Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00345/06.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/12/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IVA.
CORRECÇÃO À MATÉRIA COLECTÁVEL COM REFERÊNCIA AO DISPOSTO NO ARTIGO 19º Nº 3 DO CIVA.
Sumário:I) Como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade, sendo que feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
II) Particularizando, cabe ainda notar que para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, não constitui requisito do direito à dedução, nas operações internas, que tenha sido o emitente da factura a transmitir os bens ou a prestar os serviços, sendo que o constitui requisito desse direito é que tenha sido o utilizador a adquirir esses bens e serviços. É o que resulta do n.º 1 do artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, segundo o qual «só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens e serviços adquiridos…».
III) No caso presente, para além da falta de uma verdadeira discussão da matéria em apreço, relacionada com as transacções ocorridas entre o ora Recorrida e as duas empresas em causa, fica a sensação que este RIT é uma mera consequência da inspecção desenvolvida à actividade destas últimas, ou seja, quem contratou com as mesmas, viu desconsideradas as facturas que titulam as transacções realizadas com as aludidas empresas, o que significa que, desde logo, não é controvertido que o ora Recorrido contabilizou as facturas emitidas pelas suas fornecedoras e emitiu as respectivas declarações periódicas, o que terá feito nos termos previstos na lei, visto que não foi apontada nenhuma irregularidade nem a essas declarações nem a elementos contabilísticos que as suportassem, o que significa que não existe qualquer elemento avançado pela AT no sentido de colocar em crise a presunção da verdade a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, quanto aos elementos inseridos nessas declarações.
IV) A partir daqui, cabia à AT no âmbito da sua actividade fiscalizadora averiguar da sua conformidade com a verdade fiscal do sujeito passivo e, sendo caso disso, reunir os indicadores que, apesar do cumprimento formal dos seus deveres declarativos e de escrituração, e da aparência de colaboração com a administração fiscal que dele decorre, não teria o direito à dedução arrogado nesses documentos, o que a administração tributária pretendeu fazer precisamente através da acção de fiscalização descrita.
V) Todavia, dessa acção de fiscalização, e na parte em que incidiu sobre a escrita do Recorrido também não foram extraídos elementos que infirmassem as declarações, não se vislumbrando em qualquer dos elementos presentes nos autos qualquer esboço de análise ou de integração da matéria apontada às empresas em apreço em função dos elementos apresentados pelo Recorrido, sendo que a AT procedeu até à notificação do ora Recorrido para apresentar um conjunto de elementos que integram o Anexo 2 e não se detecta uma palavra sobre os elementos apresentados, do mesmo modo que o ora Recorrido juntou a estes autos de impugnação todo um conjunto de documentos, nomeadamente cheques, sendo que a AT não produziu contestação e não tomou qualquer posição sobre a vasta documentação apresentada e que pretendia, em primeira linha, colocar em crise a posição da AT neste âmbito.
VI) Por outro lado, não se vislumbra qualquer ocorrência de que pudesse decorrer violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo no decurso da inspecção, não havendo notícia de que lhe tenham sido solicitados elementos adicionais que não tivesse apresentado, ou que lhe tivessem sido solicitados esclarecimentos sobre a natureza dessas operações, de modo que, as únicas razões que levaram a administração tributária a concluir que as facturas em causa não respeitaram a fornecimentos efectuados dizem respeito às emitentes dessas facturas e aos indicadores de que essas sociedades não teriam meios para realizar os mesmos.
VII) Ora, tendo presente o teor das facturas que o ora Recorrido juntou aos autos, a compra de rolhas é um elemento menor das transacções comerciais tituladas entre o Recorrido e as aludidas empresas, pois que estão em causa, predominantemente, compras de cortiça do mato, raça, situação que afasta a essência da posição da AT, pelo que, tem de entender-se que de todo o exposto decorre que a AT não conseguiu reunir indicadores susceptíveis de constituir (para utilizar a expressão do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-04-2002) «a prova, em tribunal, do bem fundado da formação das suas presunções de inexistência dos factos tributários» a que se reportam as facturas em causa e, por conseguinte, da legalidade do acto impugnado, o que equivale a dizer que a AT não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim acompanhar a decisão recorrida quando determinou a anulação das liquidações impugnadas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 28-05-2010, que julgou procedente a pretensão deduzida por J… na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com as liquidações adicionais de IVA nºs: 0523522, no valor de € 3.894,24; 05235224, no valor de € 12.804,14; 05235226, no valor de € 11.320,20; 05235230, no valor de € 16.766,49; 05235232, no valor de € 14.741,04; 05235234, no valor de € 4.097,00; 05235238, no valor de € 5.637,30; 05235240, no valor de € 12.264,50; e correspondentes liquidações de juros compensatórios.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 267-279), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1) As liquidações de IVA impugnadas provêm do facto de não ter sido considerado pela inspecção tributária, o IVA suportado por facturas emitidas por C…, Lda e por E…, Lda.
2) Na sentença recorrida considera-se que a Administração tributária não fez constar do seu Relatório de inspecção Tributária indícios suficientes de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas.
3) A convicção do tribunal baseou-se nos documentos e informações constantes do processo, mas foi desvalorizada totalmente a prova documental constituída pelo anexo 3 que integra o relatório de inspecção tributária, onde se concluía que as facturas dos emitentes aqui em causa eram fictícias.
4) Na prova documental junta aos autos, concretamente o relatório de Inspecção Tributária elaborado em 31/05/2004 e relativo às empresas C…, Lda e E…, Lda, e que se encontra no anexo 3 do relatório de inspecção da impugnante enunciam-se expressamente os indícios que levaram á conclusão de que as facturas em causa são fictícias.
5) A sentença não um fez correcto julgamento da matéria de facto, ao desconsiderar cada um desses factos- índice.
6) Não obstante a fundamentação das liquidações impugnadas não primar pela perfeição pois o relatório de inspecção não indica expressamente os indícios das operações fictícias, o que é certo é que remete para a informação elaborada aos emitentes das referidas facturas. (As empresas C…, Lda, E…, Lda)
7) E como a lei admite a fundamentação por referência, ao estatuir que ela pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que neste caso constituirão parte integrante do respectivo acto. (v. artº 125º nº 1 do CPA)
8) Deve fazer-se uma análise ao relatório de inspecção efectuado aos 2 emitentes das facturas, e a fundamentação da conclusão de que as facturas são falsas, que é manifestada no relatório de fiscalização da recorrida, deve ser colmatada com o que nele consta.
9) E o que nele consta quanto aos emitentes E…/C… é que as facturas por estes emitidas são falsas:
10) Estas empresas, estão indiciadas pela prática de crimes de fraude fiscal, sendo-lhes imputado um comportamento contínuo e sistemático de utilização/emissão de facturas falsas.
11) As compras registadas nestas sociedades no período de 1999 a 2002, são na sua quase totalidade suportadas por facturas falsas.
12) Foi verificado existir uma incoerência entre a actividade reflectida nas contabilidades (compra e vendas) e a actividade efectiva das empresas E… e C…, os trabalhadores declararam que não eram feitas descargas de cortiça nem de rolhas nas instalações.
13) Durante a inspecção os inspectores puderam verificar que as empresas se encontravam quase inactivas.
14) Foi apurado pela inspecção tributária que existem divergências assinaláveis entre quantidades compradas e vendidas bem como entre a qualidade, uma vez que as compras, dizem respeito a qualidades inferiores ( 4º e 6º) e as vendas dizem respeito a qualidades (extra, superiores e 1ªs.) o indicia que as compras são falsas porque ninguém vende aquilo que não possui.
15) Quase inexistência de meios produtivos (mercadorias, matérias-primas, equipamento produtivo e pessoal) incompatíveis com as vendas facturadas.
16) Inexistência de movimentos bancários, ou recurso a letras ou outros meios de financiamento usuais na actividade comercial, o que é incompatível com os elevados montantes de facturação das vendas.
17) Ao contrário do invocado na douta sentença sob recurso, as diligências de prova, não recaíram unicamente sobre as firmas emitentes das facturas, pois que o impugnante foi notificado para apresentar os elementos demonstrativos das transacções com as firmas E…, Lda e C…, Lda, tendo este limitado a juntar cópias das facturas em causa e do registo contabilístico, e algumas guias de remessa.
18) Por conseguinte a decisão do Meritíssimo Juiz pode e deve ser alterada, porquanto tal é permitido pela aplicação subsidiária do artº 712º do CPC, pois do processo constam todos os elementos de prova da matéria de facto em causa.
19) Deve ser alterada a referida decisão e considerar-se que os indícios apontados pela administração fiscal são suficientes para suportar o seu juízo sobre a “falsidade” das respectivas facturas.
20) Na douta sentença o Meritíssimo Juiz incorre em erro quanto ás regras de distribuição do ónus da prova, quando entende que a Administração tributária não provou que as facturas em causa não titulam relações comerciais reais.
21) Pois que o ónus da prova que recaia sobre a AT consubstancia-se na prova de indícios sólidos e consistentes de que as transacções não representam transacções reais, mas não se lhe exige a prova plena de que as transacções não existiram.
22) Tal como tem sido reiteradamente afirmado pela Jurisprudência, em doutrina, e que aliás, foi acolhido pela sentença recorrida é que para que a Administração tributária proceda á liquidação com base em simulação de custos basta que existam indícios sérios de que as operações tituladas pelas facturas não são verdadeiras cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são. Ac. do TCA Sul de 30/05/2000, proc. 3108/00, Ac. do TCA Sul de 11/3/2003, proc. 7450/02. Ac. do TCA –Norte de 11/03/2010 in proc. nº 2797/04)
23) Fica satisfeito o ónus da prova da Administração Tributária se esta colheu e provou indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações. (veja-se Ac. do TCA Sul de 29/01/2002, in processo 565/01, e Ac. do TCA Sul de 2/3/2004, proc. 0333/00)
24) A fundamentação constante dos autos (relatório de inspecção da recorrida e informações elaboradas aos emitentes das facturas postas em questão) contêm “factos-índice”, mais do que suficientes para permitir à AT desconsiderar o IVA suportado que tem as facturas em causa como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessas facturas são simuladas.
25) Assim, a impugnação judicial nunca pode proceder com fundamento na ilegítima actuação da AT ao corrigir o IVA dedutível declarado.
26) A douta sentença sob recurso, fez uma incorrecta apreciação da prova e violou os artigos 19º nº 3 do CIVA e artº 125º nº 1 do CPA.
Nos termos expostos deve ordenar-se a revogação da douta sentença recorrida, como é de LEI E JUSTIÇA”

O recorrido J… não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 292 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se apreciar o descrito erro quanto ao enquadramento e pertinência da correcção à matéria colectável em sede de IVA com referência ao disposto no artigo 19º nº 3 do CIVA.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. O impugnante J… foi alvo de uma inspecção, de âmbito parcial (IVA), abrangendo os exercícios de 2001 e 2002;
2. O impugnante tem por objecto a “indústria da cortiça” CAE 20522 e está enquadrado em termos de IRS, na categoria B;
3. O impugnante estava enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral;
4. O impugnante realizou, nos anos de 2001 e 2002, transacções comerciais com “C…, Lda.” e “E…, Lda.”;
5. As sociedades referidas em 4), encontram-se indiciadas de emitirem “facturas falsas”;
Factos não provados
Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou, nomeadamente, não se provou que as facturas em causa não titulassem relações comerciais reais.
Fundamentação da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas arroladas pelo impugnante.
Em especial, não se provou minimamente que as poucas conclusões constantes do Relatório de Inspecção Tributária estivessem certas, ou pelo menos, que tivessem subjacentes aos factos alguma prova. Explicando:
Do Relatório de Inspecção Tributária que consta do processo administrativo apenso aos presentes autos, verifica-se que nenhum facto consta do mesmo relativamente ao impugnante, pelo menos, com o mínimo de relevância para caracterizar as relações comerciais em causa como “fraudulentas”. Refere-se o âmbito da inspecção, o enquadramento fiscal, o domicílio fiscal e, partir daí, mais nenhum facto é referido, ou até, um mero indício, do qual se possa retirar que as facturas em causa são “falsas” no sentido de não titularem relações comerciais reais.
Na verdade, conclui-se que a Administração Tributária parte do princípio de que por considerar que relativamente a determinadas sociedades existem mais do que indícios sérios da emissão de facturas falsas, pode concluir, sem mais, que todas as facturas em causa não titulam relações comercias reais.
Tal circunstância até pode muito bem corresponder à verdade - ou seja, podem todas as facturas serem falsas.
Porém, verifica-se que os depoimentos prestados foram considerados credíveis e o impugnante juntou aos autos inúmeros documentos - nomeadamente, facturas com as correspondentes guias de pagamento e respectivos cheques emitidos para pagamento supostamente de transacções reais - e que a Administração nada prova - e, na verdade nem alega.
Ora, mesmo que se invertesse o ónus da prova - o que não é o caso - sempre seria forçoso concluir que a Administração Tributária não reuniu nem em sede de Relatório de Inspecção Tributária, nem em sede de inquirição qualquer prova de qualquer facto.
Nenhuma factualidade foi alegada - e muito menos provada - no que se refere, por exemplo, a capacidade produtiva do impugnante, da sua capacidade financeira, diferenças entre as facturações anteriores a 2001 e as que se referem aos anos a que corresponde a utilização de supostas facturas falsas, da veracidade ou não da restantes contabilidade do impugnante, diferenças entre as quantidades compradas (cortiça em bruto) e respectivas vendas (em bruto ou transformada, por exemplo, em rolhas), etc.
Atendendo ao exposto, é forçoso concluir que não foi recolhida prova de que as facturas em causa não reflectem reais transacções comerciais.
No que se refere a Carlos Pereira Mendes, o seu depoimento foi considerado credível, embora mostrando nervosismo, manteve um discurso escorreito, contudo pouco ou nada relevante para os factos considerados ou não provados. Referiu que era prestador de serviços de transporte e que no ano de 2001 e 2002 e com relevância apenas referiu que efectuou transportes de cortiça entre as sociedades “C…” e “E…” e o impugnante.
Por sua vez, A…, ex-funcionário do impugnante durante cerca de 20 anos, depôs de forma consistente, respondendo às questões de forma expedita, criando a convicção de que depôs com verdade. No entanto, nada de extraordinário referiu. Na verdade, declarou que acompanhava os transportes de cortiça entre as sociedades “C…” e “E…” e o impugnante e que este também adquiria a outros “industriais” de cortiça.”
Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil (actual art. 662º), adita-se ao probatório o seguinte:
6. Na sequência da inspecção id. em 1., foi elaborado o competente RIT, do qual consta, além do mais, que:
“…
III - DESCRIÇÃO DO FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL

Com base nos resultados obtidos do cruzamento de informação acima aludido, notificamos, em 08-05-2003, pessoalmente, o sujeito passivo J… (Anexo 1), no sentido desta nos remeter fotocópias das facturas, Guias de Remessa, Guias de Transporte, talões de pesagem, extractos de conta corrente e comprovativo dos meios de pagamento, relativos a um conjunto de fornecedores identificados na aludida notificação pessoal.

Em resultado do trabalho prévio acima aludido, constatamos que o sujeito. passivo J…, realizou, nos anos de 2001 e 2002, transacções com os pseudo fornecedores:

C…, LDA;

E… LDA.

III.3. Indícios de operações fictícias

III.3.1. Junto dos emitentes

- C…, LDA;

- E… LDA.

Juntam-se informação elaborada na sequência de investigações levadas a efeito aos emitentes supra mencionados, onde se prova que estas sociedades estão indiciadas no crime de fraude fiscal pela emissão de "facturas falsas" e se conclui pela inexistência de actividade susceptível de suportar as alegadas vendas efectuadas a J….

Pseudo Fornecedores Anexo

E… e C… 3

Conclusão

Pelo exposto e de acordo com os elementos recolhidos junto do emitente (cfr. quadro acima), consideramos que as facturas antes mencionadas não corresponde a uma efectiva aquisição de matérias primas, produtos ou serviços, por parte sujeito passivo J…, correspondendo aquilo a que se comummente se designa de facturas falsas, dado que uma das partes intervenientes no negócio, no caso em análise, os emitentes, não corresponde ao verdadeiro "fornecedor" porquanto, conforme se provou de forma exaustiva (ver Anexo 3), estes não poderiam ter vendido as mercadorias em questão.

… (fls. 2 a 8 do PEF apenso)

7. No âmbito do Anexo 3 constam as seguintes conclusões:

“…

Do exposto nos pontos 1 a 7 importa sublinhar:

- os "inputs" da E…/C… são suportados por fornecedores indiciados em processos de averiguações pela prática de emissão de facturas falsas ou fornecedores inexistentes;

- a falta de credibilidade das declarações do gerente Sr. Américo Amorim da Conceição, na sustentação da veracidade das transacções tituladas com as referidas "facturas falsas";

- os montantes envolvidos nas alegadas transacções;

- a inexistência de outros meios de pagamento que não seja o numerário, em montantes avultados (conforme resulta da contabilidade da E… e C… e das declarações do gerente das empresas, isto apesar de estarmos a falar de valores que ascendem a dezenas de milhões de euros, em contraponto com o facto de as pequenas despesas serem liquidadas através de cheque;

- a inexistência de pessoal, equipamentos e instalações produtivos necessários para o normal desenvolvimento da actividade, nem tão pouco ter recorrido a subcontratação, aluguer e arrendamento de tais factores produtivos;

- as afirmações proferidas pelos funcionários daquelas sociedades, donde se infere que as compras registadas na contabilidade, pelas quantidades e qualidades em questão, nunca foram vistas nas instalações onde trabalham;

- as incoerências apuradas nos testes de quantidades;

- o desconhecimento geral, por parte do Sr. Américo, de qualquer pormenor relevante acerca dos seus pseudo-fornecedores;

- a inexistência de qualquer procedimento de controlo interno, pese o volume de vendas e compras declarado, nomeadamente no tocante ao transporte, recepção, conferência, devolução e armazenagem.

- o facto de nos meses que se seguiram ao início do procedimento de inspecção se verificar uma alegada redução ao nível de compras, tendo inclusive em períodos superiores compreendendo meses completos sido inexistentes;

- as diligências efectuadas, no decorrer da presente acção de inspecção, junto de outros contribuintes do sector corticeiro, com facturas quer da E… quer da C… quer dos outros diferentes pseudo-fornecedores anteriormente identificados, em que, esses contribuintes, perante os evidentes indícios, assumiram a sua falsidade tendo, em alguns casos, providenciado pela imediata regularização voluntária;

- ao longo do período em que decorreu o procedimento de inspecção, superior a um ano, período esse em que estivemos semanas seguidas a trabalhar nos escritórios da E…/C…, constatámos que não foram recebidos nem efectuados quaisquer telefonemas, a correspondência dirigida a estas sociedades limitava-se a facturas de electricidade, água e publicidade.

- no período em que decorreu o procedimento de inspecção, estivemos e passámos inúmeras vezes pelas instalações industriais sitas na rua de Moure em Santa Maria de Lamas, nunca tendo visto qualquer movimento de chegada ou saída de carros carregados com cortiça ou produtos derivados.

Deste modo, tendo por base as conclusões resultantes dos procedimentos de inspecção levados a efeito às sociedades E…, C… e W…, resumidos nos pontos 1.1 a 1.7, e sublinhados os aspectos mais relevantes, concluímos que:

- a actividade da E.../C... se resume à compra e venda de rolhas de fracas qualidades, formatos especiais e à prestação de alguns serviços (atente-se que tal consideração é baseada na premissa que sempre nos norteou, e que se consubstancia no facto de não olharmos para aquelas empresas isoladamente, mas sim integradas num todo – E... – C... e W...), pois se as considerássemos isoladamente, não se nos afigurava qualquer possibilidade de que estas pudessem desenvolver qualquer actividade;

- os “outputs” que são constituídos na sua maioria por vendas de rolhas de qualidade extra, superior, 1ª, 2ª e 3ª, indiciam que sejam falsos, porque ninguém vende aquilo que não possuí (porque não comprou, não produziu, nem herdou);

- Assim, face aos indícios, as referidas empresas, são reincidentes na prática do crime de fraude fiscal, como emitentes de “facturas falsas”, traduzindo tais facturas falsas a simulação de actividade inexistente;

- Face ao exposto, e para efeitos de tributação em sede de IRC consideramos como proveitos das empresas E.../C... (por serem emitentes de papel falso), nos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002, apenas, proveitos iguais às vendas relativas a alguns serviços prestados e também as vendas de rolhas de qualidades 4ª, 5ª e 6ª e inferiores e alguns formatos especiais, já que como foi demonstrado ao longo deste ponto, a actividade destas empresas se resumiu à transacção de produtos destas categorias e qualidades, logo os utilizadores das facturas emitidas por estas sociedades e que sustentam negócios simulados (rolhas de qualidade Extra, superiores, 1ª a 3ª e cortiça), serão objecto das correcções que se mostrem necessárias, quer em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, quer em sede de Imposto sobre o Rendimento, sendo estes os suportados pelas facturas identificadas no Anexo 1 à presente informação e assim consideradas nos respectivos relatórios de inspecção levadas a efeito a estas duas empresas. …” (fls. 52 a 60 do PEF apenso).

3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da posição da AT ao não considerar o IVA suportado por facturas emitidas por C... - Comércio de Rolhas para Vinhos, Lda e por E... - Entreposto Comercial de Cortiça, Lda.

A decisão recorrida concedeu abrigo à posição do ora Recorrido, ponderando, além do mais, que:
“…
Nos presentes autos, no que se reporta aos indícios recolhidos pela Administração Tributária, eles circunscrevem-se ao domicílio fiscal, âmbito da inspecção e referência a facturas relativas a sociedades relacionadas com a utilização e emissão de facturas falsas.
Conclui-se, assim, que a Inspecção Tributária não apurou suficientes indícios junto dos fornecedores e emitentes e no exame à contabilidade da impugnante, dos quais se possa deduzir que a facturação em causa não tenha subjacente quaisquer transacções comerciais, mais concretamente, aquisições de cortiça que formalmente titulavam.
Não se mostram patentes os factos indiciados assinalados, procedimento inspectivo efectuado e o raciocínio lógico adoptado pela Administração Tributária, cujo itinerário cognitivo/valorativo mostra-se conclusivo, sem alegar os factos sobre os quais deriva a conclusão de que as facturas em causa são falsas.
Ora, entende, assim, este Tribunal que a Administração Tributária não fez constar do seu Relatório de Inspecção Tributária indícios considerados suficientes para afastar a presunção de veracidade e de boa fé que recaía sobre as declarações constantes da contabilidade do impugnante – artigo 75 da Lei Geral Tributária (LGT).
Assim sendo, é forçoso concluir que a impugnação tem ser considerada procedente. …”

Nas suas alegações, a Recorrente sublinha que foi desvalorizada totalmente a prova documental constituída pelo anexo 3 que integra o relatório de inspecção tributária, onde se concluía que as facturas dos emitentes aqui em causa eram fictícias, sendo que na prova documental junta aos autos, concretamente o relatório de Inspecção Tributária elaborado em 31/05/2004 e relativo às empresas C... - Comércio de Rolhas para Vinhos, Lda e E... - Entreposto Comercial de Cortiça, Lda, e que se encontra no anexo 3 do relatório de inspecção da impugnante enunciam-se expressamente os indícios que levaram á conclusão de que as facturas em causa são fictícias, verificando-se que a sentença não um fez correcto julgamento da matéria de facto, ao desconsiderar cada um desses factos- índice, na medida em que, não obstante a fundamentação das liquidações impugnadas não primar pela perfeição pois o relatório de inspecção não indica expressamente os indícios das operações fictícias, o que é certo é que remete para a informação elaborada aos emitentes das referidas facturas. (As empresas C... - Comércio de rolhas para Vinhos, Lda, E... - entreposto Comercial de Cortiças, Lda) e como a lei admite a fundamentação por referência, ao estatuir que ela pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que neste caso constituirão parte integrante do respectivo acto. (v. artº 125º nº 1 do CPA)
Assim, deve fazer-se uma análise ao relatório de inspecção efectuado aos 2 emitentes das facturas, e a fundamentação da conclusão de que as facturas são falsas, que é manifestada no relatório de fiscalização da recorrida, deve ser colmatada com o que nele consta e o que nele consta quanto aos emitentes E.../C... é que as facturas por estes emitidas são falsas, pois que estas empresas, estão indiciadas pela prática de crimes de fraude fiscal, sendo-lhes imputado um comportamento contínuo e sistemático de utilização/emissão de facturas falsas, as compras registadas nestas sociedades no período de 1999 a 2002, são na sua quase totalidade suportadas por facturas falsas e foi verificado existir uma incoerência entre a actividade reflectida nas contabilidades (compra e vendas) e a actividade efectiva das empresas E... e C..., os trabalhadores declararam que não eram feitas descargas de cortiça nem de rolhas nas instalações, além de que, durante a inspecção os inspectores puderam verificar que as empresas se encontravam quase inactivas e foi apurado pela inspecção tributária que existem divergências assinaláveis entre quantidades compradas e vendidas bem como entre a qualidade, uma vez que as compras, dizem respeito a qualidades inferiores ( 4º e 6º) e as vendas dizem respeito a qualidades (extra, superiores e 1ªs.) o indicia que as compras são falsas porque ninguém vende aquilo que não possui, para além da quase inexistência de meios produtivos (mercadorias, matérias-primas, equipamento produtivo e pessoal) incompatíveis com as vendas facturadas e inexistência de movimentos bancários, ou recurso a letras ou outros meios de financiamento usuais na actividade comercial, o que é incompatível com os elevados montantes de facturação das vendas.
Depois, ao contrário do invocado na douta sentença sob recurso, as diligências de prova, não recaíram unicamente sobre as firmas emitentes das facturas, pois que o impugnante foi notificado para apresentar os elementos demonstrativos das transacções com as firmas E..., Lda e C..., Lda, tendo este limitado a juntar cópias das facturas em causa e do registo contabilístico, e algumas guias de remessa, de modo que, a decisão do Meritíssimo Juiz pode e deve ser alterada, porquanto tal é permitido pela aplicação subsidiária do artº 712º do CPC, pois do processo constam todos os elementos de prova da matéria de facto em causa e deve ser alterada a referida decisão e considerar-se que os indícios apontados pela administração fiscal são suficientes para suportar o seu juízo sobre a “falsidade” das respectivas facturas.
Diga-se ainda que na douta sentença o Meritíssimo Juiz incorre em erro quanto ás regras de distribuição do ónus da prova, quando entende que a Administração tributária não provou que as facturas em causa não titulam relações comerciais reais, pois que o ónus da prova que recaia sobre a AT consubstancia-se na prova de indícios sólidos e consistentes de que as transacções não representam transacções reais, mas não se lhe exige a prova plena de que as transacções não existiram e tal como tem sido reiteradamente afirmado pela Jurisprudência, em doutrina, e que aliás, foi acolhido pela sentença recorrida é que para que a Administração tributária proceda á liquidação com base em simulação de custos basta que existam indícios sérios de que as operações tituladas pelas facturas não são verdadeiras cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são. Ac. do TCA Sul de 30/05/2000, proc. 3108/00, Ac. do TCA Sul de 11/3/2003, proc. 7450/02. Ac. do TCA –Norte de 11/03/2010 in proc. nº 2797/04), ficando satisfeito o ónus da prova da Administração Tributária se esta colheu e provou indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações. (veja-se Ac. do TCA Sul de 29/01/2002, in processo 565/01, e Ac. do TCA Sul de 2/3/2004, proc. 0333/00)
Em suma, a fundamentação constante dos autos (relatório de inspecção da recorrida e informações elaboradas aos emitentes das facturas postas em questão) contêm “factos-índice”, mais do que suficientes para permitir à AT desconsiderar o IVA suportado que tem as facturas em causa como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessas facturas são simuladas, ou seja, a impugnação judicial nunca pode proceder com fundamento na ilegítima actuação da AT ao corrigir o IVA dedutível declarado e a douta sentença sob recurso, fez uma incorrecta apreciação da prova e violou os artigos 19º nº 3 do CIVA e artº 125º nº 1 do CPA.
Que dizer?
Neste domínio, cabe referir que o Imposto sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 394-B/84, de 26/12, pode definir-se como um imposto indirecto tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que recai sobre a despesa, é repercutível (o encargo fiscal é transferível para o consumidor final) e o respectivo facto tributário apresenta um carácter transitório ou acidental. É um imposto geral sobre o consumo, na medida em que incide, em princípio, sobre todas as transmissões de bens e prestações de serviços com características onerosas (cfr.artº.1, do C.I.V.A.). O I.V.A. caracteriza-se, igualmente, como um imposto plurifásico porque incide sobre todas as fases do circuito económico, desde a produção ao consumidor final, e não cumulativo, na medida em que em cada fase do circuito económico tributa apenas o valor acrescentado, isto é, o acréscimo de valor que os bens ou serviços passam a ter na fase em que se encontram, evitando, assim, o efeito cumulativo de imposto sobre imposto. Além das características apontadas, o I.V.A. apresenta ainda a da neutralidade, dado que, mercê do mecanismo das deduções, o imposto virá a ser suportado, na totalidade, pelo consumidor final, tornando fiscalmente irrelevante o número de fases que integrem o circuito económico. Por último, refira-se que a liquidação do imposto é feita pelos operadores económicos que procedem a autoliquidação e repercutem para o cliente o imposto liquidado a montante, devendo utilizar o método subtractivo indirecto na determinação do valor acrescentado de acordo com o disposto no artº.19, do C.I.V.A. (cfr. Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.240 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.618 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.24 e seg. e 411 e seg.).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas a incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição "sine qua non" da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. No que diz respeito ao imposto sobre o valor acrescentado, o facto tributário que lhe é fundamento consubstancia-se em qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, a título oneroso, que seja efectuada no território nacional (cfr.artº.1, do C.I.V.A.).

Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do IVA e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
Ainda no que diz respeito ao específico regime do I.V.A., igualmente se dirá que o legislador se socorre de presunções que estabelecem a prova legal para alguns factos particulares, as quais implicam uma verdadeira inversão do ónus da prova e se explicam pela natureza deste tributo (cfr.artº.80, do C.I.V.A.; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.314 e seg.). Por último, atendendo mais uma vez à especificidade do I.V.A., mais se refere que não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/11/97, rec.21676, Ap.Dr., 30/3/2001, pág.3108 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/98, rec.20568, Ap. Dr., 21/1/2002, pág.2964 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 16/3/1999, proc.280/97, Antologia de Acórdãos, ano II, nº.2, pág.288 e seg.).
Neste particular, é sabido que, como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção - cfr. entre outros, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Neste domínio, em princípio, se os indícios denunciam que com forte probabilidade os emitentes das facturas não tinham capacidade empresarial para vender a mercadoria mencionada nas facturas, tanto bastaria para se criar um juízo sério de que aquelas transacções não existiram, ou seja, que aqueles emitentes não venderam à recorrente aqueles materiais, logo, a recorrente não os comprou, traduzindo assim a factura uma simulação de transacção entre o emitente e o utilizador da factura.

E assim dir-se-ia que bastaria à administração tributária, para cumprir o seu ónus, carrear factos relativos aos emitentes das facturas indiciadores da sua incapacidade para transaccionarem as mercadorias. E ficaria desonerada de averiguar qualquer facto na esfera do utilizador das facturas indiciador da sua participação ou conhecimento ou dever de conhecer da falsificação. Poderia limitar-se, como aconteceu no caso dos autos, a constatar na contabilidade do sujeito passivo a existência de facturas daqueles emitentes para, sem mais, considerar indevidamente deduzido o IVA, passando a competir ao sujeito passivo o ónus de demonstrar a veracidade das transacções.

Em suma, a ser assim entendido, a administração tributária, conhecedora que determinado sujeito passivo se dedicava à emissão de facturas falsas, poderia sem mais, desconsiderar os custos de qualquer outro sujeito passivo inspeccionado que tivesse contabilizado facturas daquele emitente.

Diga-se ainda que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação, pois que, como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” ( Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154), o que significa que a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75º da LGT.
Ora, indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª edição, pág. 311, sendo que nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
Particularizando, cabe ainda notar que para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, não constitui requisito do direito à dedução, nas operações internas, que tenha sido o emitente da factura a transmitir os bens ou a prestar os serviços, sendo que o constitui requisito desse direito é que tenha sido o utilizador a adquirir esses bens e serviços. É o que resulta do n.º 1 do artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, segundo o qual «só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens e serviços adquiridos…».

Assim sendo, os indicadores de facto de que o emitente da factura não tem capacidade para prestar o serviço não bastam, por si só, para obstar à dedutibilidade do imposto mencionado nessa factura, se não houver razões para pôr em causa a realização desse serviço por terceiro.

Pode, à partida, parecer estranho que o legislador se tenha abstraído da relação subjacente titulada na factura que, para ser subjectivamente verdadeira, teria que existir entre aqueles dois sujeitos (o emitente da factura e o utilizador da factura). Mas há uma razão para tal: é que o legislador também abstrai da relação subjacente para exigir o imposto do emitente.

Com efeito, e nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do mesmo código, o imposto também pode ser exigido ao emitente da factura que ali o mencione indevidamente. Cada factura onde seja mencionando imposto constitui um «cheque sobre o Tesouro» (cit. José Guilherme Xavier de Basto, in «A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 164, Centro de Estudos Fiscais 1991, pág. 140). E isto acontece precisamente porque o destinatário da factura também não deixa, por esse facto, de ter o direito a utilizá-la, no exercício do seu direito à dedução.

Assim, não sendo a existência da relação subjacente entre aqueles dois sujeitos um requisito de dedutibilidade do imposto, esta só pode ser afastada por uma norma de exclusão.

O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado contém várias normas que excluem especialmente o direito à dedução, mas só nos interessa analisar aqui uma delas: o n.º 3 do seu artigo 19.º. Porque foi com base nessa norma que a administração tributária procedeu às correcções impugnadas.

E segundo esta norma, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.

A partir daqui, e quando se tem presente o RIT que consta dos autos, não pode deixar de notar-se que sobre a questão dos motivos que estão na base das correcções propostas, deparamos apenas com a seguinte conclusão:

“Pelo exposto e de acordo com os elementos recolhidos junto do emitente (cfr. quadro acima), consideramos que as facturas antes mencionadas não corresponde a urna efectiva aquisição de matérias primas, produtos ou serviços, por parte sujeito passivo J…, correspondendo aquilo a que se comummente se designa de facturas falsas, dado que uma das partes intervenientes no negócio, no caso em análise, os emitentes, não corresponde ao verdadeiro "fornecedor" porquanto, conforme se provou de forma exaustiva (ver Anexo 3), estes não poderiam ter vendido as mercadorias em questão. … (fls. 2 a 8 do PEF apenso)”.

Para além da falta de uma verdadeira discussão da matéria em apreço, relacionada com as transacções ocorridas entre o ora Recorrida e as duas empresas em causa (E... e C...), fica a sensação que este RIT é uma mera consequência da inspecção desenvolvida à actividade destas últimas, ou seja, quem contratou com as mesmas, viu desconsideradas as facturas que titulam as transacções realizadas com as aludidas empresas.

Isto significa que, desde logo, não é controvertido que o ora Recorrido contabilizou as facturas emitidas pelas suas fornecedoras e emitiu as respectivas declarações periódicas, o que terá feito nos termos previstos na lei, visto que não foi apontada nenhuma irregularidade nem a essas declarações nem a elementos contabilísticos que as suportassem, o que significa que não existe qualquer elemento avançado pela AT no sentido de colocar em crise a presunção da verdade a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, quanto aos elementos inseridos nessas declarações.

Nesta medida, é evidente que cabia à AT no âmbito da sua actividade fiscalizadora averiguar da sua conformidade com a verdade fiscal do sujeito passivo e, sendo caso disso, reunir os indicadores que, apesar do cumprimento formal dos seus deveres declarativos e de escrituração, e da aparência de colaboração com a administração fiscal que dele decorre, não teria o direito à dedução arrogado nesses documentos, o que a administração tributária pretendeu fazer precisamente através da acção de fiscalização descrita.

Todavia, dessa acção de fiscalização, e na parte em que incidiu sobre a escrita do Recorrido também não foram extraídos elementos que infirmassem as declarações.

Mais, não se vislumbra em qualquer dos elementos presentes nos autos qualquer esboço de análise ou de integração da matéria apontada às empresas E... e C... em função dos elementos apresentados pelo Recorrido.

Com efeito, a AT procedeu até à notificação do ora Recorrido para apresentar um conjunto de elementos que integram o Anexo 2 e não se detecta uma palavra sobre os elementos apresentados, do mesmo modo que o ora Recorrido juntou a estes autos de impugnação todo um conjunto de documentos, nomeadamente cheques, sendo que a AT não produziu contestação e não tomou qualquer posição sobre a vasta documentação apresentada e que pretendia, em primeira linha, colocar em crise a posição da AT neste âmbito.

Por outro lado, não se vislumbra qualquer ocorrência de que pudesse decorrer violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo no decurso da inspecção, não havendo notícia de que lhe tenham sido solicitados elementos adicionais que não tivesse apresentado, ou que lhe tivessem sido solicitados esclarecimentos sobre a natureza dessas operações.

Neste contexto, resulta claro que as únicas razões que levaram a administração tributária a concluir que as facturas em causa não respeitaram a fornecimentos efectuados dizem respeito às emitentes dessas facturas e aos indicadores de que essas sociedades não teriam meios para realizar os mesmos.
Neste domínio, temos de acompanhar a decisão recorrida quando refere que a AT “não apurou suficientes indícios junto dos fornecedores e emitentes e no exame à contabilidade da impugnante, dos quais se possa deduzir que a facturação em causa não tenha subjacente quaisquer transacções comerciais, mais concretamente, aquisições de cortiça que formalmente titulavam” e que “não se mostram patentes os factos indiciados assinalados, procedimento inspectivo efectuado e o raciocínio lógico adoptado pela Administração Tributária, cujo itinerário cognitivo/valorativo mostra-se conclusivo, sem alegar os factos sobre os quais deriva a conclusão de que as facturas em causa são falsas”.
Com efeito, mesmo deixando de lado a discussão sobre os termos do RIT que, no fundo, limita-se como que a executar as conclusões descritas sobre os emitentes das facturas, sendo que igual procedimento deverá ter sido efectuado em relação aos demais sujeitos passivos envolvidos em transacções com as citadas empresas, entende-se que a matéria disponível é insuficiente para concluir que as facturas em causa não titulam fornecimentos efectuados.
Na verdade, importa sublinhar que no Anexo 3, é afirmado, em sede de conclusão, que nos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002, … a actividade destas empresas resumiu-se à transacção de produtos destas categorias e qualidades (serviços prestados e também as vendas de rolhas de qualidades 4ª, 5ª e 6ª e inferiores e alguns formatos especiais), logo os utilizadores das facturas emitidas por estas sociedades e que sustentam negócios simulados (rolhas de qualidade Extra, superiores, 1ª a 3ª e cortiça), serão objecto das correcções que se mostrem necessárias, quer em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, quer em sede de Imposto sobre o Rendimento.
Ora, tendo presente o teor das facturas que o ora Recorrido juntou aos autos, a compra de rolhas é um elemento menor das transacções comerciais tituladas entre o Recorrido e as aludidas empresas, pois que estão em causa, predominantemente, compras de cortiça do mato, raça, situação que afasta a essência da posição da AT descrita no parágrafo anterior.
Nestas condições, tem de entender-se que de todo o exposto decorre que a AT não conseguiu reunir indicadores susceptíveis de constituir (para utilizar a expressão do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-04-2002) «a prova, em tribunal, do bem fundado da formação das suas presunções de inexistência dos factos tributários» a que se reportam as facturas em causa e, por conseguinte, da legalidade do acto impugnado, o que equivale a dizer que a AT não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim acompanhar a decisão recorrida quando determinou a anulação das liquidações impugnadas.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 12 de Junho de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves