4) Em 15.10.2015 o Autor teve conhecimento que lhe foi instaurado o processo disciplinar acabado de referir, bem como, da transferência preventiva, por 90 dias para o posto Territorial de (...) – cfr. fls. 9 a 11 do processo administrativo.

5) A 19.11.2015 foi o Autor notificado para comparecer no dia 23.11.2015 nas instalações do Distrito Territorial Penafiel a fim de ser inquirido na qualidade de arguido – cfr. folhas 13 do processo administrativo.

6) Em 06.01.2016, o Autor foi notificado da suspensão do processo até conclusão do inquérito 2561/15.0JAPRT, a correr termos na Comarca de Porto Este - Ministério Público- Penafiel- DIAP- 1ª seção - cfr. folhas 24 e 25 do processo administrativo.

7) Em 20.09.2016, no âmbito do processo crime nº 2561/15.0JAPRT, o Ministério Público do Tribunal de Penafiel proferiu despacho de acusação relativamente ao autor imputando-lhe “na forma consumada, com dolo directo e em concurso real, 3 crimes de abuso sexual de crianças (…), 8 crimes de importunação sexual (…) 8 crimes de pornografia de menores (…) e 3 crimes de aliciamento de menores para fins sexuais (…) – cfr. folhas 42 a 51 do processo administrativo.

8) Em 24.03.2017, por acórdão proferido no âmbito do processo nº 2561/15.0JAPRT, do Juízo Central Criminal de Penafiel, Juiz 2, o Autor foi condenado, em cúmulo, na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, bem como, na pena acessória de proibição de exercício de profissões, funções ou atividades que impliquem ter menores à sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância pelo período de 3 anos, relativamente a 15 crimes de pornografia de menores - cfr. folhas 56 a 83 do processo administrativo.

9) O acórdão acabado de referir transitou em julgado a 02.05. 2017 – cfr. folhas 85 do processo administrativo.

10) O caso foi objecto de análise por parte da imprensa, designadamente, pelo “Correio da Manhã” a 23.02.2017 e pelo “Jornal de Notícias” e “Correio da Manhã” após prolação do acórdão acabado de referir – cfr. fls. 88 e 89 do processo administrativo.

11) Em 29.05.2017, foi proferida acusação no processo disciplinar, do qual consta, entre o mais:
(Imagem constante da sentença que aqui se dá por reproduzida).
– cfr. folhas 102 a 108 do processo administrativo.

12) Em 08.06.2017, o Autor teve conhecimento da acusação referida em 11) - cfr. folhas 109 do processo administrativo.

13) O Autor na sequência da notificação da acusação não apresentou defesa – cfr. folhas 110 do processo administrativo.

14) Em 10.07.2017, foi elaborado relatório final, do qual consta, entre o mais:
“(…)
“IX- PROPOSTA DE PENA A APLICAR
Perante toda a factualidade expressa no presente Processo, em que é arguido o Guarda Principal nº (...) – AA..., proponho a V. Ex.ª que lhe seja aplicada a pena principal de 240 dias de suspensão, prevista no artigo 30.º do RDGNR, e a pena acessória de transferência compulsiva pelo período de 4 anos para o Posto Territorial de (...) (aos quais devem ser descontados os 180 dias da medida provisória de transferência preventiva cumprida durante a instrução do processo), nos termos do artº 35º do RDGNR, aprovado pela Lei nº 145/99, de 01 de setembro, alterada pela Lei nº 66/2014, de 28 de agosto.”.
- cfr. folhas 102 a 118 do processo administrativo.

15) A pena acabada de descrever mereceu a concordância do Comandante do Comando Territorial do Porto em 10 de Julho de 2017 e foi determinado o envio do processo à Direcção de Justiça e Disciplina para análise e decisão superior – cfr. folhas 120 do processo administrativo.

16) Em 04.08.2017 o Comandante-Geral emitiu o despacho nº 395/DJD/17, do qual se extrai, entre o mais, o seguinte:
“(…)
“4. No âmbito disciplinar, foi deduzida acusação contra o arguido, (…) por ter violado o dever geral, previsto nos n.ºs 1.º e 3.º do artigo 8.º do RDGNR, conjugado com a alínea b), do nº 1 do artigo 176.º do Código Penal, por não ter adotado irrepreensível comportamento cívico e que deveria atuar de forma íntegra e profissionalmente competente, por forma a suscitar a confiança e o respeito da população e contribuir para o prestígio da Guarda e das instituições democráticas, tendo as infrações disciplinares sido qualificada como graves, indicando-se-lhe que este poderia vir a ser punido com a pena de suspensão ou de suspensão agravada, podendo ainda ser-lhe determinada a aplicação da pena acessória de transferência compulsiva por um período de 4 (quatro) anos. (fls. 102 a 109).
(…)
8. Compulsados os autos, atendendo aos factos dados como provados, não se acompanha a qualificação jurídica feita pelo instrutor, porquanto a conduta do arguido, além de dolosa, colocou gravemente em causa o prestígio e bom nome da Instituição, como resulta evidente das notícias divulgadas em órgãos de comunicação social (fls. 88 e 89), as quais, atenta natureza do crime cometido de modo reiterado sobre vítimas menores de idade, geram um sentimento comunitário de forte repulsa e especial censurabilidade, sendo condutas diametralmente opostas àquilo que a Instituição espera de um militar que serve a causa pública;
9. Nesse sentido, os factos praticados pelo arguido apresentam um elevadíssimo desvalor e colidem frontalmente com os deveres funcionais a que está vinculado enquanto militar da GNR, pelo que, tendo praticado tais factos, o arguido inviabilizou irremediavelmente a manutenção do seu vínculo laboral com a GNR, uma vez que a sua manutenção descredibilizaria por completo esta instituição, pelo que se conclui que a única pena a aplicar ao caso concreto será a separação de serviço.
10. Em face do exposto, determino a devolução do presente processo à Unidade, para o instrutor que seja deduza nova acusação, qualificando as infrações imputadas ao arguido como muito graves, à luz do estabelecido no artigo 21.º do RDGNR, sendo suscetível de ser aplicada a pena de separação de serviço.
(…)”.
- cfr. folhas 122 e 123 do processo administrativo.

17) Em 21.08.2017, na sequência do despacho acabado de citar, foi proferida nova acusação do processo disciplinar, na qual, consta, entre o mais, o seguinte:
(Imagem constante da decisão recorrida que aqui se dá por reproduzida).
- cfr. folhas 125 a 131 do processo administrativo.

18) Em 28.08.2017, o Autor teve conhecimento da acusação acabada de referir – cfr. folhas 132 do processo administrativo.

19) Em 26.09.2017, o Autor apresentou defesa escrita, peticionando:

“Deve o presente processo disciplinar ser arquivado por inexistência, tal como acima se expos, ou caso assim não se entenda, ser aplicada ao arguido a pena de Suspensão Agravada nos termos propostos na primeira acusação, por se afigurar como suficiente às exigências do caso concreto”.
- cfr. folhas 140 a 148 do processo administrativo.

20) Em 30.10.2017 foi elaborado relatório final, onde, em linha com a acusação de 21.08.2017, consta, entre o mais:
(Imagens constantes da decisão recorrida que aqui se dão por reproduzidas).
– cfr. folhas 152 a 160 do processo administrativo.

21) A Direção de Justiça e Disciplina da Guarda Nacional Republicana elaborou parecer n.º 195/17, datado de 14.12.2017, do qual consta como proposta:
“(…)
Termos em que se o Ex.mo Comandante-Geral se dignar concordar com proposta do
Instrutor, poderá:
- Determinar o envio do presente processo ao Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina, (...) sobre a aplicação ao militar da pena disciplinar de separação de serviço”.
- Cfr. folhas 163 a 169 do processo administrativo.

22) Em 27.02.2018, o Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina deliberou “por 24 (vinte e quatro) votos a favor e 0 (zero) votos contra, pela continuação do processo, respeitante ao Guarda-principal de Infantaria AA..., para aplicação da pena disciplinar de Separação de Serviço”.
- cfr. folhas 171 a 175 do processo administrativo.

23) Em 08.03.2018 o Comandante-Geral proferiu o despacho nº 117/DJD/18, tendo concluído o seguinte:

“Nesta conformidade, mantenho a proposta de aplicação da pena disciplinar de Separação de Serviço, ao Guarda-principal de Infantaria nº (...)- AA..., do Comando Territorial do Porto, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 27.º, nº 2, alínea e) e 33.º, conjugados com a alínea c) do nº 2, do art.º 41.º, todos do RDGNR, por entender ser adequada e proporcional ao caso concreto”.
- cfr. folhas 181 do processo administrativo.

24) Em 13.11.2018, o Ministro da Administração Interna proferiu despacho, do qual se extrai o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
*
III - Enquadramento jurídico.

Determina o artigo 5º do Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, aprovado pela Lei 145/99, de 01.09, sob a epígrafe “Princípio da independência”, citado na decisão recorrida.

“O procedimento disciplinar é independente do procedimento criminal ou contraordenacional instaurado pelos mesmos factos”.

Norma que faz todo o sentido, dado que a natureza e finalidade de um procedimento e outro são completamente distintas.

Assim como a natureza e finalidade das sanções penais e disciplinares.

As sanções penais visam retribuir e prevenir os crimes assim como a ressocialização do arguido.

Na sanção disciplinar não existe a preocupação de “reinserir” o agente nos serviços, antes de pretende preservar o bom funcionamento e imagem dos serviços perante as repercussões da infracção e reforçar no agente a consciência do cumprimento dos seus deveres funcionais e da necessidade do seu contributo para melhorar a imagem e o funcionamento dos serviços.

Por outro lado, é pacífico o entendimento de que na escolha e medida da sanção disciplinar existe uma larga margem de discricionariedade administrativa e técnica.

Pelo que o Tribunal só pode invalidar a escolha da sanção feita pela Administração em caso de erro grosseiro ou desvio de poder.

No caso o Recorrido pretende que lhe seja aplicada uma pena não expulsiva ao contrário do acto impugnado que lhe aplicou uma sanção expulsiva.

Não pôs a hipótese de lhe ser aplicada entre as penas expulsivas possíveis, a reforma compulsiva e a separação de serviço – alíneas e) e f), do R.D.G.N.R. - , a menos gravosa.

Ora na escolha entre uma sanção expulsiva e uma não expulsiva apenas há que fazer uma ponderação, a que foi feita no caso concreto: se as infracções cometidas inviabilizam – ou não – a manutenção da relação funcional.

A Entidade Demanda entendeu que as infracções cometidas comprometem a manutenção da relação funcional. Sem que aqui se vislumbre qualquer erro grosseiro ou desvio de poder.

Pelo contrário: com absoluto acerto.

Há que ter aqui em conta o despacho do Senhor Comandante-Geral da G.N.R. de 04.08.2017 que serviu de base à segunda acusação e à pena aplicada pelo acto impugnado – facto provado sob o n. 16):

“4. No âmbito disciplinar, foi deduzida acusação contra o arguido, (…) por ter violado o dever geral, previsto nos n.ºs 1.º e 3.º do artigo 8.º do RDGNR, conjugado com a alínea b), do nº 1 do artigo 176.º do Código Penal, por não ter adotado irrepreensível comportamento cívico e que deveria atuar de forma íntegra e profissionalmente competente, por forma a suscitar a confiança e o respeito da população e contribuir para o prestígio da Guarda e das instituições democráticas, tendo as infrações disciplinares sido qualificada como graves, indicando-se-lhe que este poderia vir a ser punido com a pena de suspensão ou de suspensão agravada, podendo ainda ser-lhe determinada a aplicação da pena acessória de transferência compulsiva por um período de 4 (quatro) anos. (fls. 102 a 109) (…).

8. Compulsados os autos, atendendo aos factos dados como provados, não se acompanha a qualificação jurídica feita pelo instrutor, porquanto a conduta do arguido, além de dolosa, colocou gravemente em causa o prestígio e bom nome da Instituição, como resulta evidente das notícias divulgadas em órgãos de comunicação social (fls. 88 e 89), as quais, atenta natureza do crime cometido de modo reiterado sobre vítimas menores de idade, geram um sentimento comunitário de forte repulsa e especial censurabilidade, sendo condutas diametralmente opostas àquilo que a Instituição espera de um militar que serve a causa pública;

9. Nesse sentido, os factos praticados pelo arguido apresentam um elevadíssimo desvalor e colidem frontalmente com os deveres funcionais a que está vinculado enquanto militar da GNR, pelo que, tendo praticado tais factos, o arguido inviabilizou irremediavelmente a manutenção do seu vínculo laboral com a GNR, uma vez que a sua manutenção descredibilizaria por completo esta instituição, pelo que se conclui que a única pena a aplicar ao caso concreto será a separação de serviço.

10. Em face do exposto, determino a devolução do presente processo à Unidade, para o instrutor que seja deduza nova acusação, qualificando as infrações imputadas ao arguido como muito graves, à luz do estabelecido no artigo 21.º do RDGNR, sendo suscetível de ser aplicada a pena de separação de serviço.
(…)”.

Não podíamos estar mais de acordo com estes considerandos.

Quanto às circunstâncias atenuantes, “o bom comportamento do autor; confissão espontânea das infracções, a existência de um louvor; boa informação de serviço” não se vê como podem beliscar com o juízo feito de inviabilização da relação funcional com os crimes cometidos.

De resto, na própria decisão recorrida se deixa perceber a “culpa na formação da personalidade” do arguido enquanto militar da G.R.N. que nem sequer tem a noção da gravidade do que fez para o prestígio da sua função e da instituição.

“Muito se estranha que o autor tendo ingressado na GNR e conhecendo perfeitamente os deveres que sob si impendem no sentido de lhe ser exigível uma atuação conforme seja no foro pessoal seja no foro profissional, venha sustentar na presente ação que “deu-se como provado nos autos que nunca o autor actuou como militar, não sendo aplicável o Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana”.

Quanto ao facto de ter sido suspensa a pena de prisão no processo crime também não se vê como contraria o juízo de inviabilidade da relação funcional do arguido com a G.N.R..

Como se diz na própria decisão recorrida:

“A suspensão de execução de pena foi introduzida no artigo 50.º Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março: a suspensão da execução de pena de prisão ocorre quando “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

A suspensão da execução da pena tem por isso a ver com as finalidades da punição, em particular com a reinserção do arguido.

Podemos até conjecturar, face ao conhecido tratamento que os outros reclusos dão aos reclusos acusados de abusos de menores, que a motivação, não expressa, do Tribunal criminal para suspender a execução da pena de prisão tenha passado pela consideração dessa conhecida prática prisional, para mais tratando-se de um militar da G.N.R..

O que não sucede com a sanção disciplinar que, como se disse, apenas tem como finalidade o bom funcionamento e a preservação da imagem das instituições.

Em termos, comparativos, de resto, o comportamento menos censurável de um guarda prisional, de dois actos de exibicionismo sexual, mereceu também sanção expulsiva confirmada pelo então Tribunal Central Administrativo (e depois pelo Supremo Tribunal Administrativo), em acórdão de 17.11.2005, no processo 07427/03/A), com o mesmo Relator.
*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Julgam a acção totalmente improcedente mantendo na ordem jurídica o acto impugnado porque válido.


Custas pelo Recorrido em ambas as Instâncias.
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Porto, 09.06.2022


Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Nuno Coutinho, em substituição