Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02561/22.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/24/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:PROCEDIMENTO CAUTELAR – CARACTERÍSTICAS;
INSTRUMENTALIDADE; PROVISORIEDADE;
SUMARIDADE;
Sumário:1 . A instrumentalidade é o principal traço característico da tutela cautelar, existindo tal tutela em função dos processos em que se discute o fundo das causas e em ordem a assegurar a utilidade das sentenças a proferir no âmbito desses processos.

2 . Exige-se que com o decretamento da providência cautelar não se crie uma situação fáctica definitiva e irreversível, pelo que, as providências cautelares deverão ser provisórias não apenas no plano normativo, mas também no plano dos factos, de forma a não causar danos irreversíveis e irreparáveis caso a sentença final conclua pela inexistência do direito alegado pelo requerente.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:
I
RELATÓRIO
1. AA, residente na Rua ..., ..., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 21 de Dezembro de 2022, que rejeitou liminarmente o requerimento inicial para adopção de Procedimento Cautelar que havia instaurado contra a ORDEM dos ADVOGADOS, no qual pedia a (A) anulação dos actos administrativo nos quais o requerente seja parte e o Dr. BB tenha tido intervenção direta ou indireta, bem como o (B) afastamento deste Relator de toda e qualquer decisão futura na qual o requerente seja parte.
O recorrente interpôs ainda recurso jurisdicional do despacho do Tribunal a quo, de 18 de Janeiro de 2023, que determinou o desentranhamento de requerimentos e documentos apresentados pela própria parte.
*
2. Em sede de alegações recursivas, o Recorrente apresentou os seguintes recursos:
2.1. Quanto à sentença, de 21/12/2022, no final das suas alegações, formulou as seguintes conclusões:
1. O presente Recurso é interposto da sentença proferida no dia 21.12.2022
2. O recorrente comunicou, no dia 23.12.2022, que o seu patrono tinha solicitado escusa pelo que o prazo de recurso foi interrompido com essa notificação. Sem prescindir do exposto, sempre se salienta que o recorrente interpôs recurso do despacho datado do dia 18.01.2023, peça processual com referência ...77
3. O tribunal a quo considerou que o recorrente pretendia o afastamento do relator em todos os procedimentos em que o recorrente fosse interessado junto da Ordem dos Advogados, dado que no seu requerimento mencionou que pretendia o “afastamento do Dr. BB, como relator, instrutor e decisor de todo o qualquer requerimento que o Autor apresente junto da Ré...
4. Concluído que havia “uma coincidência e similitude entre a providência cautelar requerida e o pedido condenatório que o ora Requerente formulará na competente acção principal, o que é de todo inadmissível” por considerar que “Se o Requerente almejar já no processo cautelar o deferimento e a adopção de tal medida, que nada tem de cautelar, mas sim de definitivo, deixará, nessa parte, a acção principal desprovida de objecto, pois que, o pedido se consuma ou se esgota já em sede cautelar, tornando despiciendo o que igualmente irá pedir no processo principal, tornando inútil, nessa parte, tal lide”
5. Com base nesses fundamentos, ausência das características da instrumentalidade e da provisoriedade, o tribunal rejeitou liminarmente a providência,
6. Contudo o tribunal a quo esqueceu-se que o nosso ordenamento jurídico admite providências cautelares antecipatórias e que se forem decretadas são a título provisório dado que estão dependentes da decisão que vier a ser proferida no processo principal. As providências antecipatórias não perdem o seu caracter provisório e instrumental face à acção principal.
7. Neste sentido refere o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-02-2013 “As providências cautelares, .........., e são antecipatórias se visam a antecipação da realização do direito que previsivelmente será reconhecido na acção principal e será objecto de execução.
2. Mesmo quando a providência cautelar constitui antecipação do direito a declarar em definitivo, não se pode falar em esvaziamento da acção pois esta providência, e a sua manutenção, está sempre dependente da declaração definitiva da existência, ou não, do direito.
3. Quando se fala em “condenar” no procedimento cautelar está-se sempre perante uma “condenação provisória” consistente numa medida antecipatória insusceptível de se confundir com a decisão definitiva pela própria natureza de ambas....”
8. No mesmo sentido refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 12.09.2019 “A providência cautelar comum não se esgota na natureza conservatória do direito; pode ter natureza antecipatória, o que acontece quando visa a antecipação da realização do direito que previsivelmente será reconhecido na ação principal e será objeto de execução.”
9. Por sua vez o Tribunal Central Administrativo do Norte no seu acórdão de 19.04.2018 dispõe que “A tutela provisória pode produzir o mesmo efeito que a tutela comum, mas não a título definitivo, como se comprova pela previsão do artigo 112º/2/b)/c)/d) do CPTA, que contempla exemplificativamente situações de antecipação funcional da decisão definitiva, cuja instrumentalidade praticamente se afere e esgota no seu carácter provisório.”
10. Face ao exposto o despacho recorrido viola o artigo 112º e 116º CPTA.
2.2. Quanto ao despacho que ordenou o desentranhamento de requerimento e documentos pela parte, apresentou as suas alegações, concluindo:
1. É o presente Recurso interposto do despacho datado de 18.01.2023 que ordenou o desentranhamento do requerimento apresentado pelo aqui recorrente nos termos da lei n.º 34/2004 de 29 de Julho.
2. Por notificação datada de 21.12.2022 foi o patrono notificado da sentença proferido no âmbito dos presentes autos.
3. Por correio electrónico datado de 23 de Dezembro de 2022, o recorrente informou o tribunal não só que o patrono tinha requerido a escusa como o recorrente tinha solicitado a sua substituição junto do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos advogados.
4. Ora o artigo 34 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho menciona que “O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos.”
5. Aditando o n.º 2 que “O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º”
6. Para efeito de interrupção do prazo, no caso prazo de recurso, o pedido de escusa tem de ser comunicado ao processo, a norma não diz que essa junção tem de ser efectuada exclusivamente pelo patrono mas apenas que a sua junção faz interromper o prazo, nada impedindo que o comprovativo seja entregue pelo beneficiário, aqui recorrente.
7. Assim sendo não há qualquer fundamento para o tribunal ordenar o desentranhamento dessa comunicação, o recorrente está a salvaguardar o seu direito constitucional de acesso à justiça, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-09-2022
8. Mas mesmo que assim não se entenda, o recorrente na mesma comunicação informou que tinha solicitado a substituição do patrono, pelo que nunca o seu requerimento devia ter sido desentranhado, dado que se aplicam as mesmas regras do pedido de escusa.
9. Ora o tribunal a quo fundamentou o desentranhamento dessa comunicação nos termos do artigo 11º do CPTA, contudo foi o facto de ser obrigatário a constituição de mandatário que levou o recorrente a informar do pedido de escusa efectuado para que o prazo de recurso fosse interrompido.
10. Face ao exposto o despacho recorrido viola do n.º 2 do artigo 34 e o artigo 32º da Lei 34/2004, artigo 11º do CPTA e artigo 20º da CRP
*
3. Notificada da interposição dos recursos, bem como do requerimento inicial, além da oposição a este, a R./Recorrida Ordem dos Advogados apresentou contra-alegações ao recurso da sentença, elencando as seguintes conclusões:
1.ª A douta decisão recorrida ao decidir pela rejeição da providência cautelar requerida fez a correcta aplicação da lei e do direito no caso dos autos, mostrando-se, aliás, devidamente fundamentada não merecendo qualquer censura e, consequentemente deverá ser mantida no ordenamento jurídico.
2.ª A decisão recorrida cita jurisprudência e doutrina aplicável ao caso sub judice, ao contrário do que sucede com a jurisprudência citada pelo recorrente que conduz, justamente, no sentido da decisão recorrida.
3.ª O presente requerimento cautelar consubstancia uma utilização desnecessária e até abusiva do acesso ao direito e à justiça, provocando um excesso de litigância nos tribunais.
4.ª O recorrente pretende a resolução definitiva do afastamento do Dr. BB, como relator, instrutor e decisor não só do presente processo, mas de todos os procedimentos em que o mesmo seja interessado junto da recorrida, o que conflitua com os requisitos da provisoriedade e da instrumentalidade que caracterizam as providências cautelares caracterizam [cfr. artigos 112.º, n.º 2, als. B), c) e d) que contempla exemplificativamente situações de antecipação funcional da decisão definitiva, cuja instrumentalidade praticamente se afere e esgota no seu caráter provisório (vide o acórdão do TCA NORTE citado pelo recorrente) e 113.º, n.º 1 do CPTA].
5.ª O recorrente tem pendentes no tribunal administrativo e fiscal do porto, diversos processos em que estão em causa, justamente, decisões proferidas pelo senhor Dr. BB, referenciando-se, a título de exemplo, os processos n.ºs 530/22.3BEPRT, 1139/22.7BEPRT, 1711/22.5BEPRT, tendo admitido neste último que teria de instaurar tanta acções quantas as intervenções do identificado relator, instrutor e decisor do conselho de deontologia do ... e sempre como acções principais de definitivas.
6.ª Tal facto relevante em termos de sistematização sempre conduziria à rejeição liminar de rejeição da providência cautelar atenta, igualmente, a evidente verificação da excepção dilatória de litispendência nos termos do artigo 89.º, n.º 1, alínea i) do CPTA, conjugado com o disposto nos artigos 580.º e 581.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPTA.
7.ª Pressupondo-se que em sede cautelar o juiz decidiria pelo deferimento da pretensão do recorrente no sentido de decidir pelo afastamento do identificado relator, instrutor e decisor de todo e qualquer requerimento que o mesmo apresente junto da ordem dos advogados, conduziria a uma situação que já não poderia ser alterada no processo principal caso o juiz chegasse a final, a conclusões que não consintam com a manutenção da mesma.
8.ª Refere Mário Aroso de Almeida, in Manual de Processo Administrativo, 2010, pág. 439: “o que a providência cautelar não pode é antecipar, a título definitivo a constituição de situações que só a decisão a proferir no processo principal pode determinar a título definitivo, em tais condições que essa situação já não possa ser alterada, se no processo principal, o juiz chegar, a final, a conclusões que não consinta a sua manutenção.”.
9.ª É manifesta a desnecessidade da tutela cautelar, o que sempre conduziria à prolação de despacho liminar de rejeição da providência cautelar nos termos do disposto no artigo 116.º, n.º 2, als. d) e) do CPTA”.
*
4. O Digno Magistrado do M.º P.º neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, não se pronunciou.
*
5. Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
*
6. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts. 1.º e 140.º, ambos do CPTA.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
As decisões recorridas, sem que, concretamente, fixem qualquer factualidade, têm os seguintes conteúdos:
1 . Decisão Liminar de 21/12/2022
“O Requerente, na sequência de despacho de aperfeiçoamento, foi notificado para indicar a acção de que o presente processo cautelar depende ou irá depender, indicando, também, o pedido ou pedidos que na mesma peticionará, nos termos do artigo 114.º, n.º 3, alínea e), do CPTA.
De igual modo, o Requerente foi ainda notificado para indicar a providência ou providências cautelares que pretende ver adoptadas, porquanto, as indicadas no final do requerimento inicial, por não se caracterizarem da provisoriedade e instrumentalidade que é típica dos meios cautelares, consubstanciavam, isso sim, pedidos finais que só deviam ser formulados na competente acção principal, atento o previsto no artigo 114.º, n.º 3, alínea f), do CPTA.
O Requerente apresentou resposta ao despacho supra aludido. Veio dizer que pretende intentar uma acção administrativa de impugnação contra acto administrativo (o pedido anulatório), bem como, formular na competente acção principal o pedido condenatório de “afastamento do relator e decisor que atuou no processo em que são proferidos os despachos impugnados, Dr. BB”.
Importa dizer que este último pedido (supra destacado a negrito) só faz sentido quando interpretado na perspectiva de que o Requerente, o que realmente pretende, é o futuro afastamento do identificado relator em todos os procedimentos em que o Impetrante seja interessado junto da Ordem dos Advogados, porquanto, nenhuma lógica haveria em se condenar no processo principal o afastamento do relator em procedimentos já tramitados no passado, em que esse relator já empreendeu a sua actividade e já proferiu as respectivas decisões, de que o ora Requerente, segundo afirma, pretende impugnar contenciosamente.
Vista a pretensão principal de afastamento do relator com o intuito atrás explicitado, atente-se, então, qual a providência cautelar clamada agora pelo Requerente (a única): “afastamento do Dr. BB, como relator, instrutor e decisor de todo o qualquer requerimento que o Autor apresente junto da Ré...”.
Como facilmente se constata, há uma coincidência e similitude entre a providência cautelar requerida e o pedido condenatório que o ora Requerente formulará na competente acção principal, o que é de todo inadmissível, conforme infra se passa a explicar.
Se o Requerente almejar já no processo cautelar o deferimento e a adopção de tal medida, que nada tem de cautelar, mas sim de definitivo, deixará, nessa parte, a acção principal desprovida de objecto, pois que, o pedido se consuma ou se esgota já em sede cautelar, tornando despiciendo o que igualmente irá pedir no processo principal, tornando inútil, nessa parte, tal lide.
Mas assim não pode ser. As providências cautelares são medidas instrumentais e provisórias que visam acautelar ou prevenir, no decurso da acção principal, o perigo ou a ameaça de ocorrerem factos consumados ou prejuízos irreparáveis para os direitos ou interesses legalmente protegidos do requerente dessas providências, de tal forma que, se se verificassem na pendência da acção principal, tornaria difícil ou impossível a reparação desses mesmos direitos ou interesses ou até mesmo a reconstituição da situação fáctica em caso de procedência das pretensões formuladas no processo principal.
Mas não podem tais medidas ser, em si mesmas, o equivalente ao pedido principal, pois que, a ser assim, perderiam as características da instrumentalidade e da provisoriedade que lhes são imanentes, chamando-se à colação o artigo 113.º, n.º 1, do CPTA, que preceitua o seguinte: “O processo cautelar depende da causa que tem por objeto a decisão sobre o mérito, podendo ser intentado como preliminar ou como incidente do processo respetivo”.
Portanto, o caso vertente, tal como configurado o pedido cautelar pelo Requerente, subverte duas características fundamentais das providências cautelares: a instrumentalidade e a provisoriedade, pois que o Impetrante, sem qualquer provisoriedade, pretende tornar em definitivo logo em sede cautelar a satisfação de uma pretensão condenatória que só pode alcançar no processo principal.
Deste modo, porque o aperfeiçoamento não dissipou o vício do requerimento inicial, também por ausência das características da instrumentalidade e da provisoriedade, o presente requerimento inicial deve ser rejeitado liminarmente, nos termos do artigo 116.º, n.º 2, alíneas d) e e), do CPTA.
Neste sentido, vide o douto acórdão do TCAN, de 17/04/2015, proferido no processo sob o n.º 01045/14, “in” www.dgsi.pt, destacando-se o seguinte excerto: “... No sentido de acautelar a utilidade destas decisões eventualmente tardias, torna-se necessário recorrer à tutela cautelar para, provisoriamente, regular a situação que se pretende ver definida, naquele que temos agora de chamar de processo principal.
Tendo as providências cautelares uma função própria de prevenção contra a demora na realização da justiça, daí decorre que são características típicas deste tipo de processos a sua instrumentalidade, provisoriedade e sumariedade.
A instrumentalidade decorre da necessidade que têm da dependência de um processo principal. A providência cautelar existe em função dos processos principais, em ordem a assegurar a utilidade das sentenças no âmbito desses processos.
A instrumentalidade, como refere Mário Aroso de Almeida, in, Manual de Processo Administrativo, 2010, pág. 437, “transparece, desde logo, do facto de o processo cautelar só poder ser desencadeado por quem tenha legitimidade para intentar processo principal e se definir por referência a esse processo principal, em ordem a assegurar a utilidade da sentença que nele virá a ser proferida (artigo 112º n.º 1). Mas é claramente afirmada no artigo 113º, n.º 1, onde se assume que “o processo cautelar depende da causa que tem por objecto a decisão sobre o mérito”.
Também, no mesmo sentido, refere José Carlos Vieira de Andrade, in, A Justiça Administrativa, 7ª edição, pág. 345: “Diferentemente do que acontece em França com os processos de référé, os nossos processos cautelares dependem intimamente de uma causa principal, que tem por objecto a decisão sobre o mérito”.
Ou seja, as providências cautelares dependem sempre de uma acção principal a quem visam dar utilidade, não tendo autonomia própria.
Ainda nesta sequência, e como dependentes que são do processo principal a situação que regulam tem de ser necessariamente provisória, pelo que constitui também uma das suas características a provisoriedade, uma vez que não está em causa a resolução definitiva de um litígio. Como refere Mário Aroso de Almeida, in, obra citada, pág. 439: “O que a providência cautelar não pode é antecipar, a título definitivo a constituição de situações que só a decisão a proferir no processo principal pode determinar a título definitivo, em tais condições que essa situação já não possa ser alterada se, no processo principal, o juiz chegar, a final, a conclusões que não consinta a sua manutenção”.
Ou seja, a provisoriedade da tutela cautelar impede que o tribunal adopte uma regulação que dê resposta à questão de fundo sobre a qual versa o litígio, questão de fundo esta a resolver no processo principal. Tem de estar em causa uma composição provisória de um litígio, cabendo à acção principal a composição definitiva do mesmo.
Como refere José Carlos Vieira de Andrade, in, obra citada, pág. 342: “a tutela cautelar constitui, por definição, uma regulação provisória de interesses, de modo que um outro aspecto marcante das providências respectivas é o carácter de provisoriedade e de temporalidade, quer da duração da decisão, quer do seu conteúdo, que se manifesta em diversos planos. Desde logo, a decisão cautelar, mesmo que seja antecipatória, sempre será, pela sua função, provisória relativamente à decisão principal, na medida em que não a pode substituir e em que caduca necessariamente com a execução desta”.
Ver na Jurisprudência e neste sentido, Acórdão do STA, Proc. n.º 019/06 de 27-04-2006, quando refere: I - As providências cautelares destinam-se a obter uma regulação provisória dos interesses envolvidos num determinado litígio, podendo traduzir-se, consoante o seu conteúdo, em antecipar, a título provisório, a constituição de uma situação jurídica nova cuja obtenção se visa alcançar, a título definitivo, no processo principal (providências antecipatórias), ou a manutenção, a título provisório, de uma situação jurídica já existente, até que a situação seja definida, a título definitivo, no processo principal (providências conservatórias).
II - Essa regulação provisória deve ser instrumental, ou seja, deve traduzir-se, nos termos do art. 112º, nº 1 do CPTA, na adopção das providências cautelares que se mostrem “adequadas a assegurar a utilidade da sentença” a proferir no processo principal, evitando o chamado “periculum in mora”, isto é, o risco de que essa sentença, quando for proferida, já não dê resposta adequada às situações envolvidas no litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja, pelo menos, porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
Ver ainda, no mesmo sentido, Acórdão deste Tribunal tirado no processo n.º 02853/12.0BEPRT, de 25­11-2013 quando refere:
I- Entre o procedimento cautelar e o meio contencioso principal existe uma relação de instrumentalidade e de dependência do primeiro relativamente ao segundo, na certeza de que os procedimentos cautelares não são meios adequados a definir direitos mas apenas a acautelar e proteger direitos o que pressupõe necessariamente um outro processo, já pendente ou a instaurar [o processo principal], no qual se reconhecerá e apreciará em termos definitivos o direito do requerente.
E ainda Acórdão, também deste Tribunal, processo n.º 02035/11.9BEBREG-B, de 08-02-2013 quando refere:
I. As providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma ação já pendente ou a instaurar posteriormente, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da pronúncia jurisdicional definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente a decisão a proferir no processo principal.
Após estas considerações, não podemos deixar de concluir que a decisão recorrida fez correcta aplicação do direito.
Através da presente providência cautelar vem solicitado que seja condenada a recorrida a marcar a data para a requerente realizar exame da disciplina de Clinica do Trabalho II, a aceitar o relatório de estágio e a marcar a data para a realização da sua defesa. Ora, a realização dos três pedidos esgotam-se neles mesmos. Ou seja, se for a recorrida condenada a marcar a data para a recorrente realizar seu exame, nada mais restará para o processo principal. A situação da recorrente fica desde logo definida definitivamente. O mesmo acontece com a condenação da recorrida a aceitar o relatório de estágio e a marcação da sua defesa. Estamos perante actividades que se esgotam nelas próprias. Dito de outro modo, o tribunal ao deferir a presente providência estava a regular de forma definitiva os pedidos da requerente, nada restando para o processo principal. Ou seja, estamos perante pedidos característicos de um processo principal, mas não de uma providência cautelar que pretende que venha a regular provisoriamente uma determinada situação.
Assim sendo, à presente providência cautelar falta-lhe a instrumentalidade e a provisoriedade para que a mesma possa vir a ser deferida. Ou seja, a satisfação da pretensão do recorrente em sede cautelar significaria esgotar o objecto da acção principal ou ir para além do que aí se poderia obter, pondo-se em causa as mencionadas características estruturais das providências cautelares.
Falta-lhe a instrumentalidade porque não depende de nenhum processo principal. Aliás, tendo em atenção o pedido, nem se consegue perceber qual seria a finalidade desse eventual processo. A recorrente, no seu requerimento inicial, não faz referência ao processo principal de que a providência iria depender, como o impõe o artigo 114º n.º 3 alínea i). Por seu lado, não consta do processo que tenha dado entrada qualquer processo principal.
Falta-lhe a provisoriedade uma vez que a satisfação do solicitado regulava de forma definitiva a situação da recorrente...”
Ante o exposto, rejeito liminarmente o requerimento inicial.
…”
2 . Despacho de 18/01/2023
“Considerando o disposto no artigo 11.º, n.º 1, do CPTA, e uma vez que os requerimentos e documentos anexos, de páginas 48 e 50 do SITAF, foram apresentados pela própria parte, devem os mesmos, de imediato, ser desentranhados dos autos e devolvidos ao apresentante.

2. MATÉRIA de DIREITO
No caso dos autos, delimitando o objecto do recurso, atentas, as conclusões das alegações supra transcritas o despacho e a sentença recorridos, objectivando o dissídio que nos cumpre apreciar decidir, podemos dizer que está em causa, por um lado, o despacho que ordenou o desentranhamento de requerimento e documentos juntos pela parte – que não o mandatário – e, por outro, a decisão judicial que, em sede liminar, rejeitou a providência cautelar, através da qual o A./Recorrente pretendia – como reiterou em resposta a notificação para o efeito – (i) a anulação dos actos administrativo nos quais o requerente seja parte e o Dr. BB tenha tido intervenção direta ou indireta, bem como (ii) o afastamento deste Relator de toda e qualquer decisão futura na qual o requerente seja parte.
Vejamos!
Quanto ao despacho que ordenou o desentranhamento de requerimento (e documentos) apresentados pelo A. directamente, que não o seu patrono, sem necessidade de grandes considerações, por despiciendas, secundando o douto Ac. da Relação de Coimbra, de 28/9/2022 Aliás, assertivamente, referido pelo A./Recorrente, in Proc. n.º 382/21.0T8SPS.B.C1, entendemos que, sem prejuízo da regra geral que emana do n.º1 do art.º 11.º do CPTA, nos termos do qual “Nos processos da competência dos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de advogado”, estando em causa o pedido de substituição do patrono nomeado que igualmente pede escusa, nada impede que possa ser também e directamente a parte a apresentar tal requerimento que determina, nos termos do disposto no art.º 34º, nº 2 da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho a interrupção do prazo processual em curso, sendo certo que tal norma não impõe que tenha de ser apenas o patrono a fazê-lo.
Deste modo, importa, em provimento do recurso, reverter a decisão do TAF do Porto e assim reintegrar, de novo, o requerimento (e documentos) desentranhados.
**
Quanto à sentença.
Nesta parte, não assiste razão ao A./recorrente.
Na verdade, as características de instrumentalidade e provisoriedade inerentes às providências cautelares, no contencioso administrativo – diversamente do que pode verificar-se na contencioso cível “tout court”, pela suas diferentes características intrínsecas – são elemento essencial deste instituto urgente – art.º 112.º n.º1 do CPTA.
Em virtude de uma função de prevenção contra a demora, as providências cautelares caracterizam-se pela instrumentalidade em relação à acção principal, que tem como objecto a decisão sobre o mérito. Desta forma, a decisão cautelar não deve antecipar a decisão principal, para não se correr o risco de esvaziar o conteúdo da decisão definitiva.
Mostra-se evidente que o processo cautelar, como tal, como preliminar (em regra Dizemos, em regra, pois que também pode ser apresentado conjuntamente ou na pendência do processo principal – cfr. art.º 113.º, n.º1 do CPTA, segundo o qual “O processo cautelar depende da causa que tem por objeto a decisão sobre o mérito, podendo ser intentado como preliminar ou como incidente do processo respetivo”., pois que também pode ser apresentado conjuntamente ou na pendência do processo principal) de um processo principal não pode, na sua definição, esgotar este, pois que aquele pretende apenas e só efectivar uma regulação provisória.
Enquanto o processo cautelar se destina apenas a acautelar direitos, o principal tem a função de o definir a título definitivo
Esta característica de provisoriedade não deixa de também estar presente nas providências antecipatórias, sempre pela sua função provisória, não a podendo, de todo, substituir.
Nunca a tutela provisória, inerente às providências cautelares, poderá produzir o mesmo efeito da tutela definitiva, característica da acção/processo principal.
Efectivamente, a propósito da característica da instrumentalidade entre a medida cautelar e o processo principal, existem dois limites que não deverão ser ultrapassados: por um lado, não pode ser atribuído através da medida cautelar mais do que é permitido através da tutela principal e, por outro, não pode a medida cautelar esvaziar o conteúdo da acção principal.
No caso concreto dos autos – tendo a decisão judicial recorrida afastado, definitivamente, a providência requerida sob a al. A) do pedido Sendo o pedido sob a al. A) a anulação dos actos administrativo nos quais o requerente seja parte e o Dr. BB tenha tido intervenção direta ou indireta e sob a al. B) o afastamento deste Relator de toda e qualquer decisão futura na qual o requerente seja parte.
, na medida em que o A./Recorrente não a sindica jurisdicionalmente – temos que – quanto à al B) do pedido, caso fosse decretada a providência, entendida como antecipatória, ou seja, proibir que o Sr. Dr. BB pudesse, doravante, ser nomeado instrutor/relator de qualquer processo que o A. instaure na Ordem dos Advogados, tal importaria que essa decisão esgotasse, de todo, o conteúdo do direito/dever.
Na verdade, a partir desta decisão cautelar e enquanto perdurasse não mais o Sr. Dr. BB poderia ser nomeado instrutor/relator, sendo assim completamente inconsequente qualquer decisão a tomar no processo principal, quer fosse procedente, quer fosse improcedente (neste caso, o caso consumado verificado seria impossível de alterar).
Ou seja, a tutela cautelar transformaria a sentença final do processo principal inútil, o que poderia apenas ser compaginável com a necessidade de se obter, com carácter de urgência, uma decisão sobre o mérito da questão colocada no processo principal. Tal decisão já não pertenceria, porém, ao domínio da tutela cautelar mas ao domínio da tutela final urgente.
Como se refere no Ac. deste TCA-Norte, de 25/02/2011, no âmbito do Proc. nº 00674/10.4BECBR, “… as providências cautelares apresentam como características essenciais: a) a instrumentalidade, que é a dependência na estrutura de uma e na função de uma acção principal; b) a provisoriedade, pois que não está em causa a resolução definitiva de um litígio; e c) a sumaridade, que se manifesta numa cognição sumária da situação de facto e de direito, própria de um processo urgente (cfr. Vieira de Andrade, Justiça Administrativa; Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, Fevereiro 2003, página 266).
Os processos cautelares caracterizam-se pela sua provisoriedade e instrumentalidade - características que se revelam no facto dos mesmos não se destinarem a ditar em definitivo o direito mas, apenas e tão só, a possibilitar que o direito que irá ser estabelecido no processo principal possa ter utilidade.

A instrumentalidade é o principal traço característico da tutela cautelar, existindo tal tutela em função dos processos em que se discute o fundo das causas e em ordem a assegurar a utilidade das sentenças a proferir no âmbito desses processos.
Sintomática é a possibilidade da tutela cautelar se tornar definitiva quando o tribunal convole o processo cautelar em processo principal – art.º 121.º do CPTA Similar à decretação da inversão do contencioso, nos processo cíveis – art.º 369.º do Cód. Proc. Civil.
Assim, exige-se que com o decretamento da providência cautelar não se crie uma situação fáctica definitiva e irreversível, pelo que, as providências cautelares deverão ser provisórias não apenas no plano normativo, mas também no plano dos factos, de forma a não causar danos irreversíveis e irreparáveis caso a sentença final conclua pela inexistência do direito alegado pelo requerente.
*
Deste modo, quanto à sentença, não assistindo razão ao A./recorrente, importa manter a decisão judicial do TAF do Porto.
***
Atentas as duas decisões supra, despacho de 18/1/2023 e sentença de rejeição liminar de 21/12/2022, aquele procedente esta improcedente, as custas devidas serão repartidas pelas partes, atento o respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao A./Recorrente.
III
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em:
- conceder provimento ao recurso do despacho de 18/1/2023 e assim, consequentemente, devem ser juntos aos autos o requerimento e documentos desentranhados:
- negar provimento ao recurso, quanto à sentença de rejeição liminar do requerimento cautelar e assim, nesta parte, manter esta decisão.
*
Custas pelas partes, atento o respectivo decaimento (1/2 para cada), sem prejuízo, porém, do apoio judiciário concedido ao A./Recorrente.
*
Notifique-se.
DN.

Porto, 24 de Março de 2023


Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho