Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00648/15.9BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/28/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL; CITAÇÃO URGENTE; PRESCRIÇÃO DO DIREITO DO AUTOR
Sumário:1 – O Tribunal face a um pedido de citação urgente, não tem só de satisfazer, de imediato e com prontidão o mesmo, como deve ainda procurar fazê-lo de uma maneira criteriosa, prudente e ponderada, escolhendo para a concretização de tal ato, de entre a panóplia de instrumentos que a lei coloca ao seu dispor, aquele ou aqueles que se revelem mais aptos e eficientes à prossecução efetiva e atempada.

2 - Em concreto, não obstante ter sido requerida a citação urgente, em decorrência do facto do prazo para apresentar a Ação estar em vias de prescrever, o que é facto é que o processo não foi submetido a despacho, o que, naturalmente não pode ser imputável ao aqui Recorrente.
Assim sendo, tivesse a Ação sido submetida a Despacho no dia da sua apresentação em juízo, e atenta a requerida citação urgente, e no pressuposto do pedido ter sido deferido, tudo indica que a citação poderia ter vindo a ocorrer antes de verificada a prescrição, suspendendo deste modo o prazo.
O Autor não está obrigado a propor a ação em momento precedente ao 5º dia anterior ao prazo de prescrição atingir o seu termo, por forma a fazer funcionar o mecanismo da interrupção da prescrição constante do nº 2 do artigo 323.º do Código Civil, ainda que o deva fazer, à cautela. Mas, não o fazendo, tal não significa que a citação do Réu não possa realizar-se ainda dentro do prazo prescricional em curso, daí a pertinência da citação urgente.

3 – Tendo pelo Tribunal sido ignorado o pedido de citação urgente do artigo 562.º do Novo Código de Processo Civil, tendo a Ré vindo a ser citada para além do termo do prazo, deve aplicar-se o nº 6 do artigo 157.º do CPC, presumindo-se assim que a citação prévia à distribuição poderia ter sido concretizada até ao termo do prazo de prescrição.
Se é verdade que o risco da parte que apresenta uma petição nos serviços do Tribunal menos de cinco dias antes do termo do prazo de prescrição em princípio correrá por sua conta e risco, o que é facto é que, tendo sido requerida a citação urgente do Réu, o que não foi objeto de despacho, fica de algum modo mitigada a sua responsabilidade, a ponto de se não poder afirmar com toda a segurança que a citação não se poderia ter efetivado a tempo de suspender o prazo prescricional. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.M.P.S.
Recorrido 1:Município de (...) e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A.M.P.S., no âmbito da Ação Administrativa Comum que intentou contra o Município de (...), tendente, em síntese, à atribuição de uma indemnização resultante de responsabilidade civil extracontratual consequente da ocorrência de acidente automóvel ocorrido em via Municipal, inconformado com a Sentença proferida em 31 de maio de 2019 que julgou improcedente a Ação “por verificada a exceção perentória de prescrição do direito do Autor” veio em 11 de julho de 2019 interpor recurso jurisdicional da mesma, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
Formula o aqui Recorrente/A.S. nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões:
“1) Com o devido respeito, cremos, que o tribunal" a quo ". não apreciou bem a questão que lhe foi submetida, nomeadamente a julgar verificada a exceção perentória de prescrição do direito do Autor e, em consequência, absolveu o Réu, Município de (...) dos pedidos. Senão vejamos:
2) Em 08/06/2011, ocorreu o acidente, a que o Autor se reporta nos presentes autos;
3) Em consequência do mesmo e face aos danos sofridos, o Autor deu entrada da ação em juízo a 06-06-2014 e requereu a citação urgente Réu, ao abrigo do artigo 561º do CPC.
4) Sobre este pedido de citação urgente apresentado pelo Autor, não recaiu qualquer despacho;
5) Se o despacho tivesse sido proferido com caracter de urgência, (atendendo à hora da entrada da ação - 13h: 14m:16s - tal poderia ter sido possível) e deferido,
6) O Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito ordenava a citação do Réu, o qual tinha de ser citado até ao dia 09/06/2014 (segunda-feira e dia útil seguinte), pois era a data em que ocorreria a prescrição do direito do Autor.
7) Isto porque, nos termos do disposto no artigo 498º do Código Civil, o direito à indemnização por acidente de viação prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
8) Por este motivo, e por estarem em falta menos de 5 dias para a prescrição do seu direito, o Autor requereu a citação urgente, nos termos do Art. 561º do CPC.
9) Não sendo possível interpor a ação com mais de 5 dias de antecedência sobre a data da prescrição, o Autor pode fazer uso (como fez) da citação urgente.
10) Caso contrário, deixava de ter sentido a existência deste instituto.
11) Porém, sobre este pedido de citação urgente formulado pelo Autor, ora recorrente, deveria ter obrigatoriamente recaído o devido despacho judicial.
12) O que não aconteceu.
13) A omissão desta formalidade legal não pode ser imputada ao Autor.
14) Como rege o Art. 561 ° n° 2 do CPC "A citação declarada urgente tem prioridade sobre as restantes, nomeadamente no que respeita à realização de diligências pela secretaria ... ''.
15) Se o despacho tivesse sido proferido (atendendo à hora da entrada da ação - 13h: 14m:16ss - tal seria possível) e deferido o pedido, o Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito, ordenava com caracter de urgência a citação do Réu, o qual tinha de ser citado até ao dia 09/06/2014 (segunda-feira e dia útil seguinte).
16) E nestas circunstâncias, o funcionário judicial, teria tido a oportunidade de enviar a carta de citação ao Réu, ainda nesse mesmo dia 06/06/2014 e atendendo que o mesmo é uma entidade pública, com instalações sitas na Praça da República, na mesma localidade e concelho do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira,
17} E partindo do pressuposto que o Réu recebe todos os dias a correspondência enviada via CTT, teria sido citado para ação precisamente no último dia do prazo.
18) Poderia igualmente ter sido escolhido pela secretaria judicial, outro meio que considerassem mais idóneo e adequado a efetivar a citação (ou pelo menos, sido feita uma tentativa nesse sentido) - Cf.- a este respeito, os artigos 131°, 137°nos 1 e 2 e 157° do CPC.
19) Ora face ao exposto, podemos afirmar que o retardamento na efetivação do ato da citação do Réu não pode ser imputável ao Autor.
20) "Não tendo sido devida e corretamente considerado pelo tribunal o pedido de citação urgente do Art. 562°, vindo a Ré a ser citada para além do termo do prazo, deve aplicar-se o art. 157º do CPC e presumir-se que a citação prévia à distribuição poderia ter sido concretizada até ao termo do prazo de prescrição (ainda que escasso) ” - AC. TRL DE 18-11-2015, In www.dgsi.pt.
21) Assim sendo e, salvo melhor opinião, errou a douta sentença na aplicação do Direito.
22) Ao decidir julgar procedente a exceção da prescrição, o tribunal a quo violou, entre o mais, o disposto no artigo 323º do CC, no artigo 157º do CPC e no artigo 561º do CPC.
23) Pelo que, deverá ser revogada a sentença recorrida que decidiu verificada a exceção perentória do direito do Autor.
Termos em que e com o sempre douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente deverá a decisão recorrida ser revogada por não se verificar a exceção perentória de prescrição do direito do Autor, tudo com as legais consequências, assim se fazendo a costumada e inteira Justiça.”

Em 17 de julho de 2019 foram apresentadas as contra-alegações do Município de (...), nas quais se concluiu:
“A) O direito à indemnização por acidentes de viação como o que nos ocupa prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (artº 498º do CC), interrompendo-se tal prescrição com a citação (efetiva) do R. (nº 1, do artº 323º do CC), considerando-se, todavia, interrompida tal prescrição decorridos que estejam cinco dias após a citação ter sido requerida mas não efetuada por causa não imputável ao requerente (nº 2, do artº 323º do CC).
B) Tendo o acidente de viação discutido nos autos ocorrido em 08.06.2011, aquele prazo de três anos esgotava-se em 08.06.2014, pelo que para o interromper era necessário que o R. fosse citado para a respetiva ação até às 24h00 deste dia 08.06.2014 ou que a p.i. tivesse dado entrada em juízo pelo menos cinco dias antes de esgotado tal prazo (isto é, até ao dia 03.06.2014) para assim ser aplicável o disposto no referido nº 2, do artº 323º do CC.
C) Ora, no caso que nos ocupa, nem o R. foi citado dentro daquele prazo de três anos mas sim posteriormente (concretamente em 16.06.2014), nem o 5º dia posterior ao do envio para juízo da p.i. (que ocorreu em 06.06.2014) se situa dentro daquele mesmo prazo de três anos, mas sim para além dele (concretamente em 11.06.2014), de forma que por uma ou outra via a aludida prescrição já então se verificara.
D) Nos autos o A. requereu na sua p.i. a citação urgente do R. Porém, ao permitir tal requerimento a lei não lhe atribui efeito interruptivo da prescrição. Isto é, o requerimento de citação prévia, por si só, não interrompe a prescrição. Para tal suceder deve o A. ter o cuidado de instaurar a ação pelo menos cinco dias antes de expirar o prazo de prescrição.
E) Tendo a p.i. dado entrada em juízo a meio do dia 06.06.2016 e já depois de efetuada a primeira distribuição de processos pelo Tribunal, e tendo ainda o A. às 18h08 desse mesmo dia, enviado para os autos requerimento a solicitar a retificação da identificação do R., sempre teria de se concluir que ainda que sobre tal pedido de citação prévia tivesse recaído despacho de deferimento (o que não aconteceu mas que a acontecer sempre só o seria após a distribuição deste processo), não era possível à Secretaria do Tribunal ainda nesse mesmo dia colocar nos competentes serviços postais carta registada para citação do R. e assegurar-se que este a receberia (e assim seria citado) no dia útil seguinte (segunda-feira, dia 09.06.2014). A Secretaria enviou carta para citação do R. logo no dia seguinte ao da entrada em juízo da p.i., o que, como se lê na douta Decisão recorrida, se mostra (…) “consentâneo e razoável com a natureza deste ato, mesmo na falta de qualquer despacho a deferir a sua realização” (…), sendo irrelevante que não tenha havido despacho sobre aquele pedido de citação prévia já que, atenta a proximidade do prazo de interposição da ação com o prazo prescricional, tal não conduziria a resultado diferente.
F) Como tem sido decidido na nossa Jurisprudência, o pedido de citação urgente possui riscos que não se verificam nas situações contempladas no n.º 2 do art.º 323.º do Código Civil, pois aqui o prazo prescricional presume-se interrompido no 6.º dia após a propositura da ação, ao passo que ali tal interrupção só opera se o tribunal, em termos globais e nas condições de boa-fé, diligência e adequação eficaz dos meios colocados ao seu dispor, lograr a sua concretização até às 23 horas, 59 minutos e 59 segundos do último dia do prazo de prescrição que está a decorrer e que se procura interromper. Tal risco corre exclusivamente por conta e às custas do autor, tendo o mesmo que se conformar com o insucesso das diligências corretas e possíveis levadas a cabo pelo Tribunal no sentido de lograr a referida citação. Esse risco existe sempre, nada podendo ser imputado ou censurado ao Tribunal quando este atuou de forma sensata, rigorosa e cuidada na tentativa de conseguir atempadamente a pretendida citação mas não logrou atingir tal desiderato.
G) E ainda que assim não fosse, sempre se diria que mesmo que o R. tivesse sido citado em 09.06.2014 como defende o recorrente que teria sido possível, sempre teria de se concluir que nesta data já o alegado direito do A. se encontrava prescrito pois já se havia esgotado aquele prazo de três anos. Na verdade, tendo o sinistro ocorrido em 08.06.2011, para evitar-se o decurso de tal prazo teria o R. de ser citado antes de 09.06.2014 pois este dia (nove) é já o 1º dia após os referidos 3 anos…Dito d’outro modo, nesse dia 09.06.2014 completaram-se 3 anos e 1 dia sobre o momento em que o A. teve conhecimento do direito que lhe competia.
H) Entende pois o recorrido que in casu verifica-se a exceção de prescrição que é invocada nos autos pelo R., seja porque a sua citação ocorreu depois de decorridos três anos sobre a data do sinistro, seja porque a p.i. não deu entrada em juízo no 5º dia anterior ao termo do prazo de prescrição, seja ainda porque não era possível à Secretaria do Tribunal efetuar a citação do R. antes de esgotado tal prazo prescricional, de modo que,
I) Ao assim ter decidido o Mmo Juiz a quo fez correta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que, no entender do recorrido e com o devido respeito por outra opinião, deve manter-se a douta decisão recorrida.
Nestes termos e os melhores que Vªs Exªs, Venerandos Juízes Desembargadores, sabiamente suprirão, deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a douta Decisão recorrida nos seus precisos termos, assim se fazendo, como se pede e é, aliás, apanágio de Vªs Exªs, inteira Justiça!

Em 26 de setembro de 2019 foram apresentadas as Contra-alegações da A., SA, sem conclusões, terminando referindo que “Nestes termos e nos mais de direito, deverá ser mantida a douta decisão proferida nos presentes autos, indeferindo-se o recurso interposto pela Recorrente.”

Em 22 de outubro de 2019 é proferido Despacho de Admissão do Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 11 de dezembro de 2019, veio a emitir Parecer, em 9 de janeiro de 2020, no qual, a final, se pronuncia no sentido de que o presente Recurso deverá merecer provimento.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, mormente no que concerne à necessidade de verificar se estão reunidas as condições para que pudesse ser declarada a prescrição do direito do Autor, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, a qual aqui se reproduz.
“A) Em 08.06.2011, ocorreu o acidente com o veículo 56-82-ZE, a que o Autor se reporta nos presentes autos (acordo);
B) A presente ação deu entrada em 06.06.2014, no Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, pelas 13h:14m:16s, na qual o Autor requereu a citação urgente, invocando o disposto no artigo 561.º, do Código de Processo Civil (cfr. fls. 2 e ss e CD com suporte digital do processo);
C) Em 06.06.2014, pelas 16h:00m:24s, a ação foi distribuída, tendo-lhe sido atribuído o n.º 2444/14.8TBVFR, do 2.º juízo cível (cfr. fls. 2 e ss e CD com suporte digital do processo);
D) Em 06.06.2014, pelas 18h:08m:29s, a Autora apresentou um requerimento dirigido àquele processo n.º 2544/14.8TBVFR, a requerer a retificação da petição inicial, no que respeita à identificação do Réu, nos seguintes termos:
“(…) na identificação da Ré consta “CÂMARA MUNICIPAL DE (...)”, contudo tratou-se de um lapso de escrita pois deve passar a constar “CÂMARA MUNICIPAL DE (...), legalmente representada pelo Exmo. Presidente E.S.”. (cfr. fls. 2 e ss e CD com suporte digital do processo);
E) Em 09.09.2014, o Tribunal Judicial de (...), expediu, via postal, a citação do Réu para a presente ação (cfr. fls. 2 e ss e CD com suporte digital do processo);
F) Sobre o pedido de citação urgente apresentado pelo Autor não recaiu qualquer despacho (cfr. fls. 386);
G) O Réu foi citado para a presente acção em 16.06.2016 (cfr. fls. 2 e ss e CD com suporte digital do processo).
IV – Do Direito
Apreciemos agora o suscitado.
No que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª Instância:
“O Autor intentou a presente ação peticionando que o Réu fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, por facto ilícito decorrente de acidente ocorrido num arruamento sob a jurisdição do Réu.
Alega, em súmula, que aquele acidente ocorreu no dia 08 de Junho de 2011, por falta de condições de circulação na via, uma vez que à data dos factos aquela via sofria a intervenção no âmbito da empreitada de execução da rede de drenagem da Bacia B9; que daquele acidente resultaram danos que decorrem da violação dos deveres legais de conservação e sinalização que impendiam sobre o Réu.
No caso em apreço, o objeto do litígio reconduz-se a apreciar a responsabilidade civil extracontratual do Réu, sendo que, atenta a data do alegado facto ilícito (08.06.2011), o regime de responsabilidade civil das pessoas coletivas de direito público por atos ilícitos praticados pelo Estado e demais pessoas coletivas públicas, encontrava-se regulado na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, o qual remete a matéria da prescrição para a lei civil (artigo 5.º).
Vejamos, por isso.
Nos termos do artigo 498.º do Código Civil, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso (n.º 1); prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis (n.º 2); se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável (n.º 3); a prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da ação de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra (n.º 4).
A prescrição é uma forma de extinção de direitos, que assenta na necessidade de pôr termo à incerteza sobre o seu exercício e na presunção do seu abandono por parte do respetivo titular.
Na base do instituto da prescrição está, portanto, a negligência real ou presumida do titular do direito, que não o exercendo dentro do prazo fixado, legitima a presunção de abandono desse exercício – cfr. na doutrina, Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2ª edição, páginas 371 a 374.
O interessado pode, pois, opor-se ao exercício de determinado direito quando este não foi exercido durante o tempo fixado na lei, não podendo o tribunal suprir, de ofício, a prescrição, uma vez que, esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada (cfr. artigo 303.º, do Código Civil).
O regime da prescrição é inderrogável (artigo 300.º do Código Civil) e determina, em termos genéricos, que o respetivo prazo começa a contar a partir do momento em que o direito pode ser exercido (artigo 306.º n.º1 do Código Civil).
Resulta da factualidade assente que o acidente a que se reporta os presentes autos, ocorreu em 08.06.2011; que a presente acção deu entrada dia 06.06.2014, pelas 13h:14m:16s; que na mesma o Autor requereu a citação urgente, invocando o disposto no artigo 561.º, do Código de Processo Civil; que em 06.06.2014 (sexta-feira), pelas 16h:00m:24s, a ação foi distribuída; que em 06.06.2014, pelas 18h:08m:29s, a Autora apresentou um requerimento dirigido àquele processo, a requerer a retificação da petição inicial, no que respeita à identificação do Réu; que em 09.09.2014 (segunda-feira), o Tribunal expediu, via postal, a citação do Réu para a presente ação; que sobre o pedido de citação urgente formulado pelo Autor não recaiu qualquer despacho; que o Réu foi citado para a presente ação em 16.06.2014 (factos assentes nas alíneas a) a g)).
Assim, atento os considerandos supra, a referida factualidade assente, bem como os normativos referidos, concluímos pela prescrição do direito do Autor.
Na verdade, o Autor intentou a presente acção em 06.06.2014 (sexta-feira), a meio do dia e já após ter ocorrido a primeira distribuição, quando o Réu tinha que ser citado até ao dia 09.06.2014 (segunda-feira e dia útil seguinte), pois era a data em que ocorria a prescrição do seu direito (uma vez que aquele prazo prescricional de três anos começou a correr no dia seguinte à data daquele acidente, que ocorreu no dia 08.06.2011).
Ora, quando o Autor intentou a ação em 06.06.2014, no Tribunal Judicial de Sant Maria da Feira), pelas 13h:14m:16s, não podia desconhecer que a mesma, sendo apresentada por meios eletrónicos e estando sujeita a esta distribuição, esta só ocorreria pelas 16:00h (cfr. artigos 561.º, conjugado com o artigo 204.º, ambos do Código de Processo Civil e artigo 16.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto), pelo que só após seria apresentada a despacho.
Assim, a expedição daquela citação, via postal, no dia útil seguinte, como veio a suceder, mostra-se consentâneo e razoável com a natureza deste ato, mesmo na falta de qualquer despacho a deferir a sua realização.
Por outro lado, o próprio Autor, no dia que deu entrada da ação, requereu ao fim desse mesmo dia a retificação da petição inicial, na parte relativa à identificação do Réu, o que até poderia ter determinado que o envio daquela citação não ocorresse logo naquele dia 09.06.2014.
E não tendo sido a presente ação proposta dentro do prazo de 5 dias previsto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, deixou o Autor de beneficiar do regime aí previsto, ficando sujeito ao risco da citação ocorrer para além do prazo de prescrição, como veio a suceder no caso em apreço.
Assim, reproduzimos aqui as considerações tecidas no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 11.04.2018, no processo n.º 1994/17.2T8BRR.L1-4, concluindo que cabia ao Autor instaurar a presente ação com a antecedência mínima razoável para permitir a citação anterior à data em que ocorria a prescrição do prazo em curso, apenas a si lhe podendo ser imputável essa falta, pois não atuou com a diligência que lhe era devida.
Pelo exposto, julgo procedente a exceção perentória de prescrição do direito à indemnização e, em consequência, absolvo o Réu dos pedidos formulados pelo Autor, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ex vi o artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”

Vejamos:
O Recurso em análise resulta da decisão proferida em 1ª instância que julgou verificada a exceção perentória de prescrição do direito do Autor, tendo, consequentemente, sido absolvido o Município de (...) dos pedidos.

Está pois por saber no presente Recurso se terá ocorrido interrupção do prazo prescricional.

Como se viu, concluiu o tribunal a quo pela prescrição do direito do Autor, afirmando, designadamente que " .... Quando o Autor intentou a ação em 06/06/2014, no Tribunal Judicial de (...), pelas 13h 14m 16s, não podia desconhecer que a mesma, sendo apresentada por meios eletrónicos e estando sujeita a distribuição, esta só ocorreria pelas 16:00 .... pelo que só após seria apresentada a despacho."

Mais se afirmou na decisão recorrida que " ... não tendo sido a presente ação proposta dentro do prazo de 5 dias previsto no n° 2 do artigo 323° do Código Civil, deixou de beneficiar do regime aí previsto, ficando sujeito ao risco da citação ocorrer para além do prazo de prescrição, como veio a suceder no caso em apreço."

Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância julgar procedente "(...) a exceção perentória de prescrição do direito à indemnização e, em consequência, absolvo o Réu dos pedidos formulados pelo Autor, nos termos do disposto no artigo 576°, n° 3 do Código de Processo Civil, ex vi o artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos."

É certo que a atitude do aqui Recorrente foi de algum modo temerária ao ter apresentado a sua Ação tão perto do verificação da prescrição. Em qualquer caso, diga-se desde já que se entenderá, ainda assim, e atento, designadamente o principio “pro actione” que se terá verificado a interrupção do prazo prescricional, ao contrário do decidido em 1ª instância.

Com efeito, em 08/06/2011, ocorreu o acidente que determinou a apresentação da presente Ação, sendo que a mesma deu entrada em juízo em 06.06.2014 (sexta-feira), pelas 13h14m16s, por via eletrónica.

Nos termos do artigo 498º do Código Civil, o direito à indemnização por acidente de viação prescreverá no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, em face do que a Entidade Demandada teria de ser citada até ao dia 9 de junho de 2014.

Por faltaram menos de 5 dias para a prescrição do seu direito, o aqui Recorrente requereu legitimamente a citação urgente, nos termos do Art. 561° do CPC.

Como se discorreu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 novembro de 2011, proferido no Processo 541/10, "O Tribunal (em termos amplos) face a um pedido de citação urgente, não tem só de satisfazer, de imediato e com prontidão o mesmo, como deve ainda procurar fazê-lo de uma maneira criteriosa, prudente e ponderada, escolhendo para a concretização de tal ato, de entre a panóplia de instrumentos que a lei coloca ao seu dispor, aquele ou aqueles que se revelem mais aptos e eficientes à prossecução efetiva e atempada”.

Em concreto, não obstante ter sido requerida a citação urgente, em decorrência do facto do prazo para apresentar a Ação estar em vias de prescrever, o que é facto é que o processo não foi submetido a despacho, o que, naturalmente não pode ser imputável ao aqui Recorrente.

Como resulta do Art. 561º nº 2 do CPC “A citação declarada urgente tem prioridade sobre as restantes, nomeadamente no que respeita à realização de diligências pela secretaria ... ".

Assim sendo, tivesse a presente Ação sido submetida a Despacho no dia da sua apresentação em juízo, e atenta a requerida citação urgente, e no pressuposto do pedido ter sido deferido, tudo indica que a citação poderia ter vindo a ocorrer antes de verificada a prescrição, suspendendo deste modo o prazo.

Como referido no Acórdão da Relação de Lisboa 1994/17.2T8BRR.L1-4 de 11-04-2018 que “O Autor não está obrigado a propor a ação em momento precedente ao 5º dia anterior ao prazo de prescrição atingir o seu termo, por forma a fazer funcionar o mecanismo da interrupção da prescrição constante do nº 2 do artigo 323.º do Código Civil.
Deve fazê-lo por uma questão de cautela. Mas, não o fazendo, tal não significa que a citação do Réu não possa realizar-se ainda dentro do prazo prescricional em curso. Daí a pertinência da citação urgente.”

Como se sublinhou já, o que é incontornável é o facto do aqui Recorrente ter pedido expressamente na petição inicial, a citação urgente do Réu, sendo que tal questão não foi sequer submetida a despacho, por razões que não podem ser imputadas ao aqui Recorrente.

Como se afirmou igualmente a este propósito no Acórdão da Relação de Lisboa de 18.11.2015, proferido no processo nº 1361/14.0T8LSB.L1-4, tendo o Tribunal ignorado o pedido de citação urgente, e tendo esta vindo a ocorrer após o termo do prazo de prescrição do direito, deve atentar-se no disposto no artigo 157º nº 6 do Código de Processo Civil.

Refere o referido normativo:
«Artigo 157.º
Função e deveres das secretarias judiciais
1 - As secretarias judiciais asseguram o expediente, autuação e regular tramitação dos processos pendentes, nos termos estabelecidos na respetiva lei de organização judiciária, em conformidade com a lei de processo e na dependência funcional do magistrado competente.
2 - Incumbe à secretaria a execução dos despachos judiciais e o cumprimento das orientações de serviço emitidas pelo juiz, bem como a prática dos atos que lhe sejam por este delegados, no âmbito dos processos de que é titular e nos termos da lei, cumprindo-lhe realizar oficiosamente as diligências necessárias para que o fim daqueles possa ser prontamente alcançado.
3 - Nas relações com os mandatários judiciais, devem os funcionários agir com especial correção e urbanidade.
4 - As pessoas que prestem serviços forenses junto das secretarias, no interesse e por conta dos mandatários judiciais, devem ser identificadas por cartão de modelo emitido pela respetiva associação pública profissional, com expressa identificação do advogado ou solicitador, número de cédula profissional, bem como, se for o caso, da respetiva sociedade, devendo a assinatura daquele ser reconhecida pela associação pública profissional correspondente.
5 - Dos atos dos funcionários da secretaria judicial é sempre admissível reclamação para o juiz de que aquela depende funcionalmente.
6 - Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.»

Com relevância para o que aqui se mostra controvertido, sumariou-se no precedentemente indicado acórdão do TRL (Procº nº 1361/14.0T8LSB.L1-4):
«Não tendo sido devida e corretamente considerado pelo tribunal o pedido de citação urgente do artigo 562.º do Novo Código de Processo Civil, vindo a ré a ser citada para além do termo do prazo, deve aplicar-se o número 6 do artigo 157.º do mesmo diploma legal e presumir-se que aquela citação prévia à distribuição poderia ter sido concretizada até ao termo do prazo de prescrição (ainda que escasso).»

Se é verdade que o risco da parte que apresenta uma petição nos serviços do Tribunal menos de cinco dias antes do termo do prazo de prescrição em principio correrá por sua conta e risco, o que é facto é que, tendo sido requerida a citação urgente do Réu, o que não foi objeto de despacho, fica de algum modo mitigada a sua responsabilidade, a ponto de se não poder afirmar com toda a segurança que a citação não se poderia ter efetivado a tempo de suspender o prazo prescricional.

Na realidade, e no seguimento do facto provado “F”, que refere que “Sobre o pedido de citação urgente apresentado pelo Autor não recaiu qualquer despacho”, importa concluir que a omissão de submissão do pedido de citação urgente a despacho, não pode penalizar o recorrente, tanto mais que é crível que se processo tivesse sido submetido a despacho no dia em que foi apresentado em juízo, a citação poderia ter vindo a ocorrer no dia útil imediatamente posterior, e como tal, em tempo.

Não tendo sido esta a perceção adotada pelo tribunal a quo, entende-se terem sido incumpridos os artigos 323º do CC, e 157º e 561º do CPC, o que determinará a revogação da sentença proferida em 1ª instância que declarou verificada a exceção perentória de prescrição do direito do Autor.
* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao Recurso, julgando-se inverificada a declarada prescrição do direito do Autor, mais se determinando a baixa dos autos à 1ª instância para prosseguimento da tramitação Ação, se a tal nada mais obstar.

Custas pelos Recorridos Município e AGEAS SA

Porto, 28 de fevereiro de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo Oliveira e Sousa