Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00204/07.5BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/15/2013
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IABA; PERDAS EM CIRCULAÇÃO.
Sumário:1. Do artigo 40.º do C.I.E.C. decorre a presunção de que as perdas ocorridas em circulação em regime suspensivo, na parte que excede a franquia de imposto, decorrem da introdução irregular no consumo.
2. Esta presunção pode ser elidida pelo sujeito passivo demonstrando, designadamente, que a perda real inerente à própria natureza da mercadoria é superior à admitida pela franquia – artigos 73.º da L.G.T. e 864.º das D.A.C.A.C.
3. Não faz tal demonstração o sujeito passivo que se limita a enunciar fatores que podem interferir com o volume das perdas, sem explicitar as condições concretas do transporte da mercadoria.
4. Também não faz essa demonstração o sujeito passivo que invoca a intervenção, o controlo e a selagem do recipiente de transporte por parte do Instituto da Vinha e do Vinho, porque não compete a este instituto controlar, na circulação das mercadorias, os fatores que relevam para o pagamento do imposto sobre as bebidas alcoólicas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:S..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. S..., Lda., n.i.f. 5…, com sede no Lugar…, 4820-770 Fafe, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação de imposto sobre o álcool e sobre as bebidas alcoólicas (IABA) n.º 2006/900760, de 2006-03-07, no montante total de € 19.362,06.

Recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou as respetivas alegações e formulou as seguintes conclusões:

A) Entre 13.05.03 e 27.09.03 a Recorrente expediu para o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) várias cargas de aguardente e álcool bruto.

B) Nessas expedições foi excedida a franquia de circulação prevista no artº 40º, nº 1, alínea a) do CIEC, pois foram apuradas diferenças no álcool transportado entre o momento da carga e da descarga.

C) Porém, uma vez que todas essas operações de transporte de álcool são controladas por técnicos do IVV e não houve qualquer violação dos selos apostos nas cisternas entre o momento da carga e da descarga, conclui-se que as diferenças apuradas não resultaram da sua entrada no consumo, pelo que não deverão ser tributadas.

D) A decisão recorrida, ao indeferir o pedido de anulação da liquidação do montante de 19 362,06 euros, viola pois, os artºs 73 da LGT e 40º, nº 1, alínea a) do CIEC.

Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser anulado o despacho recorrido com base nos fundamentos expostos e anulado o registo de liquidação nº 2006/9000760, de 07.03.2006, no montante de 19 362,06 euros referente ao Imposto sobre Álcool e Bebidas Alcoólicas (IABA).

1.2. A Fazenda Pública não contra-alegou.

Neste Tribunal, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer onde se pronunciou no sentido de que o ato de liquidação impugnado não enferma de ilegalidade alguma, excluindo-se, consequentemente, a verificação de qualquer vício invalidante da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Do Objeto do Recurso

A única questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que se encontram verificados os pressupostos da tributação do imposto.

3. Do Julgamento de Facto

3.1. Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância: «Pelos documentos juntos aos autos, não impugnados bem como do depoimento das testemunhas inquiridas e com relevância para o caso, considero provados os seguintes factos:

1. Na sequência de inspecção realizada pela Alfândega de Braga, em 27.09.2005, foi efectuada liquidação nº 2006/9000760, de 07.03.2006, no montante total de 19.362.06 € de Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas;

2. Em 27.09.2005 a Alfândega de Braga procedeu a uma acção de fiscalização à impugnante, da qual foi elaborado Relatório Final, datado de 13.02.2006, que aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 2 a 15 do PA);

3. A impugnante é titular do entreposto fiscal com o nº PT 50287042701, e Depósito Autorizado NIEC nº PT01502870427;

4. A actividade fiscalizadora consistiu na vistoria das instalações afectas ao entreposto e respectivo equipamento tendo constado sinais evidentes de não utilização;

5. A inspecção verificou a existência de depósitos de grande dimensão, sem qualquer produto, tendo o respectivo termo de varejo sido elaborado com a existências de zero;

6. A Alfândega procedeu ao varejo, tendo como ponto de partida as quantidades apresentadas, em anterior varejo nº 33/2003, realizado pelo Núcleo de Informações e Fiscalização da Alfândega de Braga, realizado em 30.04.2003;

7. Com base nas folhas de registo das entradas, saídas e existências na Impugnante, do Instituto do Vinho e da Vinha (IVV), constatou-se que no período em análise que medeia entre 30.04.2003 e 27.09.2005, se verificou um saldo de 21.29 Grau/HL de álcool e 0,36 Grau/HI de aguardente, o que consubstanciava quebras na circulação, num total de 1 988,89 lipros, numa base de 100% de álcool pelo que a Administração Fiscal liquidou o IABA, no valor de 19 829,93 €;

8. Os camiões eram selados e controlados pelos técnicos do IVV, e a pesagem era feita em balanças mecânicas;

9. Em 12.01.2006, foi a Impugnante notificada do Projecto de Conclusões do Relatório e para se pronunciar sobre o mesmo (fls 16 a 23 dos autos);

10. Em 28.01.2006 a impugnante exerceu o seu direito de audição;

11. Em 21.07.2006 a impugnante apresentou reclamação graciosa, do acto de liquidação do IABA, sendo sido por despacho de 08.01.2007, do Sr. Director Geral das Alfândegas, indeferido.

FACTOS NÃO PROVADOS

Que as diferenças existentes decorreram de erros de pesagem e alteração de temperaturas.

Alicerçou-se a convicção do tribunal, quanto aos factos provados, na consideração e confronto dos documentos dos autos, (correspondentes aos existentes no processo administrativo apenso) bem como pelo teor das declarações das testemunhas inquiridas (fls. 55 a 58), e os colhidos pela administração fiscal e constantes do processo administrativo apenso.

Das testemunhas arroladas, foi inquirido M…, motorista da Impugnante, prestou o depoimento de forma vaga, genérica, pois não concretizou factos, referindo que os camiões eram carregados, e eram controlados e selados pelo IVV, sendo e quando chegavam ao IVV, eram novamente controlados, verificando-se alteração nas pesagens e também havia alterações de temperaturas as quais alteravam o volume do álcool.

Inquirido F…, Engenheiro Biológico, descreveu os procedimentos a ter no transporte do álcool da Impugnante para o IVV, e referiu que as diferenças derivam das pesagens efectuadas.

Foram ainda inquiridos J…, Técnico da Alfândega que procedeu à inspecção, o qual confirmou o procedimento que teve na referida acção inspectiva.

Inquirido, J…, ex-funcionário do IVV, explicou os procedimentos que eram usados bem como na pesagem dos camiões.».

4. Do Julgamento de Direito

4.1. Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, julgando exigível o imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas em consequência da constatação de perdas na circulação de aguardente e álcool, manteve a liquidação impugnada.

Considera a Recorrente que, tendo o produto expedido sido controlado por técnicos do Instituto do Vinho e da Vinha no momento da carga e da descarga, através da aposição de selos na partida e da desselagem na chegada, se deve considerar elidida a presunção de que as diferenças apuradas de álcool resultam da sua introdução no consumo.

A incidência objetiva do imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas resulta, com se sabe, da conjugação de dois factos essenciais: de um lado, o fabrico ou importação de algum dos produtos mencionados no artigo 48.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro (sempre na redação então em vigor); de outro lado, a sua introdução no consumo. É o que resulta da conjugação dos artigos 6.º e 7.º do mesmo Código.

Como refere Sérgio Vasques, o pressuposto de facto do tributo é, neste caso, um «pressuposto complexo, de formação progressiva, resultante da combinação necessária de dois elementos, ao último dos quais cabe a função de aperfeiçoar a fattispecie tributária. Por outras palavras: a obrigação de imposto não se pode considerar nascida senão aquando da introdução no consumo» (in «Os Impostos Especiais de Consumo», 2001, pág. 303).

No entanto, o n.º 1 do artigo 7.º citado considera exigível o imposto, não só no momento da sua introdução no consumo, mas também no momento da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o código. Será a constatação de perdas em si mesma, a par da introdução no consumo, um facto gerador do imposto?

Podemos desde já adiantar que a constatação de perdas em si mesma nunca constitui facto gerador de imposto. O que sucede é que as perdas, em determinadas circunstâncias, implicam a saída dos produtos de um regime de suspensão e a lei faz equivaler essa situação à introdução no consumo para efeitos de exigibilidade do imposto – alínea a) do n.º 2 do mesmo Código. É nessas situações que, de acordo com a terminologia do seu n.º 1, elas devem «ser tributadas em conformidade com o presente Código».

Vejamos, então quais são as duas situações de perdas que devem ser tributadas: as perdas na produção, armazenagem ou circulação (artigos 37.º a 40.º) e as perdas por caso fortuito ou de força maior (artigo 40.º).

Em qualquer desses casos, relevam as perdas na parte em que ultrapassa o valor da franquia legal. A grande diferença entre elas é que, no primeiro caso, o facto de que deriva a perda é desconhecido, enquanto no segundo caso, esse facto é conhecido, havendo apenas que apurar a responsabilidade pela sua ocorrência.

No primeiro caso – em que o facto de que deriva a perda é desconhecido – emerge a presunção legal de que «os produtos não desapareceram simplesmente, mas foram introduzidos irregularmente no consumo» (Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 325). No segundo caso – em que o facto de que deriva a perda é conhecido – já se sabe que os produtos não foram introduzidos no consumo nem vão ser, porque estão destruídos ou inutilizados, mas a lei basta-se aqui com o facto de já não se encontrarem em suspensão por motivo que seja imputável ao operador económico, responsabilizando-o pelo seu deperecimento.

O estabelecimento das franquias configura, por isso, uma presunção legal: a presunção de que o produto restante foi introduzido no consumo, no primeiro caso (cfr. artigo 40.º, n.º 2, alínea d), do Código, na redação então em vigor); a presunção de que houve inobservância culposa das prescrições relativas ao transporte da mercadoria no segundo caso (seu artigo 41.º).

Resta saber se tal presunção é elidível.

A esta questão respondemos afirmativamente. Não apenas porque a lei nacional consagra a regra de que todas as presunções de que dependa o funcionamento de uma norma de incidência tributária admitem sempre prova em contrário – o artigo 73.º da Lei Geral Tributária – mas também porque no artigo 864.º das Disposições Gerais de Aplicação do Código de Aduaneiro Comunitário adotadas no Regulamento (CEE) n.º 2454/93, da Comissão, de 2 de Julho de 1993, se preceitua que «as disposições nacionais em vigor nos Estados-membros, relativas a taxas fixas de perda irremediável por uma causa inerente à própria natureza da mercadoria, podem ser aplicadas no caso de o interessado não apresentar prova de que a perda real foi superior à calculada pela aplicação da taxa fixa correspondente à mercadoria em questão».

O que significa que, mesmo no caso de perdas relacionadas com a natureza das mercadorias, o Direito Aduaneiro Comunitário admite a prova de que as perdas são superiores ao valor da franquia. E sabendo que o Direito Aduaneiro constitui a matriz técnica fundamental do regime legal dos impostos especiais sobre o consumo, consideramos adequado invocar esta norma para interpretação de lugar paralelo do regime de franquias por perdas do Código dos Impostos Especiais de Consumo.

Com este quadro legal e tendo subjacente esta interpretação dos preceitos citados, passemos ao caso dos autos.

4.2. Está assente nos autos que entre 2003-05-13 e 2003-08-27, a Recorrente procedeu à expedição de álcool a partir do seu entreposto fiscal de produção n.º PT50287042701, sito em …, Fafe, em regime suspensivo de imposto e com destino ao Instituto da Vinha e do Vinho, I.P., tendo sido apuradas à chegada perdas de circulação superiores à franquia legal em 1.988,89 litros.

Por outro lado, não há notícia de que tenha sido comunicada à estância aduaneira competente qualquer ocorrência no transporte da mercadoria de origem fortuita ou de força maior (como, por exemplo, o derrame acidental do produto), nem tal foi alguma vez invocado.

Caberia, por isso, a Recorrente demonstrar que o desaparecimento da mercadoria, mesmo na parte que ultrapassa o valor da franquia, é ainda imputável à própria mercadoria.

O que a Recorrente pretendeu fazer indiretamente, explicando que, se as operações de carga, transporte e descarga foram controladas pelo Instituto da Vinha e do Vinho, é porque não houve introdução no consumo. Logo, as perdas só podem ter-se devido à própria mercadoria.

Todavia, o raciocínio lógico seguido pela Recorrente toma como pressuposto que a intervenção do Instituto da Vinha e do Vinho no processo impedia a ocorrência de perdas por outras razões, no que não se pode conceder, desde logo porque podia ter havido perdas acidentais (não declaradas à Alfândega) decorrentes, designadamente, do deficiente acondicionamento da carga, imputável ao próprio Recorrente.

Por outro lado, para sustentar este raciocínio lógico a Recorrente alegou um conjunto de factos que o tribunal recorrido não inseriu nos factos provados (que foi o Instituto que procedeu ao controlo da carga e da descarga, que nesse controlo foi incluído o controlo das quantidades, que foi o Instituto que procedeu à desselagem, que todos os instrumentos de medição e calibração estavam em perfeitas condições e dentro do prazo de validade, que não houve violação de selos e que era impossível retirar uma gota do produto transportado).

O tribunal recorrido apenas deu como provado que os camiões eram selados e controlados pelos técnicos do IVV e a pesagem era feita em balanças mecânicas. Nada foi especificado sobre os momentos e as formas de controlo, quem procedia ao controlo das quantidades (sendo que a missão do IVV é controlar a qualidade do produto), as condições das balanças na partida e na chegada, a verificação os selos na chegada ou ainda sobre factos de que pudesse derivar a impossibilidade de extrair produto sem a violação dos selos. Sendo que o eventual erro de julgamento que pudesse derivar da desconsideração destes factos na douta sentença não faz parte do objeto do recurso.

Por outro lado, ainda, a Recorrente fez alusão da douta petição inicial a fatores que poderiam interferir com as perdas, como o número de operações de carga e descarga, o tempo de permanência na cisterna e as amplitudes térmicas verificadas, mas sem nunca aludir às circunstâncias concretas do transporte em causa, nem sequer para afirmar que, pela sua excecionalidade, seriam adequadas a volumes de perdas mais extensos. Nesta parte, por isso, a Recorrente reconduziu-se a um discurso argumentativo abstrato e descontextualizado, quando se esperava que trouxesse elementos objetivos e concretos que o tribunal pudesse considerar, como lhe era imposto pelo ónus que sobre si recaía.

Temos como certo, finalmente, que a intervenção do Instituto da Vinha e do Vinho no controlo do produto na partida e na chegada nos termos do artigo 2.º, n.º 5, alínea f), do Decreto-Lei n.º 99/97, de 3 de Abril, não poderia servir, para, por si só, desonerar a Recorrente das suas responsabilidades perante a administração tributária, designadamente as decorrentes de perdas em circulação, visto que as atividades de controlo e fiscalização do Instituto não se destinam a assegurar o pagamento do imposto sobre as bebidas alcoólicas nem este atua ali em substituição ou em colaboração com as autoridades aduaneiras.

Pelo que o recurso não merece provimento.

5. Conclusões

5.1. Do artigo 40.º do C.I.E.C. decorre a presunção de que as perdas ocorridas em circulação em regime suspensivo, na parte que excede a franquia de imposto, decorrem da introdução irregular no consumo.

5.2. Esta presunção pode ser elidida pelo sujeito passivo demonstrando, designadamente, que a perda real inerente à própria natureza da mercadoria é superior à admitida pela franquia – artigos 73.º da L.G.T. e 864.º das D.A.C.A.C.

5.3. Não faz tal demonstração o sujeito passivo que se limita a enunciar fatores que podem interferir com o volume das perdas, sem explicitar as condições concretas do transporte da mercadoria.

5.4. Também não faz essa demonstração o sujeito passivo que invoca a intervenção, o controlo e a selagem do recipiente de transporte por parte do Instituto da Vinha e do Vinho, porque não compete a este instituto controlar, na circulação das mercadorias, os fatores que relevam para o pagamento do imposto sobre as bebidas alcoólicas.

6. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 15 de Novembro de 2013

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves

Ass. Pedro Marques