Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00298/11.9BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:CONTRIBUIÇÕES À SEGURANÇA SOCIAL
INIMPUGNABILIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO
Sumário:I – Por força do art.º 54.º do CPPT, no contencioso tributário o critério da impugnabilidade dos atos continua a ser o da sua lesividade imediata, objetiva, atual e não meramente potencial.
II – Nos termos do n.º 1 do art.º 627.º do CPC º (ex . art.º 676.º ) o tribunal de recurso fica impedido de conhecer questões que não tenham sido anteriormente apreciadas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social, I.P.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A…, S.A., NIPC 5…, intentou a ação administrativa especial, impugnando o despacho constante do Ofício n.º 216966, datado de 31.12.2010, do Departamento de Fiscalização do Serviço de Fiscalização do Centro do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do “Instituto da Segurança Social, I.P., no qual lhe foi dado conhecimento do relatório final e a ordem de elaboração oficiosa de declarações de remunerações em conformidade com os mapas de apuramento relativas ao períodos entre janeiro de 2006 a dezembro de 2009, a que corresponde omissões de contribuições à Segurança Social no valor de € 2 088 971,56 bem como a remessa do processo ao Centro Distrital de Aveiro para efeitos de lançamento em conta corrente.

No Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro foi proferido despacho saneador-senteça, em 16.06.2014, que julgou procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada da instância.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(…)a) O presente recurso tem por objecto o «DESPACHO SANEADOR SENTENÇA» proferido em 16/06/2014, no qual foi julgado que o acto impugnado nos presentes autos não é um acto final ou destacável (directamente lesivo) para efeitos de impugnabilidade judicial, e que, no caso dos autos, existe a particularidade de o Réu/Recorrido, na notificação do acto impugnado, ter referido expressamente que o mesmo era impugnável contenciosamente, no prazo de 3 meses, tendo com esses fundamentos sido decidido absolver o Recorrido da instância, suportando ele as custas por ter dado causa à acção.
b) Na notificação que fez à Recorrente do teor do Relatório Final do Proave n.º 201000003555, o Recorrido referiu, designadamente, que aquela dispunha «de 3 meses para impugnar contenciosamente, prazo que se suspende caso tenha reclamado ou recorrido hierarquicamente», tendo ainda, a requerimento da Recorrente, esclarecido que «o prazo de três meses para impugnação contenciosa, a que se faz referência no N/Oficio 216966, de 21/12/2010, encontra-se legalmente previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicando-se também as regras previstas naquele código em matéria de competência territorial para o efeito».
c) Tendo em consideração as indicações que lhe foram dadas pelo Recorrido quanto aos meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado (cfr. Ofício de fls. 61 e 62, bem como informação de fls. 2086-2090 do PA), e que esse meios se conformavam com o disposto no art. 77º da Lei n.º 4/2007, de 16/01, a Recorrente propôs a presente acção, nos termos em que o fez.
d) Na sequência dessas indicações do Recorrido quanto aos meios de defesa e prazo para reagir contra o acto que lhe havia sido notificado, a Recorrente não podia adoptar outra postura, sob pena de, no caso de vir o Tribunal a entender ter ela lançado mão de meio processual que não o próprio, ter de suportar todas as consequências daí decorrentes, designadamente não poder beneficiar do estatuído no art. 37º-4 do CPPT, e ainda ser responsável pelas custas a que tivesse dado causa.
e) Todavia, na Contestação que deduziu à presente acção, o Recorrido, contraditoriamente com o que anteriormente havia comunicado à Recorrente, veio alegar, designadamente, a inimpugnabilidade do acto, e a verificação de erro na forma do processo.
f) Assim, depois de, no procedimento administrativo, o Recorrido ter informado a Recorrente de que esta dispunha do prazo de «3 meses para impugnar contenciosamente», aquele, em sede de Contestação nos presentes autos, veio defender que esse acto não era susceptível de impugnação contenciosa, por alegadamente não ser «um acto imediatamente lesivo da esfera jurídica» da Recorrente, mas antes «um acto meramente interlocutório da liquidação a processar que, de per se, não desencadeia nenhuma alteração na esfera jurídica do contribuinte», pelo que a Recorrente deveria «aguardar pela prática do acto de lançamento das DR’s oficiosas, que é o acto que efectivamente lesa o seu património, dado que cria na sua esfera jurídica um débito perante a Segurança Social», acto esse que o Recorrido alegou que a Recorrente sabia «que ainda iria ser praticado, pois tal resulta claramente do Relatório Final que lhe é notificado /…/ e só depois lhe caberia avançar com a correspondente acção de impugnação judicial».
g) Esse comportamento do Recorrido, ao ter vindo defender uma tese que é absolutamente contraditória com a posição por si anteriormente assumida, e que tinha até notificado à Recorrente de forma a fazer crer a esta que o acto notificado era impugnável, designadamente, através do meio adoptado pelo Recorrente, consubstancia uma flagrante violação da norma do art. 6º-A do CPA, que impunha que o comportamento do Recorrido se pautasse pela boa fé e pela protecção da confiança suscitada.
h) Acresce que, igualmente em contradição com o pugnado pelo Recorrido nestes autos, depois de ter sido notificada do teor do acto nestes autos impugnado (notificado através do Ofício n.º 216966, elaborado no âmbito do Proave n.º 201000003555 – fls. 61 e ss.), que o Recorrido e a Sentença recorrida consideraram não consubstanciar qualquer liquidação ou a sua notificação, nunca a Recorrente foi notificada da liquidação das contribuições mencionadas no acto objecto da presente acção.
i) Aliás, mesmo após o Recorrido ter sido notificado para nos autos comprovar essa liquidação e respectiva notificação à Recorrente, verifica-se que nenhum dos documentos juntos aos autos ou constantes no PA comprova a efectivação de uma liquidação que tenha resultado do Relatório Final que foi notificado à Recorrente juntamente com o Ofício n.º 216966, elaborado no âmbito do Proave n.º 201000003555, praticado pelo Director do Serviço de Fiscalização do Centro do Recorrido ISS; e menos ainda que uma tal liquidação tenha alguma vez sido notificada à Recorrente.
j) Nem se diga que o facto de ter sido autorizada uma proposta de regularização das dívidas da Recorrente à segurança social, ao abrigo do regime criado pelo DL n.º 318/98, de 20/10, tem qualquer influência no direito de a Recorrente impugnar contenciosamente o acto que impugnou, ou, se disso fosse caso, as liquidações que na sequência dele, tivessem sido efectuadas e lhe tivessem sido notificadas, porquanto o direito de impugnação ou recurso não é renunciável, salvo nos casos previstos na lei, e a renúncia ao direito de impugnação ou recurso só é válida se constar de declaração ou outro instrumento formal (cfr. art. 96º-1-2 da LGT) – o que nunca se verificou.
k) Por conseguinte, não valendo neste domínio qualquer admissibilidade de aceitação tácita da dívida de contribuições invocada pelo Recorrido, aquela proposta de regularização, que nem sequer está demonstrado que englobe as dívidas referidas no Relatório Final, não produz qualquer efeito nos presentes autos e, designadamente em nada prejudica o direito da Recorrente ver sindicado contenciosamente o acto que decidiu impugnar através da propositura dos presentes autos, ou quaisquer liquidações que lhe venham a ser notificadas.
l) Não precludindo o pagamento das dívidas tributárias a possibilidade de as mesmas serem (ou continuarem a ser) contenciosamente impugnadas, não vislumbra a Recorrente que tal pudesse ser interpretado como renúncia ao direito de impugnar (de forma administrativa ou judicial) a legalidade de qualquer obrigação tributária que lhe seja imposta, nem a desistência ou inutilidade superveniente da impugnação contenciosa que se encontrasse pendente.
m) A petição foi articulada com fundamento no CPA e no CPTA, e foi-o tendo em consideração, designadamente, a forma de contra ele reagir que lhe foi expressamente indicada pelo Recorrido na notificação desse mesmo acto e posteriormente, e que esses meios se conformavam com o disposto no art. 77º da Lei n.º 4/2007, de 16/01, sendo, pois, a acção administrativa especial a forma processual adequada para a impugnação do acto impugnado, por o mesmo consubstanciar um acto lesivo dos direitos da Recorrente.
n) De todo o modo, sendo os actos e decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes não apenas os que efectivamente determinam uma alteração desta, mas também aqueles em que está em discussão a possibilidade de se concretizar essa alteração, sempre o acto objecto dos presentes autos seria impugnável, através do meio processual exercido pela Recorrente.
o) Ao assim não ter decidido, a douta Sentença recorrida incorreu em erro, o que deverá determinar a sua revogação e substituição por decisão que ordene a baixa dos autos ao tribunal de primeira instância, para que aí seja elaborado despacho saneador contendo, designadamente, a selecção da matéria de facto provada e não provada, e o prosseguimento os autos com a produção de prova requerida.
Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente provado e procedente, devendo consequentemente a Sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão que ordene a baixa dos autos ao tribunal de primeira instância, para que aí seja elaborado despacho saneador com selecção da matéria provada e não provada, e o prosseguimento prossigam os autos com a produção de prova requerida, com verificação das respectivas consequências legais, como é de direito e de JUSTIÇA!(…)”

1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações, formulou as seguintes conclusões:
(…)”A) O presente recurso vem interposto do douto Despacho Saneador/Sentença proferido em 16/06/2014, a qual absolveu a entidade demandada da instância, aqui Recorrido, dando por provada a arguida excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto sindicado;
B) Inconformada, vem a Recorrente apresentar recurso ordinário, ao invés de lançar mão do mecanismo previsto no n.° 4 do artigo 37.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), conforme preconizava a Sentença recorrida, assacando à mesma Erro de Julgamento, por entender que o acto de apuramento do montante de contribuições em divida à segurança social, notificado através do oficio n.° 216966 de 31/12/2010, do Departamento de Fiscalização, Sector de Aveiro, do Recorrido consubstancia em acto impugnável, considerando que o mesmo informa dos meios de reacção administrativa e contenciosa ao dispor;
C) Cumpre referir que ao estarmos perante contribuições em divida para a segurança social, e as quais, no caso sub judice, resultam de uma liquidação oficiosa, temos de cotejar o que dispõe o n.° 4 do artigo 40.° do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRC), publicado através da Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro, com entrada em vigor em 01/01/2011, o qual refere que o suprimento oficioso das declarações de remunerações é notificado à entidade contribuinte nos termos do disposto no CPA;
D) Significa isto que as notificações em matéria de liquidações oficiosas de contribuições para a segurança social, seguem o disposto nos artigos 66.° e seguintes do CPA e não o disposto no artigo 36.° do CPPT (notificações em geral), como a Recorrente pretende;
E) Na notificação efectuada deve a entidade administrativa informar, nomeadamente, qual o órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para este efeito, no caso de o acto não ser susceptível de recurso contencioso;
F) Não existindo a obrigatoriedade de nas notificações dos actos administrativos, quando susceptíveis de reacção contenciosa, ser informado o meio contencioso ao dispor;
G) Resulta que os meios de reacção contenciosa devem ser do conhecimento da entidade que pretende impugnar a decisão, não configurando a informação sobre o meio contencioso de reacção um elemento obrigatório sem o qual o acto notificado não se encontra apto a produzir os seus efeitos, vide Ao. do STA de 29/04/1997 - Rec. N.° 41171.
H) O acto impugnado pela aqui Recorrente é inimpugnável na medida em que configura um acto meramente interlocutório do procedimento, desde logo porque informa que “ ... tendo os respectivos mapas de apuramento sido remetidos ao Centro Distrital de Aveiro, para efeitos de lançamento.”, fazendo referência à junção do Relatório Final elaborado pelo Departamento de Fiscalização - Sector de Aveiro, do Recorrido, o qual finaliza da seguinte forma: “VI. Propostas (...) A conclusão do presente processo de averiguações, com a elaboração oficiosa das Declarações de Remunerações conforme mapas de apuramento anexos ao presente relatório, dos anos de 2006 a 2009, e remessa dos mesmos ao CDist de Aveiro para efeitos de lançamento das contribuições apuradas.”
I) Resulta portanto claro que o acto impugnado e agora recorrido se limitou a proceder ao apuramento de contribuições em dívida à segurança social, cabendo ao Centro Distrital de Aveiro praticar posteriormente o acto de lançamento das declarações de remunerações oficiosas na conta corrente do contribuinte - acto de liquidação;
J) Estabelece o artigo 54.° do CPPT que “salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”
L) No mesmo sentido as sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 23-4-2010, proc. n.° 613/09.5 BEBRG, e de 22-10-2010, proc. 156/09.7 BEBRG.
M) Como se pode ler no Acórdão do STA de 26-1-2011, proc. 595/10, “No domínio do contencioso tributário o critério da impugnabilidade do acto é o de lesividade objectiva, imediata, actual e não meramente potencial (produção de efeitos negativos imediatos na esfera jurídica do contribuinte que não possam ser impedidos por meios administrativos), corolário da garantia constitucional à tutela jurisdicional efectiva, com afloramentos normativos na legislação ordinária (...). É de recusar o entendimento que alargue o alcance da tutela jurisdicional a actos potencialmente lesivos ou meramente preparatórios de actos lesivos (…)”;
N) Sendo um acto meramente interlocutório da liquidação a processar que, de per se, não desencadeia nenhuma alteração da esfera jurídica do contribuinte, não havendo norma especial que preveja a sua impugnabilidade em sede de contencioso tributário;
O) Posto isto, cabe referir que a liquidação efectuada em 05/01/2011 foi notificada ao Recorrente através do ofício do Centro Distrital de Aveiro, Núcleo de Remunerações e Contribuições, datado de 31/01/2014, recebido pela mesma em 04/02/2014, conforme documento já junto aos autos.
P) Anteriormente ao mencionado oficio já a Recorrente havia sido notificada do procedimento de execução fiscal n.° 101200101005391, conduzido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., entidade administrativa com competência para assegurar a cobrança da dívida à segurança social através da instrução de processos de execução de dívidas, nos termos do disposto nas alíneas a) e d) do n.° 3 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 84/2012, de 30 de março, contemplando a divida exequenda o montante apurado e liquidado relativo ao período compreendido entre 01/2006 a 12/2009, cfr. doc. 1 junto à contestação enviada a esse tribunal em 13/11/2013;
Q) Posto isto, não pode a Recorrente arguir o desconhecimento da liquidação da divida apurada em sede de processo de averiguações, devendo a mesma ter sindicado oportunamente o acto notificado em sede de execução fiscal, o que não logrou fazer.
R) Quanto à questão da alegada caducidade das contribuições em divida e sem conceder na inimpugnabilidade do acto aqui sindicado, cumpre referir que a Lei de Bases da Segurança Social, publicada através da Lei n.° 32/2002, de 20 de Dezembro e posteriormente da Lei n.° 4/2007, de 16 de Janeiro, consta a previsão de um prazo especial de prescrição, nada se prevendo quanto à caducidade das contribuições;
S) Continuando o CRC aprovado pela Lei n° 110/09, de 16 de Setembro, e que entrou em vigor no dia 01 de Janeiro de 2011 a manter exclusivamente o regime da prescrição, afastando dessa forma o regime da caducidade das contribuições para a Segurança Social, nos termos do disposto no artigo 187.°;
T) Por sua vez, o n.° 2 do artigo 298.° do Código Civil estabelece que “Quando por força da lei ou da vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição” (sublinhado nosso). Por outro lado,
U) A jurisprudência tem sido sobejamente uniforme no entendimento de que o disposto no artigo 45.º da LGT não tem aplicabilidade na liquidação das dívidas à segurança social, nomeadamente o que dispõe o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, preferido no âmbito do processo n.° 0947/11 de 28/03/2012, do qual se transcrevem as seguintes conclusões:
“II - No caso das contribuições e quotizações em divida â Segurança Social, não é configurável, no caso dos autos, a caducidade do direito à liquidação.
III - Não é aplicável á cobrança de dívidas de contribuições e quotizações à Segurança Social e regime de caducidade previsto no art° 45.º da LGT.”
V) Ainda no mesmo sentido, o disposto no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.° 0104/12 de 30/05/2012:
“I - Não é aplicável à cobrança de dívidas de contribuição para a Segurança Social o regime de caducidade previsto no art. 45.º da LGT que, como resulta dos seus termos, só é aplicável a casos em que há lugar a liquidação da dívida e respectiva notificação, antes de ser instaurado qualquer processo executivo.
II - As obrigações de entrega das contribuições e de entrega das declarações de remunerações, por parte das entidades empregadoras, devem ser cumpridas até ao dia 1 do mês seguinte àquele a que respectivamente dizem respeito: o do exercício da actividade profissional dos trabalhadores. E se a entidade empregadora não pagar as contribuições dentro de tal prazo, são devidos juros moratórias, a cuja liquidação, por ser meramente acessória daquelas contribuições, também não se aplica o dito regime de caducidade.”
X) Consideramos assim, não ser de todo configurável a caducidade do direito à liquidação no caso das contribuições e quotizações para a Segurança Social, por histórica e legalmente inadmissível, devendo improceder o alegado pela ora Recorrente.
Pelo que bem andou a decisão do Digníssimo Tribunal a quo, a qual não apresenta qualquer erro de julgamento, atenta a lide processual tal como a Recorrente a configurou.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento de V. Exa., deverá a decisão recorrida ser mantida, por legal, não se concedendo provimento ao presente recurso.
Tudo com as devidas e legais consequências, como é de Inteira, Justiça! ”.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar verificada a exceção da inimpugnabilidade do ato administrativo.

3. DO JULGAMENTO DE FACTO

3.1 Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:


“(…)A) Em 03-01-2011, foi a Autora notificada do seguinte:
- imagem omissa -
Cfr. teor de fls. 2044 a 2085 do Processo Administrativo (PA).

B) Em 19-02-2013 foi remetido o seguinte fax à Autora:
- imagem omissa -
Cfr. teor do doc. de fls. 653 a 659 dos autos.

C) Em 04-02-2014 foi a Autora notificada do seguinte:

- imagem omissa -
Cfr. teor do doc. de fls. 651 e 652 dos autos,

4. DO JULGAMENTO DE DIREITO
A Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida por entender que a mesma incorreu em erro de julgamento de direito na medida em que decidiu que o ato impugnado não é um ato destacável e decisivo.
Recorde-se que por despacho constante do Ofício n.º 216966, datado de 31.12.2010, do Departamento de Fiscalização do Serviço de Fiscalização do Centro do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Instituto da Segurança Social, I.P., foi dado conhecimento ao Recorrente do relatório final e a ordem de elaboração oficiosa de declarações de remunerações em conformidade com os mapas de apuramento relativas aos períodos entre janeiro de 2006 a dezembro de 2009, a que corresponde omissões de contribuições à Segurança Social no valor de € 2 088 971,56 bem como a remessa do processo ao Centro Distrital de Aveiro para efeitos de lançamento em conta corrente.
A sentença recorrida sustentando-se no acórdão do Pleno do STA n.º 1481/13 de 26.02.2014, refere que “E sendo assim, e por tudo o que já se referiu supra, o acto impugnado nos presentes autos, não é um acto final ou destacável (directamente lesivo) para efeitos de impugnabilidade judicial, por força do já citado art° 54° do CPPT e do art° 86°, nº 3, da LGT.
A inimpugnabilidade do acto é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, resultando da sua verificação a absolvição da entidade demandada da instância, de acordo com o art° 89°, n° 1, alínea e) do CPTA, ex vi art° 2°, alínea e) do CPPT.
No entanto, existe no caso dos autos a particularidade de a entidade demandada, na notificação do acto impugnado, ter referido expressamente que o mesmo era impugnável contenciosamente, no prazo de 3 meses.
E sendo assim e por força do disposto no art° 37°, n° 4 do CPPT, poderá a Autora, se assim o entender, exercer o meio de reacção adequado, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão. (1) (…)”.
No caso em apreço, cumpre referir que estamos perante uma situação em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Segurança Social em suprimento das obrigações da Recorrente.
Assim, nesta situação a inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, são efetuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de ações de fiscalização ou de inspeção.
E como refere Casalta Nabais, Direito Fiscal, pág. 304, 2ª edição, “….A liquidação, lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) o lançamento subjetivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação fiscal. 2) o lançamento objetivo através do qual se determina a matéria coletável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) a liquidação stricto sensu traduzida na determinação da coleta através da aplicação da taxa à matéria coletável ou tributável e 4) as (eventuais) deduções à coleta.(…)”
Resulta da matéria assente no ponto A. que à Recorrente através do Ofício n.º 216966, datado de 31.12.2010, do Departamento de Fiscalização do Serviço de Fiscalização do Centro do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Instituto da Segurança Social, I.P., lhe foi dado conhecimento do relatório final e a ordem de elaboração oficiosa de declarações de remunerações bem como a remessa do processo ao Centro Distrital de Aveiro para efeitos de lançamento em conta corrente.
Assim, o ato final de liquidação e fixação dos montantes e respetivas taxas seria efetuado pelo Centro Distrital de Aveiro com o lançamento destas quantias na conta corrente da Recorrente.
Assim, o ato subjacente no Ofício n.º 216966, datado de 31.12.2010, do Departamento de Fiscalização do Serviço de Fiscalização do Centro do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Instituto da Segurança Social, I.P., é preparatório de um ato final de liquidação.
O art.º 54.º do CPPT, preceitua que “Salvo quando forem imediatamente lesivos do direito do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”
Por força do art.º 54.º do CPPT, no contencioso tributário o critério da impugnabilidade dos atos continua a ser o da sua lesividade imediata, objetiva, atual e não meramente potencial.
Por regra, o ato de determinação da matéria coletável não é suscetível de impugnação judicial autónoma, só podendo esse ato ser atacado na impugnação que venha a ser proposta no ato de liquidação, processo onde poderá ser invocada qualquer ilegalidade ocorrida na fase de determinação da matéria coletável.
Aqui chegados temos de concluir que a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento na medida em que o ato subjacente ao Ofício n.º 216966, datado de 31.12.2010, é um ato interlocutório e preparatório da liquidação que ocorrerá posteriormente, e por isso inimpugnável.

Alega a Recorrente que a Recorrida a informou no citado ofício que dispunha do prazo de 3 meses para impugnar contenciosamente e que tendo dúvidas a questionou posteriormente tendo sido reiterada a informação. E que em sede de contestação, veio defender que esse ato não era suscetível de impugnação contenciosa, e que a Recorrente deveria aguardar pela prática do ato de lançamento das Declarações de Remunerações. Considera o Recorrente que tal comportamento consubstancia uma flagrante violação da norma do art. 6º-A do CPA, que impunha que o comportamento do Recorrido se pautasse pela boa fé e pela proteção da confiança suscitada.
Com efeito, a atuação da Segurança Social, poderá não ter sido a mais leal, correta e transparente, no entanto, não se poderá com base no referido erro consentir a impugnabilidade do ato por que tal contraria as regras de direito.
Porém como refere a sentença recorrida, e o Recorrente está ciente, apesar de tal situação a lei permite exercício do direito de reação adequado, nos termos do art.º 37.º n.º 4 do CPPT, o qual preceitua que no caso do tribunal vier a reconhecer como estando errado o meio de reação contra o ato notificado indicado na notificação, poderá o meio de reação adequado ser ainda executado no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão.
Nesta conformidade, apesar de reconheceremos que a Recorrente foi induzida em erro pela Segurança Social, quanto à momento e forma de reação, o ato consubstanciado no supra citado ofício não é impugnável, pelo que se impõe a confirmação da sentença recorrida.

Nas conclusões j) a K) a Recorrente alega que o facto de lhe ter sido autorizada uma proposta de regularização das dívidas à segurança social, ao abrigo do regime criado pelo DL n.º 318/98, de 20/10, não tem qualquer influência no direito de impugnar contenciosamente o ato. E por conseguinte, não valendo neste domínio qualquer admissibilidade de aceitação tácita da dívida de contribuições invocada pelo Recorrido, aquela proposta de regularização, que nem sequer está demonstrado que englobe as dívidas referidas no Relatório Final, não produz qualquer efeito nos presentes autos e, designadamente em nada prejudica o direito da Recorrente ver sindicado contenciosamente o ato que decidiu impugnar através da propositura dos presentes autos, ou quaisquer liquidações que lhe venham a ser notificadas.
Nas conclusões - m) e n) – a Recorrente reporta-se à adequação do meio processual utilizado.
Como é sabido dispõe o n.º 1 do art.º 627.º do CPC (ex . art.º 676.º ) que “[a]s decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Assim nos termos do n.º 1 do art.º 627.º do CPC º (ex . art.º 676.º ) o tribunal de recurso fica impedido de conhecer questões que não tenham sido anteriormente apreciadas.
Destarte, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas sendo que delas não se conhece, uma vez que a sentença recorrida não as apreciou.
Nesta conformidade e face ao decidido ficam prejudicadas as demais questões equacionadas.


4.2. E assim, formulámos as conclusões/sumário:
I – Por força do art.º 54.º do CPPT, no contencioso tributário o critério da impugnabilidade dos atos continua a ser o da sua lesividade imediata, objetiva, atual e não meramente potencial.
II – Nos termos do n.º 1 do art.º 627.º do CPC º (ex . art.º 676.º ) o tribunal de recurso fica impedido de conhecer questões que não tenham sido anteriormente apreciadas.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, negar provimento ao recurso, e manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Após transito em julgado remeta-se cópia do presente acórdão aos Serviços do Ministério Publico, melhor identificados a fls. 634 dos autos.

Porto, 25 de janeiro de 2018
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Cristina Travassos Bento

(1) Nesse sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2011, volume I, p.361 e362.