Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00516/06.5BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/15/2011
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE IMPUGNAÇÃO DOS FACTOS
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
AVALIAÇÃO
VALOR DE MERCADO
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:1- Nos termos do artigo 118.º, n.º 4 do CPPT não há adiamento da diligência por falta das testemunhas.
2- Só nos casos em que o Ministério Público suscite no parecer questão obstativa do conhecimento do pedido (artigo 121.º, n. 2 do CPPT) ou quando nele arguir novos vícios ou questões (artigo 3.º, n.º 3 do CPC), se impõe a notificação do parecer às partes para o exercício do contraditório.
3- Não há omissão de pronúncia se o juiz se pronuncia sobre a questão, ainda que não fundamente.
4- O juiz não tem o dever de se pronunciar sobre todos os factos alegados pelas partes, devendo antes seleccionar apenas os que interessam para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida – artigos 508.º-A, n.º 1, alínea e 511º.º e 659.º do CPC.
5- Da conjugação do disposto nos artigos 110.º, n.º 7 do CPPT e 490.º, n.º 2 do CPC resulta que a falta de impugnação especificada dos factos alegados na petição inicial por parte da Fazenda Pública será destituída de qualquer relevância, não valendo sequer como prova livre, nas situações em que os factos não impugnados especificadamente estão em oposição com a defesa considerada no seu conjunto.
6- No âmbito do CIMI, na determinação do valor patrimonial tributário não releva o valor de mercado e as condições do negócio.
7- A desconsideração do valor de mercado e das condições do negócio na determinação do valor patrimonial tributário não determina a inconstitucionalidade das normas do CIMI com base nas quais foi efectuada a avaliação.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:A...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
A… e mulher C…, contribuintes n.ºs … … … e … … …, respectivamente, residentes na Travessa …, não se conformando com sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação judicial da segunda avaliação do prédio situado na freguesia e concelho de Santo Tirso e aí inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 2779A, interpuseram o presente recurso concluindo da seguinte forma as suas alegações (que se transcrevem):
«1.ª Entre a prolação do despacho de fls. 51 e a douta sentença proferida, o Ilustre Magistrado do Ministério Público ter-se-á pronunciado pela improcedência do pedido, sem que tal parecer tenha sido notificado aos RECORRENTES para, assim, exercerem o direito ao contraditório.
Por essa razão, todos os actos praticados a partir do momento em que esse parecer foi junto aos autos são nulos, nos termos do art.º 3.º, 3 do CPC, tanto mais assim sendo quanto é certo que o seu teor foi considerado na sentença recorrida.
2.ª A sentença também é nula porque não se pronunciou sobre os factos alegados nos art.ºs 11 e 31 a 48 da petição, nem sobre a inconstitucionalidade dos art.ºs 38.º e segts. do CIMI, com base nos quais foi praticado o acto tributário impugnado, invocada nos art.ºs 20 a 26 da petição.
3.ª Foi assim violado o disposto no art.º 668.º, 1, d) do CPC e os art.ºs 20.º, 1 e 202.º, 2 da Constituição.
4.ª Os factos dos art.ºs 11 e 31 a 48 da petição não foram impugnados especialmente pela FP, mas não constam do elenco dos factos julgados provados, nem foram elencados como factos julgados não provados.
Esses factos deveriam ter sido julgados provados, porque foram especificadamente impugnados, e a impugnação devia proceder, com base na inconstitucionalidade dos art.ºs 38.º e segs. do CIMI, porque estes violam o disposto nos art.ºs 1.º, 2.º, 13.º, 18.º, 2, 81.º, e), 104.º, 2 e 266.º, 2 da Constituição, na medida em que não levam em conta as condições do mercado concreto em que as transmissões imobiliárias operam.
4.ª [Certamente por lapso de escrita os recorrentes repetiram o número] No caso de se entender que tais factos não podiam ser admitidos por acordo, e mesmo que o Tribunal entendesse que a prova desses factos não alterava as coisas, então deveria ser promovido a produção de prova desses factos, não só para curar da sua verdade ou inverdade, como para conhecer da inconstitucionalidade do art.º 38.º e segts do CIMI, porque a inconstitucionalidade de uma dada norma não pode ser bem aferida sem o seu confronto com a realidade concreta.
5.ª [Certamente por lapso de escrita os recorrentes repetiram o número] Como a douta sentença recorrida violou as normas invocadas nestas conclusões, deverá por isso ser revogada.».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Neste Tribunal, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
A fls. 124 dos autos os recorrentes apresentaram recurso do despacho de fls. 102 pelo qual a Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, perante a falta de comparência das testemunhas arroladas pelos impugnantes, não adiou a diligência e ordenou a notificação das partes para alegarem.
Finalizaram as alegações desse recurso com as seguintes conclusões:
«1ª O facto de o Meritíssimo Juiz ter entendido que não deveria aguardar mais tempo a inquirição das testemunhas arroladas pelos Impugnantes, coarcta o seu direito de acesso ao direito, violando assim o artigo 20.º n.º 1 da Constituição.
2.ª A norma do n.º 4 do artigo 118.º do CPPT, em que se funda a decisão proferida, é diametralmente oposta ao disposto nos artigos 629.º e 651.º, n.º 4 do CPC, e ainda no artigo 265.º, n.ºs 1 e 3 do mesmo código, em que estas convergem no sentido da salvaguarda da verdade material.
3.ª O disposto no n.º 4 do artigo 118.º do CPPT ofende directamente o princípio da unidade da ordem jurídica, decorrente do princípio constitucional e da ideia de ordem, aflorado no artigo 9.º, n.º 1 do C.C., bem como o artigo 18.º, n.º 2 da Constituição, porque é manifestamente desproporcionada essa medida.
4.ª Aquela norma ancora-se no pragmatismo da celeridade processual, em detrimento dos princípios da verdade material e da justiça material, violando o disposto no n.º 2 do artigo 202.º da Constituição, não podendo por isso merecer acolhimento por parte do titular do direito soberano de administrar a justiça (n.º 1 do referido artigo 202.º).
O despacho recorrido deve assim ser revogado, com o que se fará JUSTIÇA!».
Relativamente a este recurso não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.
2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. Decisão sobre a matéria de facto proferida na 1ª instância
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel deu como provada a seguinte matéria de facto:
«a) Por escritura pública de compra e venda realizada em 4/6/2004, os impugnantes venderam ao Banco Comercial Português, S.A., a fracção autónoma designada pela letra “A”, na cave do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no Gaveto …, com os números de policia para a Rua … e para a Rua …, freguesia e concelho de Santo Tirso, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o n.º … e inscrita na matriz respectiva sob o artigo … A, pelo preço de 28.650,00 (cf. Doc. de fls. 11 a 16 dos autos). - -
b) Na sequência de um pedido de segunda avaliação ao prédio em causa foi determinado a título de valor patrimonial tributário o montante de 151.090,00€, comunicado aos impugnantes em 13/06/2006 (cf. docs. de fls. 19 a 26 do processo administrativo apenso aos autos, doravante apenas PA). - -
c) Não concordando com os resultados da avaliação os impugnantes apresentaram em 13/07/2006 a presente impugnação (cf. doc. de fls. 2 dos autos). - -».
2.2. De direito
2.2.1. Do recurso da decisão interlocutória proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel a fls. 102 dos autos.
Os recorrentes interpuseram recurso da decisão proferida a fls. 102 pela Meritíssima Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em acta de inquirição das testemunhas de 26 de Junho de 2007, com o teor que se transcreve:
«Nos termos do artigo 119, nº 4, do CPPT a falta de testemunhas não obsta a realização da diligência, nem é motivo de adiamento da mesma.
Visto que as testemunhas não compareceram ao julgamento nem justificam a ausência, apesar de terem sido devidamente notificadas, vão condenadas na multa que se fixa em uma UC, sob condição de justificarem a falta no prazo de cinco dias.
Face à ausência das testemunhas indicadas, ficam desde já as partes notificadas para apresentarem, querendo, as suas alegações no prazo de trinta dias.
Notifique».
Na data designada para a inquirição das testemunhas, aberta audiência, das pessoas notificadas para o acto, estavam presentes o ilustre mandatário dos oponentes e a representante da Fazenda Pública.
Na ausência das testemunhas e de qualquer justificação para essa ausência, a Meritíssima Juiz, considerou que não havia fundamento para o adiamento da diligência nos termos do artigo 118.º, n.º 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (a indicação na acta do artigo 119º do CPPT deve-se a erro de escrita, como bem foi entendido pelos recorrentes nas alegações do recurso), e determinou a notificação das partes para alegaram.
Os recorrentes não se conformam com o assim decidido por dois motivos: primeiro, porque entendem que a Meritíssima Juiz deveria ter esperado mais tempo pelas testemunhas, antes de encerrar a diligência; segundo, porque entendem que «A norma do n.º 4 do artigo 118.º do CPPT, em que se funda a decisão proferida, é diametralmente oposta ao disposto nos artigos 629.º e 651.º, n.º 4 do CPC, e ainda no artigo 265.º, n.ºs 1 e 3 do mesmo código, em que estas convergem no sentido da salvaguarda da verdade material».
Quanto ao primeiro motivo de discordância.
Entendem os recorrentes que a Meritíssima Juiz deveria ter esperado mais tempo pelas testemunhas e, porque o não, fez coarctou o direito de acesso ao direito, violando o artigo 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Salvo o devido respeito, não se vislumbra como é que tendo a Meritíssima Juiz esperado vinte e cinco minutos para além da hora marcada para a diligência, sem que tivesse sido adiantada qualquer justificação para a falta de comparência das testemunhas, coarcta o direito do acesso ao direito. Será de perguntar quanto tempo mais, na óptica dos recorrentes, deveria a Meritíssima Juiz esperar naquelas circunstâncias. Independentemente das considerações que se poderiam tecer sobre a matéria, entende-se que a decisão enquadra-se no poder de direcção do processo do juiz – artigo 265.º do Código de Processo Civil (CPC) – insindicável nos termos dos artigos 156.º, n.º 4, 1ª parte e 679.º ambos do CPC.
Quanto ao segundo motivo de discordância.
Dispõe o artigo 118.º do CPPT, cujo n.º 4 foi a base legal para o não adiamento da diligência de inquirição das testemunhas pelo tribunal a quo, nos seguintes termos:
Artigo 118.º
Testemunhas
1 - O número de testemunhas a inquirir não poderá exceder 3 por cada facto nem o total de 10 por cada acto tributário impugnado.
2 - Os depoimentos são sempre prestados em audiência contraditória, devendo ser gravados, sempre que existam meios técnicos para o efeito, cabendo ao juiz a respectiva redução a escrito, que deve constar em acta, quando não seja possível proceder àquela gravação.
3 - Na marcação da diligência, o juiz deve observar o disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil.
4 - A falta de testemunha, de representante da Fazenda Pública ou de advogado não é motivo de adiamento da diligência.
5 - O impugnante e o representante da Fazenda Pública podem interrogar directamente as testemunhas.
Nos termos do n.º 4 do artigo 118.º do CPPT a falta da testemunha não é motivo de adiamento.
E não releva para o caso da falta de testemunhas, ao contrário do que acontece com a falta dos mandatários, saber se foi ou não cumprido o disposto no artigo 155.º do CPC, face ao que dispõe o n.º 3 (cfr. o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 28-05-2008, recurso n.º 952/07, e da Secção do Contencioso Tributário de 21-09-2011, recurso n.º 404/11), uma vez que aquele artigo 155.º tem como finalidade prevenir o risco de sobreposição de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais.
Defendem os recorrentes que «A norma do n.º 4 do artigo 118.º do CPPT, em que se funda a decisão proferida, é diametralmente oposta ao disposto nos artigos 629.º e 651.º do CPC, e ainda no artigo 265.º, n.ºs 1 e 3 do mesmo código, em que estas convergem no sentido da salvaguarda da verdade material» e que «ofende directamente o principio da unidade da ordem jurídica, decorrente do princípio constitucional e da ideia de ordem, aflorado no artigo 9.º, n.º 1 do C.C., bem como o artigo 18.º, n.º 2 da Constituição, porque é manifestamente desproporcionada» e finalmente que «Aquela norma ancora-se no pragmatismo da celeridade processual, em detrimento dos princípios da verdade material e da justiça material, violando o disposto no n.º 2 do artigo 202.º da Constituição, não podendo por isso merecer acolhimento por parte do titular do direito soberano de administrar a justiça (n.º 1 do referido artigo 202.º)».
Subjacentes à norma do n.º 4 do artigo 118.º do CPPT, estão, como referem os recorrentes, razões de celeridade que o legislador entendeu adequadas. Mas esta celeridade processual pretendida pelo legislador não tem, ao contrário do que entendem os recorrentes, como consequência necessária, o atropelo da verdade material. É que um dos princípios estruturantes do processo judicial tributário é o princípio do inquisitório – artigos 99.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 13.º do CPPT -, que impõe ao juiz o dever de realizar as diligências necessárias para a descoberta da verdade. E assim as testemunhas poderão ser inquiridas em data posterior, caso o juiz entenda que o seu depoimento é útil ao apuramento da verdade - neste sentido Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª edição, Áreas Editora, Vol. II, p. 288.
Deste modo não se vislumbra a violação dos princípios invocados pelos recorrentes, nem que, no caso em apreço, a solução legal seja desproporcionada.
Improcede, deste modo, o recurso.
2.2.2. Do recurso da sentença
2.2.2.1. Da invocada nulidade processual decorrente da falta de notificação ao recorrente do teor do parecer do Ministério Público
Defendem os recorrentes a existência de uma nulidade processual por não lhes ter sido notificado o parecer emitido pelo Ministério Público previamente à sentença, notificação que visa a possibilitar o exercício do contraditório em obediência ao disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC.
Esta questão foi recentemente conhecida por este Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão de 06-11-2011, proferido no processo n.º 518.06.1BEPNF, em que é impugnante/recorrente, o aqui impugnante/recorrente marido, pelo que, nos termos do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil (CC) se adere à fundamentação nele exarada e dela nos apropriamos transcrevendo-a:
«Nos termos que resultam do disposto no artigo 121º, nº 2 do CPPT, apenas nas situações em que o Ministério Público suscite questão obstativa do conhecimento do pedido é que se impõe a audição do impugnante e do representante da Fazenda Pública.
Por outro lado, nos termos gerais decorrentes do artigo 3º, nº 3 do CPC, também se imporá o exercício do contraditório relativamente ao parecer do Ministério Público se este arguir novos vícios ou suscitar questões sobre as quais ainda não tiveram oportunidade de se pronunciar.
No caso em apreço, analisado o teor do parecer proferido pelo Ministério Público a fls. 95 a 97, não se vê que aí tenham sido suscitadas questões obstativas do conhecimento do mérito ou que não tenham sido objecto de pronúncia anterior das partes. Como assim, não resta senão concluir pela improcedência da invocada nulidade.».
Improcede, pois este fundamento.
2.2.2.2. Da alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Alegaram ainda os recorrentes que a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia na medida em que não se pronunciou sobre os factos alegados nos artigos 11 e 31 a 48 da petição inicial nem sobre a inconstitucionalidade dos artigos 38º e seguintes do CIMI.
Adiantamos desde já que não existe nulidade por omissão de pronúncia no que tange à inconstitucionalidade invocada.
Na verdade, pode ler-se na sentença recorrida: «Não se vislumbra na avaliação em causa a alegada violação dos princípios constitucionais que os impugnantes invocam».
Só há omissão de pronúncia quando o juiz deixe de se pronunciar sobre a questão sobre a qual se deva pronunciar. Se o juiz se pronuncia, ainda que em termos lacónicos ou nada esclarecedores, sem convencer, e até erradamente há pronúncia.
A falta de pronúncia distingue-se da falta de fundamentação. No primeiro caso o juiz não emite qualquer pronúncia. No segundo, o juiz pronuncia-se sobre a questão e não a fundamenta. Esta segunda hipótese não constitui nulidade por omissão de pronúncia, mas antes nulidade por falta de fundamentação.
Também não padece a sentença de nulidade por omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre todos os factos alegados pelos impugnantes na petição.
Na verdade, a lei só fala em omissão de pronúncia como causa de nulidade da sentença no que toca a questões, e não a factos.
É que relativamente aos factos alegados não há o dever de o juiz se pronunciar relativamente a cada um deles, devendo antes seleccionar apenas os que interessam para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida – artigos 508.º-A, n.º 1, alínea e), 511.º e 659.º do CPC - e referir se os considera provados ou não provados.
2.2.2.3. Do erro no julgamento sobre a matéria de facto
Na conclusão 4ª das suas alegações de recurso, os recorrentes imputam à sentença um erro de julgamento da matéria de facto por entenderem que os factos constantes dos artigos 11º e 31º a 48º da petição inicial deveriam constar dos factos provados uma vez que não foram impugnados especificamente pela Fazenda Pública.
Defendem, por outro lado, que se o Tribunal entendia que tais factos não podiam ser admitidos por acordo deveria ter determinado que sobre os mesmos fosse produzida prova.
Esta questão foi também tratada no supra citado Acórdão deste Tribunal de 06-11-2011, proferido no processo n.º 518.06.1BEPNF, supra referido, aderindo-se, nos termos do artigo 8.º, n.º 3 do CC à solução e fundamentação nele exarada, que se passa a transcrever:
«Em processo civil, se o réu, que tenha sido regularmente citado na sua própria pessoa ou que, não o tendo sido, tenha juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, não contestar, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. É o que resulta da norma do artigo 484º, nº 1 do CPC (no artigo seguinte – 485º - prevêem-se excepções a essa regra das quais, no entanto, não cumpre agora cuidar).
Não é assim, porém, em processo tributário. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 110º, nº 6 do CPPT, “a falta de contestação não representa a falta de confissão dos factos articulados pelo impugnante”.
Por outro lado, no processo civil existe o chamado ónus de impugnação especificada, o qual implica que, na contestação, o réu tenha que tomar posição definida perante os factos articulados pelo autor como fundamento da sua pretensão, sendo que se consideram admitidos os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito – cf. artigo 490º, nºs 1 e 2 do CPC.
Também neste ponto diverge a solução vigente em processo tributário, porquanto do estabelecido no artigo 110º, nº 7 do CPPT não resulta qualquer cominação derivada da falta de impugnação especificada dos factos alegados pelo impugnante limitando-se a lei a determinar que “o juiz aprecia livremente a falta de contestação especificada dos factos”.
Não obstante o reconhecimento de que a lei processual tributária não prevê, em processo de impugnação judicial, a existência de um ónus de contestação especificada dos factos alegados pelo Impugnante na petição inicial, a solução consagrada no artigo 110º, nº 7 do CPPT impede, por outro lado, que se considere inócua, do ponto de vista da sua relevância probatória, a eventual omissão da Fazenda Pública, uma vez que essa omissão está, nos termos que literalmente resultam do referido preceito, sujeita à livre apreciação do tribunal.
Contudo, importa interpretar esta norma do artigo 110º, nº 7 do CPPT em conjugação com o disposto no artigo 490º, nº 2 do CPC, de modo a assegurar a unidade do sistema.
Queremos com isto dizer que a falta de impugnação especificada dos factos alegados na petição inicial por parte da Fazenda Pública será destituída de qualquer relevância, não valendo sequer como prova livre, nas situações em que os factos não impugnados especificadamente estão em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, pois que é isso mesmo o que decorre da norma do artigo 490º, nº 2 do CPC que aqui valerá até por maioria de razão.
Na situação em apreço, não podiam os factos alegados pelo Impugnante nos artigos 11º e 31º a 45º [no caso 31º a 48º] da petição inicial ser dados como provados apenas com base na falta da sua impugnação especificada por parte da Fazenda Pública, desde logo porque se encontram em oposição com a contestação considerada que seja no seu conjunto.
Quanto ao erro de julgamento decorrente da falta de produção de prova sobre os aludidos factos, estamos com o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel na conclusão de que a matéria alegada sob aqueles artigos da petição inicial que não é conclusiva é irrelevante para a decisão da causa, como teremos oportunidade de ver de seguida quando apreciarmos a questão atinente ao invocado erro no julgamento de direito que também é imputado à sentença recorrida.».
Improcede este fundamento de recurso.
2.2.2.4. Do erro de julgamento sobre a matéria de direito
2.2.2.4.1. O tribunal a quo conclui não se verificarem as ilegalidades apontadas pelos impugnantes, por a avaliação ter sido efectuada de acordo com as normas legais aplicáveis, designadamente de acordo com o disposto nos artigos 37.º e 38.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).
E não merece censura o julgado. Na verdade, como é salientado na sentença recorrida, os critérios utilizados na avaliação estão pré-determinados, são claros e transparentes e objectivos, em obediência do que se definia no preâmbulo do CIMI, fixando o legislador uma fórmula que abarca uma série de factores estritamente objectivos.
E as razões que os impugnantes invocam – as condições concretas do mercado e a envolvência do negócio - não têm assento naqueles critérios legais.
E sendo este o único fundamento invocado pelos impugnantes para porem em causa a legalidade da avaliação, é manifesto que a impugnação não podia proceder e que o depoimento das testemunhas arroladas não se mostrava útil à decisão da causa.
2.2.2.4.2. Quanto às invocadas inconstitucionalidades das normas dos artigos 38º e seguintes do CIMI com base nas quais foi efectuada a avaliação e a fixação do valor patrimonial aqui impugnada, também não assiste razão aos recorrentes.
Também quanto a esta questão seguimos o decidido no Acórdão já supra referido deste Tribunal datado de 06-11-2011:
«Como se disse no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 26 de Maio de 2011, processo 831/08.3BEBRG, ainda inédito e que passamos a transcrever, “A tese das Recorrentes, no sentido da inconstitucionalidade daquelas normas, assenta no pressuposto de que o valor patrimonial tributário deve coincidir com o valor de mercado do prédio, sendo que fazem corresponder este ao preço de compra e venda declarado na escritura.
Adiantamos desde já que tal tese não procede, sendo que subscrevemos integralmente as posições da doutrina no sentido da constitucionalidade do método legal de determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos (() Com interesse para a questão da constitucionalidade da determinação do valor patrimonial tributário à luz do CIMI, vide:
- CASALTA NABAIS, As bases constitucionais da reforma da tributação do património, Fisco n.º 111/112, Janeiro de 2004, ano XV, págs. 3 a 22;
- MENEZES LEITÃO, A conformidade com a Constituição da nova fórmula de determinação do valor patrimonial dos prédios urbanos, Fisco n.º 113/114, Abril de 2004, ano XV, págs. 3 a 23;
- NUNO SÁ GOMES, Tributação do Património, Almedina, págs. 103 a 116.).
Desde logo, salvo o devido respeito, nada assegura que o preço declarado numa escritura de compra e venda de um imóvel corresponda ao valor de mercado, sabido que é que aquele resulta de um acordo entre comprador e vendedor que, pelas mais diversas razões (entre as quais avulta o propósito de se eximirem ao pagamento dos impostos pelo montante devido), nem sempre equivale ao valor resultante do jogo das regras do mercado.
Depois, cumpre ter presente que o propósito do legislador não foi o de fazer equivaler o valor patrimonial tributário ao valor de mercado do imóvel, embora admitamos que se visou fazer aproximar tanto quanto possível aquele valor do valor real do imóvel, o qual «não pode ser nem o valor declarado nos contratos nem o praticado no mercado» (() CASALTA NABAIS, ob. e loc. cit., pág. 20.). Para tanto, o legislador, visando pôr termo à intolerável situação que vigorava no âmbito da tributação do património, para o cálculo do valor patrimonial tributário adoptou uma fórmula que abarca uma série de factores estritamente objectivos que são aqueles «em que os agentes económicos num sistema de mercado por via de regra apoiam a formação dos preços dos imóveis» (() Ibidem.).
A adopção da referida fórmula na determinação do valor patrimonial tributário não põe em causa o princípio consagrado no art. 104.º, n.º 2, da CRP, na medida em que este «ao determinar que a tributação das empresas incidirá fundamentalmente sobre o rendimento real admite a título excepcional alguma consideração do rendimento normal, sendo justificada por indicadores objectivos específicos ou por razões de praticabilidade» e «[é] precisamente o que se passa com a fixação do valor patrimonial tributário no âmbito dos impostos sobre o património, a qual se apresenta como um factor objectivo, que deve ser também levado em conta para efeitos da determinação do rendimento gerado pela alienação» (() Cf. MENEZES LEITÃO, ob. e loc. cit., conclusões seis e sete, pág. 22.).
Por outro lado, mesmo antes da entrada em vigor da nova redacção dada ao n.º 4 do art. 76.º do CIMI pelo art. 93.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009), não pode sustentar-se que as sociedades vendedora e compradora ficassem, para efeitos de tributação sobre os rendimentos – que é o que lhes interessa –, sujeitas ao valor resultante da fixação do valor patrimonial tributário quando este seja inferior ao estipulado no contrato (realmente praticado), nos termos do disposto no art. 58.º-A do Código do IRC (CIRC) em vigor à data (hoje corresponde-lhe o art. 64.º) (() Nos seus n.ºs 1 e 2, dizia o art. 58.º-A do CIRC, aditado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro e que vigorou até à entrada em vigor da nova versão do CIRC, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho:
«1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável».), o que poderia suscitar problemas de constitucionalidade, caso se considerasse estarmos perante uma presunção inilidível, o que contrariaria o princípio geral previsto no art. 73.º da Lei Geral Tributária (() Dispõe o art. 73.º da Lei Geral Tributária (LGT): «As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário».). É que sempre tinham ao seu dispor a possibilidade de lançar mão do mecanismo de ilisão da presunção previsto no art. 129.º do CIRC (() Dizia o art. 129.º (hoje 139.º), n.º 1, do CIRC:
«O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis».) (hoje corresponde-lhe o art. 139.º) (() Igual possibilidade estava prevista no art. 31.º-A do CIRS:
«1 - Em caso de transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sempre que o valor constante do contrato seja inferior ao valor definitivo que servir de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, ou que serviria no caso de não haver lugar a essa liquidação, é este o valor a considerar para efeitos da determinação do rendimento tributável.
2 - Para execução do disposto no número anterior, se à data em que for conhecido o valor definitivo tiver decorrido o prazo para a entrega da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 57.º, deve o sujeito passivo proceder à entrega da declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte.
3 - O disposto no n.º 1 não prejudica a consideração de valor superior ao aí referido quando a Direcção-Geral dos Impostos demonstre que esse é o valor efectivo da transacção.
4 - Para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 3.º, nos n.ºs 2 e 6 do artigo 28.º e nos n.ºs 2 e 6 do artigo 31.º, deve considerar-se o valor referido no n.º 1, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
5 - O disposto nos n.ºs 1 e 4 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto.
6 - A prova referida no número anterior deve ser efectuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 129.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações».).

Esta possibilidade, permite-lhes demonstrar que o preço efectivamente praticado foi inferior ao resultante do valor patrimonial tributário e, assim, afastar a presunção resultante do referido art. 58.º-A do CIRC em vigor à data, pondo a solução legal a coberto da eventual inconstitucionalidade por violação do princípio da capacidade contributiva.
Ou seja, para os efeitos que lhes interessam – tributação em sede de imposto sobre o rendimento – sempre tinham a possibilidade de demonstrar que o preço constante do contrato corresponde ao realmente praticado.
Poderá afirmar-se que, se assim é no que respeita aos impostos sobre o rendimento, a adquirente tinha também interesse em demonstrar para efeitos do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) que o preço real por que foi efectuada a transacção é o que foi declarado na escritura de compra e venda e inferior ao resultante da avaliação, sabido que é este último, se superior àquele, que será atendido na liquidação deste imposto, nos termos do disposto no art. 12.º, n.º 1, do respectivo código (() Diz o art. 12.º, n.º 1, do CIMT:
«O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior».)
No entanto, haverá aqui que ponderar que em sede de IMT não se impõem os condicionalismos constitucionais a que o art. 104.º da CRP (() Diz o art. 104.º da CRP:
«1 - O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.
2 - A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.
3 - A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.
4 - A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo».) sujeita os impostos sobre o rendimento, sendo perfeitamente admissível que o legislador fixe regras de determinação da matéria tributável em que se privilegie outro modo de avaliar a capacidade contributiva que não o do valor efectivo da transmissão.
Do que vimos de transcrever se conclui que não estarem verificadas as invocadas inconstitucionalidades.».
3. Decisão
Assim, em conformidade com o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento aos recursos interpostos pelos recorrentes.
Custas pelos recorrentes.
Porto, 15 de Dezembro de 2011
Ass. Paula Ribeiro
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Álvaro Dantas