Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00883/09.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/27/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
NULIDADE DA SENTENÇA.
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.
CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR.
NOTIFICAÇÃO POSTAL.
CARTA REGISTADA.
FORMALIDADE AD PROBATIONEM.
ÓNUS DA PROVA.
REGISTO INFORMÁTICO.
Sumário:I) A sentença é nula quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer” e, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.
II) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
III) É a administração tributária que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.
IV) O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n°s 2 e 4 do artigo 28° do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário.
V) - Trata-se, porém, de uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.
VI) - O registo informático dos mesmos dados de facto existente em entidades diferentes, o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da carta (CTT), é uma circunstância concreta que, num sistema de livre apreciação das provas, ainda que limitado pelo principio da persuasão racional, justifica suficientemente que se dê como provado que o registo foi efectivamente realizado.
VII) Com este pano de fundo, e em função das regras que regem a contagem do prazo em apreço, com referência ao artigo 279º do
Código Civil, como de resto, resulta expressamente do disposto no artigo 20º do Código de Procedimento e de Processo, contabilizado o prazo de 90 dias, podemos constatar, sem esforço que o mesmo esgotou-se durante o mês de Abril de 2009, pelo que, considerada a data de apresentação em juízo da petição inicial subjacente aos presentes autos, em 29/5/2009, tem de acompanhar-se a decisão recorrido quando concluiu que a impugnação foi intentada fora de prazo, perdendo os interessados o direito de impugnar o acto respectivo.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A..., Lda
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Maioria
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“A…, Lda.”, identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 15-11-2013, que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de impugnar na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com as liquidações de IRC, referentes a 2004 e 2005, nos montantes de € 126.602, 49 e € 60.925,76, respectivamente.

Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 858-861), nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
PRIMEIRA: Competia à Fazenda Nacional demonstrar e provar que as liquidações em causa nos autos foram notificadas e recebidas pela impugnante.
SEGUNDA: Não consta dos autos elementos probatórios que permitissem ao Tribunal dar como provada que a impugnante tivesse sido notificada das liquidações em 4/12/2008
TERCEIRA: Ainda que assim fosse, o que apenas se admite para efeitos de raciocínio académico, jamais o Tribunal poderia dar esta concreta factualidade como provada, já que, nos termos do disposto no artigo 264º do CPC, em vigor à data da discussão dos autos, o Juiz só pode fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes, sendo que a fazenda Pública, na sua contestação, não alegou esta concreta factualidade.
QUARTA: Ao apreciar uma concreta factualidade não alegada pelas partes, o Tribunal pronunciou-se e conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo, por isso, nos termos legais, nula a sentença, o que se requer venha a ser reconhecido.
QUINTA: Não tendo a Fazendo Pública produzida prova de que a impugnante tivesse sido notificada das liquidações, não pode a recorrente conformar-se com a decisão proferida a respeito da matéria de facto, nomeadamente a vertida nos pontos 2., 3. e 4. dos factos Provados.
SEXTA: Pois que, atendendo à total e absoluta falta de prova de que a impugnante tivesse sido notificada das liquidações de IRC, referentes aos anos de 2004 e 2005, cujo ónus da prova competia à Fazenda Nacional, impunha-se que o tribunal tivesse dado aquela concreta factualidade como não provada
SÉTIMA: Daí que se entenda que estes concretos pontos de facto - N.ºs 2., 3. e 4. dos Factos Provados - foram incorrectamente julgados, por se considerar que, por total e absoluta falta de prova, impunha-se decisão sobre a matéria de facto impugnada diversa da recorrida, devendo essa concreta factualidade ser levada à matéria dos Factos Não Provados.
TERMOS EM QUE, JULGANDO-SE PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, FARÃO, V/ EXAS, JUÍZES DESEMBARGADORES, A COSTUMADA JUSTIÇA.

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pela improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em indagar da invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia, do apontado erro no julgamento da matéria de facto e ainda apreciar a matéria da caducidade do direito de impugnar.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. Na sequência da acção inspectiva à contabilidade da sociedade comercial “A…., Lda.”, Contribuinte Fiscal n° 5…, a Administração Tributária considerou que a mesma detinha na sua contabilidade facturas que não correspondiam a serviços efectivamente prestados.
2. A Administração Tributaria emitiu as liquidações de IRC, referentes a 2004 e 2005, respectivamente nos montantes de € 126.602, 49 e € 60.925,76, que admitiam pagamento voluntário até 8/1/2009, conforme documentação de fls. 209/216, que se dá por reproduzida.
3. A Administração Tributária remeteu à impugnante, sob registo postal RY472126678PT, RY472138614PT e RY472066501PT, as liquidações aludidas em 2, referentes ao IRC de 2004, juros e nota de compensação.
4. A Administração Tributária remeteu à impugnante, sob registo postal RY472160983PT, RY472165416PT e RY472143265PT, as liquidações aludidas em 2, referentes ao IRC de 2005, juros e nota de compensação.
5. Dá-se por reproduzida a documentação que consta a fls. 176/182, prestada pelos CTT, referente aos registos identificados em 3 e 4, donde resulta que as cartas correspondentes foram entregues em 4/12/2008.
6. Dá-se por reproduzida a documentação que consta a fls. 246/248, do sistema electrónico de notificações, referente às notificações das liquidações impugnadas.
7. A impugnante não deduziu reclamação graciosa em relação às liquidações referidas em 2.
8. A Administração Tributária, em 30/1/2009, instaurou contra a sociedade comercial “A. …, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº 5…, o Processo de Execução Fiscal nº 0370200901001167, com vista à cobrança das quantias constantes das liquidações impugnadas.
9. A petição inicial de fls. 4/17 foi apresentada em 2/7/2009.
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.”
«»
3.2. DE DIREITO
Assim sendo, assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Com efeito, no âmbito das suas alegações, a Recorrente aponta que não consta dos autos elementos probatórios que permitissem ao Tribunal dar como provada que a impugnante tivesse sido notificada das liquidações em 4/12/2008, sendo que, ainda que assim fosse, o que apenas se admite para efeitos de raciocínio académico, jamais o Tribunal poderia dar esta concreta factualidade como provada, já que, nos termos do disposto no artigo 264º do CPC, em vigor à data da discussão dos autos, o Juiz só pode fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes, sendo que a fazenda Pública, na sua contestação, não alegou esta concreta factualidade e ao apreciar uma concreta factualidade não alegada pelas partes, o Tribunal pronunciou-se e conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo, por isso, nos termos legais, nula a sentença, o que se requer venha a ser reconhecido.

Segundo o disposto no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é nula a sentença quando ocorra “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”. Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia.

Assim, incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questões, para este efeito (contencioso tributário), são tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.

Em suma, esta nulidade colhe o seu fundamento no princípio dispositivo e corresponde à sanção pela inobservância da regra acolhida no n.º 2 do artigo 660.º do CPC.

A partir daqui, é manifesto que a Recorrente não tem razão no que diz respeito à invocada nulidade da sentença, dado que, em sede de contestação, a Fazenda Pública invoca expressamente a questão da caducidade do direito de impugnar os tributos (apontando que as notificações das liquidações em apreço ocorreram em 10-12-2008 de acordo com a informação do Serviço de Finanças prestada através do ofício nº 1127 remetido ao Tribunal em 21-09-2009 bem como dos extractos do sistema informático, constando de tais liquidações como data limite de pagamento 08-01-2009), sendo que a consideração desta matéria, que também é de conhecimento oficioso, pode envolver, como no caso presente (sendo que estes elementos foram solicitados ainda antes de ter sido ordenada a notificação da FP para contestar), a ponderação de matéria entretanto junta aos autos por determinação do Tribunal, sendo óbvio que o Tribunal pode ter uma leitura diferente das partes no que concerne ao real enquadramento factual da situação, situação que não se confunde com a consideração de matéria não alegada, de modo que é manifesto que o Tribunal “a quo” não excedeu os seus poderes, o que afasta a invocada nulidade prevista nos artigos 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 668º nº 1 alínea d), do C. Proc. Civil (actual art. 615º nº 1 al. d)), nada mais se impondo apreciar neste âmbito.
A Recorrente insiste depois que não tendo a Fazendo Pública produzido prova de que a impugnante tivesse sido notificada das liquidações, não pode a recorrente conformar-se com a decisão proferida a respeito da matéria de facto, nomeadamente a vertida nos pontos 2., 3. e 4. dos factos Provados, pois que, atendendo à total e absoluta falta de prova de que a impugnante tivesse sido notificada das liquidações de IRC, referentes aos anos de 2004 e 2005, cujo ónus da prova competia à Fazenda Nacional, impunha-se que o tribunal tivesse dado aquela concreta factualidade como não provada, o que significa que estes concretos pontos de facto - N.ºs 2., 3. e 4. dos Factos Provados - foram incorrectamente julgados, por se considerar que, por total e absoluta falta de prova, impunha-se decisão sobre a matéria de facto impugnada diversa da recorrida, devendo essa concreta factualidade ser levada à matéria dos Factos Não Provados.
A partir daqui, cabe indagar da relevância do exposto pela Recorrente no que se refere ao acerto ou não da decisão recorrida quer no que concerne à consideração dos factos que a Recorrente agora pretende discutir, quer quanto concluiu no sentido de que se encontrava demonstrado que a impugnante foi notificada das liquidações em 04-12-2008 para depois formar o seu raciocínio que conduziu à procedência da excepção de caducidade do direito de deduzir impugnação.
Neste domínio, importa retomar o exposto no Ac. do T.C.A. Sul de 10-07-2012, Proc. nº 05672-12 Em que o Relator e 1ª Adjunto neste processo são os mesmos, ao que se crê ainda inédito, onde se apontou que:
“…
Sobre a matéria essencial que envolve os autos, crê-se pertinente aludir ao recente Ac. do S.T.A. de 16-05-2012, Proc. nº 01181/11, www.dgsi.pt, que analisa todo o percurso relativo à matéria que também interessa para estes autos, onde se aponta que:
“A questão jurídica a resolver consiste, pois, em determinar se o registo postal da carta que contém a notificação do imposto apenas pode ser provado pelo recibo emitido e entregue ao remetente pelos CTT ou também pode ser demonstrado por outros meios de prova, designadamente os registos informáticos da emissão, distribuição e entrega daquela correspondência existentes nos respectivos serviços.
Tem-se presente que a notificação é um acto independente e com vida própria relativamente ao acto a notificar. Todo o acto tributário necessita de ser notificado para produzir plenos efeitos na esfera jurídica do destinatário, erigindo-se a notificação em corolário da eficácia do acto (cfr. nº 6 do art. 77° da LGT e nº 1 do art. 36º do CPPT). O acto que se notifica deve cumprir determinados requisitos legais para ser válido, mas esses requisitos não dão eficácia ao acto notificado. A eficácia produz-se mediante a notificação, através da qual se dá a conhecer aos interessados os actos que os afectam. A separação nítida entre acto notificado – o que deve cumprir os requisitos de legalidade para ser válido – e acto de notificação, o veículo que dá a conhecer o acto notificado, significa que ambos tomam caminhos jurídicos diversos quanto à sua configuração e respectivo regime jurídico.
Deste modo, podemos assinalar às notificações tributárias algumas características básicas que as distinguem no universo dos demais actos jurídicos: (1) é um acto independente do acto que notifica, ainda que praticado em função dele; (ii) é um acto externo de comunicação, uma vez que põe em relação a administração tributária com o contribuinte; (iii) é um acto expresso, com destinatário perfeitamente individualizado; (iv) é um acto de trâmite, mas que se efectua no âmbito de um (sub)procedimento autónomo; (v) é um acto documental, uma vez que se realiza de forma a colocar o acto tributário na esfera de perceptibilidade do seu destinatário; (vi) é um acto regulado por normas de procedimento, que fixam os requisitos formais da sua produção; (vii) e é um acto que se produz de modo oficial e oficioso.
O facto da notificação corresponder ao exercício de uma actividade documentada, em virtude da qual se comunica oficiosamente ao interessado um determinado acto tributário e que lhe dá a eficácia desejada, tem como consequência que a prova da sua existência pertence à Administração. É a administração tributária quem toma a iniciativa de dirigir a notificação ao contribuinte e por isso é ela quem tem o ónus de demonstrar que o fez de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.
No caso dos autos, a notificação respeita a liquidações adicionais do IVA apuradas na sequência de inspecção tributária, onde a recorrente exerceu o direito de audição. O artigo 92º do CIVA estabelece que a notificação dessas liquidações é feita nos termos do CPPT. Por sua vez, o nº 3 do artigo 38º do CPPT prescreve que as liquidações que resultem de «correcção à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada».
O procedimento de notificação por carta registada, regulado nos artigos 35º a 39º do CPPT e no artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo DL nº 176/88 de 18/5, compreende os seguintes actos: (i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo.
Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade.
O «recibo de aceitação» e o «recibo de entrega» da carta registada pelos serviços postais, previstos nos nºs 2 e 4 do artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi remetida e colocada ao alcance do destinatário. Para a administração tributária é suficiente exibir o recibo da apresentação em mão da carta expedida sob registo, pois, não tendo sido devolvida a carta, o nº 1 do artigo 39º do CPPT presume que a notificação se efectuou no 3º dia posterior ao registo. Porque a comunicação é efectuada através dos serviços postais, que podem levar algum tempo a colocar a carta em condições do destinatário ter possibilidade de conhecer a sua existência, através de uma regra de experiência (id quod plerumque accidit), a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil.
Deste modo, o registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando. Mas a «presunção» que tem por base o registo postal, não existe se o registo não for feito.
No caso concreto, a recorrida Fazenda Pública não juntou aos autos o recibo da expedição da carta sob registo. Perante essa omissão, a recorrente conclui que não está provado o dia em que foi efectuado o registo postal da notificação, o que é impeditivo do funcionamento da presunção do nº 1 do artigo 39º do CPPT. A tese da recorrente parece ser no sentido de que o recibo de apresentação da carta é único meio de prova de que a mesma foi expedida sob registo, não admitindo que os “prints internos” da administração fiscal e dos CTT sejam documentos idóneos para provar que o registo foi feito.
Não se dúvida que o recibo da apresentação da carta nos serviços de correio é de grande importância probatória do registo postal e por isso mesmo pode questionar-se se o recibo tem preponderância absoluta como meio de prova ou se é possível prová-lo por outros meios.
O registo postal, com ou sem aviso de recepção, apenas se justifica por uma questão de segurança probatória. É uma formalidade que a lei prevê para melhor garantir a certeza jurídica da cognoscibilidade do acto notificado, evitando o risco de se invocar a falta de notificação. E resulta claramente do artigo 28º do RSPC que a finalidade tida em vista ao se exigir o recibo foi apenas a de obter prova segura acerca do registo e não qualquer outra finalidade. Assim sendo, e aplicando o critério do nº 2 do artigo 364º do Código Civil, deve considerar-se o recibo do registo da carta como uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova. …”.
No caso presente, o presente processo contém os dados vertidos no sistema electrónico de notificações e ainda os registos constantes do site dos CTT.
Quanto ao primeiro elemento, é possível apreender que a Administração Tributaria emitiu as liquidações de IRC, referentes a 2004 e 2005, respectivamente nos montantes de € 126.602, 49 e € 60.925,76, que admitiam pagamento voluntário até 8/1/2009, conforme documentação de fls. 209/216, bem como que a Administração Tributária remeteu à impugnante, sob registo postal RY 472126678PT, RY472138614PT e RY472066501PT, as liquidações aludidas em 2, referentes ao IRC de 2004, juros e nota de compensação e remeteu à impugnante, sob registo postal RY 472160983PT, RY472165416PT e RY472143265PT, as liquidações aludidas em 2, referentes ao IRC de 2005, juros e nota de compensação.
Por sua vez, no registo dos CTT, cuja cópia consta de fls. 176/182, consta a data da aceitação do registo (03-12-2008), os referidos números de registo, a indicação de que as cartas foram entregues e a respectiva data (04-12-2008).

Nesta medida, e retomando o Ac. do T.C.A. Sul de 10-07-2012, Proc. nº 05672-12, apoiado no referido Ac. do S.T.A. de 16-05-2012, Proc. nº 01181/11, www.dgsi.pt, verifica-se que “Do confronto entre os dois registos pode concluir-se, com elevado grau de probabilidade, que as notificações das liquidações foram remetidas à recorrente através de registo postal. A circunstância de constar nos registos informáticos de entidades diferentes os mesmos números de registo das notificações, a mesma indicação de que foi conseguida a entrega das cartas e as mesmas datas, segundo as regras da lógica e da experiência, que nos indicam não ser credível uma hipotética combinação entre ambas as entidades, pode considerar-se prova bastante, ainda que seja por meio de presunção judicial, de que o registo das cartas ocorreu efectivamente …”.
Na verdade, e aproveitando a linha de raciocínio do aludido Acórdão, para efeito de resultado probatório, o registo informático dos mesmos dados de facto existente em entidades diferentes, o emissor e o distribuidor da carta, é uma circunstância concreta que, num sistema de livre apreciação das provas, ainda que limitado pelo principio da persuasão racional (cfr. arts. 655º e 158º do CPC), justifica suficientemente que se dê como provado que os registos foram efectivamente realizados em 03-12-2008.
A partir daqui, como se aponta no citado Ac. do S.T.A. de 16-05-2012, Proc. nº 01181/11, www.dgsi.pt, “funciona a presunção do nº 1 do artigo 39º do CPPT, pertencendo ao destinatário o ónus de demonstrar que, apesar do registo, não chegou a receber as cartas. É verdade que a atribuição legal de certa relevância ao registo não dá certeza de que o seu destinatário as recebeu no prazo de três dias, havendo sempre o risco de as não ter recebido. E, como referimos, é por isso mesmo que o nº 2 do artigo 39º permite ao notificado ilidir aquela presunção «quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida», solicitando à administração tributária e ao tribunal que requeiram aos correios a informação sobre «a data efectiva da recepção» ou, como também se estabelece no art. 6º do RSPC, qualquer outro «documento comprovativo» do destino que lhe foi dado.
Como se vê, os nºs 1º e 2º do artigo 39º CPPT indicam claramente o efeito que a lei quer atribuir ao registo: trata-se de uma presunção juris tantum da demora que levará a fazer a comunicação postal (cfr. Ac do STA, de 2/3/2011, rec nº 0967/10). Se o registo da carta liberta a administração tributária do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, este tem o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente ou que nunca a recebeu, …”.
Assim sendo, e na medida em que acolhe, com a devida vénia, a matéria descrita no Ac. do S.T.A. apontado nos autos, que representa uma análise bondosa da realidade em apreço, não temos dúvidas em afirmar a bondade da posição do Tribunal recorrido em termos de decisão da matéria de facto em relação aos pontos criticados pela Recorrente, mas também quanto à afirmação da notificação das liquidações descritas, impondo-se à ora Recorrente o ónus de provar que, na situação concreta, tal como alega, nunca recebeu as aludidas notificações, o que não se verifica nos autos.
A partir daqui, como é natural, ganha acuidade o exposto na decisão recorrida quando considera que os elementos constantes dos autos são suficientes para se poder concluir pela notificação das liquidações em 4/12/2008, de que resultou imposto a pagar até 8/1/2009, nos montantes de € 126.602, 49 e € 60.925,76, sendo ainda de notar que não foi deduzida qualquer reclamação.
Ora, estabelece-se no art. 102º nº 1 do CPPT que:
«A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos seguintes factos:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste código;
f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.”.
Com este pano de fundo, e em função das regras que regem a contagem do prazo em apreço, com referência ao artigo 279º do
Código Civil, como de resto, resulta expressamente do disposto no artigo 20º do Código de Procedimento e de Processo, contabilizado o prazo de 90 dias, podemos constatar, sem esforço que o mesmo esgotou-se durante o mês de Abril de 2009, pelo que, considerada a data de apresentação em juízo da petição inicial subjacente aos presentes autos, em 29/5/2009, tem de acompanhar-se a decisão recorrido quando concluiu que a impugnação foi intentada fora de prazo, perdendo os interessados o direito de impugnar o acto respectivo.

Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 27 de Junho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo ("Vencido quanto à questão da notificação da liquidação nos termos do Ac. do STA nº 0472/13 de 29/05/2013")

Ass. Fernanda Esteves