Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00883/09.9BEBRG |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 06/27/2014 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | Pedro Nuno Pinto Vergueiro |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. NULIDADE DA SENTENÇA. JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO. CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR. NOTIFICAÇÃO POSTAL. CARTA REGISTADA. FORMALIDADE AD PROBATIONEM. ÓNUS DA PROVA. REGISTO INFORMÁTICO. |
Sumário: | I) A sentença é nula quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer” e, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado. II) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos. III) É a administração tributária que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais. IV) O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n°s 2 e 4 do artigo 28° do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário. V) - Trata-se, porém, de uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova. VI) - O registo informático dos mesmos dados de facto existente em entidades diferentes, o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da carta (CTT), é uma circunstância concreta que, num sistema de livre apreciação das provas, ainda que limitado pelo principio da persuasão racional, justifica suficientemente que se dê como provado que o registo foi efectivamente realizado. VII) Com este pano de fundo, e em função das regras que regem a contagem do prazo em apreço, com referência ao artigo 279º do Código Civil, como de resto, resulta expressamente do disposto no artigo 20º do Código de Procedimento e de Processo, contabilizado o prazo de 90 dias, podemos constatar, sem esforço que o mesmo esgotou-se durante o mês de Abril de 2009, pelo que, considerada a data de apresentação em juízo da petição inicial subjacente aos presentes autos, em 29/5/2009, tem de acompanhar-se a decisão recorrido quando concluiu que a impugnação foi intentada fora de prazo, perdendo os interessados o direito de impugnar o acto respectivo.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | A..., Lda |
Recorrido 1: | Fazenda Pública |
Votação: | Maioria |
Decisão: | Negado provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO “A…, Lda.”, identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 15-11-2013, que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de impugnar na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com as liquidações de IRC, referentes a 2004 e 2005, nos montantes de € 126.602, 49 e € 60.925,76, respectivamente. Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 858-861), nas quais enuncia as seguintes conclusões: “(…) PRIMEIRA: Competia à Fazenda Nacional demonstrar e provar que as liquidações em causa nos autos foram notificadas e recebidas pela impugnante. SEGUNDA: Não consta dos autos elementos probatórios que permitissem ao Tribunal dar como provada que a impugnante tivesse sido notificada das liquidações em 4/12/2008 TERCEIRA: Ainda que assim fosse, o que apenas se admite para efeitos de raciocínio académico, jamais o Tribunal poderia dar esta concreta factualidade como provada, já que, nos termos do disposto no artigo 264º do CPC, em vigor à data da discussão dos autos, o Juiz só pode fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes, sendo que a fazenda Pública, na sua contestação, não alegou esta concreta factualidade. QUARTA: Ao apreciar uma concreta factualidade não alegada pelas partes, o Tribunal pronunciou-se e conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo, por isso, nos termos legais, nula a sentença, o que se requer venha a ser reconhecido. QUINTA: Não tendo a Fazendo Pública produzida prova de que a impugnante tivesse sido notificada das liquidações, não pode a recorrente conformar-se com a decisão proferida a respeito da matéria de facto, nomeadamente a vertida nos pontos 2., 3. e 4. dos factos Provados. SEXTA: Pois que, atendendo à total e absoluta falta de prova de que a impugnante tivesse sido notificada das liquidações de IRC, referentes aos anos de 2004 e 2005, cujo ónus da prova competia à Fazenda Nacional, impunha-se que o tribunal tivesse dado aquela concreta factualidade como não provada SÉTIMA: Daí que se entenda que estes concretos pontos de facto - N.ºs 2., 3. e 4. dos Factos Provados - foram incorrectamente julgados, por se considerar que, por total e absoluta falta de prova, impunha-se decisão sobre a matéria de facto impugnada diversa da recorrida, devendo essa concreta factualidade ser levada à matéria dos Factos Não Provados. TERMOS EM QUE, JULGANDO-SE PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, FARÃO, V/ EXAS, JUÍZES DESEMBARGADORES, A COSTUMADA JUSTIÇA. A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pela improcedência do presente recurso. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em indagar da invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia, do apontado erro no julgamento da matéria de facto e ainda apreciar a matéria da caducidade do direito de impugnar. 3. FUNDAMENTOS3.1. DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “… 1. Na sequência da acção inspectiva à contabilidade da sociedade comercial “A…., Lda.”, Contribuinte Fiscal n° 5…, a Administração Tributária considerou que a mesma detinha na sua contabilidade facturas que não correspondiam a serviços efectivamente prestados. 2. A Administração Tributaria emitiu as liquidações de IRC, referentes a 2004 e 2005, respectivamente nos montantes de € 126.602, 49 e € 60.925,76, que admitiam pagamento voluntário até 8/1/2009, conforme documentação de fls. 209/216, que se dá por reproduzida. 3. A Administração Tributária remeteu à impugnante, sob registo postal RY472126678PT, RY472138614PT e RY472066501PT, as liquidações aludidas em 2, referentes ao IRC de 2004, juros e nota de compensação. 4. A Administração Tributária remeteu à impugnante, sob registo postal RY472160983PT, RY472165416PT e RY472143265PT, as liquidações aludidas em 2, referentes ao IRC de 2005, juros e nota de compensação. 5. Dá-se por reproduzida a documentação que consta a fls. 176/182, prestada pelos CTT, referente aos registos identificados em 3 e 4, donde resulta que as cartas correspondentes foram entregues em 4/12/2008. 6. Dá-se por reproduzida a documentação que consta a fls. 246/248, do sistema electrónico de notificações, referente às notificações das liquidações impugnadas. 7. A impugnante não deduziu reclamação graciosa em relação às liquidações referidas em 2. 8. A Administração Tributária, em 30/1/2009, instaurou contra a sociedade comercial “A. …, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, o Processo de Execução Fiscal nº 0370200901001167, com vista à cobrança das quantias constantes das liquidações impugnadas. 9. A petição inicial de fls. 4/17 foi apresentada em 2/7/2009. FACTOS NÃO PROVADOS Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.” «» 3.2. DE DIREITO Assim sendo, assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por excesso de pronúncia. Com efeito, no âmbito das suas alegações, a Recorrente aponta que não consta dos autos elementos probatórios que permitissem ao Tribunal dar como provada que a impugnante tivesse sido notificada das liquidações em 4/12/2008, sendo que, ainda que assim fosse, o que apenas se admite para efeitos de raciocínio académico, jamais o Tribunal poderia dar esta concreta factualidade como provada, já que, nos termos do disposto no artigo 264º do CPC, em vigor à data da discussão dos autos, o Juiz só pode fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes, sendo que a fazenda Pública, na sua contestação, não alegou esta concreta factualidade e ao apreciar uma concreta factualidade não alegada pelas partes, o Tribunal pronunciou-se e conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo, por isso, nos termos legais, nula a sentença, o que se requer venha a ser reconhecido. Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia. Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questões, para este efeito (contencioso tributário), são tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado. Em suma, esta nulidade colhe o seu fundamento no princípio dispositivo e corresponde à sanção pela inobservância da regra acolhida no n.º 2 do artigo 660.º do CPC. A partir daqui, é manifesto que a Recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade da sentença, dado que, em sede de contestação, a Fazenda Pública invoca expressamente a questão da caducidade do direito de impugnar os tributos (apontando que as notificações das liquidações em apreço ocorreram em 10-12-2008 de acordo com a informação do Serviço de Finanças prestada através do ofício nº 1127 remetido ao Tribunal em 21-09-2009 bem como dos extractos do sistema informático, constando de tais liquidações como data limite de pagamento 08-01-2009), sendo que a consideração desta matéria, que também é de conhecimento oficioso, pode envolver, como no caso presente (sendo que estes elementos foram solicitados ainda antes de ter sido ordenada a notificação da FP para contestar), a ponderação de matéria entretanto junta aos autos por determinação do Tribunal, sendo óbvio que o Tribunal pode ter uma leitura diferente das partes no que concerne ao real enquadramento factual da situação, situação que não se confunde com a consideração de matéria não alegada, de modo que é manifesto que o Tribunal “a quo” não excedeu os seus poderes, o que afasta a invocada nulidade prevista nos artigos 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 668º nº 1 alínea d), do C. Proc. Civil (actual art. 615º nº 1 al. d)), nada mais se impondo apreciar neste âmbito. Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida. Custas pela Recorrente. Notifique-se. D.N..Porto, 27 de Junho de 2014 Ass. Pedro Vergueiro Ass. Mário Rebelo ("Vencido quanto à questão da notificação da liquidação nos termos do Ac. do STA nº 0472/13 de 29/05/2013") Ass. Fernanda Esteves |