Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01817/09.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2011
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro
Descritores:IRS
ATESTADO MEDIDO
INFORMAÇÃO VINCULATIVA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCIPIO DA JUSTIÇA MATERIAL
Sumário:Face ao teor da informação vinculativa n.º 1717/08 da Direcção-Geral de Finanças, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da justiça material, a administração fiscal tem de relevar os atestados médicos entregues pelos contribuintes para efeitos de beneficio fiscal previsto no artigo 16.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, relativamente aos anos de 2004 a 2007, emitidos à luz do regime anterior ao Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, independentemente da data em que aqueles foram notificados para apresentarem novo atestado. *
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M... e L...
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
A Fazenda Pública não se conformando com sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a impugnação judicial intentada por M… e mulher L…, casados, contribuintes fiscais n.ºs … … … e … … …, residentes na …, relativa à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2004, interpôs o presente recurso concluindo da seguinte forma as suas alegações:
«1. A factualidade e as respectivas circunstâncias que estão na génese da emissão das conclusões da “informação vinculativa” n° 1717/08, da D.S.I.R.S não são idênticas às que foram alegadas pelos impugnantes, justificando e motivando aqueloutros o procedimento administrativo excepcional (não discricionário) previsto no n°3 daquela informação, verificados que sejam pela administração tributária, os condicionalismos e os limites aí consignados, em contraponto ao procedimento - regra, seguido pela administração fiscal, em conformidade com os n°s. 1 e 2 da cit. Informação.
2. Ora, quanto à situação da impugnante mulher, não esteve em questão uma impossibilidade de, em 2007, obter um novo atestado médico de incapacidades ao abrigo da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo D. 341/93, de 30.09, complementada pelas normas e critérios essencialmente previstos no D.L. n°302/96, de 23.10, sendo que não foram trazidos ao processo o resultado da avaliação a que a impugnante se submeteu em ( Setembro de) 2007.
3. A situação da impugnante mantém, tal como é configurado pelos impugnantes e considerando os factos, dados como assentes, no probatório, não se enquadra no âmbito material da excepção consignada em 3. da dita informação vinculativa.
4. O âmbito da excepção, balizado temporalmente e em pressuposto concretos, constitui em si mesmo um limite ao arbítrio da administração tributária no que concerne à aceitação (ou não) de uma prova (ou meio de prova) de uma deficiência fiscalmente relevante.
5. A alteração dos rendimentos declarados em 2004, nos termos do art. 66° do CIRS, como acto prévio e pressuposto da liquidação impugnada, foi motivada e justificada na lei e jurisprudência consolidada nos tribunais superiores (STA e T.C.A.), em consonância, aliás, também com os princípios consignados em 1. a 2. da que viria a ser a informação n°1717/08.
6. A excepção, consignada em 3. da dita informação, não constituiu um poder discricionário da administração, mas vinculado e legal, pelo que não faz sentido falar em violação do principio da igualdade, quando se tratou, in casu, uma situação igual de forma igual à de tantos outros contribuintes.
7. Também não foi, in casu, afrontado o principio da justiça material, na medida a que o alegado direito a benefícios fiscais sempre dependeria da comprovação, de forma legalmente válida, dos pressupostos do direito a esses benefícios, ónus da contribuinte e que, porém, não se mostra satisfeito.
8. Assim, por inadequada valoração da factualidade assente, e na indevida subsunção, aos princípios da igualdade e da justiça terá sido feito errado julgamento.
Termos em que, concedido provimento ao recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada e a impugnação ser julgada improcedente.».
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Com dispensa de vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.
Questão a decidir:
Saber se para efeitos do beneficio fiscal previsto no artigo 16.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, relativamente ao ano de 2004, podia ou não a administração fiscal deixar de considerar o atestado médico apresentado pela recorrente emitido na vigência do diploma anteriormente em vigor (DL n.º 341/93, de 30 de Setembro), face à informação vinculativa n.º 1717/08 da Direcção-Geral de Impostos.
2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu como provada a seguinte matéria de facto (que se transcreve):
«1. A Impugnante apresentou a declaração de rendimentos (IRS), referente ao ano de 2004 com a indicação, de que era portador de incapacidade permanente superior a 60% (facto aceite por acordo);
2. A incapacidade foi comprovada através de declaração médica, emitida em 06.09.1996, pelo Centro de Saúde de Viana do Castelo, que atribui a incapacidade permanente global, à Impugnante de 70%, documento constante de fls. 5 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos que aqui se dá por integralmente reproduzida;
3. A Administração Fiscal procedeu às liquidações adicionais de IRS, relativa ao ano de 2004, no valor de total de 3 467,76 € (fls. 31 a 33 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos);
4. A impugnante, em 2007, requereu à Administração Regional de Saúde do Norte a realização de uma junta médica para emissão de documento que respeitasse o dec-lei n.º 202/96 de 23 de Outubro, o qual ainda não se tinha realizado à data da entrada da reclamação graciosa e presente impugnação judicial. (facto aceite por acordo e fls. 22/23 dos autos);
5. A impugnante interpôs reclamação graciosa, da liquidação de 2004, a qual foi indeferida, em 09.01.2009, conforme documente constante de fls. 57 a 59 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos);
6. Em 11.06.2007, através do ofício n.° 3671, a Impugnante foi notificada pela primeira vez, a fim de se apresentar prova documental da situação de deficiência, a qual deverá respeitar o dec-lei n.° 202/96 de 23 de Outubro (fls. 17 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos);
7. A impugnante, através do ofício n.° 17359, de 30.10.2007, foi notificada pelo Serviço de Finanças para exercer o direito de audição, do projecto de decisão de alteração dos elementos declarados no IRS (fls. 17 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos);
8. A presente impugnação foi deduzida em 02.12.2010.
2.1.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão».
2.2. De direito
A questão que acima enunciamos como constituindo o objecto do presente recurso – saber se para efeitos do benefício fiscal previsto no artigo 16.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, relativamente ao ano de 2004, podia ou não a administração fiscal deixar de considerar o atestado médico apresentado pela recorrente emitido na vigência do diploma anteriormente em vigor (DL n.º 341/93, de 30 de Setembro), face à informação vinculativa n.º 1717/08, mereceu já resposta negativa deste Tribunal no Acórdão de 12-11-2011, processo n.º 258/10.7BEBRG, a cuja fundamentação se adere nos termos do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, passando-se a transcrever:
«Como resulta do ponto I e II do presente Acórdão, a questão que urge resolver é, tão-só, a de saber se tendo sido emitida a informação vinculativa nos termos em que o foi, a Administração Fiscal estava obrigada a considerar bastante, para efeitos de comprovação de beneficio fiscal relativo ao ano de 2004, o atestado emitido - e comprovativo da incapacidade em causa – em Agosto de 1996, isto é, antes da entrada em vigor do DL n.º 202/96, de 23 de Outubro.
O Tribunal a quo, entendeu que sim, considerando que, qualquer outra interpretação, mormente a restrição daquela aceitação sujeita a uma dupla condição – ter apenas sido notificado o contribuinte em 2008 e este ter alegado a impossibilidade de obter documento nos termos legalmente exigíveis [que a administração sabia que em 2008 era já objectivamente impossível de obter] era violadora dos princípios da igualdade e da justiça material plasmados no art.º 5º/2 da LGT, razão que determinou o procedimento da impugnação .
Para assim concluir, a Meritíssima Juíza verteu na sentença em recurso o seguinte raciocínio factico-juridico: «(…) nem uma nem outra das circunstâncias referidas poderá justificar a diferença de tratamento entre os contribuintes.
Isto é, nem a diferente data da notificação levada a cabo pela Administração Tributária, nem o eventual silêncio do contribuinte em sede procedimental poderão justificar um tratamento diferente face aos restantes directamente abrangidos pela informação em causa.
Daí que, considerando a Administração Tributária que os atestados de incapacidade emitidos em data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, são idóneos para documentar deficiência fiscalmente relevante para efeitos de atribuição de benefícios fiscais, para os anos de 2004 a 2007, quando as notificações para a sua apresentação se tenham dado em 2008, necessariamente (por identidade de razão) que há-de considerar os mesmos idóneos para prova de deficiência fiscalmente relevante para efeitos de atribuição de benefícios fiscais para os mesmos anos, quando a notificação se haja dado noutra altura, sob pena de cair no arbítrio e violação dos supra-referidos princípios.».
O que, diga-se desde já, se nos afigura integralmente correcto.
Efectivamente, e contrariamente ao que parece resultar das doutas alegações da Recorrente, no caso concreto nem sequer está em causa, ou pelo menos não a título principal, saber se um diploma legal, in casu, o D.L. n.º 202/1996, de 23 de Setembro constitui ou não o preenchimento legal de um vazio legislativo, veio dispor apenas para os casos pendentes de avaliação e futuros ou, sequer, se a exigência de um novo atestado, em conformidade com as novas regras estabelecidas relativamente a cada ano fiscal a todos os contribuintes (os já há muito avaliados, os pendentes dessa avaliação à data da entrada em vigor do diploma e os que posteriormente se submeteram a essa avaliação) traduz uma aplicação retroactiva de um diploma ou violação de direitos adquiridos. Matéria que, a bem da verdade, também se diga, e contrariamente também ao que vem aduzido, não é, nem nunca foi, matéria pacifica na jurisprudência do nosso Tribunal Superior, como o revela o Acórdão do Pleno do STA de 27 de Novembro de 2002 (processo n.º 026787 e os vários arestos a que aí é feita referência e, ainda mais claramente, como resulta dos vários votos de vencido exarados naqueles].
No caso concreto, o que está em causa é saber se, tendo a Administração emitido informação vinculativa sobre «Validade dos atestados de incapacidade emitidos em data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 202/96, de 23 de Outubro”, nos termos em que o fez, poderia desconsiderar tal atestado da contribuinte em causa, apenas por esta nunca ter invocado uma impossibilidade de obtenção de atestado ou por a ter notificado para o efeito a 24 de Setembro de 2007 quando, o ano fiscal em causa era, precisamente, o ano de 2004, isto é, um dos anos em que, por força da referida informação vinculativa, a administração fiscal se auto-obrigava a considerar para efeitos daquele beneficio, um atestado emitido nos termos da legislação entretanto revogada.
E, a resposta a esta questão só pode ser, tal como o foi para o Tribunal a quo, inequivocamente negativa.
Tal não significa que este Tribunal não haja compreendido ou apreendido as circunstâncias especificas ou do caso concreto e que conduziram à emissão da referida informação vinculativa e que resultaram do facto de a Administração ter constatado que, nos casos de acções inspectivas realizadas em sede de IRS relativo aos anos 2004 a 2007, iniciadas ou em que o administrado é notificado só em 2008 para comprovar documentalmente o direito ao beneficio fiscal tal se mostrar já objectivamente impossível mercê da entrada em vigor da nova Tabela Nacional de Incapacidades (aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro e vigente desde 21 de Janeiro), impossibilidade essa que normalmente lhe era invocada.
Circunstâncias essas que, efectivamente, no caso concreto se não verificam, já que a Reclamante foi notificada para tal em Setembro de 2007.
Porém, como bem mencionado foi pela Meritíssima Juíza a quo, a exclusão da aplicação desse regime excepcional de um contribuinte assente no facto de ter sido antes de 2008 notificado para fazer essa prova ou de não ter alegado a impossibilidade de obter esse documento conduziria inaceitavelmente à aplicação de dois regimes totalmente distintos para situações materialmente iguais e com consequências graves já que a parte dos contribuintes objecto de acção inspectiva relativamente ao ano de IRS de 2004, que tivessem declarado serem titular de beneficio fiscal por serem portador de incapacidade igual ou superior a 60%, a Administração aceita o atestado apresentado ou a apresentar emitido em data anterior a Outubro de 1996; aos demais, colocados exactamente na mesma circunstância (inspecção), a Administração não aceita os referidos atestados como bastantes e procede a nova liquidação ficando a sorte dos mesmos dependente do momento em que a própria administração entendeu fazer essa inspecção, emitir um oficio ou do contribuinte ser mais ou menos expedito a receber (ou não receber) essa mesma carta ou a invocar que já não podia obter esse atestado. Ou seja, não pode ser tudo deixado ao arbítrio da oportunidade da actuação inspectiva e de circunstâncias voláteis e irrelevantes do ponto de vista de uma justa e igual justiça tributária.
Temos, pois, por seguro que, a interpretação da informação vinculativa defendida pela Administração Fiscal e que esteve na génese da decisão formulada e subsequente liquidação viola, inequivocamente, os princípio da igualdade e da justiça material com que a actuação da Administração não pode deixar de conformar-se.
Em suma: ao aceitar que parte dos contribuintes que declararam no seu IRS relativo aos anos de 2004 a 2007 ter uma incapacidade igual ou superior a 60% para efeitos de beneficiarem de isenção fiscal nos temos do art. 16º, comprovem ser merecedores dessa isenção com a simples apresentação de atestado emitido à luz do regime anterior ao Dec. Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, a Administração não pode, sob pena de violação dos princípios mencionados, deixar de aceitar como bastante para todos os demais, relativamente à comprovação de beneficiário dessa isenção para esses mesmos anos, um atestado emitido ao abrigo desse mesmo diploma legal ou, se preferirmos, ao aceitar como bastante em termos de comprovação de incapacidade e para efeitos do art. 16º, um atestado emitido ao abrigo da legislação entretanto revogada, não pode a administração exigir aos demais e relativamente aos mesmos anos, atestados emitidos ao abrigo da nova legislação sob pena de violação dos princípios de igualdade e justiça material cuja observância constitucional e legalmente lhe está imposta.
E, sendo assim, forçoso é afirmar que a sentença sob recurso não merece a censura que lhe vem assacada, antes tendo efectuado a devida apreciação de direito pelo que, a decisão recorrida que qualificou como ilegal aquela conduta e a posterior liquidação feita pela Administração Fiscal que não teve em consideração o grau de deficiência constante do referido atestado, deve ser confirmada.».
O recurso terá de improceder.
3. Decisão
Assim, em conformidade com o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Porto, 20 de Dezembro de 2011
Ass. Paula Ribeiro
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Álvaro Dantas