Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00206/04.3BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2015
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
NOTIFICAÇÃO PARA ALEGAÇÕES
NULIDADE
Sumário:I – No processo judicial tributário, as alegações referidas no artigo 120º do CPPT destinam-se simultaneamente à discussão da matéria de facto e de direito.
II – Tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (documentos juntos pela impugnante e AT), e audição de testemunhas, podendo ser relevantes para a decisão final, impunha-se a notificação do impugnante para alegar sobre esta matéria, nos termos do artigo 120º do CPPT.
III – A falta de notificação, por omissão da secretaria, para, em tais circunstâncias, o impugnante produzir alegações constitui uma omissão susceptível de influir no exame e na decisão da causa determinante de anulação dos termos processuais subsequentes, incluindo a anulação da sentença (artigo 201º, actual 195º do CPC, e artigo 98º, nº 3 do CPPT).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
M..., empresário em nome individual, com sede na Rua…, no lugar de Porto Godinho, Figueira da Foz, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra o acto de liquidação adicional de IVA do ano de 2001.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A) De harmonia com o disposto no art. 201.°, n.° 1, do CPC, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no art 2.°, alínea e), do CPPT, a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
B) Assim, no caso em apreço, podendo a falta de alegações ter influência na decisão final, é de concluir que ocorreu uma nulidade processual de que a Recorrente só teve conhecimento com a notificação da sentença.
C) Devendo o processo regressar ao Tribunal a quo para que se completem as formalidades exigidas por lei e que são um direito de que o recorrente não prescinde.
D) O Tribunal a quo respondeu na sentença á primeira questão, referente a IVA, contudo não se pronunciou, nem conheceu, nem mencionou sequer, a segunda questão, a prescrição de todo o processo fiscal.
E) Consequentemente, no caso em apreço, podendo a omissão de pronúncia mencionada ter influência na decisão final, é de concluir que ocorreu uma nulidade processual de que a Recorrente só teve conhecimento com a notificação da sentença, sendo a recorrida sentença nula.
F) Passaram mais de oito anos desde o facto tributário até á última interrupção da prescrição datada de 27 de Fevereiro de 2012, mesmo contabilizando o período em que a prescrição se encontrou interrompida.
G) Razão pela qual o presente processo de impugnação deverá ser considerado extinta por prescrição, por decurso de tempo anterior e posterior à interrupção da prescrição, tendo em consideração a Lei Geral Tributária vigente á altura dos factos tributários.
H) Se tivessem sido considerados os testemunhos da ora recorrente, assim como os documentos que juntou e que não foram impugnados, teria sido considerado provado que apesar da factura 45-09252, melhor descrita nos autos, ter sido emitida pela C... - Veículos Pesados SA, na data de 30 de Maio de 2001, o veículo em causa foi reparado muito antes desta data.
I) E também que a ordem de reparação emitida pela empresa que reparou o veículo e que não era a que constava do relatório mas sim uma outra com o número 125916.4 de 8 de Março de 2001.
J) E consequentemente anterior á transmissão do veículo em causa objecto da referida factura.
K) Também que as facturas FTR1213326 B... Leasing de 25 de Junho de 2003, FTR277361 B... Leasing de 25 de Julho de 2003 e Cedência do Contrato 200045591, deveriam ter sido consideradas para efeitos de dedução de IVA, porquanto os mesmos foram efectuados antes da sua transmissão para a sociedade M... e Fls. Lda. em 30 de Julho de 2001, pelo que não pode haver lugar a liquidação adicional de IVA no montante de 501,26€ (quinhentos e um euros e vinte e seis cêntimos).
L) E ainda deveria ter sido considerado o reembolso do IVA referente á comunicação do crédito n°099126 no montante de 490,83€ (quatrocentos e noventa euros e oitenta e três cêntimos), pelo facto do mesmo já não poder ser dedutível noutra qualquer declaração, visto o contribuinte ter cessado a sua actividade em 31 de Dezembro de 2001.
M) Consequentemente não é a recorrente devedora de quaisquer juros.
Termos em que e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência:
1) Deverá a sentença recorrida ser anulada por falta da notificação ao recorrente para alegar nos termos do 120° do CPPT e em virtude disso descer o processo ao tribunal a quo nos termos do art. 201º, n.° 1, do CPC, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no art. 2.°, alínea e), do CPPT, porquanto a formalidade que a lei prescreva produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

2) Subsidiariamente deverá ainda este tribunal e porque o tribunal a quo somente respondeu na sentença á primeira questão, referente a IVA, não se tendo, contudo pronunciado, conhecido, mencionado sequer, a segunda questão, ou seja a prescrição de todo o processo fiscal, podendo a omissão de pronúncia mencionada ter influência na decisão final, é de concluir que ocorreu uma nulidade processual de que a Recorrente só teve conhecimento com a notificação da sentença, devendo este Tribunal considerar sentença ora recorrida nula, porquanto viola o disposto no artigo 660.° do Código de Processo Civil e subsume-se na nulidade da alínea d) do n.° 1 do artigo 668.° do mesmo Código.
3) Sem prescindir, tendo passado mais de oito anos desde o facto tributário até á última interrupção da prescrição datada de 27 de Fevereiro de 2012, mesmo contabilizando o período em que a prescrição se encontrou interrompida, o presente processo de impugnação deverá ser considerado extinto por prescrição, por decurso de tempo anterior e posterior à interrupção da prescrição, tendo em consideração a Lei Geral
Tributária vigente á altura dos factos tributários, facto este que não poderá passar despercebido a este Tribunal.

4) E ainda considerar como provados os factos alegados nas conclusões H) a M) e em virtude disso mesmo considerar que o recorrente nada deve á Fazenda Nacional, quer em IVA, quer em Juros.
Fazendo-se assim a habitual e necessária justiça!

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

Remetidos os autos ao TCAN, foi emitido parecer pelo Exmo Procurador-Geral Adjunto, de folhas 210 e ss,, no sentido de ser concedido provimento ao recurso, dado ocorrer a nulidade alegada de falta de notificação para alegações, nos termos do artigo 120º do CPPT.

Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos vem o processo à Conferência para julgamento.


I.I Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 684º, nº s 3 e 4, actuais 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT) são as seguintes: (i) saber se a sentença recorrida se encontra afectada por nulidade processual nos termos previstos no artigo 201º, nº 1, actual 195º do CPC, decorrente da falta de notificação às partes para apresentarem alegações escritas, nos termos do artigo 120º do CPPT; (ii) saber se a sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia dado não ter apreciado a prescrição da dívida impugnada; (iii) saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto.


II. Fundamentação

II.1. De Facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A - Em 17.05.2001, a C... - Veículos Pesados, S.A, emitiu a favor do Impugnante a factura n.° 45-09159, com a indicação de contribuinte n.° 802854427 no valor de € 21 260,28, relativa ao veículo de matrícula …QG (cf. doc. a fls. 20 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
B - O B…-Leasing emitiu em nome do Impugnante duas facturas relativas ao «Contrato de Locação Financeira n.° 200045591», datadas de 25.06.2001 e 25.06.2001, no valor de € 1 724,10 (cf. docs. a fls. 22 a 23 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como Integralmente reproduzidos).
C - Em 30.07.2001, o Impugnante a M... & Filhos, Lda. e o B… Leasing firmaram um acordo que designaram por «Cessão de Posição Contratual do Contrato de Locação Financeira n° 200045591» (cf. doc. a fls. 20 a 26 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
D - Em 19.11.2002 a Impugnada emitiu uma «Comunicação de Crédito» a favor do Impugnante em sede de IVA no montante de € 490,83 (cf. doc. a fls. 27 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
E - Por determinação da Impugnada datada de 14.04.2003, foi a Impugnante sujeita a inspecção externa (cf. docs. a fls. 1 a 2 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
F - O Impugnante teve conhecimento do «Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção», por ofício datado de 14.07.2003 (cf. docs. a fls. 19 a 20 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
G - Em 25.07.2003, o Impugnante apresentou uma exposição escrita dirigida ao Sr. Director de Finanças de Coimbra, acompanhada de documentos escritos (cf. docs. a fls. 20 a 37 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
H - Em documento intitulado «Relatório de Inspecção Tributária», datado de 02.09.2003, extrai-se que:
“[...]
II - 3.1 - Enquadramento do Sujeito Passivo
Trata-se de um empresário em nome individual, sujeito a I.R.S, na categoria C, com contabilidade organizada, e enquadrado em IVA no Regime Normal Mensal, pela a actividade de Transporte Rodoviários de Mercadorias, - CAE - 60.240, desde 1-7-86, tendo declarado a cessação de actividade em 31-12-01, nos termos da alínea a) do n.° 1 do art.° 33.° do CIVA, conforme declaração apresentada em 30-01-02 no 1.º Serviço Local de Finanças da Figueira da Foz, que se confirma apesar das faltas a seguir relatadas.
[…]
II-3.2- Actividade Desenvolvida/Cessação da actividade
[…]
Estas actividades foram exercidas com normalidade até 14-05-01, tendo nessa data efectuado a transmissão das mercadorias em armazém e dos bens do activo imobilizado, nos termos do n.4 do art. 3.° do CIVS, para a sociedade “M... & Filhos, Lda.”
[…]
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
III.1) - Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
III.1.1) - F. Serviços Externos — Conservação e Reparação
Da análise á conta 6223211110 - Conservação e Reparação da Viatura …QG, verificou-se que foi ali contabilizada a factura n.° 45-09252 emitida em 30-5-01 pela C... - Veículos pesados, SA, relativa a uma reparação da viatura Scania 113 -…QC.
[…]
Assim, nos termos da alínea a) do n.° 1 do art.° 23.° do CIRC, (por remissão do art. 32.º CIAS) o valor de 18.171,17 euros, não será aceite como custo de exercício de 2001, por se considerar que a empresa não deve suportar tal valor, uma vez que a transferência de imobilizado ocorreu em 14-5-01, e esta grande reparação foi efectuada em data posterior como consta também da ordem de reparação n.° 126807.5 de 29-5-01
[…]
III.1.2) - Juros de Leasing
Verificou-se que foram registadas na contra 69175, juros no valor de 265,20, evidenciados em duas facturas do B… Leasing - Contrato 200045591, referentes ao Semi Reboque 1…, cujas datas de emissão são posteriores a 14-5-01, momento em que o sujeito passivo deixou de exercer a actividade propriamente dita.
[…]
Face a tal procedimentos, nos termos do art.° 23.º do CIRC, (por remissão do art.°
32.º do CIRS) não serão aceites com custo de exercício, os furos no valor de 265,20 euros.

[…]
III.2.1) - Imposto Sobre o Valor Acrescentando - Dedução indevida de IVA - Reparação de Viatura
De acordo com o exposto anteriormente, o sujeito passivo deduziu no mês de Maio de 2001, o IVA da factura n.° 05-09252 da C..., SA, no valor de 3.089,10 euros (619.309$00), tendo o seu registo contabilístico sido efectuado a débito da conta 2432122 - Outros Bens Serviços, e inscrito no campo 20 IVA Dedutível Imobilizado da declaração periódica do Mês de Maio de 2001.
Pelas razões descritas no ponto III.1.1, também não deverá ser aceite a dedução do IVA no valor de 3.089,10 euros, uma vez que tal procedimento contraria a alínea a) do art. 20.° do CIVA.
[...]
III.2.2) - Dedução indevida de IVA - Rendas de Leasing

Conforme foi também exposto no ponto, 111-1.2, o sujeito passivo deduziu no mês de Dezembro de 2001, IVA no valor de 501,26 euros, referente a duas facturas de leasing, (B… Leasing - E - 1213326 de 25-6-01 / F- 1277361 de 25-7-01), que contabilizou a débito 243222 - Outros Bens e Serviços, e inscreveu no campo 24 da DP - Mod C do referido mês de Dezembro de 2001.
Pelas razões descritas no ponto III-1.2, também não deverá ser aceite a dedução do IVA no valor de 501,26 euros, uma vez que tal procedimento contraria a alínea a) do n,° 1 do art. 20.° do CIVA [...]” (cf. docs. a fls. 20 a 37 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como Integralmente reproduzidos).
I - No documento referido na alínea anterior foi aposto em 07.10.2003, pelo Sr. Director de Finanças Adjunto, o seguinte despacho: “Concordo com as conclusões do relatório e determino o(s) valor(es) proposto(s) para tributação” (cf. docs. fls. 20 a 37 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
J - O Impugnante teve conhecimento do relatório e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores por ofício da Impugnada datado de 08.10.2003 (cf. docs. fls. 4 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
K - Os serviços da Impugnada procederam à liquidação adicional n.° 03309245, relativa IVA de 2001, em nome do Impugnante pelo valor de € 3.590,36, tendo sido este daquela notificado (cf. doc. a fls. 7 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
L - Os serviços da Impugnada procederam ao cômputo de juros, pela liquidação n.° 03309243, relativa ao período de IVA 0105, em nome do Impugnante pelo valor de € 432,73, tendo sido daquela notificado (cf. doc. a fis. 8 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
M - Os serviços da Impugnada procederam ao cômputo de juros, pela liquidação n.° 03309244, relativa ao período de IVA 0112, em nome do Impugnante pelo valor de € 49,95, tendo sido daquela notificado (cf. doc. a fls. 9 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
N - A petição inicial da presente impugnação deu entrada neste Tribunal foi remetida pelo Advogado da Impugnante para este Tribunal por correio registado expedido em 28.04.2006 (cfr. fls. 1 a 69 dos autos).
*
A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes aos autos e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação, assim como naqueles que constam do respectivo processo administrativo (PA).
Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo.
Assim, não foi considerada relevante a alegação do Impugnante no que se refere à data desde a qual esteve ao serviço o veículo referido no art.° 6.° da p.i., uma vez que o que é controvertido não é o facto daquele ter estado ao serviço do Impugnante, o que implicitamente se aceita, mas sim a data em que o mesmo deixou de estar na disponibilidade daquele.
Por outro lado ficou por demonstrar o que o veículo referido na factura aludida na alínea «A tenha sido reparado antes da data que consta na mesma, ou que a ordem de reparação não seja a que consta da referida factura. Nesta matéria, a prova testemunhal aqui produzida não permitiu ao Tribunal dar como provados aqueles e os demais factos alegados pelo Impugnante nos artigos 6.º e 7º da p.i.. Assim, as testemunhas ouvidas apenas faziam a contabilidade do Impugnante, limitando-se a receber a documentação por aquele enviada, nunca tendo tido intervenção na concreta definição das ordens de reparação que terão sido dadas. Por isso, o seu conhecimento é indirecto e, como tal, a sua razão de ciência assenta em juízos formulados em declarações que lhe foram prestadas pelo Impugnante. Deste modo, as testemunhas não tendo presenciado ou tido conhecimento directo dos factos, não poderão dar convincentes depoimentos quanto ao que foi alegado pelo Impugnante.
O Impugnante refere no art.° 8.° que um semi-reboque só veio a ser transmitido para a sociedade M... & Filhos, Lda. em 30.07.2001. Porém, nem a prova documental tal o atesta, nem a prova testemunhal aqui trazida tal sustenta. É que são factos distintos a transmissão de todo o Imobilizado (no qual se inclui o referido semi-reboque) e a alteração contratual que terá sido acordada com a locadora. Ora, no presente caso não ficou provada a aludida simultaneidade de transmissão, antes pelo contrário, o que sucede é que o referido atrelado foi transmitido para referida sociedade comercial e só depois é que se procedeu à alteração do contrato de locação financeira.

II.2. De Direito

Logo nas primeiras conclusões de recurso, o recorrente esgrime com a nulidade da decisão recorrida, decorrente de nulidade processual precedente, consistindo esta na omissão do dever de notificação, da impugnante, para apresentar alegações escritas, nos termos e para os efeitos do artigo 120º do Código de Procedimento e de Processo Tributário [conclusões A a C do recurso].
Haverá que fazer a distinção, desde logo, entre nulidade de julgamento e nulidade de procedimento Vide Geraldes, António Santos Abrantes “Recursos em Processo Civil” , pag 676.
Como resulta das disposições conjugadas dos artigos 668º, nº 1, 666º, nº 3, 716º, 726º, 749º e 762º, do CPC, as nulidades das decisões, revistam ou não a natureza de sentença, são as taxativamente indicadas naquele primeiro normativo e, devem ser arguidas, de harmonia com os seus nºs 2 e 3, umas vezes, no tribunal a quo e, outras vezes, em via de recurso, no tribunal ad quem.
Diferentes são as nulidades processuais que se traduzem em “quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais.”[ Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 175.]
As nulidades processuais podem ser principais, típicas ou nominadas, sendo-lhes aplicável o preceituado nos artigos 193º a 200º e 202º a 204º, do CPC, e também, secundárias, atípicas ou inominadas, encontrando-se a sua regulamentação genérica no artigo 201º, nº 1, do mesmo CPC. A sua arguição está sujeita ao regime previsto nos artigos 202º, 2ª parte e 205º daquele Código.
No caso em análise, a questão prende-se, como referido supra, com a falta de notificação do impugnante para alegar, por escrito, nos termos do artigo 120º do CPPT. Tendo sido ordenada a notificação de cada uma das partes dos documentos que a outra apresentara na sequência da sessão contraditória de inquirição de testemunhas, foi ainda ordenado que, após, fossem as partes notificadas para alegar.
Mas, resultou dos autos que apenas a Fazenda Pública foi notificada para alegar.
Importante é, pois, determinar, se a existência de tal omissão constitui nulidade processual.
Estatui o artigo 120º do CPPT que:“Finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias.
Por sua vez, dispõe o artigo 201.º, n.º 1 do CPC queFora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”
Prevêem-se no referido artigo 201º do CPC, aplicável no e ao caso dos autos, por força do disposto no artigo 2º, alínea e), do CPPT, regras em matéria de nulidade dos actos processuais em geral, resultando do regime consagrado uma preocupação de restringir os efeitos do vício que inquina o acto de modo que, só nos casos em que há prejuízo para a relação jurídica litigiosa, é que advêm efeitos invalidantes.
O que há característico e frisante no artigo 201.º é a distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes. Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos:
a) Quando a lei expressamente a decreta;
b) Quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
(…) O 2º caso em que a infracção formal tem relevância deixa ao juiz um largo poder de apreciação. É ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa.
(…) Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.
É neste sentido que deve entender-se o passo “quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.” O exame, de que a lei fala, desdobra-se nestas duas operações: instrução e discussão da causa.” - in Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, págs. 484 a 487.

Não resulta da confrontação dos normativos em questão, de forma expressa, o sancionamento com o desvalor invalidante da nulidade, em caso de prolação de sentença final em impugnação judicial, quando tenha ocorrido omissão de notificação dos interessados para alegarem por escrito, de harmonia com o artigo 120º do CPPT.
Assim, importará aferir se no caso dos autos tal omissão é susceptível de gerar ou não nulidade na medida em que “possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Cumprindo dilucidar esta questão, já este Tribunal Central Administrativo Norte, de modo reiterado, se pronunciou acórdãos de 28.06.2012, proc nº 2517/11.2BEPRT; de 10.10.2013, proc. nº 2156/10.5BEBRG; de 15.11.2013, proc nº 00915/10.8BEAVR e de 13.09.2013, proc. nº 1560/10.3BEBRG. .

O Supremo Tribunal Administrativo (Pleno), no seu acórdão de 8 de Maio de 2013, Processo 01230/12, firmou jurisprudência sobre tal matéria razão pela qual, não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, passaremos a transcrever, na parte aqui relevante, o último dos arestos citados, aderindo in totum ao seu discurso fundamentador:
“(…) tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (como é o caso dos documentos juntos pela impugnante e do PAT), os quais relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada, impunha-se que se concedesse às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, não só sobre a relevância factual que podem ter os elementos em questão, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar. É que, por um lado, e ao invés do entendimento apontado no acórdão recorrido, não vemos razões legais para limitar as alegações aos casos de produção de prova testemunhal. Mas, por outro lado e como, igualmente, se diz no acórdão fundamento, «O facto de cada uma das partes ter tido oportunidade de se pronunciar sobre os documentos apresentados pela parte contrária, não dispensa as alegações, designadamente porque, enquanto o prazo legal para as partes se pronunciarem sobre documentos apresentados pela parte contrária é o prazo geral de 10 dias [art. 153º, nº 1, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 2º, alínea e), do CPPT], o prazo para alegações é fixado pelo juiz, podendo estender-se até 30 dias, nos termos do transcrito art. 120º».
Também nos acórdãos desta Secção do STA, de 11/3/2009 e de 28/3/2012, respectivamente, nos procs. nº 01032/08 e nº 062/12, ficou consignado que «a junção do processo administrativo impõe que, em regra, se tenha de passar à fase das alegações, não podendo haver conhecimento imediato do pedido, sob pena de violação do princípio do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes (artigos 3º, nº 3, do CPC e 98º do CPPT)».
E o Cons. Jorge Lopes de Sousa igualmente salienta que «No caso de se estar perante uma situação em que deva ocorrer o conhecimento imediato, designadamente se forem juntos documentos pelas partes após a contestação, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações, a fim de se poderem pronunciar sobre a relevância desses documentos para a decisão da causa.
Mesmo que, na sequência da junção de documentos por cada uma das partes, a parte contrária tenha sido notificada da junção e se tenha pronunciado, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações …». Aliás, o mesmo autor também acrescenta que, nos casos em que o representante da Fazenda Pública contestar, sendo obrigatória a junção do processo administrativo, que deverá conter informações oficiais [arts. 111º, nº 2, alíneas a) e b), do CPPT], que são um meio de prova (art. 115º, nº 2), em regra não poderá haver conhecimento imediato do pedido, tendo de passar-se à fase de alegações, mesmo que não haja outra prova a produzir, por imperativo do princípio do contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC), pois só assim se torna possível evitar que a administração tributária usufrua de um privilégio probatório especial na instrução do processo e se confere aos princípios do contraditório e da igualdade dos meios processuais uma verdadeira dimensão substantiva (art. 98º da LGT).”
Na esteira deste entendimento, é, pois, de concluir que no caso dos autos, ao não se notificar a recorrente para alegações escritas (cf. artigo 120º do CPPT), ocorreu uma omissão susceptível de influir no exame e na decisão da causa, a qual determina a anulação da sentença recorrida nos termos do artigo 201º do CPC, e implica a anulação dos termos processuais subsequentes (cf. artigo 98º, nº 3, do CPPT.

Transpondo todo o exposto para o caso concreto, estaremos perante a eliminação de toda uma fase do processo. Ora, no processo judicial tributário é de considerar que as alegações referidas no artigo 120º do CPPT têm como objectivo quer a discussão da matéria de facto, quer de direito. E será sempre de sublinhar que no caso, agora em apreço, para especificação da matéria de facto julgada provada e não provada, na sentença sob recurso, relevaram-se documentos juntos pela parte e constantes do Processo Administrativo (PA), que se identificaram nos pontos por eles provados e, ainda nos depoimentos de testemunhas inquiridas, pelo que não poderá deixar de se concluir que a omissão ocorrida foi efectivamente susceptível de influir no exame e na decisão da causa.
Seria imperioso conceder à parte a possibilidade de alegar sobre esta matéria, não só pela relevância factual que podiam ter os elementos em questão, como tiveram, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podiam retirar – cfr. neste sentido, o citado Acordão do STA.
Sublinhe-se que a omissão resultou não da omissão do despacho a ordenar a notificação das partes para alegarem, mas de uma omissão de cumprimento desse despacho, por parte da secretaria. Ora, nos termos do artigo 157º, nº 6 do CPC (antigo 161º) a omissão dos actos praticados pela secretaria judicial não pode, em qualquer caso, prejudicar as partes

Por último importará determinar se a nulidade suscitada foi atempadamente arguida.

Nos termos do artigoº 202, in fine, actual artigo 196º do C.PC, estipula-se que deve aquela ser suscitada nos 10 dias seguintes a ter sido cometida, contando-se tal prazo desde o momento em que o impugnante interveio em algum acto praticado no processo, ou foi notificado para qualquer termo dele – cfr. artigo 153º, actual 149º, e artigo 205, nº 1, 2ª parte, actual 199º, do CPC.
Considerando que o agora Recorrente só teve conhecimento da omissão do acto de notificação das partes para apresentação de alegações aquando, e em resultado, da notificação da sentença proferida no processo, dispunha aquelo de 10 dias contados da dita notificação, para suscitar tal nulidade, o que veio a concretizar tempestivamente.

Destarte, cometida a supra identificada nulidade (omissão de acto susceptível de influir no exame e na decisão da causa) e arguida em tempo é de anular a sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 201º, actual 195 do CPC, implicando ainda a anulação dos termos processuais subsequentes - cfr. artigo 98º, nº 3 do CPPT.

Em consequência do referido, procede o recurso interposto, nesse segmento, ficando assim prejudicado o conhecimento das restantes questões, nele colocadas.

II.2.1. Preparando a decisão, formulam-se as seguintes conclusões:

I – No processo judicial tributário, as alegações referidas no artigo 120º do CPPT destinam-se simultaneamente à discussão da matéria de facto e de direito.

II – Tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (documentos juntos pela impugnante e AT), e audição de testemunhas, podendo ser relevantes para a decisão final, impunha-se a notificação do impugnante para alegar sobre esta matéria, nos termos do artigo 120º do CPPT.

III – A falta de notificação, por omissão da secretaria, para, em tais circunstâncias, o impugnante produzir alegações constitui uma omissão susceptível de influir no exame e na decisão da causa determinante de anulação dos termos processuais subsequentes, incluindo a anulação da sentença (artigo 201º, actual 195º do CPC, e artigo 98º, nº 3 do CPPT).

III. DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes, em conferência, da Secção de Contencioso Tributário, deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
- Conceder provimento ao recurso, quanto à primeira questão suscitada;
e, em consequência,
- Anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a fim de ser a impugnante notificada do despacho que ordenou a notificação das partes para apresentarem alegações, nos termos do artigo 120º do CPPT, seguindo-se os ulteriores termos.
Sem custas.
Porto, 30 de Abril de 2015
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo