Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00034/20.9BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/24/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paulo Moura
Descritores:REJEIÇÃO DE RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO POR FALTA DE CONCLUSÕES; APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO REGIME GERAL DAS CONTRAORDENAÇÕES.
Sumário:I – É obrigatória a apresentação de conclusões nos recursos interpostos, no tribunal tributário de 1.º instância, das decisões da autoridade tributária proferidas nos processos de contraordenação.

II – Não obstante o n.º 2 do artigo 82º do RGIT não mencionar expressamente a obrigatoriedade de apresentação de conclusões no recurso deduzido no tribunal tributário, a jurisprudência tem entendido aplicar-se subsidiariamente o disposto no n.º 3 do artigo 59.º do Regime Geral das Contraordenações, que obriga à formulação de conclusões.

III – Se o recorrente não acatar o convite efetuado pelo juiz para apresentar conclusões, o recurso deve ser rejeitado por falta de cumprimento das exigências de forma, nos termos do n.º 1 do artigo 63.º do Regime Geral das Contraordenações. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:F.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:N/A
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

F., interpõe recurso do Despacho que rejeitou o Recurso de Contraordenação por falta de apresentação de conclusões.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1. Tendo sido proferido despacho que determinou a rejeição do recurso ante interposto, deverá o presente ser admitido, nos termos do artigo 63.º do RGCO, aplicável ex vi artigo 3.º RGIT.
2. Por seu lado, tendo o Tribunal a quo rejeitado o recurso de impugnação judicial oferecido, com fundamento no previsto e estatuído pelo artigo 59.º / 3 do RGCO, deverá desde logo considerar-se que tal norma (artigo 59.º / 3 do RGCO) não tem aplicação in caso, porquanto:
3.

Estatuindo o artigo 3º do RGIT, que “são aplicáveis subsidiariamente, quanto às contraordenações e respetivo processamento, o regime geral do ilícito de mera ordenação social;”
4. Tal regime (RGCO) apenas deverá ser acolhido quando o RGIT não disponha de norma própria que permita acautelar a resolução do concreto caso decidindo, i. é:
5. Apenas se poderá recorrer ao previsto e estatuído pelo RGCO, quando o RGIT não disponha de própria que permita resolver a questão concretamente a decidir.
6. Porém, não se poderá olvidar que o artigo 80º / 2 do RGIT estabelece as condições de admissibilidade e forma a que deverá obedecer qualquer recurso de impugnação judicial;
7. Sendo assim claro e inequívoco que tal norma apenas exige que o recurso de impugnação judicial contenha alegações e seja dirigido ao TAF;
8. Mormente, não exige aquela norma que o predito recurso contenha quaisquer conclusões;
9. Daí resultando que o recurso de impugnação judicial oferecido pelo ora Recorrente não enferma de qualquer insuficiência que devesse ditar a sua rejeição.
10. Por seu lado, convirá recordar que, atento à circunstância do RGIT dispor de norma própria que verse sobre o conteúdo e forma do Recurso de Impugnação Judicial, não poderá proceder a aplicação, in caso, do regime constante do artigo 59º / 3 do RGCO;
11. Pelo que mal andou o tribunal a quo ao proferir a douta decisão ora posta em crise, a qual faz errada interpretação do p. e p. no artigo 59º / 3 do RGCO;
12. Devendo a mesma ser integralmente revogada e substituída por outra que determine admitir o recurso de impugnação judicial oferecido pelo ora Recorrente.





Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, por provado, e em consequência, ser proferida decisão que determine admitir o recurso de impugnação judicial oferecido pelo ora Recorrente;
Assim se fazendo JUSTIÇA!!!
*
Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a simplicidade da questão a decidir.
*
Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se nos processos de contraordenação tramitados segundo as regras do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), é ou não obrigatória a formulação de conclusões no recurso judicial apresentado da decisão de aplicação da coima.
*

O Tribunal recorrido não deu por assente matéria de facto, tendo proferido o seguinte despacho (decisão recorrida):

Decorre do art.º 3º al. b) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) que às contraordenações é aplicável subsidiariamente o regime geral do ilícito de mera ordenação social (RGCO).

O recurso em causa nestes autos não contém conclusões. Porque, nos termos do artº. 59º, nº 3 do Regime Geral das Contraordenações aprovado pelo D.L. 433/82, de 27 de Outubro o recurso “deve contar de alegações e de conclusões” e o artº. 63º nº 1 diz que “o juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso ... sem respeito pelas exigências de forma”, foi o Recorrente convidado a aperfeiçoar o seu articulado, sob pena de rejeição.
O Recorrente nada disse ou recorreu.
Assim, nos termos das disposições já referidas, rejeito o recurso.
*
Apreciação jurídica do recurso.

Conforme referido no Despacho de rejeição, o impugnante foi notificado para aperfeiçoar o recurso, no sentido de apresentar conclusões.
O Recorrente não acatou o convite, nem se pronunciou.
Alega o Recorrente que não conclusões carecia de apresentar no seu recurso da decisão de aplicação da coima, na medida em que o artigo 80.º, n.º 2 do RGIT, apenas obriga a que sejam apresentadas alegações, não havendo referência à obrigação de apresentação de conclusões.
Apreciando.
O preceito invocado como dispensador de apresentação de conclusões contém a seguinte redação:
Artigo 80.º (Recurso das decisões de aplicação das coimas)
1 - As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação.
2 - O pedido contém alegações e a indicação dos meios de prova a produzir e é dirigido ao tribunal tributário de 1.ª instância da área do serviço tributário referido no número anterior.
3 - Até ao envio dos autos ao tribunal a autoridade recorrida pode revogar a decisão de aplicação da coima.

O Recorrente refere, ainda, que apenas existe aplicação subsidiária do Regime Geral das Contraordenações, nas situações que não estejam previstas no RGIT, sendo que, como neste caso existe previsão da forma de efetuar o recurso e a mesma não refere a que devam ser apresentadas conclusões, estas não são obrigatórias.

Ora, a jurisprudência e a doutrina têm-se pronunciado unanimemente sobre o assunto no sentido de ser obrigatória a apresentação de conclusões nos recursos de contraordenação das decisões da administração tributária.

Este entendimento tem sido constante depois de ter sido proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo Acórdão de uniformização e jurisprudência relativamente à possibilidade de rejeição do recurso de contraordenação quando faltassem conclusões na peça processual de impugnação da decisão da administração tributária.
Trata-se do Acórdão proferido em 03/03/1999, no processo n.º 022579 (em www.dgsi.pt), cujo sumário contém o seguinte teor:
I - Não existe qualquer especialidade do processo de contra-ordenações fiscais não aduaneiras em relação ao processo de contra-ordenações previsto no Decreto-Lei n. 433/82, de 27 de Outubro, que justifique que as alegações do recurso judicial não devam incluir conclusões.
II - Designadamente, não pode explicar a dispensa de conclusões a possibilidade de o arguido poder intervir pessoalmente no processo de contra-ordenações fiscais não aduaneiras, assegurada, em certos casos pelo art. 7 do C.P.T., pois tal possibilidade existe também e mesmo com maior amplitude no regime geral das contra-ordenações (art. 59, n. 2, do Decreto-Lei n. 433/82, de 23 de Outubro).
III - Também não pode explica a dispensa de conclusões o facto de as conclusões não servirem para delimitar o âmbito do recurso judicial previsto no C.P.T. pois há casos em que as conclusões das alegações não têm tal função e é exigida a sua apresentação.
IV - A exigência de conclusões juntamente com alegações é a regra que vigora relativamente a todos os processos de impugnação judicial de decisões administrativas em que é obrigatória a apresentação de alegações.
V - Nos processos de impugnação de decisões administrativas perante tribunais judiciais, sempre que é obrigatória a apresentação de alegações, é exigida a apresentação de conclusões, independentemente de o âmbito daquelas ser delimitador do objecto da impugnação.
VI - A exigência de apresentação de conclusões tem outra finalidade, além da delimitação do objecto do recurso que é a de possibilitar ao tribunal aperceber-se rapidamente da essência das pretensões do recorrente, não apresentando o processo de contra-ordenações fiscais não aduaneiras qualquer particularidade que possa explicar que nele se deixe de sentir essa conveniência.
VII - Existindo no C.P.T. uma lacuna de regulamentação quanto aos requisitos das alegações referidas no seu art. 213, haverá que preenchê-la de acordo com as regras fixadas no art. 2 do mesmo, que conduzem à aplicação do regime do processo penal.
VIII- A sanção processual de rejeição imediata do recurso por deficiências das conclusões, prevista no art. 412, n. 2, do C.P.P., sem conceder ao recorrente uma oportunidade para as sanar, na sua aplicação a processos de natureza contra-ordenacional, é inconciliável com as exigências do princípio constitucional da proporcionalidade, como se constata através da sua comparação com os regimes previstos para situações idênticas nos recursos jurisdicionais em processo civil e processo tributário e nos recursos contenciosos de actos administrativos, em que a decisão sobre o não conhecimento do recurso apenas pode operar-se após um convite para correcção que o recorrente não aproveite para tal sanação (arts. 690, n. 4 do C.P.C., 171, n. 4, do C.P.T., e 67, § único, do R.S.T.A.).
IX - Por isso, no domínio do direito contra-ordenacional, a sanção processual da rejeição do recurso, sem prévio convite ao recorrente para sanar as deficiências, seria materialmente inconstitucional, por violação daquele princípio da proporcionalidade.
X - De qualquer forma, no processo tributário, será sempre de afastar a aplicação do referido artigo, por força do preceituado no art. 44 do C.P.T., que impõe ao tribunal a obrigação de mandar suprir as deficiências que não possam ser supridas por ele próprio.
XI - Assente que no processo tributário há obrigação de procurar sanar a deficiência da falta de conclusões, na falta de regime especial do C.P.T. sobre tal matéria deverá aplicar-se o regime do C.P.C. sobre a sanação de deficiências desse tipo, ao abrigo da alínea f) do art. 2 daquele Código.

Ainda que tirado na vigência do Código de Processo Tributário (CPT), o Acórdão em referência mantém atualidade na medida em que a jurisprudência se manteve no mesmo sentido, bem como pelo facto de a redação da norma em causa se manter essencialmente idêntica. Assim, o n.º 2 do artigo 213.º do Código de Processo Tributário apresentava a seguinte redação: «2 – o pedido conterá alegações e os meios de prova a produzir e será dirigido ao juiz do tribunal tributário de 1.ª instância da área da repartição de finanças referida no número anterior.».

No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 28/06/2000, no processo n.º 022575 (que pode ser lido em www.dgsi.pt); cujo sumário segue:
«A alegação no recurso judicial da decisão administrativa que aplica na coima deve conter conclusões, nos termos do artigo 690 nº 1 do CPC. Faltando elas deve o julgador convidar o recorrente a suprir a falta, sob pena de não se conhecer do recurso.».

No sentido de ser obrigatória a apresentação de conclusões no recurso interposto contra a decisão da autoridade tributária sobre aplicação da coima ou sanção acessória, também se pronunciaram os autores Jorge Lopes e Sousa e Manuel Simas Santos, no Regime Geral das Infrações Tributárias Anotado, 3.ª edição de 2008, Áreas Editora, onde a pág. 544 e 555, na anotação 4 mencionam que não obstante o n.º 2 do artigo 80.º do RGIT não referir que o pedido deva conter conclusões, deve ser aplicado subsidiariamente o disposto no n.º 3 do artigo 59.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO).
Ora, o n.º 3 do artigo 59.º do RGCO, contém a seguinte redação: «3 – O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões».
Desta forma, torna-se obrigatória a apresentação de conclusões nos recursos interpostos das decisões da autoridade tributária junto do tribunal de 1.º instância.
A falta de apresentação de conclusões implica a ausência do cumprimento de uma formalidade essencial para que o recurso seja admitido, conforme determina o art.º 63.º do Regime Geral das Contraordenações que contém a seguinte redação:
Artigo 63.º (Não aceitação do recurso)
1 – O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.
2 – Deste despacho há recurso, que sobe imediatamente.

No regime geral das contraordenações anotado pelos Conselheiros Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, 3.ª edição, ano de 2006, Visilis Editores, os autores em anotação ao artigo 63.º do RRGCO, referem na página 440 que: «1 – As exigências de forma a que se refere este artigo são as indicadas no n.º 3 do art.º 59.º: recurso sob a forma escrita, contendo alegações e conclusões.».

Veja-se, ainda, sobre o assunto o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 12/07/2018, no processo n.º 01237/17 (que pode ser lido na íntegra em www.dgsi.pt), cujo sumário contém o seguinte teor:
«O recorrente deve apresentar alegação na qual conclua, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Se, apesar de aperfeiçoadas as conclusões, delas não resultarem as razões de facto ou de direito para o tribunal recorrido poder pronunciar-se sobre o recurso, este deve ser rejeitado.».

Em face do exposto, carece de razão o recorrente quando invoca a falta de menção expressa no artigo 80.º, n.º 2 do RGIT da apresentação de conclusões, como motivo para que o recurso não possa ser rejeitado.
Motivo pelo qual o despacho recorrido deve ser mantido.

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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido.

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Custas a cargo da recorrente.

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Porto, 24/09/2020.

Paulo Moura
Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles