Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00182/02-Porto
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/28/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS
IRC
PRESSUPOSTOS DOS MÉTODOS INDIRETOS
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
FUNDAMENTAÇÃO DO ATO TRIBUTÁRIO
APROVEITAMENTO DOS ATOS
Sumário:I. Face às regras do ónus da prova (art.º 324.º do Código Civil e n.º 3 do art.º 74.º da LGT) compete à administração tributária, quando pretenda recorrer aos métodos indiretos, demonstrar a verificação dos pressupostos legais da avaliação indireta, mostrando, de forma clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
II. Após que recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
III. O princípio do aproveitamento do ato tem aplicação quando seja legítimo concluir que, embora se admita que o ato padece de algum vício, outra decisão não poderia tomar a administração*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, Fazenda Pública, não se conformou com a sentença emitida em 17.01.2011. pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial intentada por M…, visando a liquidação de IRS e juros compensatórios, relativa ao ano de 1998, 1999 e 2000 no valor total de € 51 .719,43
A Recorrente interpôs o presente recurso, formulando nas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IRS, relativas aos anos de 1998 a 2000, no valor de € 51 719,43, por haver concluído, «...que a Administração não indica motivos válidos para utilização dos métodos indirectos nem fundamenta a razão porque se mostrava impossível a determinação da matéria colectável por verificação directa e exacta pelos elementos da contabilidade»;
B. Com a ressalva do devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera que existe défice de valoração probatória relativamente à prova produzida nos autos;
C. Tendo a douta sentença, declarado provados e com relevância para a decisão da causa, os factos resultantes do teor dos documentos juntos aos autos e dos ínsitos no processo administrativo, impunha-se a valoração e consequente reconhecimento da fundamentação que resulta de todo o seu conteúdo, conteúdo esse, que o impugnante manifestou haver compreendido ao longo de todo o procedimento, quer administrativo, quer judicial.
D. Designadamente, do teor do relatório da inspecção tributária, onde se demonstra inequivocamente a impossibilidade da quantificação directa da matéria tributável, identificando os motivos nomeadamente na incongruência dos elementos declarados e os apurados pela Administração Fiscal, facto que justifica, só por si, a aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria tributável, pelo que se verificam os pressupostos referidos na alínea b) do art.° 87° e 88° da Lei Geral Tributária;
E. Ora, verificou-se a inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade, que, conjugada com a margem de lucro bruto apurada por amostragem, não era consentânea com a contabilística, constituindo, base inquestionável para a aplicação da avaliação indirecta, e, por conseguinte, para a elaboração das liquidações aqui controvertidas;
F. Por conseguinte, sendo a fundamentação do acto de fixação da matéria tributável a que for externada na decisão da reclamação e ainda que nessa decisão se aproprie expressamente do teor do relatório em que se baseou a fixação inicial (fundamentação por remissão), possibilidade concedida pelo art. 125.° do CPA, sempre haverá a considerar como integrando a fundamentação os demais elementos expressamente referidos (directamente ou por remissão) como motivos do acto;
G. Da leitura dos documentos juntos aos autos, resulta provada a notificação da decisão do procedimento tributário, de forma fundamentada, por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária;
H. E, conforme doutrina pacífica «Deve considerar-se fundamentado o acto de liquidação adicional, baseado no relatório dos serviços de fiscalização tributária, que, ainda que lhe não faça referência expressa, se situa, indubitavelmente, no respectivo quadro legal e fáctico, perfeitamente claro, esclarecedor e devidamente notificado.», conforme Acórdão do S.T.A. de 15/05/2001, Antologia de Acórdãos do S.T.A. e do T.C.A. de Abílio Bordalo;
I. A declaração é suficiente se tem aptidão comunicativa ou compreensibilidade para revelar inteiramente o juízo do autor da decisão administrativa, de modo a tornar possível ao destinatário e ao Tribunal o controlo da sua validade substancial (Acórdão do S.T.A., de 22/03/2000, Recurso n.° 24363);
J. Pelo que, tendo a Administração Tributária cumprido o ónus da prova previsto no art° 74° da LGT., em observância do princípio da legalidade a que se encontra subordinada, impunha-se o reconhecimento da validade das liquidações adicionais aqui impugnadas;
K. Contrariamente ao decidido os actos tributários encontram-se fundamentados de forma clara e sucinta capaz de serem apreendidos pelo seu interlocutor, conforme resulta dos autos, e de acordo com o preceituado no artigo 77° da Lei Geral Tributária;
L. A douta sentença incorreu em erro de julgamento por violação do princípio do aproveitamento dos actos administrativos, bem como por violação dos seguintes preceitos legais: art.° 77°, 87° e 88° da Lei Geral Tributária.
Nestes termos e em tudo quanto V.ªs Exªs. mui doutamente suprirão, se requer o provimento do presente recurso, revogando-se a douta sentença “a quo”.

A Recorrida contra alegou tendo produzido as seguintes conclusões:

1ª Cinge-se o presente recurso à análise da ilegitimidade por parte da Administração Fiscal, para recorrer aos métodos indirectos.
2ª Entendeu a Douta Sentença recorrida, que a Administração fiscal não indicou motivos válidos para a utilização dos métodos indirectos, nem fundamentou a razão porque se mostrava impossível a determinação da matéria colectável por verificação directa e exacta pelos elementos da contabilidade.
3ª Defende a Representação da Fazenda Pública, que tendo invocado a Administração Fiscal uma estabilização das margens brutas de comercialização e decréscimo da rentabilidade fiscal das vendas, só por si, justificam o recurso aos métodos indirectos na determinação da matéria tributável.
4ª Entende, o recorrente/impugnante, que não assiste razão ao alegado pela Representação da Fazenda pelo que deve ser mantida a douta Sentença Recorrida, porquanto pela análise da fundamentação de facto e de direito do relatório de inspecção (relatório fundamentador), claramente resulta a falta de matéria de facto, que legitime o recurso aos métodos indirectos, quer a falta das disposições legais, que deveriam legitimar o direito as correcções pretendidas.
5ª Desde logo, o enquadramento legal, efectuado foi exclusivamente no art° 38° do CIRS conjugado com o art° 88° da Lei Geral Tributária. Nem sequer se invocou a alínea do normativo legal, que legitimou o recurso aos métodos indirectos, a a), b) c) ou d)?
6ª Relativamente à factualidade invocada, das margens brutas de comercialização e
decréscimo da rentabilidade fiscal das vendas, não são fundamento que legitime só por si o recurso aos métodos indirectos, quando a contabilidade da recorrente reflecte a sua
realidade empresarial.

7ª Quando nos termos do n.° 1 do art.° 75° da LGT, se presumem verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
8ª E no âmbito da acção de inspecção realizada à empresa não foram verificados quaisquer erros/inexactidões que colocassem em causa de forma séria a sua contabilidade, nem se exibiu qualquer prova material efectiva de omissão de vendas, refugiando-se apenas num “conjunto de observações formais”, com cálculos de margens.
9ª A Administração Fiscal não elidiu a presunção da veracidade dos elementos e documentos contabilísticos.
10ª Isto é, Não foram invocadas provas concretas/reais, que comprometessem a autenticidade dos resultados contabilísticos apurados em cada um dos exercícios em apreço.
11° Destarte, terá necessariamente de se concluir, que a Administração Fiscal, não invocou as disposições legais que legitimaram o recurso aos métodos indirectos. Não elidiu o art° 75° n° 1 da L.G.T. e não cumpriu com o art° 77° n° 4 do mesmo Diploma Legal.
Termos em que e nos mais de Direito, que Vossas Excelências Doutamente suprirão deverá ser dado provimento ao presente recurso e, ser confirmada a Douta Sentença Recorrida
E ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA

O Exmo. Procurador- Geral Adjunto deste tribunal não emitiu parecer.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se há erro de julgamento de facto e de direito, por estarem verificados os pressupostos para a avaliação indireta [art.º 88º, n.º 1, a) e alínea b) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT].

3. JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

MATÉRIA DE FACTO PROVADA COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO:
1 - No período compreendido entre 17.05.2001 e 27.06.2001, decorreu uma inspecção tributária à ora impugnante que resultou na fixação da matéria colectável por métodos indirectos relativamente aos exercícios económicos dos anos de 1998, 1999 e 2000.
2 - Da fixação da matéria colectável referida em 1), a impugnante apresentou o pedido a revisão nos termos do artº 91º da LGT, cfr. fls. 71 a 78 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
3 - O pedido de revisão foi indeferido nos termos constantes da decisão de fls. 125 a 126 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
4 - Os fundamentos para as ditas correcções encontram-se exarados no relatório elaborado pela inspecção tributária constante destes autos de fls., 42 a 65 e que aqui se dão por reproduzidas, mas cujos extractos a seguir se transcrevem: “(...) O Sujeito Passivo, M…, é proprietária e Directora técnica do estabelecimento comercial denominado por Farmácia…, sito inicialmente no Largo… (...), tendo em meados do ano de 1999 alugado instalações na mesma rua, (...) para ampliação, remodelação e modernização da sua actividade.(…) as condições técnicas e comerciais da actividade mudaram radicalmente, possuindo agora um espaço substancialmente maior e mais modernizada que o anterior, (o seu volume de negócios tem vindo a subir sustentadamente, tendo no ano de 2000 praticamente duplicado o volume de negócios do ano de 1998.(...) Verificou-se que o sujeito passivo possui os livros obrigatórios, previstos na lei comercial, os quais se encontravam escrituradas dentro do prazo legal. (...) Balanços (…) da análise aos balanços comparados (...) é de tecer os seguintes comentários:
- O aumento contínuo do Imobilizado Líquido que quase duplica de 1998 para 2000, face aos investimentos entretanto efectuados no novo estabelecimento, quer em instalações, quer em equipamento adquirido para fornecimento de serviços auxiliares;
- O aumento dos stocks como politica da empresa, com o consequente aumento das dívidas a fornecedores;
- O consequente aumento dos saldos de clientes, face ao aumento do volume de negócios: O aumento do saldo de Outros credores – M… (...), que atinge em 31 de Dezembro de 2000 o valor de 52.614.042$00. De referir que praticamente todos os meses, e sempre que o saldo de caixa se toma negativo, é frito um mero expediente contabilístico de forma a torná-lo positivo, mediante a contabilização de um documento interno (...) Quando perguntamos a forma de entrada e a origem do dinheiro foi-nos dito que o sujeito passivo ia pagando da sua conta particular várias facturas e que posteriormente era feita a transferência para a sua conta particular. (...) Demonstrações de Resultados por Natureza Comparadas (…) O mapa de demonstrações de resultados por natureza comparadas de 1998, 1999 e 2000 (...) revela que: - o total dos proveitos registou um aumento de 1998 para 1999, de cerca de 27% e de 1999 para 2000 de 29%, derivado da alteração radical das condições da actividade; - a estrutura de custos, revela um aumento de cerca de 26% de 1998 para 1999, acompanhando o aumento de vendas, e de 36% de 1999 para 2000. Este aumento é devido essencial mente ao crescimento das rubricas custos com o pessoal de 7.9222 para 18.553 contos, dos Fornecimentos e serviços esternos em 39% e das amortizações pelos elevados investimentos efectuados. O custo das existências vendidas acompanha o crescimento do volume de vendas. (...) Os resultados líquidos do exercício são sempre positivos, (...) Declarações de IRS: As declarações de INS apresentam os seguintes valores: (…) A apreciação deste quadro mostra-nos indubitavelmente a necessária existência de outras fontes de rendimento.
MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS. (...)
Decomposição das margens de comercialização declaradas (...) As margens brutas de comercialização globais, declaradas pelo sujeito passivo, em 1998, 1999 e 2000, foram decompostas de acordo com os seguintes passos: 1° Decompuseram-se Existências, Compras, Vendas, Regularização de Existências, Devoluções pelas taxas de 5% e 17%; (…) 2°Corrigiram-se as Vendas declaradas pelos valores corrigidos indicados nos pontos (…), tendo-se chegado às seguintes margens de comercialização (...) 3º tendo-se verificado posteriormente que o Custo das Existências Vendidas tinha em 2000 sido subtraído de descontos de pronto pagamento, de acordo com os documentos (…) todos de Dezembro de 2000, quando tais descontos assumem carácter meramente financeiro, pelo que deviam ter sido levados a uma conta de Proveitos Financeiros, (…)
Constatando a existência de margens negativas à taxa normal procurou-se a razão desta situação. Atendendo que as margens de 5% nos parecem à primeira vista acima do normal do sector, entendeu-se haver desvio das vendas à taxa de 17% para 5%.
Efectivamente, um determinado valor de produtos adquiridos à taxa normal era vendido à taxa reduzida por supostamente ser entendido como calçado ortopédico, enquadrado na lista 1 anexa ao CIVA.(...) solicitaram-se então as respectivas receitas médicas para o calçado, mas não nos foram fornecidas, pelo que se procurou calcular o montante de vendas a 17% cujo IVA teria sido liquidado a 5%.(...) 5° Cálculo das vendas estimadas a 5% (…) A análise aos documentos de compra, permitiu verificar que os medicamentos são facturados pelos fornecedores, ao preço de venda ao público, visto tratarem-se de produtos com preços de venda fixos e escritos na embalagem, relativamente aos quais não é permitido ao retalhista (contribuinte) efectuar quaisquer descontos. (...)Face ao referido no ponto anterior, o lucro bruto obtido na venda dos medicamentos será obrigatoriamente igual aos desconto obtido dos fornecedores, ou seja 20% sobre a venda, o correspondente a 25% sobre o custo, no caso dos medicamentos adquiridos à A… a 25% sobre o custo, no caso dos medicamentos adquiridos à A… e à S… e de 20% + 6% do preço de custo nos medicamentos adquiridos à C… (…) As margens encontradas foram as seguintes: (...) A partir desta margem foi possível estimar o valor das vendas à taxa reduzida, e, por diferença, as vendas à taxa norma. (…) Comparando estes valores com os declarados, foi possível determinar o valor das vendas registadas a 5% que deveriam estar a 17% (…) recalculando as margens de comercialização a 17% após a transferência de vendas obtém-se (...) Face a todos os factos descritos, concretamente no tocante à margens de comercialização dos produtos sujeitos a IVA à taxa de 17% temos indícios seguros de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, pelo que não sendo possível a comprovação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável, estão reunidos os pressupostos de tributação por métodos indirectos nos termos do art° 38° do CIRS, conjugado com o art° 88º da LGT.(…) Em sede de IRS (...) Estimativa das vendas(...)Verificada a necessidade de recorrer à aplicação de métodos indirectos para estimativa dos proveitos dos exercícios de 1998, 1999 e 2000, ir-se-à proceder ao reajuste da margem de comercialização dos produtos à taxa de 17%. (...) Para o efeito procedeu-se à amostragem “in loco”dos produtos sujeitos à taxa de IVA 17% (anexo 15) tendo-se chegado a uma margem média ponderada de 37,2%. Tomando em consideração dois factores: o facto de em 1998 a farmácia estar a trabalhar numas condições extremamente fracas relativamente às actuais e a existência de descontos de pronto pagamento, foi considerada como razoável a margem obtida em acção inspectiva anterior, de 31%, corrigindo-se positivamente de um ponto percentual em cada um dos anos seguintes (...) desta forma obtiveram-se os seguintes valores (...) Estimativa das vendas de bónus(...) Quantificados os bónus obtidos, a preço de custo, no ano de 2000, para os 4 meses observados, extrapolou-se para o ano inteiro, totalizando a importância de 4.735.476$00, que representa 2,5% do CEV desse anos (...) Aplicada esta percentagem aos CEVS dos vários anos obtiveram-se os bónus a preço de custo para cada um dos anos (...)Com base no peso das taxas de WA nos 4 meses observados dividiram-se os CEVS por taxas de IVA. (...) A cada um dos CEV’s obtidos foram aplicadas as margens amostradas para cálculo das vendas estimadas de bónus (…)
As margens brutas de comercialização globais, declaradas pelo sujeito passivo, em 1998, 1999 e 2000, foram decompostas de acordo com os seguintes passos: 1° Decompuseram-se Existências, Compras, Vendas, Regularização de Existências, Devoluções, pelas taxas de 5% e 17%; (.. .)Corri giram-se as vendas declaradas pelos valores corrigidos indicados nos pontos(...), tendo-se chegado à seguintes margens de comercialização(…)”
5 - Dão-se aqui por reproduzidas as notas de liquidação constantes destes autos de fls. 18 a 20.
6 - A impugnante procedeu ao pagamento do IRS ora em discussão em 27.12.2002, cfr, fls. 146 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.

*
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos acima identificados, nos factos alegados e não impugnados e no depoimento das testemunhas.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem com interesse para a presente decisão...(…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
A questão fundamental dos auto reduz em saber se há erro de julgamento de facto e de direito, por estarem verificados os pressupostos para a avaliação indireta [art.º 88º, n.º 1, a) e alínea b) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT].
Vejamos:
O n.º 1 do art.º 75.º do Lei Geral Tributária (LGT) determina que “ Presumem-se verdadeiras de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando este tiverem organizada de acordo com a lei comercial e fiscal.”
Determina o n.º 2 do mesmo preceito que tal presunção não se verifica no caso de a contabilidade revelar omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
Assim, o artigo 75.º da LGT consagra o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei fiscal e comercial.
Esta presunção vincula a administração fiscal à realização da liquidação com base nas declarações dos contribuintes, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder ao controlo dos factos declarados.
No que respeita à avaliação indireta, por força do art.º 85.º da LGT esta é subsidiária da avaliação direta.
Determinando o n.º 2 que À avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa.”.
O n.º 2 do art.º 83.º da LGT preceitua que “A avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha.
Assim todas as correções devem ser efetuadas com base nos elementos contabilísticos, só excecionalmente se poderá recorrer à avaliação indireta que é subsidiária da avaliação direta.
Por imposição do n.º 1 art.º 38º (atual 39.º) do CIRS a liquidação do IRS, com base em presunções ou métodos indiretos efetua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87.º e 89.º da Lei Geral Tributária.
A alínea b) do art.º 87.º da LGT estabelece que a avaliação indireta só se pode efetuar no caso de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.


O art.º 88.º da LGT, na versão original do decreto Lei n.º 398/98, de 17.12 e em vigor até 01.01.2001, previa que “l - A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos da aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável.
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.”
Face às regras do ónus da prova (art.º 324.º do Código Civil e n.º 3 do art.º 74.º da LGT) compete à administração tributária, quando pretenda recorrer aos métodos indiretos, demonstrar a verificação dos pressupostos legais da avaliação indireta, mostrando, de forma clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
É também a jurisprudência do acórdão do TCAN 04801/04 Viseu de 10.10.2013 no qual se sumaria queI – No ordenamento jurídico - tributário português vigora o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, pelo que, o recurso aos métodos indirectos assume carácter subsidiário e excepcional.
II – Compete à Administração, querendo utilizar o referido mecanismo, demonstrar que no caso concreto estão verificados os pressupostos legitimadores da tributação por métodos indirectos, isto é, que nesse especifico caso a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, desta forma cumprindo o especial dever de fundamentação que sobre si o legislador fez recair.” bem como dos Acórdãos n.º 04634/04 Viseu de 28.02.2008, 00045/03 Coimbra de 13.11.2014 e 00045/03 Coimbra de 13.11.2014.
Importa agora verificar se administração fiscal demostrou os pressupostos legais que lhe permite o recurso à avaliação indireta.
Resulta da factualidade assente, e constante do Relatório Final, - no ponto n.º 4 - que a Inspeção fundamentou o recurso aos métodos indiretos, nos artigos 38.º do CIRS conjugado com o art.º 88.° da LGT sem nada mais especificar.
O Relatório não especifica as anomalias ou incorreções nem enquadra em uma das várias alíneas [a), b) e c)] do art.º 88.º da LGT, ou seja, não explica as razões que conduziram ao recurso a métodos indiretos.
Resulta da matéria dada como assente - ponto n.º4 - que o Relatório de Inspeção refere que a administração parte da decomposição das margem de comercialização declaradas e estabiliza das margens brutas de comercialização e decréscimo da rentabilidade fiscal das vendas. E recalcula a margens de comercialização de produtos a 17%, no ano de 1998 em 13.1%, em 1999 em 14.5% em 2000 em 0.5%.
E concluiu que:” Face a todos os factos descritos, concretamente no tocante à margens de comercialização dos produtos sujeitos a IVA à taxa de 17% temos indícios seguros de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, pelo que não sendo possível a comprovação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável, estão reunidos os pressupostos de tributação por métodos indirectos nos termos do art° 38° do CIRS, conjugado com o art° 88º da LGT”.
E como bem refere a Recorrida nas suas contra alegações a estabilização das margens brutas de comercialização e decréscimo da rentabilidade fiscal das vendas, nos produtos farmacêuticos comercializados a 17%, só por si, não justificam o recurso aos métodos indiretos na determinação da matéria tributável.
O relatório é parco na enunciação dos pressupostos e em lugar algum esclareceu quais as razões que impossibilitaram a comprovação e quantificação direta para a determinação da matéria tributável.
E também não identificou as anomalias e incorreções que inviabilizaram o apuramento da matéria tributável, identificando as alíneas do art.º 88.º da LGT.
Só à posteriori, e em sede de revisão do ato tributário, se fala na alínea b) do art.º 88.º da LGT.
A Recorrente nas sua alegações na conclusão D remete para “…os art.s 87.º, n.º 1 alínea b) e 88.º da LGT…”, no entanto, não analisa a factualidade, o teor e a fundamentação do relatório de inspeção, referindo-se a fundamentação de direito que ocorreu posteriormente à realização da inspeção à Recorrida e à elaboração do relatório.
Como supra se disse a avaliação indireta só pode efetuar-se no caso de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.
Com efeito, do teor completo do Relatório de Inspeção constata-se que, em momento algum a administração fiscal concretizou, quais foram os motivos que impossibilitaram a comprovação e quantificação direta da matéria tributável, e em que termos a contabilidade não fornecia os elementos e razões pelas quais não foram supridas pelo Recorrente, ou mesmo se lhe foi dada essa oportunidade.
E também não explicou por que razão a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
Aqui chegados teremos de concluir que não estão reunidos os pressupostos do recurso a métodos indiretos pelo que a sentença recorrida não merece qualquer reparo.
Pelo que improcedem as conclusões A a E do recurso jurisdicional.

4.2. A Recorrente nas conclusões - F a K – refere que da leitura dos documentos juntos aos autos, resulta provada a notificação da decisão do procedimento tributário, de forma fundamentada, por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
A declaração é suficiente se tem aptidão comunicativa ou compreensibilidade para revelar inteiramente o juízo do autor da decisão administrativa, de modo a tornar possível ao destinatário e ao tribunal o controlo da sua validade substancial.
Pelo que, tendo a administração tributária cumprido o ónus da prova previsto no art.° 74.° da LGT., em observância do princípio da legalidade a que se encontra subordinada, impunha-se o reconhecimento da validade das liquidações adicionais aqui impugnadas
E que contrariamente ao decidido os atos tributários encontram-se fundamentados de forma clara e sucinta capaz de serem apreendidos pelo seu interlocutor, conforme resulta dos autos, e de acordo com o preceituado no artigo 77.° da Lei Geral Tributária.
Vejamos:
Face ao alegado parece a Recorrente confundir a fundamentação formal e a fundamentação substancial, ou seja, a externação do ato e as verdadeiras razões substantivas que conduziram à aplicação dos métodos indiretos.
A fundamentação formal do ato de liquidação satisfaz-se com a descrição, ainda que por remissão, do iter cognicitivo e valorativo que conduziu á pratica do ato, em cumprimento ao art.º 125.º do CPA e ainda art.º 77.º da LGT.
A fundamentação pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, suficiente para sustentar formalmente a decisão administrativa.
Trata-se de permitir ao destinatário normal - a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.
Sendo esta esta jurisprudência reiterada e consolidada dos tribunais superiores nomeadamente dos acórdãos do STA n.º 060/10 de 06.10.2010, TCAN 00035/04 de 11.11.2004 e vasta jurisprudência aí citada e 0190/06.3 BEVIS de 16.10.2014.
No que concerne à fundamentação substancial, sustenta-se na verificação dos pressupostos e condições que a lei prevê para um determinado procedimento ou processo.
E estando em questão o recurso a métodos indiretos para a fixação da matéria tributável, terá a administração fiscal de demonstrar a verificação dos pressupostos para a sua aplicação. (art.º 87.º e 88.º da LGT).
No entanto e como refere o Acórdão do STA n.º060/10 de 06.10.2010 “(…) não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. É que, como adverte Sérvulo Correia In “Noções de Direito Administrativo”, I, pág. 403., «a fundamentação pode ser inexacta e ser suficiente, por permitir entender quais os pressupostos de facto e de direito considerados pelo autor do acto. Deste modo, a inexactidão dos fundamentos não conduz ao vício de forma por falta de fundamentação. Ela pode sim revelar a existência de outros vícios, como o vício de violação de lei por erro de interpretação ou aplicação de norma, ou (...) por erro nos pressupostos de facto».
Por conseguinte, o discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.”
Atento ao supra exposto, a administração não desmontou os pressupostos para aplicação dos métodos indiretos pelo que improcede as conclusões F a K da Recorrente.

4.3. Por último, na conclusão L, a Recorrente afirma que sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por violação do princípio do aproveitamento dos atos administrativos, bem como por violação art.º 77.°, 87.° e 88.° da Lei Geral Tributária.
Relativamente ao princípio geral de direito que se exprime pela máxima latina “utile per inutile non vitiatur” tem sido entendido pela jurisprudência que o princípio em questão habilita o juiz a poder negar utilidade anulatória ao erro da administração, (quer por vícios formais, materiais ou qualquer defeito do ato administrativo), (i) no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato se possa afirmar, com inteira segurança, que aquele vício não interferiu com o conteúdo da decisão, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas nesse espaço discricionário, (ii) ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato, derivados da natureza vinculada dos atos praticados e conforme à lei (iii) ou ainda porque não existe em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante de operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance prático. (cfr. Acórdão proferido pelo TCAN no proc. 00462/2000 – Coimbra, 22.06.2011).
Em síntese, o princípio do aproveitamento do ato tem aplicação quando seja legítimo concluir que, embora se admita que o ato padece de algum vício, outra decisão não poderia tomar a administração.
Estando em causa o recurso a métodos indiretos, a Recorrente, estava perante o poder vinculado, de demonstrar os pressupostos de forma clara e inequívoca da sua aplicação, e não o tendo feito não pode haver lugar ao aproveitamento do ato.
Face ao exposto, e pelas razões supra, não se verifica a violação dos artigos 77.°, 87.° e 88.° da Lei Geral Tributária.

E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:

I. Face às regras do ónus da prova (art.º 324.º do Código Civil e n.º 3 do art.º 74.º da LGT) compete à administração tributária, quando pretenda recorrer aos métodos indiretos, demonstrar a verificação dos pressupostos legais da avaliação indireta, mostrando, de forma clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
II. Após que recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
III. O princípio do aproveitamento do ato tem aplicação quando seja legítimo concluir que, embora se admita que o ato padece de algum vício, outra decisão não poderia tomar a administração

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso manter a sentença recorrida.
Sem custas, dado que a Recorrente delas esta isenta.

Porto, 28 de maio de 2015
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Crista Travassos Bento