Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01207/18.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/03/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL; RECLUSO; RENDIMENTO SOCIAL DE INSERÇÃO (RSI)
Sumário:
I-O RSI é, desde a sua génese, uma medida de redução da pobreza, em especial nas suas formas mais extremas, protetora dos grupos de maior fragilidade e vulnerabilidade;
I.1-têm direito a esta prestação as pessoas ou famílias que necessitem de apoio para melhorar a sua integração social e profissional, que se encontrem numa fase de carência económica grave e que cumprem as condições de atribuição;
I.2-mas não em situações em que a subsistência do titular da prestação é assegurada pelo Estado, como sejam o cumprimento de prisão em estabelecimento prisional e a institucionalização em equipamentos financiados pelo Estado;
I.3-é que, se o Estado, noutra das suas vertentes, neste caso através de um Estabelecimento Prisional, já assegura (ou tem essa obrigação) a subsistência do Autor, não lhe cabe, por intermédio da Segurança Social, fazê-lo em duplicado;
I.4-seria até atentatório do princípio da igualdade, no sentido de que estaria a beneficiar os reclusos em relação aos outros titulares de RSI.
II-Porém é salvaguardada a possibilidade de os cidadãos que se encontrem em cumprimento de pena de prisão poderem requerer a prestação de RSI antes da libertação, iniciando-­se o pagamento da prestação no mês da saída, favorecendo, deste modo, a inserção e o regresso à vida activa.
III-O subsídio está sujeito à emissão de acto administrativo, sujeito à aplicação das normas que norteiam a actividade administrativa, como o princípio da legalidade, do qual decorre que o reconhecimento do direito ao RSI está limitado por condições cumulativas e objectivas, tratando-se de um poder vinculado da administração, pelo que o eventual direito do Autor só nasce na sua esfera jurídica, após a prolação de tal acto. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:JMFRCC
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social, I.P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
JMFRCC, residente no Estabelecimento Prisional de Braga, instaurou acção administrativa de condenação à prática de acto contra o Instituto da Segurança Social, I.P., visando a condenação deste na prática de acto administrativo que lhe conceda o Rendimento Social de Inserção.
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção e absolvida a Entidade Demandada do pedido.
Desta vem interposto recurso.
*
Alegando, o Autor concluiu:
i. POR AÇÃO INTENTADA EM 15/05/2018, VEIO O RECORRENTE INTENTAR AÇÃO COMUM DE PRÁTICA DO ATO DEVIDO, NO SENTIDO DE OBRIGAR A RÉ A PRODUZIR O ATO, QUE EM SEU ENTENDER ESTAVA EM FALTA
ii. DECIDIU A MM. JUIZ QUE CONSIDERANDO A PRETENSÃO DO AUTOR, A PRÁTICA DO ATO DEVIDO, FICOU CLARO QUE A RÉ INCUMPRIU A SUA OBRIGAÇÃO DE EMITIR UMA DECISÃO
iii. SENDO NESTE PONTO (ESSENCIAL) CONFERIDA A PRETENSÃO DO AUTOR
iv. NO ENTANTO, E VERIFICADO O TIPO DE AÇÃO E A FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA, ENTENDE O RECORRENTE QUE, A DECISÃO EMITIDA ESTÁ EM DESCONFORMIDADE COM A PRETENSÃO, AO REFERIR QUE
v. ESTA DECISÃO NÃO SE COADUNA COM O CORPO DO DESPACHO SANEADOR, POIS CONFERE RAZÃO AO AUTOR QUANDO DIZ QUE NÃO OBTEVE RESPOSTA AO PEDIDO FORMULADO!
vi. E TANTO ASSIM É QUE, NO SEGUIMENTO DA DECISÃO, PRODUZ O PRÓPRIO TRIBUNAL O ATO QUE ESTAVA EM FALTA PELA ENTIDADE DEMANDADA
vii. ENTENDEMOS ASSIM QUE A DECISÃO EMITIDA NÃO CORRESPONDE À SUA JUSTIFICAÇÃO, SENDO CERTO QUE ESTAMOS PERANTE UMA AÇÃO COMUM DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ATO DEVIDO.
viii. FICOU PROVADO QUE A RÉ DEVERIA TER PROFERIDO UMA DECISÃO, POR OBRIGAÇÃO LEGAL, VEIO A MM JUIZ SUBSTITUIR-SE À ENTIDADE DEMANDADA E PRODUZIR O ATO, DECIDINDO A QUESTÃO DE MÉRITO DEFINITIVAMENTE.
ix. FUNDAMENTA A MM JUIZ ESTA EMISSÃO DE DECISÃO NO ART.70º Nº 1 DO CPTA, O QUE ENTENDEMOS QUE MAIS NÃO FOI DO QUE UM LAPSO DE ESCRITA, POIS O ARTIGO QUE LHE PERMITE TAL PREDICADO É O ART.71º Nº1 DO CPTA.
x. BASEADO NESTE ARTIGO, O TRIBUNAL AO QUAL FOI LEVADA A QUESTÃO DA FALTA DE PRÁTICA DE UM ATO ESPECÍFICO, DEVE CONHECER DA PRETENSÃO MATERIAL DO INTERESSANDO, NÃO SE LIMITANDO À DEVOLUÇÃO DA QUESTÃO AO ÓRGÃO RECORRIDO.
xi. NESTE SENTIDO A MM JUIZ PROFERIU UMA DECISÃO DE MÉRITO, INDEFERINDO A CONCESSÃO DO RSI POR NÃO CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS NO DECRETO-LEI ESPECÍFICO QUE O PREVÊ.
xii. OU SEJA, UMA VEZ QUE O RECORRENTE SE ENCONTRA PRESO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL, NÃO PODE SER BENEFICIÁRIO DO RSI.
xiii. O RECORRENTE NÃO SE CONFORMA COM TAL DECISÃO POR ENTENDER QUE ESTÁ DIRETAMENTE EM CONFLITO COM OUTRAS PREVISÕES LEGAIS,
xiv. E MAIS DO QUE ISSO, ESTÁ A SER DUPLAMENTE PENALIZADO E LIMITADO NOS SEUS DIREITOS.
xv. DÚVIDAS NÃO RESTARIAM QUE TINHA DIREITO AO RSI CASO NÃO ESTIVESSE A CUMPRIR PENA, POR TODA A SUA CONDIÇÃO SOCIO ECONÓMICA, BEM COMO A TOTAL FALTA DE RETAGUARDA FAMILIAR.
xvi. A ESTE RESPEITO, IMPORTA ATENTAR NO ART. ARTIGO 52º, Nº 1, 2 E 3 DO CÓDIGO DE EXECUÇÃO DE PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE, APROVADO PELA LEI Nº 115/2009, DE 12 DE OUTUBRO, ONDE SE LÊ:
1 -A SITUAÇÃO DE RECLUSÃO NÃO AFETA O DIREITO AOS BENEFÍCIOS DE SEGURANÇA SOCIAL PREVISTOS NA LEI. 16
2 – NO DECURSO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE É PRESTADO APOIO SOCIAL E ECONÓMICO AO RECLUSO E AO SEU AGREGADO FAMILIAR QUE DELE CAREÇAM PARA PROMOVER E MANTER OS VÍNCULOS SOCIAIS E FAMILIARES E REFORÇAR AS CONDIÇÕES DE REINSERÇÃO SOCIAL.
3 – A SITUAÇÃO DE RECLUSÃO NÃO DESOBRIGA AS ENTIDADES PÚBLICAS COMPETENTES DA PRESTAÇÃO DE APOIO SOCIAL E ECONÓMICO NO ÂMBITO DAS RESPECTIVAS ATRIBUIÇÕES, DESIGNADAMENTE EM MATÉRIA DE SEGURANÇA E ACÇÃO SOCIAL, EMPREGO, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, ENSINO E SAÚDE.” (NEGRITO NOSSO)
xvii. ORA, SE POR UM LADO O RECORRENTE SERIA ELEGÍVEL PARA RECEBER O RSI, POR OUTRO LADO É CONSAGRAÇÃO LEGAL, QUE O FACTO DE ESTAR A CUMPRIR PENA NÃO O PODE PRIVAR DE TER APOIO SOCIAL E ECONÓMICO, NA MEDIDA DAS SUAS NECESSIDADES.
xviii. PELO QUE, CLARAMENTE SE AFIGURA UMA DUPLA PENALIZAÇÃO A NEGAÇÃO DO RSI AO RECORRENTE.
xix. O RENDIMENTO SOCIAL DE INSERÇÃO MAIS NÃO É DO QUE UM BENEFÍCIO SOCIAL DE SEGURANÇA SOCIAL
xx. NEGANDO-LHE ESTA CONCESSÃO, ESTÁ A SER DUPLAMENTE PRIVADO E, COMO FACILMENTE SE CONSTATARÁ, APENAS A TUTELA JUDICIAL PODE LIMITAR OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CIDADÃOS, NÃO ESTANDO AO ALCANCE DE QUALQUER OUTRO ORGANISMO ESTA LIMITAÇÃO
xxi. NEGANDO-LHE ESTA CONCESSÃO, ESTÁ A SER DUPLAMENTE PRIVADO E, COMO FACILMENTE SE CONSTATARÁ, APENAS A TUTELA JUDICIAL PODE LIMITAR OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CIDADÃOS, NÃO ESTANDO AO ALCANCE DE QUALQUER OUTRO ORGANISMO ESTA LIMITAÇÃO
xxii. O ART. 54º DO MESMO DIPLOMA SUPRARREFERIDO, REFERE QUE O APOIO SOCIAL É APLICADO ATRAVÉS DE CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E ADEQUAÇÃO ÀS FINALIDADES DA EXECUÇÃO.
xxiii. ORA, O ARTIGO 6º Nº1 AL. K), DO DECRETO-LEI N.º 133/2012 DE 27 DE JUNHO, QUE SERVIU DE FUNDAMENTO AO INDEFERIMENTO, ESTÁ EM OPOSIÇÃO CLARA E DIRETA COM O ART.52º E 54º DO CÓDIGO DE EXECUÇÃO DE PENAS, LEI N.º 115/2009, DE 12 DE OUTUBRO.
xxiv. A DIMENSÃO NORMATIVA CONTIDA NO ARTIGO Nº1, K) DA LEI Nº13/2003, DE 21 DE MAIO, ALTERADA E REPUBLICADA PELO DECRETO-LEI 133/2012, DE 27 DE JUNHO, É MATERIALMENTE INCONSTITUCIONAL POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO, NECESSIDADE, PROPORCIONALIDADE, RAZOABILIDADE, IGUALDADE, LEGALIDADE, ENSINO, FORMAÇÃO, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E ACESSO À SEGURANÇA SOCIAL, ÍNSITOS NOS ARTIGOS 1, 2, 9º B) E D), 13 Nº1 E 2, 30 Nº 4 E 5 E 63º TODOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
xxv. MAIS AINDA, PORQUE É CONTRÁRIO AO ART.52 E 54º DO CÓDIGO DE EXECUÇÃO DE PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE, UMA VEZ QUE CADA CASO DE RECLUSÃO É DISTINTO DO OUTRO
xxvi. NESTE CASO A SER FEITA UMA INTOLERÁVEL DISCRIMINAÇÃO SÓ PELO FACTO DE ESTAR PRESO, DESCUIDANDO-SE AS PREMENTES NECESSIDADES DE CADA SER HUMANO, PREJUDICANDO-SE INACEITAVELMENTE A REINTEGRAÇÃO E RESSOCIALIZAÇÃO DO RECLUSO
xxvii. SE OUTRAS RAZÕES NÃO EXISTISSEM, QUE FUNDAMENTAM O DIREITO A ESTE RENDIMENTO, APENAS PELA HIERARQUIA DE LEIS VIGENTES A NÍVEL NACIONAL, FACILMENTE SE CONSTATA QUE A LEI PREVALECE SOBRE O DECRETO-LEI, E EM CASO DE CONFLITO DIRETO, SERÁ A PRIMEIRA QUE IMPERARÁ
xxviii. FALAMOS DO CÓDIGO DE EXECUÇÃO DE PENAS QUE ASSUME PRIMAZIA PELO QUE, A LIMITAÇÃO IMPOSTA PELO DECRETO-LEI DA SEGURANÇA SOCIAL NÃO PODERÁ PERMITIR O BLOQUEIO DE ATRIBUIÇÃO DE RENDIMENTO SOCIAL DE INSERÇÃO DO REQUERENTE, PELO ESTADO DE PRISÃO
xxix. QUANTO AOS REQUISITOS QUE EFETIVAMENTE SE DEVEM VERIFICAR NA ATRIBUIÇÃO DO RENDIMENTO, ESTÃO AMPLAMENTE PREENCHIDOS
xxx. IMPORTA ATENTAR NO ÚLTIMO PONTO QUE DEVE SER CONSIDERADO NA ATRIBUIÇÃO DO RENDIMENTO EM ANÁLISE, REFERE A AL. E) DO Nº2 DO MESMO ART.54º DA LEI SUPRARREFERIDA.
xxxi. NESTE CASO EM APRESSO, O RENDIMENTO SOCIAL DE INSERÇÃO TERIA AQUI UM PAPEL TOTALMENTE RESSOCIALIZADOR
xxxii. POR FIM, E NO LIMITE, REITERA-SE QUE O INDEFERIMENTO DE ATRIBUIÇÃO É CONSIDERADO COMO UMA GRAVE LIMITAÇÃO A DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADOS, QUE FAZEM PARTE DO NÚCLEO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E INALIENÁVEIS
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER REJEITADO, DEVENDO A SENTENÇA OBJETO DE RECURSO SER CONFIRMADA, NEGANDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO.
FAZENDO-SE ASSIM, JUSTIÇA!
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Não foram juntas contra-alegações.
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O Ministério Público não emitiu parecer.
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Cumpre apreciar e decidir
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) Em 13 de Julho de 2015, o Autor apresentou nos serviços da Entidade Demandada requerimento para atribuição do Rendimento Social de Inserção.
B) Em 15 de Agosto de 2015, o Autor foi informado que, por despacho da Directora do Núcleo de Prestações Familiares e de Solidariedade, lhe foi indeferido o pedido de atribuição de rendimento social de inserção, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido.
C) Em 18 de Setembro de 2017, o Autor instaurou acção administrativa de impugnação de acto administrativo, que correu termos neste Tribunal sob º nº 1833/17.4BEBRG.
E) Em 26 de Março de 2018, foi proferida sentença que julgou verificada a excepção de intempestividade e absolveu a Entidade Demandada da instância, a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida.
F) A sentença referida em E) transitou em julgado.
G) Em 13 de Setembro de 2017, o Autor renovou o pedido de atribuição do Rendimento Social de Inserção junto da Entidade Demandada.
H) A Entidade Demandada não proferiu decisão quanto ao requerimento referido em G).
I) O Autor encontra-se recluso no Estabelecimento Prisional de Braga.
*
Em sede de factualidade não provada o Tribunal exarou:
Não há factos alegados a dar como não provados com interesse para a decisão da causa.
E no que à motivação da factualidade tida por assente respeita esclareceu que a sua convicção se formou com base na análise crítica da documentação não impugnada junta aos articulados iniciais das partes juntos aos autos, bem como todo o teor do processo administrativo instrutor junto aos autos e das regras do ónus da prova.
X
DE DIREITO
Está posta em crise a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
Apurada a factualidade com interesse para a decisão da causa cumpre agora efectivar o seu enquadramento jurídico para apurar da razão do A.
O Autor vem instaurar uma acção com vista à condenação da Entidade Demandada à prática de acto administrativo de decisão do seu requerimento de renovação do pedido de atribuição do Rendimento Social de Inserção no sentido do deferimento deste.
Dispõe o art. 67º do CPTA que “1 – A condenação à prática de acto administrativo pode ser pedida quando, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir:
a) Não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido (…)”
Por sua vez, o art. 13º do CPA, sob a epígrafe “Princípio da decisão”, determina que “1 – Os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam directamente respeito, (…).
2 – Não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos, contados da data de apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos. (…)”.
Este princípio da decisão, consagrado neste normativo, implica que a Administração Pública tem o dever de responder aos requerimentos que lhe são dirigidos pelos particulares na defesa de interesses próprios.
Este dever de responder torna-se dever de decidir quando estejam cumulativamente verificados três pressupostos: 1) pedido formulado por quem detém legitimidade; 2) Não haver decisão da Administração, proferida há menos de dois anos, sobre o mesmo assunto, com os mesmos fundamentos e em relação aos mesmos interessados. Contando-se os dois anos desde a data de apresentação do primeiro requerimento; 3) a Administração a quem for dirigido o pedido seja a competente para decidir do seu deferimento ou indeferimento.
Ou seja, e para o que interessa na presente acção, este princípio, em geral, significa que a Administração tem que satisfazer a expectativa legítima do requerente de obter uma pronúncia da mesma e tomar uma posição sobre a pretensão do particular interessado mesmo que considere que esta é totalmente infundada, pois que não lhe assiste qualquer “discricionariedade no silêncio” e, pelo contrário, tem o dever de pronúncia.
Acontece que o dever de pronúncia é diferente do dever de decisão, este último existe, verificados os pressupostos supra referidos, se a decisão anterior, no caso de renovação do pedido, tiver sido proferida há mais de dois anos, nesta situação existe novamente o dever de decisão da pretensão formulada pelo mesmo interessado, com idêntico objecto e fundamento, assumindo-se como um dever de reapreciação e, para tal, não pode ser invocado o caso decidido porque as circunstâncias de facto e de direito podem já ter alterado.
Descendo ao caso concreto, o Autor fez um primeiro pedido em 13 de Julho de 2015, este pedido foi indeferido e esta decisão de indeferimento consolidou-se na ordem jurídica, mas, em 13 de Setembro de 2017, ou seja, mais de dois anos após a apreciação do primeiro pedido, o Autor solicitou uma reapreciação do seu pedido e, porque já tinham passado mais de dois anos desde a data da decisão anterior a Entidade Demandada tinha o dever de se pronunciar e reapreciar, mediante a emissão de uma decisão, o segundo pedido do Autor.
Ora, a Entidade Demandada violou tal obrigação e não proferiu nenhuma decisão até ao dia de hoje.
Dispõe o nº 1 do art. 70º do CPTA que “Ainda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta (…), o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo o eventual ato de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do ato devido”.
Assim, e porque a pretensão do Autor é que lhe seja atribuído o Rendimento Social de Inserção há que analisar e verificar se este preenche os pressupostos para dele ser beneficiário.
O regime legal que regula o Rendimento Social de Inserção encontra-se previsto no Decreto-Lei nº 133/2012, de 27.06.
Este regime tipifica os requisitos e condições gerais de atribuição deste rendimento no seu art. 6º, no qual o legislador determina que “ 1 – O reconhecimento do direito ao rendimento social de inserção depende de o requerente, à data da apresentação do requerimento, cumprir cumulativamente os requisitos e as condições seguintes: (…)
K) Não se encontrar em prisão preventiva ou a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional (…)”.
Ora, conforme resulta do probatório supra e da própria alegação do Autor, na petição inicial, este encontra-se recluso no Estabelecimento Prisional de Braga, logo, constata-se, de forma óbvia e imediata, que ao Autor não lhe pode ser atribuído, pela Entidade Demandada, tal como por ela é alegado, o rendimento
Social de Inserção, uma vez que estamos perante uma decisão totalmente vinculada ao determinado pelo legislador e este definiu de forma literal que os interessados a cumprir pena de prisão ou em prisão preventiva não podem ser beneficiários do RSI.
Desta forma, o acto a proferir pela Entidade Demandada teria que ser um novo acto de indeferimento da pretensão do Autor.
X
Vejamos:
Em 15/05/2018, o Autor/Recorrente intentou acção de condenação à prática de acto devido, no sentido de obrigar o Réu a produzir o acto, que em seu entender estava em falta.
Tal acto prendia-se com a resposta ao pedido renovadamente formulado, relativamente à atribuição do Rendimento Social de Inserção.
Desde a sua (re)formulação, em 13 de setembro de 2017, nunca o Réu respondera ao Autor, deferindo ou indeferido a sua pretensão.
Neste contexto, o Autor veio a juízo para instar a Entidade Ré a emitir uma decisão, fosse ela a seu favor ou não.
Foi então proferida a decisão recorrida, onde, além do mais, se acentuou:
“(…) nesta situação existe novamente o dever de decisão da pretensão formulada pelo mesmo interessado, com o idêntico objeto e fundamento, assumindo-se como um dever de reapreciação e, para tal, não pode ser invocado o caso decido porque as circunstâncias de facto e de direito podem já ter alterado.
Descendo ao caso concreto, o Autor fez um primeiro pedido em 13 de julho de 2015, este pedido foi indeferido e esta decisão de indeferimento consolidou-se na ordem jurídica, mas em 13 de setembro de 2017, ou seja, mais de dois anos após a apreciação do primeiro pedido, o Autor solicitou uma reapreciação do seu pedido e, porque já tinham passado mais de dois anos desde a data da decisão anterior a Entidade Demandada tinha o dever de se pronunciar e reapreciar, mediante a emissão de uma decisão, o segundo pedido do autor.
Ora, a Entidade Demandada violou tal obrigação e não proferiu nenhuma discussão até ao dia de hoje.”
Segundo o Recorrente na decisão proferida, além de outros males, há incorrecta aplicação do direito ao caso concreto.
Quid júris?
Cremos que carece de razão.
Tendo ficado provado que o Réu deveria ter proferido uma decisão, por obrigação legal, veio o Tribunal a quo substituir-se à Entidade Demandada, produzindo o acto, decidindo a questão de mérito definitivamente, ao abrigo do disposto no artº 71º/1 do CPTA (e não à sombra do artº 70º/1 do CPTA, como certamente por lapso se invocou).
Nestes termos, decidiu a Senhora Juíza:
“O regime legal que regula o Rendimento Social de Inserção encontra-se previsto no Decreto-Lei nº 133/2012, de 27.06. Este regime tipifica os requisitos e as condições gerais de atribuição deste rendimento no seu art. 6º, no qual o legislador determina que “1 – O reconhecimento do direito ao rendimento social de inserção depende de o requerente, à data da apresentação do requerimento, cumprir cumulativamente os requisitos e as condições seguintes: (…)
k) Não se encontrar em prisão preventiva ou a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional (…).
Ora, conforme resulta do probatório supra e da própria alegação do autor, na petição inicial, este encontra-se recluso no Estabelecimento Prisional de Braga, constata-se, de forma óbvia e imediata, que ao autor não lhe pode ser atribuído, pela Entidade Demandada, tal como por ela é alegado, o rendimento social de inserção, uma vez que estamos perante uma decisão totalmente vinculada ao determinado pelo legislador e este definiu de forma literal que os interessados a cumprir pena de prisão ou em prisão preventiva não podem ser beneficiários do RSI.
Desta forma, o acto a proferir pela Entidade Demandante teria que ser um novo acto de indeferimento da pretensão do Autor.“.
No que a este segmento decisório concerne, o Recorrente discorda da decisão emitida, por entender que, com a mesma, está a ser duplamente penalizado.
Não vemos que assim seja.
Na verdade, o Autor requereu a atribuição do RSI e, da análise à documentação entregue e verificação das suas condições, constatou-se a omissão de um dos pressupostos legalmente previstos no artigo 6º da Lei 13/2003, de 21 de maio, alterada pelo DL 133/2012, de 27 de junho, ou seja, constatou-se que se encontra a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional.
Assim, e de acordo com a menção legalmente expressa de que o reconhecimento do direito ao RSI depende da verificação cumulativa de todas as condições de atribuição previstas naquele normativo legal, o requerimento do Autor foi (e bem) indeferido.
O RSI é, desde a sua génese, uma medida de redução da pobreza, em especial nas suas formas mais extremas, protectora dos grupos de maior fragilidade e vulnerabilidade, em situação de pobreza extrema.
Atente-se na filosofia que lhe subjaz:
(O Rendimento Social de Inserção (RSI) é nos dias de hoje um apoio fundamental para as famílias mais carenciadas que não têm outras formas de rendimento. No entanto, o acesso a este apoio social tem vindo a ser mais criterioso, o que se reflete na diminuição do número de beneficiários. (….).
O RSI é um apoio para os indivíduos e famílias mais pobres sendo constituído por um contrato de inserção para ajudar a integração social e profissional e ainda uma prestação em dinheiro para satisfazer as necessidades básicas. As pessoas que recebem o RSI têm que celebrar e assinar um contrato de inserção, onde consta um conjunto de direitos e deveres com o objetivo de realizar a integração social e profissional.
Têm direito a esta prestação as pessoas ou famílias que necessitem de apoio para melhorar a sua integração social e profissional, que se encontrem numa fase de carência económica grave e que cumprem as condições de atribuição. (…).
Mas não em situações em que a subsistência do titular da prestação é assegurada pelo Estado, como sejam o cumprimento de prisão em estabelecimento prisional e a institucionalização em equipamentos financiados pelo Estado.
Ora, é evidente que, se o Estado, noutra das suas vertentes, neste caso através de um Estabelecimento Prisional, já assegura (ou tem essa obrigação) a subsistência do Autor, não lhe cabe, por intermédio da Segurança Social, fazê-lo em duplicado.
Seria até atentatório do princípio da igualdade, no sentido de que estaria a beneficiar os reclusos em relação aos outros titulares de RSI.
Mais, é salvaguardada a possibilidade de os cidadãos que se encontrem em cumprimento de pena de prisão poderem requerer a prestação de RSI antes da libertação, iniciando-­se o pagamento da prestação no mês da saída, favorecendo, deste modo, a inserção e o regresso à vida activa.
De facto, não é despiciendo recordar que o RSI constitui uma mera expectativa jurídica, e não um direito adquirido, porque sempre se impõe a emissão de acto administrativo por parte do Réu.
Este aprecia e profere decisão final, consubstanciada em acto administrativo balizado pelos preceitos legais aplicáveis, isto é, não decorre ipso facto de um estado de necessidade ou do reconhecimento da inexistência de rendimentos, o direito do Autor à atribuição das prestações de RSI.
É que, como se disse, o subsídio está sujeito à emissão de acto administrativo, sujeito à aplicação das normas que norteiam a actividade administrativa, como o princípio da legalidade, do qual decorre que o reconhecimento do direito ao RSI está limitado por condições cumulativas (e não meramente alternativas) e objectivas, tratando-se de um poder vinculado da administração, pelo que o eventual direito do Autor só nasce na sua esfera jurídica, após a prolação de tal acto.
Indefere-se pois a atribuição do apoio social em causa.
Ao aqui Apelante cabe requerer a prestação de RSI antes da libertação, nos termos estabelecidos na parte final da alínea k) do nº 1 do artigo 6º da Lei
13/2003, de 21 de maio “Não se encontrar em prisão preventiva ou a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional, salvo nos 45 dias anteriores à data previsível de libertação” (sublinhado nosso).
***
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique e DN.
Porto, 03/05/2019
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Nuno Coutinho