Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00285/12.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/12/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Vital Lopes
Descritores:IRC
PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA
INSOLVÊNCIA
Sumário:1. Os sujeitos passivos com processos no âmbito do CIRE ficam dispensados de efectuar o pagamento especial por conta (PEC), nos termos do disposto na alínea b) do n.º11 do art.º106.º, do CIRC;
2. Se o sujeito passivo dispensado efectua tal pagamento por erro, pode lançar mão do pedido de revisão previsto no art.º78.º da LGT, mesmo para além dos prazos de reclamação administrativa, com vista á restituição do que indevidamente entregou ao Estado.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

C..., S.A., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida do indeferimento do pedido de reembolso do pagamento especial por conta efectuado nos anos de 2009 a 2011, no montante de 83.433,92€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

1. O presente recurso visa a sindicância da aplicação do Direito aos factos e a valoração da prova produzida, constituindo assim impugnação também sobre a decisão de facto.
2. Sendo que neste aspecto deverá ser dado como provado que juntamente com o pedido de reembolso dos PEC de 2009, 2010 e 2011, requerido em 15.9.2011 e junto de fls. 31 a 35 dos autos de impugnação, a Recorrente também pediu que fosse realizada uma inspecção à sua contabilidade.
3. A Recorrente, no ano de 2007, foi alvo de um processo de insolvência que correu termos no 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Guimarães, no âmbito do qual foi aprovado em assembleia de credores um plano de insolvência, homologado a 20/11/2007.
4. Nos anos de 2009, 2010 e 2011, a Recorrente procedeu ao pagamento especial por conta no valor global de 83.433,92 €, melhor discriminado no quadro supra;
5. Tais pagamentos especiais por conta não eram devidos por estar em curso o plano de insolvência.
6. O requerimento de restituição do aludido valor foi entregue no dia 15.09.2011, no serviço de finanças de Guimarães 2.
7. E para além da restituição, a Recorrente solicitou igualmente a inspecção à sua contabilidade;
8. No caso em apreço não se aplica o previsto no artº. 93º do CIRC, na medida em que tal regime é exclusivo para os pedidos de reembolsos para as situações e circunstancias referidas no preceito, não estando nele contemplada a situação em que os pagamentos são feitos por manifesto lapso, como foi o caso!
9. A Recorrente pagou um valor a título de pagamento especial por conta que nem sequer era devido em virtude do disposto na al. b) do nº. 11 do artº 106º do CIC que prevê que ficam dispensados de tal pagamento os sujeitos passivos que se encontrem com processos no âmbito do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a partir da instauração desse processo. – cfr. al b) do nº. 11 do artº. 106º do CIRC
10. Daí que na situação dos autos a administração fiscal nada tem a sindicar na contabilidade do sujeito passivo com vista a aferir a situação de reembolso, pela elementar razão de que nada é devido ab initio.
11. O que ocorreu foi, apenas e tão só, um manifesto equívoco quanto à terminologia, pois no caso em apreço nem se trata de um verdadeiro reembolso, mas sim de uma restituição.
12. E o sujeito passivo pode reclamar a restituição do que indevidamente e por lapso prestou, sob pena do haver um intolerável enriquecimento sem causa do erário público – que mesmo sabendo que nada lhe é devido e tendo pleno conhecimento que o pagamento efetuado assentou em clamoroso equívoco, se recusa a restituir o que não lhe pertence, em violação plena do disposto no artº 8º da LGT
13. Os PEC de 2009, 2010 e 2011 (1.ª prestação) foram calculados e entregues pela Recorrente como se fossem devidos, mas por manifesto lapso, atenta a dispensa de tal pagamento;
14. Tendo a restituição sido requerida na data em que o lapso foi detectado;
15. OS factos configuram, em substância, uma efectiva duplicação de colecta de IRC.
16. O pedido de revisão dos actos tributários por motivo de duplicação de colecta é admissível nos termos previstos no n.º 6 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
Assim,
17. Deveria ter sido restituído à Recorrente o valor entregue para pagamento dos PEC (de que estava dispensada) dos anos de 2009 a 2011, no total de Euros 83.433,92 ;
18. Ao decidir como decidiu o Tribunal “a quo” violou os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material consagrados no artigo 5.º da LGT;
19. E afrontou o previsto no artº 103º da Constituição da Republica Portuguesa, sendo manifesta a sua inconstitucionalidade, o que desde já se invoca e deduz.
20. Mas se por mera hipótese académica se admitisse a aplicação ao pedido de restituição dos prazos previstos no artigo 93.º do Código do IRC para o pedido de reembolso, o certo é que a Administração Fiscal deveria ter promovido à requerida inspecção da contabilidade da Recorrente e, por via dela, determinar a restituição do valor que a Recorrente entregou apesar de a tal estar dispensada atento o plano de recuperação em curso.
Nestes termos e nos mais e melhores de Direito que serão tão douta quanto proficientemente supridos, deverá o presente recurso proceder e, para além da inconstitucionalidade da douta Decisão em recurso, deve a decisão recorrida ser revogada por outra que determine a restituição dos 83.433,92 € (oitenta e três mil, quatrocentos e trinta e três euros e noventa e dois cêntimo) à Recorrente, com o que será feita inteira e sã J U S T I Ç A!

A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal é de parecer que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente, são as seguintes as questões que importa conhecer: i) Se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto por omissão, no probatório, de matéria relevante para a decisão; ii) Se a sentença incorreu em erro de julgamento no entendimento que fez da intempestividade do pedido de reembolso do pagamento especial por conta e do pedido de revisão oficiosa, previsto no art.º78.º, da Lei Geral Tributária.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

«1. No ano de 2007, a impugnante foi alvo de um processo de insolvência, que correu termos no 2.° Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Guimarães, no âmbito do qual foi aprovado em assembleia de credores um plano de insolvência, homologado a 20/11/2007.
2. Nos anos de 2009, 2010 e 2011, a impugnante procedeu ao pagamento especial por conta nas datas e pelos montantes indicados no articulado 11.° da petição inicial, de acordo com o previsto no artigo 106.°, n°s 1 e 2 do CIRC.
3. No dia 15/9/2011, considerando que aqueles pagamentos não eram devidos, por ainda se encontrar em vigor o plano de insolvência, a impugnante entregou no Serviço de Finanças de Guimarães 2 um requerimento em que solicitava o reembolso dos PEC indevidamente efectuados - cfr. docs. de fls. 31 a 35 dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
4. Tal requerimento foi indeferido por despacho de 4/10/2011, referindo-se expressamente que o pedido é extemporâneo, de acordo com o disposto nos artigos 93.° e 137°, n.° 7 do CIRC e n.° 2 do art.° 133.° do CPPT, e ainda por não ser aplicável o disposto no n.° 6 do artigo 78.° da LGT - cfr. doc. a fls. 38 e 39, que aqui se dá por integralmente reproduzido».

E mais se deixou consignado na sentença:

«Não foram dados como provados outros factos com interesse para a decisão a preferir.
*
O tribunal decidiu a matéria de facto com base o acordo das partes, onde o mesmo foi possível, e na prova documental junta aos autos».

Da peticionada ampliação da matéria de facto

Entende a Recorrente que deverá ser ampliada a matéria de facto de modo a se incluir no probatório que “…juntamente com o pedido de reembolso do PEC e 2009, 2010 e 2011, requerido em 15.9.2011 e junto a fls.31 a 35 dos autos de impugnação, a Recorrente também pediu que fosse realizada uma inspecção à sua contabilidade”.

Porém, compulsado o documento de fls.31 a 35, não resulta do mesmo que a Recorrente tenha efectuado com o pedido de reembolso do PEC qualquer pedido de inspecção à sua contabilidade, nem aliás a Recorrente concretiza o segmento do documento de que consta expressamente tal pedido.

Pelo que precede, vai indeferida a ampliação da matéria de facto nos termos peticionados pela Recorrente.

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Como ressalta do probatório, no ano de 2007, a impugnante foi alvo de um processo de insolvência, no âmbito do qual foi aprovado em assembleia de credores um plano de insolvência, homologado a 20/11/2007.

Nos anos de 2009, 2010 e 2011, a impugnante procedeu ao pagamento especial por conta nas datas e pelos montantes indicados no artigo 11.º da douta petição inicial de acordo com o previsto no art.º106.º, números 1 e 2, do Código do IRC.

No dia 15/09/2011, considerando que aqueles pagamentos não eram devidos, por ainda se encontrar em vigor o plano de insolvência, a impugnante entregou no competente serviço de finanças um requerimento em que solicitava o reembolso dos PEC indevidamente efectuados.

Tal requerimento veio a ser indeferido por despacho de 04/10/2011, nos termos e com os fundamentos nele indicados e que se dão por reproduzidos, salientando-se expressamente que o pedido de reembolso é extemporâneo, de acordo com o disposto nos artigos 93.º e 137.º, n.º7, do Código do IRC e n.º2 do art.º133.º do CPPT e, ainda, por não ser aplicável “in casu” o disposto no n.º6 do art.º78.º, da Lei Geral Tributária.

É dessa decisão de indeferimento do pedido de reembolso dos pagamentos especiais por conta efectuados que vem deduzida a impugnação judicial, tendo a sentença sufragado o entendimento da Administração tributária de que, por um lado, o pedido de reembolso não foi precedido de nenhum pedido de inspecção efectuado pela impugnante no prazo de 90 dias seguintes ao termo do prazo para apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação, conforme previsto na alínea b) do n.º3 do art.º120.º, do Código do IRC e, por outro lado, que os pagamentos especiais por conta indevidamente efectuados não consubstanciam uma situação de duplicação de colecta, nem se reconduzem a qualquer situação que legitime a revisão do acto tributário ao abrigo do disposto nos números 1, 2 e 6, do art.º78.º, da Lei Geral Tributária, como pretende a impugnante, ora Recorrente.

Vejamos se assim é.

Começa a Recorrente por alegar erro de julgamento da sentença na parte em que sufragou o entendimento da Administração tributária quanto à aplicabilidade à situação em causa do disposto na alínea b) do n.º3 do art.º93.º, do Código do IRC.

Na redacção introduzida pela Lei n.º3-B/2010, de 28 de Abril, dispunha o n.º1 do art.º106.º, do Código do IRC: «Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º, os sujeitos passivos aí mencionados ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efectuar durante o mês de Março ou em duas prestações, durante os meses de Março e Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação não coincidente com o ano civil, nos 3.º e 10.º meses do período de tributação respectivo».

Nos termos do disposto no seu n.º11, «Ficam dispensados de efectuar o pagamento especial por conta:
a) ……………………………….;
b) Os sujeitos passivos que se encontrem com processos no âmbito do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a partir da data de instauração desse processo;
c) ………………………………».

Não se mostra controvertido que a impugnante se encontra abrangida por plano de insolvência e, nessa medida, dispensada de efectuar o pagamento especial por conta.

Onde as partes divergem é na oportunidade do pedido de reembolso dos PEC efectuados pela impugnante enquanto abrangida pelo plano de insolvência.

Pois bem, na óptica da Administração tributária o pedido de reembolso deveria ter sido efectuado pela impugnante nos termos do disposto na alínea b) do n.º3 do art.º93.º, do Código do IRC.

Será assim? Dispõe aquele preceito:

«1—A dedução a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º é efectuada ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do próprio período de tributação a que respeita ou, se insuficiente, até ao quarto período de tributação seguinte, depois de efectuadas as deduções referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 e com observância do n.º 7, ambos do artigo 90.º
2 — Em caso de cessação de actividade no próprio período de tributação ou até ao terceiro período de tributação posterior àquele a que o pagamento especial por conta respeita, a parte que não possa ter sido deduzida nos termos do número anterior, quando existir, é reembolsada mediante requerimento do sujeito passivo, dirigido ao chefe do serviço de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em que estiver centralizada a contabilidade, apresentado nos 90 dias seguintes ao da cessação da actividade.
3 — Os sujeitos passivos podem ainda, sem prejuízo do disposto no n.º 1, ser reembolsados da parte que não foi deduzida ao abrigo do mesmo preceito desde que preenchidos os seguintes requisitos:
a) Não se afastem, em relação ao período de tributação a que diz respeito o pagamento especial por conta a reembolsar, em mais de 10%, para menos, da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de actividade em que se inserem, a publicar em portaria do Ministro das Finanças;
b) A situação que deu origem ao reembolso seja considerada justificada por acção de inspecção feita a pedido do sujeito passivo formulado nos 90 dias seguintes ao termo do prazo de apresentação da declaração periódica relativa ao mesmo período de tributação».

Com pertinência e a propósito, escreve Rui Duarte Morais, “Apontamentos ao IRC”, Almedina/ 2007, a págs.227: «Se bem entendemos a algo confusa redacção desta norma, o pedido de reembolso poderá abranger valores correspondentes a pagamentos feitos no exercício em causa (o da cessação de actividade) e nos três exercícios anteriores.

- Não havendo cessação de actividade, o sujeito passivo poderá ser reembolsado se, cumulativamente:
· A sua rentabilidade no exercício em causa, não tiver sido inferior em mais de 10% à da média dos rácios de rentabilidade das empresas do sector de actividade em que se insere, rácios esses a serem publicados em portaria do Ministério das Finanças;
· Em resultado de inspecção por ele requerida, o pedido de reembolso seja considerado justificado.

Colocam-se aqui várias questões, como sejam, saber se estes requisitos devem ser tidos por cumulativos (como parece resultar “inequívoco” da letra da lei) e da contagem do prazo para tal pedido de reembolso.

Porque estas questões têm directamente a ver com a apreciação da constitucionalidade deste sistema de pagamentos, dela nos ocuparemos no número seguinte».

Mais adiante, feita a apreciação da constitucionalidade do preceito, conclui o autor: «Ora, como vimos, o n.º3 do art.º87.º (corresponde ao 93.º, na redacção da Lei n.º3-B/2010), só admite o reembolso desde que se verifiquem, cumulativamente, os requisitos previstos nas suas duas alíneas. O que, desde logo, exclui, de tal possibilidade os sujeitos passivos com uma rentabilidade inferior, em mais de 10%, à média do sector (…).

O n.º 3 do art.º87.º, para ser constitucional, tem que ser lido de forma a permitir que todos os contribuintes, cujo lucro tributável – obrigatoriamente ou por opção – é apurado com base na contabilidade, possam pedir o reembolso do excesso pago a título de PEC».

Pois bem, mesmo numa interpretação conforme à Constituição, decorrente nomeadamente do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real (art.º104.º, n.º2, da CRP), manifesto é que o disposto no art.º93.º, do Código do IRC, não tem em vista as situações em que se efectue a entrega do PEC estando o sujeito passivo abrangido por uma das situações de dispensa previstas no n.º11 do art.º106.º daquele Código.

O que se tem em vista no art.º93.º do Código do IRC, ou são situações de cessação da actividade, em que o sujeito passivo pode pedir o reembolso do valor correspondente à diferença entre o que pagou e o valor que conseguiu, entretanto, deduzir; ou, não havendo cessação de actividade, situações de pedido de reembolso correspondente ao excesso pago a título de PEC.

Ora, a esta última situação não se reconduz o caso dos autos, como pretende a Administração tributária, porque estando a impugnante abrangida por uma das situações de dispensa de efectuar o PEC previstas na lei (art.º106.º, n.º11 alínea b), do Código do IRC), não pode verificar-se qualquer situação de excesso face ao lucro tributável apurado, que pressupõe uma prévia situação de sujeição à exigência legal de pagamento especial por conta, de acordo com o sistema de cálculo previsto no n.º2 do art.º106.º, do Código do IRC.

Andou mal a Administração tributária no enquadramento legal que fez do pedido de reembolso efectuado pela impugnante, ora Recorrente, merecendo igual censura a sentença que sufragou tal entendimento.

Mas aqui chegados, estaremos perante uma situação de duplicação de colecta que justifique o pedido de revisão do acto tributário nos termos do disposto no art.º78.º, n.º6 da LGT?

Não, porque manifestamente não se está perante duplicação de colecta. Na verdade, como refere Rui Duarte Morais, ob. cit., a pág.221, o pagamento especial por conta surgiu no contexto de um movimento no sentido de se criar uma colecta mínima de IRC perante a constatação de que a maioria das empresas ou não apresentava lucro tributável ou apresentava lucro declarado insignificante.

A contestação de que a ideia da colecta mínima foi alvo conduziu a uma solução de compromisso, que se traduziu na exigência dos pagamentos especiais por conta.

O pagamento especial por conta é um adiantamento entregue ao Estado por conta do imposto devido a final, que pode ser efectuado em duas prestações (art.º106.º, n.º1, do Código do IRC) e é calculado em função do volume de negócios relativo ao último exercício (n.º2), nisto se distinguindo, aliás, do pagamento por conta, este calculado com base no imposto liquidado nos termos do n.º1 do art.º90.º, relativo ao período de tributação imediatamente anterior (art.º105.º, n.º1, do Código).

Tal como decorre do disposto no art.º205.º, do CPPT, a duplicação de colecta, que visa prevenir a repetição da cobrança de um mesmo tributo, supõe o pagamento de um tributo referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo sobre que recaiu nova liquidação.

No caso dos pagamentos especiais por conta, que ocorrem ainda no período de formação do acto tributário, do que se trata é de um adiantamento do imposto a entregar ao Estado após o encerramento do exercício e tais pagamentos especiais por conta são dedutíveis ao montante da colecta apurada (art.º93.º, n.º1, do Código do IRC), logo por aqui falecendo um dos pressupostos da duplicação de colecta.

No entanto, tal não significa que não subsistam fundamentos para o pedido de revisão ao abrigo do disposto no art.º78.º, da LGT. Apenas que não concorre o específico fundamento previsto no n.º6 daquele art.º78.º, da LGT.

Estabelece o art.º78.º, da LGT, no segmento pertinente:

«1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7 – (…)».

Prevê-se no n.º1 a revisão do acto tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».

Antes de mais se diga, acompanhando Vítor Faveiro, “O Estatuto do Contribuinte”, Coimbra Editora, a pág.673, que os actos de “entregas por conta” consubstanciam verdadeiros actos jurídicos que assumem a qualidade e eficácia de actos tributários logo que recebidos nos serviços competentes.

Tratam-se pois, os actos jurídicos de entrega por conta efectuados pela impugnante, ora Recorrente, de actos tributários.

No entendimento da Administração tributária, reconduzindo-se o pedido de reembolso a um pedido de revisão por iniciativa do contribuinte, o mesmo não se fez no prazo de reclamação administrativa, decorrente do disposto no art.º137.º, n.º7 do Código do IRC e art.º133.º, n.º2, do CPPT, pelo que não há fundamento válido para o pedido de revisão.

Todavia, não é assim porque a Administração tributária podia sempre rever o acto por sua iniciativa no prazo de quatro anos após a liquidação do exercício a que se reporta a entrega do PEC, valendo o pedido do contribuinte, como propulsão processual.

Como se salienta no Acórdão do STA, de 29/05/2013, proferido no proc.º0140/13, “O art. 78° da LGT prevê a revisão do ato tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».
Todavia, tal não significa que o contribuinte não possa, no prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão.
Tal resulta, desde logo, dos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade - art. 266°, n.° 2 da CRP.
Como se refere no Ac. do STA de 20/03/2002, rec 26.580:
Face a tais princípios, não se vê como possa a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições, sendo que «o dever de pronúncia constitui, de resto, um princípio abertamente assumido pelo art. 9° do CPA, no domínio do procedimento administrativo mas aqui também aplicável por mor do disposto no art. 2° do mesmo código».
E, mais adiante: «é claro que a revisão do ato tributário, na sua dimensão de ato a favor do contribuinte, que é a dimensão que aqui importa ter em conta, acaba por implicar um alargamento do prazo de estabilidade da situação tributária a que se refere. Mas uma tal consequência não é uma objeção que o intérprete possa colocar ... pois a adoção, pelo legislador, da possibilidade de revisão do ato pressupõe exatamente o equacionamento dessa questão e a sua resolução no sentido de fazer, dentro de certos condicionalismos ... outros valores para além da segurança jurídica a prazo certo».
E de lei escrita.
Na verdade, o próprio art. 78°, n.°6 refere o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização”.

Não antevemos razões que determinem “in casu” diferente solução jurídica, sendo certo que a doutrina do acórdão constitui jurisprudência consolidada daquele alto tribunal, embora reportada a actos tributários de liquidação e não de entrega por conta, em qualquer caso, de idêntica lesividade para o contribuinte, que se vê privado das quantias entregues.

Perante o que ficou dito, entendemos que não podia a Administração tributária demitir-se de rever os impugnados actos de entrega por conta, não obstante o erróneo fundamento de duplicação de colecta a que a Recorrente fez apelo, com fundamento em que se mostravam ultrapassados os prazos de reclamação administrativa, uma vez que estão em causa pagamentos especiais por conta cujas datas de pagamento ocorreram entre 31/03/2009 e 31/03/2011, e o pedido de reembolso foi efectuado em 15/09/2011, portanto dentro dos quatro anos dos exercícios a que se reportam as liquidações de que constituem adiantamentos.

A sentença incorreu pois em erro de julgamento ao sufragar o entendimento da Administração tributária quanto à intempestividade do pedido de revisão previsto no art.º78.º, da Lei Geral Tributária.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e anular o acto impugnado no segmento em que não apreciou, por intempestividade, o pedido de reembolso dos PEC efectuados como pedido de revisão.

Custas pela Recorrida em 1ª instância.

Porto, 12 de Dezembro de 2014
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Fernanda Esteves