Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01108/16.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:CONSTRUÇÃO CLANDESTINA; POSSE ADMINISTRATIVA; DEMOLIÇÃO.
Sumário:1 – O licenciamento das edificações encontra-se conexionado com a clássica questão do direito administrativo que está em saber se o Jus aedificandi é uma componente essencial do direito de propriedade do solo ou se é uma faculdade atribuída ao particular pelo direito público.
É hoje incontroverso que o Jus Aedificandi não constitui uma faculdade que decorre diretamente do direito de propriedade do solo mas um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário nos termos e condições definidas pelas normas jurídico- urbanísticas.

2 - Perante a realização de obras em desconformidade com o licenciamento municipal, está a entidade administrativa legalmente vinculada a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística (v. art. 102, nº 1, alínea b), do RJUE).

3 - Estando em causa obras ilegais, não podem as mesmas, naturalmente, ser merecedoras de qualquer tipo de proteção.
O artigo 102.º, n.º 1, do RJUE, impõe que os órgãos administrativos adotem as medidas adequadas de tutela e de restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações em desconformidade com os respetivos atos administrativos de controlo prévio [cfr. alínea c)], podendo as mesmas consistir na determinação de trabalhos de correção ou alteração (cfr. n.º 2, alínea c) do artigo 102.º e 105.º do RJUE), pelo que, nada mais restava ao R. senão proceder à emissão do ato administrativo aqui impugnado.

4 - Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, estruturantes do princípio do estado de direito constituem postulados ou normas de atuação a serem observados no exercício da atividade discricionária da Administração, na qual esta detenha liberdade para escolha de alternativas comportamentais, funcionando pois como limites internos dessa atividade, não relevando assim no domínio da atividade vinculada, consistente esta na simples subsunção de um dado concreto à previsão normativa dos comandos legais vigentes.
Mal se compreenderia que fossem toleradas obras realizadas sem licença ou em desconformidade com a mesma, mormente nas fachadas dos edificados, sob pena de se gerar um pernicioso clima de impunidade permissiva.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:T., Lda.
Recorrido 1:Município (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I Relatório

A T., Lda., devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa, intentada contra o Município (...), tendente à declaração de nulidade ou anulação do despacho de 21 de janeiro de 2016 do Vereador da Câmara Municipal (...) com o Pelouro da Fiscalização e Proteção Civil no âmbito do processo n.º 2455/02/CM_ do Departamento Municipal de Fiscalização, que conduziu à decisão de demolição das edificações de que a A. é titular, mais pedindo a condenação do R. a pagar-lhe €10.000 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, advenientes da conduta daquele, inconformado com a Sentença proferida em 29 de abril de 2019 no TAF do Porto, no qual a ação foi julgada improcedente, veio interpor recurso jurisdicional.

Formula o aqui Recorrente nas suas alegações do Recurso Jurisdicional, apresentado em 30 de maio de 2019, as seguintes conclusões:

“1. A sentença proferida pelo tribunal a quo, e ora recorrida, deverá ser declarada nula, porquanto se constata a contradição insanável entre a fundamentação de facto, a matéria dada como provada, a sua motivação e a decisão final. Com efeito,
A. A sentença confundir os conceitos de direito de arrendamento e de propriedade, nos termos supra expostos, contradizendo-se e violando e desqualificando o direito de propriedade titulado pela A., tutelado legal e constitucionalmente, no que respeita ao estabelecimento comercial em apreço, ignorando-o enquanto universalidade de direito e de facto;
B. A sentença considera que não foi apresentada fundamentação pela A./recorrente acerca do vicio que de falta de fundamentos do ato administrativo impugnado, olvidando que a A. Alegou à saciedade na sua PI fundamentação bastante na qual demonstra a falta de fundamentos do ato administrativo, o qual padece de ilegalidade;
Caso assim não seja o V. Douto entendimento de v. Exas.,
2. A sentença ora recorrida deverá ser revogada por outra de carácter distinto e oposto que declare a nulidade do ato administrativo impugnado naquela ação, por violação do direito de propriedade, ao não atender ao facto de se estar in casu perante uma mera cobertura amovível, com uma fixação aparafusável, e removível num dia - motivos pelos quais jamais estarem sujeitas a qualquer procedimento de controlo prévio (e não se enquadrando, como tal na alínea a) do artigo 2° do RJUE, i.e. não se trata de edificação incorporada no solo com carácter de permanência - como aliás atesta o relatório da inspeção realizada pelos serviços do R., ao local, em 11 de dezembro de 2015, e constante no PA. - o que foi olvidada na sentença ora em crise.
E assim decidindo será feita inteira, sã e costumada Justiça”.

Em 3 de julho de 2019 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso Jurisdicional interposto, mais se referindo que inexiste qualquer contradição entre os fundamentos e decisão pelo que não padece, a sentença recorrida, da nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, al. c) do CPC.

O Município/Recorrido veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 27 de junho de 2019, concluindo:

“1.ª - O Tribunal a quo julgou bem ao manter válido o ato administrativo ora em crise.
2.ª - Não podem ser assacados ao ato administrativo os vícios que lhe são imputados, designadamente:
a) a nulidade por violação do direito de propriedade, dado que recorrente não é proprietária do imóvel mas mera arrendatária, pelo que não se vislumbra em que medida é que a sua propriedade privada foi violada.
b) o vício de violação de lei, por falta de fundamentação, dado que o despacho impugnado remete para a referida informação de 28.12.2015, onde, salvo melhor opinião constam as razões de facto e de direito para a posse administrativa e que se sintetizam no não cumprimento da ordem de demolição e na manutenção das obras ilegais, assim, na ilegalidade das obras efetuadas e na não reposição voluntária da legalidade urbanística, bem como o artº 107º do RJUE.
Nestes termos, e nos demais de direito que esse tribunal doutamente suprirá, deverá a sentença recorrida ser mantida.”

A Recorrido/Companhia de Seguros (...), S.A, enquanto interveniente acessória, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 1 de julho de 2019, sem conclusões, afirmando, a final, que “deverá ser mantida a douta decisão proferida nos presentes autos, indeferindo-se o recurso interposto pela Recorrente.”

O Ministério Público, notificado em 13 de setembro de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

As questões a apreciar resultam da necessidade de verificar a invocada contradição insanável entre a fundamentação de facto, a matéria dada como provada, a sua motivação e a decisão final, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz por se entender ser a mesma suficiente e adequada:
1) A A. explora um estabelecimento comercial denominado “Pizzaria M.”, de confeção e venda ao público de pratos tradicionais de cozinha no âmbito da restauração, no imóvel sito à Rua de (...), o qual está descrito na titularidade de M. pela Conservatória do Registo Predial (...) (fls. 111 do processo administrativo (p.a.)).
2) Em 15 de janeiro de 2002, o Abrigo da Nossa Senhora da Esperança apresentou exposição escrita dirigida ao Presidente da Câmara (...), onde referiu que “No prédio contíguo, n.º 951 (sic) da mesma rua de (...) foram executadas obras de adaptação da zona traseira dos terraços como apoio ao estabelecimento de pizaria sob o nº 949 tais obras provavelmente mal executadas, terão originado infiltrações perigosas de água pluviais desde a sua construção” (fls. 1 do p.a.).
3) Através da participação n.º PART/278/02DMF, a Direção Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística da Divisão Municipal de Fiscalização constatou que houve uma “alteração ao projeto aprovado – Licença n.º 176/85”, relativamente ao imóvel em 1) (fl. 4 do p.a.)
4) Realizada uma inspeção ao local, “verificaram-se desconformidades por comparação com a licença de construção aprovada para o local (licença 176/85)”, nomeadamente “ocupação do logradouro, (obras de ampliação), onde se encontra instalada uma cozinha, o refeitório, 2 armazéns e escritório” (…) (fls. 12 do p.a.).
5) Pelos ofícios I/58673/l0/CM_ e I/58694/10/CM_ de 27 de abril de 2010, e conforme determinado no despacho da Diretora de Departamento Municipal de Fiscalização, de 26 de abril de 2010 que sancionou a informação n.º I/54766/10/CM_, foi levado ao conhecimento de M. e I., respetivamente, a “intenção” do requerido “ordenar a realização de trabalhos de correção/alteração da obra, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 105° do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) (fls 17 a 21 do p.a.).
6) Em 2 de junho de 2010, através de requerimento registado com o n.º 51089/10/CM_, I. solicitou “uma prorrogação do prazo de 120 dias para instruir o processo de legalização de obras” (fls. 23 e 24 do p.a.).
7) Pelos ofícios 84818/l0/CM_ e I/84835/10/CM_ de 22 de junho de 2010, foi levado ao conhecimento de I. e M., respetivamente, que dispunham “do prazo de 90 dias para a regularização da situação, sob pena de, findo esse prazo, se proceder à determinação da medida de tutela de legalidade urbanística aplicável” (fls. 28 e 29 do p.a.).
8) Em 2 de novembro de 2010, M., na qualidade de arquiteta e em “representação da requerente”, apresentou um requerimento, registado com o n.º 97393/l0/CM_, a comunicar o início de trabalhos no imóvel em referência, tendo descrito que os trabalhos a realizar consistiam na “remodelação interior, pintura de paredes, substituição do pavimento, alteração dos revestimentos das casas de banho e dos sanitários” (fls. 31 e 32 do p.a.).
9) Em 9 de novembro de 2010, M. informou o processo 2455/02/CM_ que foi apresentado “Pedido de Licenciamento para a legalização da Ampliação, levada a cabo pela” Requerente (fls. 38 e 39 do p.a.).
10) Em 10 de novembro de 2010, pelo ofício da I/152202/11/CM_, o Departamento Municipal de Fiscalização, da Divisão Municipal de Fiscalização de Obras Particulares informou, como consta no ponto 2.1.2, que "foi efetuada uma inspeção ao local da referida obra em 9/11/2010, tendo-se constatado que estavam a ser efetuadas as obras mencionadas no requerimento e confinavam-se à zona de atendimento (sala de restaurante), ou seja, no espaço que não apresentava obras ilegais" (fl. 34 do p.a.).
11) O processo de licenciamento referido em 9) correu termos com o n.º 99020/10/CM_, tendo o mesmo sido arquivado, por rejeição liminar do pedido (fl. 42 do p.a.).
12) Em 4 de julho de 2012, o Vereador com o Pelouro da Proteção Civil, Fiscalização e Juventude, no uso da competência delegada pelo Presidente da Câmara Municipal, ordenou a realização de trabalhos de correção ou alteração da obra, nos termos da informação I/110379/12/CM_, fixando o prazo de 90 dias para “a realização dos trabalhos de correção/alteração das obras ilegais” (fls. 42 e 42 verso e 43 do p.a.).
13) Pelos ofícios I/120145/12CM_ e I/20121/12/CM_ de 6 de julho de 2012, foram I. e M., respetivamente, notificadas do teor do despacho em 12) – (fls. 44 e 45 do p.a.).
14) Em 5 de março de 2014, o Departamento Municipal de Fiscalização, da Divisão Municipal de Fiscalização de Obras Particulares solicitou a I. que possibilitasse a entrada do Gestor do processo no imóvel em referência, “no dia 28/03/2014, entre as 09h:30m e as 10h:00m” (fl. 49 do p.a.).
15) Em 28 de abril de 2014, I. solicitou ao Presidente da Câmara (...) que, dada a “necessidade de transladação do Estabelecimento Comercial, bem como a necessidade social e moral de manter os postos de trabalho existentes (…), a título excecional, um prazo máximo de 1 (um) ano para proceder à deslocação das suas instalações e ao licenciamento do novo estabelecimento, bem como à reposição da legalidade no atual Estabelecimento” (fls. 53 a 55 do p.a.).
16) Pelos ofícios I/108561/14/CM_ e I/108571/14/CM_ de 19 de junho de 2014, foram I. e M., respetivamente, notificadas do teor do despacho do Chefe de Divisão Municipal de Fiscalização de Obras Particulares de 19 de Junho de 2014 o qual lhe concedeu o prazo de 180 dias para proceder à reposição voluntária da legalidade (fls. 58 verso, 59 e 60 do p.a.).
17) Em 11 de fevereiro de 2015, a de Divisão Municipal de Fiscalização de Obras Particulares e a DOMUS Social efetuaram uma inspeção conjunta ao imóvel em referência e constataram “que o estabelecimento se encontrava em funcionamento e as obras ilegais permaneciam”, tendo sido agendada uma nova inspeção conjunta para o dia 16 de março de 2015, a qual foi ulteriormente reagendada para o dia 23 de março de 2015, entre as 14h/14.30H (fl. 61 e 61 verso, 68 e 68 verso do p.a.).
18) Em 20 de março de 2015, I., na qualidade de sócia gerente da Requerente, através de correio eletrónico registado com o n.º 338931l5/CM_, pediu “a suspensão do Procedimento da Divisão Municipal de Fiscalização de Obras Particulares (…) em virtude de ter dado entrada nos Ex.mos Serviços da Câmara Municipal (...), sob o registo n.º 32967/15/CM_, um pedido de legalização de obras” (fls. 73 do p.a.).
19) Ao processo de licenciamento referido em 18) foi atribuído o n.º 32967/15/CM_, tendo sido concluído com a emissão de parecer desfavorável pela Divisão Municipal de Apreciação Arquitetónica e Urbanística/GAP (fl. 81 do p.a.).
20) Em 23 de abril de 2015, a assembleia de condóminos do edifício (...) deliberou, de acordo com o ponto 7º da ordem de trabalhos exarado na ata n.º 42, “por unanimidade, autorizar a legalização das obras de ampliação já realizadas nas traseiras da fração autónoma da fração “BD”, desde que não sejam desenvolvidas atividades ou usos desconformes com os fins constantes na respetiva Propriedade Horizontal e com a condição de ser cumprida integralmente toda a legislação aplicável às atividades desenvolvidas” (fls.18 e 22 do suporte físico do processo).
21) Em 14 de agosto de 2015, o Chefe da Divisão Municipal de Fiscalização de Obras Particulares da Câmara Municipal (...) determinou a realização de nova inspeção conjunta com a DOMUS Social para o dia 1 de outubro de 2015, conforme proposto pelo ofício n.º I/141670/15CM_ (fls. 82, 82 verso e 83 do p.a.).
22) Por requerimento apresentado em 22 de setembro de 2015 e registado sob o n.º 107040/15/CM_, A., na qualidade de sócio-gerente e legal representante da Requerente pediu, entre o mais, o adiamento por prazo não inferior a 1 mês da inspeção determinada em 21) (fls. 88 e 89 do p.a.).
23) Em 11 de dezembro de 2015 foi promovida uma inspeção conjunta com a DomusSocial, tendo-se verificado que “• As obras ilegais mantem-se. • Foi efetuado o reconhecimento dos trabalhos a executar. • Foi transmitido pela Domus Social que atendendo ao tipo de construção ilegal a demolir, revestimento de fibrocimento e de fibras de amianto, será necessário um prazo para a execução dos trabalhos por 180 dias, conforme e-mail de 14/12/2015 registado sob o número I/213306/15/CM_” e no ponto 4, propôs-se “a demolição das construções existentes, ampliação, na parte posterior do prédio e reposição da situação original, e ordenada a 04/07/2012 por despacho do Senhor Vereador com o Pelouro da Proteção Civil, Fiscalização e Juventude, com fundamento na ilegalidade de tais obras de génese ilegal terem sido executadas sem a respetiva licença, não cumprirem legislação em vigor, nem à data da declarada execução das mesmas e serem insuscetíveis de licenciamento” (fl. 121 e 122 do p.a.).
24) Em 21 de janeiro de 2016, o Vereador com o Pelouro da Fiscalização e Proteção Civil, no uso da competência delgada pelo Presidente da Câmara Municipal (...), ordenou “a posse administrativa do terreno e a reposição da situação original” (fl. 122 verso do p.a.).
25) Pelo ofício I/33566/16/CM_ e I/33587/16/CM_ de 2 de fevereiro de 2016, I. e a Requerente, respetivamente, foram notificados da decisão em 24) (fls. 123 e 124 do p.a.).

IV – Do Direito

No essencial, o Recorrente vem retomar no Recurso interposto toda a argumentação que havia esgrimido em 1ª Instância.

O aqui Recorrente peticionou originariamente e em síntese, a declaração de nulidade ou anulação do despacho de 21 de janeiro de 2016 de Vereador da Câmara Municipal (...), no âmbito do processo n.º 2455/02/CM_, que conduziu à decisão de demolição das edificações identificadas de que a A. é titular, mais pedindo a condenação do R. a pagar-lhe €10.000 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

A sentença proferida pelo tribunal a quo considerou a presente ação improcedente e consequentemente absolveu o Município do pedido.
Discorreu-se no discurso fundamentador da Sentença Recorrida:

“No que concerne à alegada ofensa do direito de propriedade privada:
Entende a A. que o ato impugnado ofende o conteúdo essencial dum direito fundamental (o direito de propriedade privada) e que, por isso, padece de nulidade, nos termos do art.º 167º, n.º 1, d) do CPA.
Mas, como bem evidencia o Ministério Público, a A. não é proprietária do imóvel mas mera arrendatária, pelo que não se vislumbra em que medida é que a sua propriedade privada foi violada.
Em todo o caso, considera-se que o âmbito do direito de propriedade « ( ... )abrange pelo menos quatro componentes : (a) a liberdade de adquirir bens;(b) a liberdade de usar e fruir os bens de que se é proprietário;(c) a liberdade de os transmitir; (d) o direito de não ser privado deles (...) (JJ Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2007, 4ª edição, pág. 802, em anotação ao art° 62º)
O direito de propriedade privada, apesar de vir inserto no Título respeitante aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, tem uma estrutura de tal modo complexa que nela se incluirão, por certo, alguns direitos e faculdades que não deixarão de apresentar natureza análoga à dos Direitos, Liberdades e Garantias; e que, entre tais direitos e faculdades análogos se contará seguramente o direito de cada um à não privação arbitrária da sua propriedade (V. mormente acs. do Tribunal Constitucional, Processo na 523/2007, de 09.10.2008, na 491/2002, acessíveis in «www.tribunalconstitucionaI.pt»).
E no “direito de propriedade consagrado constitucionalmente, não se tutela o ius aedificandi como elemento natural e natural daquele direito” (Ac. STA de 31.03.2004, proc.º 035.338, acessível in «www.dgsi.pt ; cf. Ac. TCAN de 20.04.2012, proc.º 00538/05.3BEBRG, igualmente acessível in «www.dgsi.pt»).
Com efeito, o proprietário não possui a faculdade de decidir se pode construir e como pode construir no seu terreno, pois o direito de edificar, mesmo entendendo-se que é uma faculdade inerente ao direito de propriedade, para além de ter de ser exercido nos termos desses planos, acaba, verdadeiramente, por só existir nos solos que estes qualifiquem como urbanos (V. Fernando Alves Correia, in «O plano urbanístico e o princípio da igualdade», Almedina (2.ª reimpressão)/2001 , pág. 375 ; e in «Manual de direito do urbanismo», Vol. I, Almedina (4ª ed.)/2008, págs.847/848).
É que: “(...) o direito de propriedade não é um direito absoluto, podendo comportar limitações, restrições ou condicionamentos particularmente importantes no domínio do urbanismo e do ordenamento do território, em que o interesse da comunidade tem de sobrelevar o do indivíduo.» (acórdão do STA de 02.03.2004 proc.º n.º 048296, acessível in «www.dgsi.pt).
Em suma, como evidencia o Ministério Público, e tendo em com conta que se está perante obra ilegal não legalizável, inexiste qualquer ofensa ao direito de propriedade.
No que concerne à invocada falta de fundamentação, verifica-se que o ato impugnado (concordando com a informação que o antecede, da qual se apropria) contém, de forma clara e suficiente, as razões de facto e de direito que fundamentam a decisão (conforme exigido pelos art.ºs 123º, n.º 1, d), 124º, n.º 1, a) e 125º do CPA): a ilegalidade das obras efetuadas, a não reposição voluntária da legalidade urbanística e o art.º 107º, n.º 1 do RJUE.
Pelo que não padece o ato impugnado do vício de falta de fundamentação.
Julgamos ainda que nada se poderá censurar à fixação do prazo de 180 dias para a posse administrativa.
A fixação de tal prazo (decisão de caracter discricionário) foi justificada pelo R.:
“atendendo ao tipo de construção ilegal a demolir, revestimento de fibrocimento e de fibras de amianto”.
Por outra banda, a própria A. beneficiou do prazo de 90 dias que (a seu pedido) foi prorrogado por 180 dias para proceder à reposição da legalidade urbanística, não se podendo aceitar que venha agora questionar a razoabilidade desse prazo.
Acresce que não existe qualquer elemento no processo administrativo que sequer indicie qualquer “desvio de poder” que o A. parece alegar ao invocar uma “perseguição”.
O procedimento iniciou-se em 2002 com base numa queixa de terceiros, como grande parte dos procedimentos nesta matéria, e, no seu decurso, foi dada oportunidade aos interessados de se pronunciarem e de efetuarem as obras necessárias à reposição da legalidade, nada se podendo censurar à atuação do R. que, aliás, sensível às razões invocadas, decidiu prorrogar por 180 dias o prazo para realização das mesmas. O que se demonstrou é que os trabalhos de reposição da legalidade foram ordenados há cerca de três anos e meio e que nada foi feito nesse sentido pela A.
Reitera-se que não está em causa a legalidade das obras de ampliação efetuadas (não relevando, portanto, o facto das obras em causa terem sido edificadas com autorização do condomínio e as questões relativas à sua legalização já que tal matéria respeita à legalidade do ato de 4 de julho de 2012 (que ordenou a realização de trabalhos de correção ou alteração), que o ato ora impugnado executa.
A alegada violação dos princípios da atuação administrativa invocados (justiça, imparcialidade e proporcionalidade) respeita ao ato que determinou tais trabalhos e não ao ato impugnado que se limita a proceder à sua execução.
Tendo sido a notificação do ato impugnado acompanhada da informação de fls. 121 e 122 do p.a. (que constitui a sua fundamentação), não se vislumbra em que medida se possa questionar a regularidade de tal notificação (nos termos do art.º 68º do CPA, diploma legal aplicável nos termos do art.º 8º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 4/2015 de 7 de janeiro).
Note-se ainda que o despacho que ordenou a execução coerciva foi notificado à proprietária e à inquilina I. que se identificou como “inquilina do estabelecimento” (fl. 50 e 53 do p.a.) e como “sócia gerente de T., Lda.” (fl. 73 do p.a.).
Sendo certo ainda que quaisquer deficiências da notificação se refeririam a questões de eficácia e não de invalidade do ato tendo a A. ao seu dispor a faculdade prevista no art.º 60º, n.º 2 do CPTA.
Em suma o ato impugnado não padece dos vícios (próprios) que lhe são imputados pelo que se impõe a improcedência da ação.
Inexistindo qualquer conduta ilícita, (sendo válido o ato impugnado) inexiste um dos pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar decorrente da responsabilidade civil extracontratual (cfr. Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro) pelo que improcede também o pedido deduzido em c).”

Vejamos:

Refira-se desde já que se não vislumbram razões de censura da decisão recorrida, cujo teor e decisão se ratificará.

Em bom rigor está singelamente em causa um pedido de declaração de nulidade ou anulação de Despacho de 21 de janeiro de 2016 que determinou a “a posse administrativa do terreno e a reposição da situação original” o que se consubstancia na demolição da estrutura que determinou a ampliação do estabelecimento de restauração situado no local identificado e a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Correspondentemente, decidiu o Tribunal a quo julgar a Ação improcedente.

Da nulidade da sentença por contradição quanto ao direito de propriedade

Diz a recorrente que a sentença proferida pelo tribunal a quo ignorou a realidade existente partindo de um pressuposto factual incorreto o que levou a uma desqualificação jurídica do suposto direito de propriedade da recorrente.

Entende pois a Recorrente, atendendo à natureza supostamente amovível das construções edificadas no controvertido local, que as mesmas não estariam sujeitas a qualquer procedimento de controlo prévio, não podendo sequer ser consideradas edificações, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art.º 2.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16 de dezembro, por último alterado pelo D.L n.º 66/2019, de 21 de maio.

Mais alega a Recorrente que a estrutura de ampliação edificada não estará incorporada no solo com caráter de permanência, a qual poderá ser retirada num dia e que ali se encontrará há mais de 30 anos.

Conclui assim a recorrente que o tribunal a quo terá confundido os conceitos de arrendamento e propriedade não fazendo sentido referir que no direito de propriedade não se tutela o ius aedificandi, uma vez que não se estaria perante construções sujeitas a licenciamento.

Em qualquer caso, não se discorda do entendimento adotado em 1ª instância ao considerar que a recorrente não é confessadamente proprietária do imóvel mas mera arrendatária, o que desde logo compromete o argumento aduzido.

Mais se discorreu em 1ª instância que no direito de propriedade consagrado constitucionalmente, não se tutela o ius aedificandi como elemento natural e natural daquele direito - (Ac. STA de 31.03.2004, proc.º 035.338, acessível in «www.dgsi.pt ; cf. Ac. TCAN de 20.04.2012, proc.º 00538/05.3BEBRG.

Como se sumariou no acórdão deste TCAN nº 48/18.9BEVIS de 17-01-2020:
“(...) 2 – O problema do licenciamento das edificações encontra-se conexionado com a clássica questão do direito administrativo que está em saber se o Jus aedificandi é uma componente essencial do direito de propriedade do solo ou se é uma faculdade atribuída ao particular pelo direito público.
É hoje incontroverso que o Jus Aedificandi não constitui uma faculdade que decorre diretamente do direito de propriedade do solo mas um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário nos termos e condições definidas pelas normas jurídico- urbanísticas.
3 – Perante a confessada realização de obras em desconformidade com o licenciamento municipal, está a entidade administrativa legalmente vinculada a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística (v. art. 102, nº 1, alínea b), do RJUE), seja nos termos do disposto no art. 102º-A (quando for possível assegurar a conformidade da operação urbanística com as disposições legais e regulamentares em vigor), seja nos termos do disposto no art. 106º, do mesmo diploma legal (quando a legalização não for possível ou quando o interessado não responda ao repto que, para isso, lhe tenha sido efetuado).

Como se refere igualmente no Acórdão do STA de 18/02/04, no rec. 663/03, “O jus aedificandi não se apresenta à luz da Constituição como parte integrante do direito fundamental da propriedade privada”.

Como se afirmou igualmente no Ac. do STA de 21/05/2009, proc. nº 0518/08, “o direito de propriedade só tem natureza análoga aos direitos fundamentais, nos termos previstos no art. 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, enquanto categoria abstrata, entendido como direito de propriedade, ou seja, como suscetibilidade ou capacidade de aquisição de coisas e bens e à sua livre fruição e disponibilidade (núcleo essencial), e não como direito subjetivo de propriedade, isto é, com poder direto, imediato e exclusivo sobre concretos e determinados bens”; e que, como aí se acrescenta, “a sujeição do direito de construção a normas de licenciamento não afronta, naturalmente, o direito de propriedade, antes visa discipliná-lo em vista da tutela de outros interesses públicos igualmente relevantes, como o urbanismo, o ordenamento do território, a defesa do ambiente”.

Como se referiu ainda no Ac. do STA de 30/09/2009, proc. nº 0564/08, a necessidade do licenciamento não afronta o direito de propriedade tal como está gizado na Constituição (art. 62º), devendo o direito de construir ser sempre exercido dentro dos condicionamentos urbanísticos legalmente estabelecidos, de molde a não serem afrontados outros direitos e deveres também constitucionalmente consagrados.

Independentemente da natureza do título do Recorrente relativamente ao estabelecimento ampliado, o que é incontornável é que as obras de ampliação levadas a cabo no estabelecimento não se mostram licenciadas.

Assim sendo, e face à confessada realização de obras de construção em desconformidade com o licenciamento municipal, está a entidade administrativa legalmente vinculada a adotar as medidas adequadas de tutela e restauração da legalidade urbanística (v. art. 102, nº 1, alínea b), do RJUE), seja nos termos do disposto no art. 102º-A (quando for possível assegurar a conformidade da operação urbanística com as disposições legais e regulamentares em vigor), seja nos termos do disposto no art. 106º, do mesmo diploma legal (quando a legalização não for possível ou quando o interessado não responda ao repto que, para isso, lhe tenha sido efetuado).

Quanto ao prazo necessário para a demolição, veja-se que em 11.dezembro.2015 foi promovida uma inspeção conjunta com a DomusSocial, tendo-se constatado incontornavelmente que “As obras ilegais mantêm-se; Foi efetuado o reconhecimento dos trabalhos a executar. Foi transmitido pela Domus Social que atendendo ao tipo de construção ilegal a demolir, revestimento de fibrocimento e de fibras de amianto, será necessário um prazo para a execução dos trabalhos por 180 dias, conforme e-mail de 14/12/2015 registado sob o número I/213306/15/CM_”. o que só por si permite concluir da dimensão e consistência do edificado.

Por outro lado, não logrou a Recorrente fazer prova de que as obras de ampliação do estabelecimento efetuadas não careçam de licença, como decorre desde logo da descrição constante do facto provado 4: “verificaram-se desconformidades por comparação com a licença de construção aprovada para o local (licença 176/85)”, nomeadamente “ocupação do logradouro, (obras de ampliação), onde se encontra instalada uma cozinha, o refeitório, 2 armazéns e escritório”

Como se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 00132/12.2BEBRG, de 15 de julho.2016, em que o aqui relator interveio como adjunto, (…) Da matéria de facto dada como provada verifica-se, e esta questão não foi colocada em causa, que a Autora procedeu à cobertura lateral e superior do local da esplanada, através de uma estrutura amovível em perfil e em vidro e à colocação de uma porta de acesso. O chão foi pavimentado com ladrilho numa área de 27m2. Ou seja, não há dúvidas que a recorrente procedeu a uma edificação no local.
De acordo com o artigo 2º n.º 2 alínea a) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJEU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com a redação dada pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, em vigor à data, considera-se edificação: “a atividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência”.
Por seu lado, de acordo com a alínea d) do mesmo artigo, são obras de ampliação, “as obras de que resulte o aumento da área de pavimento ou de implantação, da cércea ou do volume de uma edificação existente”.
Uma construção incorporada no solo com carácter de permanência há-de ser aquela que não é amovível, que não se pode mudar de lugar. Ou seja, será aquela que não pode ser facilmente desmontada, através da retirada dos elementos que a compõem.
(…) Apesar de ter procedido à cobertura e tapagem lateral com estrutura amovível, o que é certo é que pavimentou o local. Esta pavimentação, com a cobertura e tapagem lateral, onde foi colocada uma porta, não é mais que uma edificação, da qual resultou uma ampliação da construção já pré-existente.
Uma pavimentação em ladrilho, onde se encontra fixada uma estrutura em perfil e vidro, não é uma edificação amovível, ou seja, não é uma edificação que possa ser facilmente desmontada e retirada do local. É antes uma edificação que se encontra incorporada no solo com carácter de permanência, uma vez que a sua remoção necessita de trabalhos de destruição através do arranque do ladrilho. Assim sendo, a obra em causa nos autos, uma esplanada em que foi pavimentado o chão com ladrilho e onde se encontra fixada uma estrutura em perfil e vidro, com uma porta, tem de ser considerada uma edificação e uma obra de ampliação uma vez que se pretendeu alargar a área do edifício construído no local.
Ver, neste sentido, apenas como exemplo, alguns casos semelhantes já analisados pela jurisprudência, mas onde não ocorre qualquer pavimentação do solo, portanto em situação mais precária que o caso dos autos:
“A instalação de um stand de automóveis, constituído por um contentor móvel, num terreno vedado com rede suportada por prumos implantados no solo, está sujeita a licenciamento municipal” (Ac. STA de 27/9/2001 – Processo n.º 047658);
“Nos termos do art. 1.º do DL 445/91 estão sujeitas a licenciamento, em geral, as obras de construção civil aí se compreendendo instalações para pintura e comercialização de automóveis levadas a efeito em madeira, chapa, alvenaria e metal, bastando que exista uma ligação mais ou menos permanente ao solo e sem ser preciso que haja fundações” (Ac. STA de 14/2/2006 – Processo n.º 0600/05).
Assim sendo, a edificação levada a cabo pela recorrente, sempre necessitaria de licenciamento.”

Estando manifestamente em causa obras ilegais, não podem as mesmas, naturalmente, ser merecedoras de qualquer tipo de proteção.

Como se discorreu igualmente no acórdão deste TCAN nº 3050/12BEPRT, de 17-06-2016, com o mesmo relator dos presentes Autos, “(…) o artigo 102.º, n.º 1, do RJUE, impõe que os órgãos administrativos adotem as medidas adequadas de tutela e de restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações em desconformidade com os respetivos atos administrativos de controlo prévio [cfr. alínea c)], podendo as mesmas consistir na determinação de trabalhos de correção ou alteração (cfr. n.º 2, alínea c) do artigo 102.º e 105.º do RJUE), pelo que, nada mais restava ao R. senão proceder à emissão do ato administrativo aqui impugnado.
Neste sentido, vide o Acórdão do Pleno do STA, de 11/12/1996, proferido no recurso n.º 32156, a propósito dos princípios ora sindicados, destacando-se o seguinte excerto:
“Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, estruturantes do princípio do estado de direito ..., constituem postulados ou normas de atuação a serem observados no exercício da atividade discricionária da Administração, na qual esta detenha liberdade para escolha de alternativas comportamentais, funcionando pois como limites internos dessa atividade, não relevando assim no domínio da atividade vinculada ..., consistente esta na simples subsunção de um dado concreto à previsão normativa dos comandos legais vigentes.”
Efetivamente, mal se compreenderia que fossem toleradas obras realizadas em desconformidade o projeto inicial aprovado, mormente nas fachadas do edificado, ao atropelo, designadamente, do estipulado no artigo 4º, nº 2 alínea c) do RJUE, sob pena de se gerar um pernicioso clima de impunidade permissiva.”

No referido Acórdão igualmente se sumariou que “Os princípios da justiça, da imparcialidade e da boa-fé apenas relevam no âmbito da atividade discricionária da Administração. Tais princípios são inoperantes quando a Administração põe fim a uma situação ilegal que já durava há algum tempo.”

Efetivamente e como se sumariou ainda no referido acórdão deste TCAN nº 3050/12BEPRT, de 17-06-2016:
1. Verificando-se divergências entre as plantas aprovadas no procedimento de licenciamento e a obra efetuada, mostra-se desde logo desrespeitado o artigo 4.°, n.º 2, alínea c), do RJUE
Na falta dessa conformidade, o que se impõe é a correção da obra, ao abrigo dos artigos 102º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea c) e artigo 105º do RJUE.
No caso, o artigo 102.º, n.º 1, do RJUE, impõe que os órgãos administrativos adotem as medidas adequadas de tutela e de restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações em desconformidade com os respetivos atos administrativos de controlo prévio [cfr. alínea c)], podendo as mesmas consistir na determinação de trabalhos de correção ou alteração (cfr. n.º 2, alínea c) do artigo 102.º e 105.º do RJUE), pelo que, “in casu” nada mais restava ao Município senão proceder à determinação da correção da situação, sob pena de, assim não fazendo, ser conivente com uma situação de impunidade permissiva, sempre perniciosa e potencialmente “contagiosa”.
2. Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, estruturantes do princípio do estado de direito, constituem postulados ou normas de atuação a serem observados no exercício da atividade discricionária da Administração, na qual esta detenha liberdade para escolha de alternativas comportamentais, funcionando pois como limites internos dessa atividade, não relevando assim no domínio da atividade vinculada.
Não pode o prevaricador, fazendo apelo aos princípios da boa-fé e proteção da confiança, querer obstar à operacionalização das consequências legais decorrentes da verificação das concretas ilegalidades de que enferma a obra, tanto mais que tais princípios não possuem efeitos sanatórios ao ponto de manterem na ordem jurídica uma situação ilegal que perdurava no tempo e que já devia ter sido corrigida, em conformidade com o projeto inicialmente aprovado e com as normas legais que obrigam a que as alterações efetuadas sejam alvo de licença administrativa, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea c), do RJUE.
3. Os princípios da justiça, da imparcialidade e da boa-fé apenas relevam no âmbito da atividade discricionária da Administração. Tais princípios são inoperantes quando a Administração põe fim a uma situação ilegal que já durava há algum tempo.

Do mesmo modo, atentas as ilegalidades de cariz urbanístico constatadas, não se reconhece a violação de quaisquer princípios, como decorre do acórdão do STA, de 13/11/2002, no recurso nº 44846 em cujo sumário lapidarmente se afirma que “Os princípios da justiça, da imparcialidade e da boa-fé apenas relevam no âmbito da atividade discricionária da Administração. Tais princípios são inoperantes quando a Administração põe fim a uma situação ilegal que já durava há algum tempo.”
Não pode a Recorrente opor-se à operacionalização das consequências legais decorrentes da verificação das concretas ilegalidades de que enferma a obra, tanto mais que o invocado recursivamente não tem a virtualidade de contrariar o facto da ampliação urbanística levada a cabo se mostrar ilegal, sendo que o facto de perdurar há já vários anos não possui efeitos sanatórios ao ponto de se poder manter na ordem jurídica uma situação ilegal.

Dos elementos disponíveis não se extrai a tese de que se impõe a manutenção na ordem jurídica de uma situação ilegal, no caso vertente, de obras de ampliação ilegais, porque não licenciadas, não se podendo sujeitar a Administração à situação de conviver conscientemente com uma obra que se sabe não cumprir a legalidade.

O artigo 102.º, n.º 1, do RJUE, impõe que os órgãos administrativos adotem as medidas adequadas de tutela e de restauração da legalidade urbanística quando sejam realizadas operações em desconformidade com os respetivos atos administrativos de controlo prévio [cfr. alínea c)], podendo as mesmas consistir na determinação de trabalhos de correção ou alteração (cfr. n.º 2, alínea c) do artigo 102.º e 105.º do RJUE), pelo que, nada mais restava ao Município senão proceder à emissão do ato administrativo aqui impugnado.

Efetivamente, mal se compreenderia que fossem toleradas obras realizadas em desconformidade o projeto inicial aprovado, mormente nas fachadas do edificado, ao atropelo, designadamente, do estipulado no artigo 4º, nº 2 alínea c) do RJUE, sob pena de se gerar um pernicioso clima de impunidade permissiva.

Bem andou assim a sentença do tribunal a quo, ao concluir que não houve qualquer vicio potencialmente gerador da invalidade da decisão proferida e aqui recorrida.

Do vício de falta de fundamentação
Alega a recorrente que a decisão proferida não refere as normas legais concretas violadas, o que denotaria a sua Falta de Fundamentação de Direito, ignorando que a fundamentação poderá ser adotada por remissão.

Com efeito, é inegável que o despacho objeto de impugnação remete para informação de 28.12.2015, de onde constam as razões de facto e de direito que suportam o ato.

É hoje pacífico, quer na doutrina quer na jurisprudência, no que concerne ao dever de fundamentação, que a mesma pode ser efetivada por via remissiva.

Assim, sem necessidade de acrescida argumentação, que se mostraria inútil e redundante, não se reconhece a verificação da invocada falta de fundamentação, ou quaisquer outros vícios que pudessem determinar a invalidade da Sentença Recorrida.

Julgado improcedente quer o Recurso quer a Ação, fica por natureza prejudicada a análise da peticionada atribuição de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
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Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, confirmando-se a Sentença Recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Porto, 5 de fevereiro de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa