Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00514/17.3BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/17/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ACIDENTE RODOVIÁRIO EM AUTO-ESTRADA; RESTO DE PNEU NA VIA; RESPONSABILIDADE; CUMPRIMENTO DAS REGRAS DE SEGURANÇA; PRESUNÇÃO DE ILICITUDE;
PRESUNÇÃO DE CULPA; ARTIGO 12º Nº 1 DA LEI Nº 24/2007, DE 18.07; ARTIGO 493.º, N.º1 DO CÓDIGO CIVIL; PRIVAÇÃO DO USO DO VEÍCULO; DANOS PATRIMONIAIS; INDEMNIZAÇÃO POR RECONSTITUIÇÃO NATURAL; ARTIGO 562º DO CÓDIGO CIVIL; INDEMNIZAÇÃO EM DINHEIRO – N.ºS 1 E 2 DO ARTIGO 566º DO CÓDIGO CIVIL; JUÍZOS DE EQUIDADE; N.º3 DO ARTIGO 566º DO CÓDIGO CIVIL LIQUIDAÇÃO EM INCIDENTE PRÓPRIO; ARTIGOS 378º, N.º2, E 661º, N.º2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA; CONCESSIONÁRIA SUB-CONCESSIONÁRIA
Sumário:1. Em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão da existência e um obstáculo na faixa de rodagem, no caso um resto de pneu, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará essa presunção de culpa se demonstrar que o aparecimento do obstáculo na via não lhe é de todo imputável, sendo atribuível a outrem, a caso fortuito ou de força maior, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, a seja alheia, que determinou o sinistro, face ao disposto no artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18.07.

2. Sendo de presumir também a culpa da concessionária nestas situações, face ao disposto no artigo 493.º, n.º1 do Código Civil.

3. Se, apesar de se ter dado como não provado que o autor sofreu um prejuízo diário pela privação do uso veículo na ordem dos 50€00 diários, se deu por provado que ficou privado do seu veículo, com o qual realizava deslocações inerentes à sua vida profissional, para fazer compras, para ir ao médico, etc…, é devida indemnização pela privação do uso do veículo.
Só se pode recorrer a juízos de equidade na fixação da indemnização caso de não ser possível determinar o montante exacto dos prejuízos – n.º3 do artigo 566º do Código Civil.

4. A indemnização por danos patrimoniais deve revestir, em primeiro lugar, a forma de reconstituição natural - artigo 562º do Código Civil. Apenas quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor tem lugar a indemnização em dinheiro que tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos – n.ºs 1 e 2 do artigo 566º do Código Civil. Só se pode – e deve - recorrer a juízos de equidade no caso de não ser possível determinar o montante exacto dos prejuízos, nem sequer em posterior incidente de liquidação – n.º3 do artigo 566º do Código Civil e artigo 661º, n.º2, do Código Civil.

5. No caso concreto não se afigura possível determinar em concreto quantos dias o autor esteve privado do uso do veículo porque a versão que apresentou nos autos, mas não logrou provar, foi a de que ainda não tinha reparado o veículo. Recorrendo a juízos de equidade para fixar esta parcela indemnizatória pelo prejuízo, verificado, de privação do uso do veículo, mostra-se ajustado ao caso concreto e equitativo - nº 3 do artigo 566º do Código Civil - o valor de 25 € (vinte euros) por dia de imobilização do veículo sinistrado, dado tratar-se no caso de um veículo essencialmente para uso particular e não para uso como profissional de condução de veículos ou transporte; assim como se mostra adequado, tendo em conta o elevado custo da reparação, fixar em 30 dias o tempo necessário para a reparação e, portanto, de privação do uso do veiculo para esse efeito.

6. O montante indemnizatório deve ser suportado solidariamente por concessionária e subconcessionária da auto-estrada, dada a relação comitente – comissária existente entre ambas como resultado do estipulado no ponto 20.2 do contrato celebrado entre ambas – n.º1 do artigo 507º do Código Civil.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:Auto-Estradas do (...) E OUTRA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

M. veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 29.12.2019, pela qual foi julgada (totalmente) improcedente a acção intentada contra a Auto-Estradas do Litoral, S.A., e a Auto-Estradas de Portugal, S.A. para pagamento de uma indemnização global de 14.984€77, por danos patrimoniais e morais, resultantes de um acidente de viação ocorrido no dia 10 de Abril de 2017, pelas 22h40m na auto-estrada A17, ao Km 33,7.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida ao absolver em vez de condenar as Rés, como foi pedido, violou as seguintes normas legais: Base XLV, Base XLVI, Base LXXVI, Base XXX, n.º 1, anexas ao Decreto-Lei n.º 215-B/2004, nº 1 da Base XXXVII, Base XXXVI, e o nº 1 da Base XLIX, anexas ao Decreto-Lei nº 294/97, de 24.10, artigos 12, nº 1, da Lei nº 24/2007, de 18.7., 350º, n.º 2, 483º, 487º, 493º, 494º, 496º, 562º, 563º, e 566º, todos do Código Civil.

Apenas a Recorrida B. contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

O Ministério Publico neste Tribunal não emitiu parecer.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1ª O recorrente não se conforma com a decisão proferida, porquanto se considera que ocorreu incorreto julgamento da matéria de facto, assim como fez o Tribunal recorrido uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

2ª Para justificar a absolvição das RR. dos pedidos contra si formulados, o Tribunal a quo considerou que as RR. cumpriram todas “…as obrigações de segurança que sobre elas recaem, não lhes sendo exigível, nem pelas leis aplicáveis, nem pelos contratos celebrados, outra atuação de modo a evitar que objetos sejam arremessados para a via ou nela permaneçam, não devendo, como tal, ser condenada a título de responsabilidade extracontratual por facto ilícito, na medida em que provou que não lhe era exigível outro comportamento para além daquele que observou”.

3ª Para isso, o tribunal a quo bastou-se com os Factos Provados números 12., 16., 17. e 18. Da Sentença recorrida.

4ª De forma simples, a grande questão é saber se os patrulhamentos efetuados pela B., e designadamente um patrulhamento realizado pelo oficial de mecânica G. 2h00 antes de ter sido chamado ao local do embate, não tendo sido nada detetado no local, são suficientes para ilidir a presunção de incumprimento que recai sobre as concessionárias. O recorrente entende que não.

5ª Com efeito, nos termos do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 339/16.3T8SXL.L1-7, com data de 05-06-2018, ficou consignado que:

“- O art. 12 da Lei nº 24/2007, de 18.7, ao definir os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, faz recair sobre o concessionário o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança quando os acidentes verificados sejam causados por objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, por atravessamento de animais ou, ainda, por líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais; · Para ilidir a presunção de incumprimento que recai sobre tal entidade de acordo com o referido normativo, não basta a prova genérica de que houve passagens da equipa de assistência e/ou de que não foi detetada ou comunicada a presença do objeto, do animal ou do líquido na via que deu causa ao acidente verificado, mesmo que tal abranja o tempo e espaço em que ocorreu o acidente”. (negrito e sublinhado nosso).

6ª Ora, tendo o acidente ocorrido em autoestrada concessionada pelas RR., recai sobre a concessionária uma presunção legal de culpa nos termos do art. 12, nº 1, da Lei nº 24/2007, de 18.7.

7ª No caso concreto, entende o recorrente que, não obstante o ficou provado na Sentença recorrida, as RR. não ilidiram a presunção de cumprimento que sobre ela impendia, desde logo porque para que se possa afastar a presunção legal de culpa contida nas alíneas a), b) e c), do n.º 1, do art.º 12.º, da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, não é suficiente que a concessionária alegue e demonstre que cumpriu genericamente as suas obrigações de vigilância ou que procedeu à implementação de medidas destinadas a evitar a presença de objetos, de pneus, animais ou de líquidos nas faixas de rodagem, incluindo durante o intervalo temporal em que os mesmos permaneceram na via e no local onde o sinistro teve lugar, antes se exigindo que aquela demonstre que, na situação concreta, a presença do objecto, do animal ou do líquido na via não se deve a incumprimento seu da obrigação de impedir essa presença.

8ª Da factualidade assente não conseguimos extrair como é que o objeto em causa alcançou a faixa de rodagem e veio nela a permanecer, nem durante quanto tempo, nem a razão pela qual ali permaneceu o tempo suficiente para ocasionar a colisão, apenas se sabendo que não pertencerá à infra-estrutura da auto-estrada e sim a algum veículo.

9ª Não se apurou qualquer facto apto a demonstrar ser imputável ao condutor do veículo a produção do sinistro.

10ª O objeto em questão, uma carcaça de um pneu de camião que se encontrava no meio da via, pode ter saído involuntariamente de outro veículo, mas – embora não seja muito provável - também pode ter sido arremessado por um utente da autoestrada (condutor ou passageiro), ou pode tratar-se inclusivamente de algum vestígio de sinistro anterior que a R. não removeu, sendo inúmeras as causas subjacentes à permanência do objeto na faixa de rodagem, as quais são desconhecidas.

11ª Em todo o caso, pelos factos provados, o que resultou demonstrado foi o cumprimento genérico das obrigações que sobre a R. impendem de vigilância e de conservação da A17, impostas pelo contrato de concessão.

12ª As RR. não conseguiram, no entanto, fazer prova do cumprimento do concreto dever de assegurar permanentemente, em boas condições de segurança, a circulação viária no lanço concreto, uma vez que aquela carcaça de pneu, não obstante os factos provados, encontrava-se efetivamente na faixa de rodagem e nenhuma das RR. fez prova de que tal facto não lhe é imputável. Assim, nada de concreto se provou quanto à real causa do aparecimento da carcaça de pneu na via.

13ª À R. incumbia, para ilidir a presunção de culpa que sobre si incide, provar que, neste concreto caso, o objeto permanecia na faixa de rodagem da A17 de forma incontrolável para si ou que lá foi colocado por determinado terceiro, propositada ou negligentemente, o que não alegou e, logo, não demonstrou.

14ª Perante quanto se deixou exarado, conclui-se que a R., ou as RR., não conseguiram ilidir a presunção de culpa que sobre si impende, além de ter o A. demonstrado que foi praticado um facto ilícito (porquanto violador de norma destinada a proteger interesse alheio) e gerador de danos, incumbindo, pois, à R. o ressarcimento das perdas causadas.

15ª Nos termos do disposto na Base XLV anexa ao Decreto-Lei n.º 215-B/2004:
1 - Constitui estrita obrigação da Concessionária, nos termos do presente contrato, a manutenção em funcionamento permanente dos Lanços identificados no n.º 1 da base II, após a sua abertura ao tráfego, em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, em tudo devendo diligenciar para que os mesmos satisfaçam plena e permanentemente o fim a que se destinam.
2 - A Concessionária é responsável pela manutenção, em bom estado de conservação e funcionamento, do equipamento de monitorização ambiental, dos dispositivos de conservação da natureza e dos sistemas de protecção contra o ruído.
3 - Constitui ainda responsabilidade da Concessionária a conservação e manutenção das praças de portagem, dos sistemas de contagem e classificação de tráfego, incluindo o respectivo centro de controlo e ainda dos sistemas de iluminação, de sinalização e de segurança nos troços das vias nacionais ou urbanas que contactam com os nós de ligação até os limites estabelecidos na base V.

16ª Já a Base XLVI anexa ao Decreto-Lei n.º 215-B/2004 dispõe:
1 - A Concessionária deverá assegurar, de forma permanente, que a circulação nos Lanços da Auto-Estrada a explorar e conservar por si decorra em boas condições de segurança e comodidade.
2 - A Concessionária deverá respeitar os padrões de qualidade, designadamente para a regularidade e aderência do pavimento, conservação da sinalização e do equipamento de segurança e apoio aos utentes, fixados no Manual de Operação e Manutenção e no plano de controlo de qualidade.

17ª A Concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito. - Base LXXIII, anexa ao DL n.º 215-B/2004.

18ª Por sua vez, estipula a Base LXXVI anexa ao DL n.º 215-B/2004 que são casos de
“Força maior”:
1 - Consideram-se unicamente casos de força maior os acontecimentos imprevisíveis e irresistíveis cujos efeitos se produzam independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da Concessionária.
2 - Constituem nomeadamente casos de força maior actos de guerra, hostilidades ou invasão, subversão, tumultos, rebelião ou terrorismo, epidemias, radiações atómicas, fogo, raio, graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que directamente afectem as actividades compreendidas na Concessão.
3 - Consideram-se excluídos da previsão dos números anteriores os eventos naturais cujo impacte deva ser suportado pela Auto-Estrada, nos termos dos projectos aprovados, e dentro dos limites por estes previstos.
4 - Sem prejuízo do disposto no n.º 6 desta base, a ocorrência de um caso de força maior terá por efeito exonerar a Concessionária da responsabilidade pelo não cumprimento das obrigações emergentes do Contrato de Concessão que sejam afectadas pela ocorrência do mesmo, na estrita medida em que o respectivo cumprimento pontual e atempado tenha sido efectivamente impedido e dará lugar à reposição do equilíbrio financeiro da Concessão, nos termos da base LXXXIV ou, caso a impossibilidade de cumprimento do Contrato de Concessão se torne definitiva, ou a reposição do equilíbrio financeiro da Concessão se revele excessivamente onerosa para o Concedente, à resolução do Contrato da Concessão. 5 - No caso de exoneração da Concessionária do cumprimento das obrigações decorrentes do Contrato de Concessão por motivo de força maior, o Concedente deverá fixar, logo que possível, com razoabilidade, e após prévia audiência da Concessionária, o prazo pelo qual aquela exoneração se prolongará.

19ª Ou seja, só nos casos de força maior supra enunciados poderá a Concessionária exonerar-se da sua responsabilidade pelo não cumprimento…

20ª Aliás, já a Base XXXVI anexa ao DL nº 294/97, de 24.10 (que revia o contrato de concessão da B.-Auto-Estradas de Portugal, S.A.) previa que: “A concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construídas quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem”, dispondo ainda, o nº 1 da Base XXXVII que: “A concessionária é obrigada a assegurar a assistência aos utentes das auto-estradas que constituem o objecto da concessão, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua fiscalização.”

21ª Estabelece, por outro lado, o art.º 12 da Lei 24/2007 de 18/7, sob a epígrafe
“Responsabilidade”, que:
“1 - Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.
3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
d) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;
e) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
f) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.”

22ª Do que vimos de expor resulta estar a R. obrigada aos procedimentos de segurança exigíveis em conformidade com o nº 1 do referido art. 12, cabendo-lhe o ónus da prova do cumprimento dessas obrigações.

23ª Em face da factualidade acima descrita, mostra-se claramente afastada qualquer responsabilidade do condutor do veículo, aqui recorrente, na eclosão do acidente, não tendo as RR. cumprindo o ónus que sobre si impendia só por 2 horas antes ter passado no local do acidente uma patrulha e não ter vislumbrado qualquer carcaça de pneu.

24ª Como vimos, a Lei nº 24/2007 veio reforçar a proteção a conceder aos utentes de autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, determinando que, na ausência da prova da culpa do condutor na produção de acidente, recaísse sobre a concessionária o ónus de demonstrar o cumprimento das inerentes obrigações de segurança, sob pena de, não o fazendo, assumir a responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos assim provocados em pessoas e bens.

25ª A necessidade de, por esta forma, se atribuir às empresas concessionárias o ónus da prova prende-se, principalmente, com a circunstância de ser para elas mais fácil demonstrar o cumprimento de um dever próprio do que ao lesado provar uma conduta omissiva daquela.

26ª São aquelas entidades que, por terem a seu cargo a atividade de operação e manutenção das vias respetivas e disporem dos meios técnicos e logísticos necessários, pessoais e materiais, melhor conseguirão identificar os perigos ou o apuramento das circunstâncias que rodeiam acidentes devidos a obstáculos existentes nas mesmas vias, tarefa especialmente dificultada aos utentes ou a terceiros.

27ª A norma do nº 1 do referido art.º 12 constitui, por isso, um comando de natureza excecional, à semelhança do art. 493, nº 1, do C.C., criado por razões de equidade na distribuição do ónus da prova e apenas para as situações ali previstas, obstando aos efeitos negativos que resultavam da qualificação das mesmas no âmbito da responsabilidade aquiliana.

28ª A questão está em saber como deve tal entidade ilidir a presunção de incumprimento que sobre si recai, de acordo com o referido art. 12, nº 1, da Lei nº 24/2007.

29ª Claro que nessa avaliação não podem ignorar-se as inevitáveis limitações da entidade concessionária na execução da sua tarefa, compreendendo-se que esta não poderá assegurar em absoluto as condições de segurança e reduzir simplesmente a zero o risco de acidente rodoviário nas condições referidas no nº 1 do art. 12. Mas tal não deve traduzir-se na condescendência com uma atuação que não seja claramente diligente e esforçada no sentido de garantir a segurança da circulação em vias onde se espera uma manutenção e vigilância adequadas.

30ª Tanto mais que, tratando-se de auto-estradas, a velocidade de referência será a de 120 km/h a 140 km/h (cfr. Base XXX, n.º 1, anexa ao DL 215-B/2004 e Base XXII, nº 9, anexa ao DL nº 294/97).

31ª Dito de outro modo, não podemos prescindir, nessa apreciação, de critérios de elevada exigência no cumprimento das obrigações da entidade responsável. Aliás, como se disse no
Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14.3.2013: “(…) Não se ignoram as dificuldades inerentes à boa execução de uma tal tarefa por parte da concessionária. Com as considerações anteriores também não se pretende elevar a exigência a um tal patamar que torne inexequível o cumprimento das suas obrigações ou que implique a perda da rentabilidade da exploração.
No entanto, a mera constatação da impossibilidade de se garantir a infalibilidade de um sistema apto a evitar a entrada, detectar a existência ou determinar a retirada de animais ou de outros objectos da faixa de rodagem que, pelas suas dimensões, possam constituir efectiva fonte de perigo, não pode redundar no abrandamento do grau de diligência a um ponto em que a liberação da responsabilidade da concessionária acabe por penalizar os condutores ou terceiros que, sem qualquer responsabilidade e fiados na existência de condições de segurança, sofram danos.
Atenta a natureza da via concessionada, o elevado grau de sofisticação da actividade e a experiência acumulada pela concessionária, a apreciação do cumprimento do dever de diligência, segundo o padrão do “bom pai de família”, a que alude o art. 487º, nº 2, do CC, deve guindar-nos a um plano de elevada exigência, tendo em conta, além do mais, que a mesma exerce uma actividade lucrativa, devendo, por isso, mobilizar meios humanos, materiais e financeiros ajustados a evitar incidentes semelhantes.
Por isso, apenas poderia considerar-se elidida a presunção de incumprimento em face de um conjunto de factos que revelassem uma acrescida preocupação pela vigilância daquele troço da auto-estrada. (…).”

32ª Em suma, caberá à entidade responsável, em cumprimento do ónus de prova que sobre si impende nos termos do nº 1 do art. 12 da Lei nº 24/2007, demonstrar que encetou todos os procedimentos adequados e se rodeou de todas as cautelas necessárias ao seu alcance tendentes a evitar o concreto perigo a que ali se alude para os utentes da via.

33ª Vasta jurisprudência vem, por isso, defendendo que para ilidir a referida presunção de incumprimento não basta a prova genérica de que houve passagens da equipa de assistência e/ou de que não foi detetada ou comunicada a presença do objeto, do animal ou do líquido na via.

34ª Com efeito, dispõe o art. 350, nº 2, do C.C., que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, o que significa que para ilidir a presunção o onerado com a mesma terá de demonstrar que o facto presumido não ocorreu, não sendo suficiente colocar em dúvida a verificação desse facto.

35ª No caso, e quanto à dinâmica do acidente, apurou-se que no dia 10.4.2017, pelas 22,40h, na A17, ao km 33,7, ocorreu um embate no qual foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros de marca Mercedes – Benz, Classe E, 320 CDI, com a matrícula XX-XX-XX (UN), conduzido pelo A., o qual se encontrava a concluir uma manobra de ultrapassagem a uma carrinha, sendo que, quando regressava à faixa da direita, embateu na carcaça de um pneu de camião que se encontrava no meio da via.

36ª Provou-se que era de noite e o tempo estava bom. Provou-se que não existia no local qualquer sinalização que advertisse os condutores da existência de obstáculos na via, incluindo uma carcaça de pneu que obstruísse a via. Provou-se que o veículo UN não conseguiu desviar-se, embatendo no referido objeto com a parte inferior do veículo, tendo parado o veículo na berma do lado direito atento o sentido de marcha, de onde solicitou, através do posto SOS n.º 34, a comparência da brigada de apoio, que se deslocou ao local passado poucos minutos. Provou-se, ainda, que o referido objeto seria parte de um veículo pesado, sendo desconhecida a sua origem.

37ª No que toca ao procedimento da concessionária – e afastada a culpa do condutor do veículo UN nos moldes atrás descritos – apurou-se que a R. B. patrulha a auto-estrada através das viaturas B., durante 24 horas sobre 24 horas, todos os dias do ano. Demonstrado ficou também que, cerca de 2h00m antes do descrito sinistro, um dos carros de patrulha da B., passou no local e nada detetou, e que a R. realiza inspeções regulares à A17. E ficou ainda consignado na Sentença recorrida que a R. não foi avisada, por qualquer utente da mesma, de que na autoestrada estivesse objeto algum nas descritas circunstâncias, e que os agentes da GNR-BT também nada de anormal detetaram antes da ocorrência do sinistro.

38ª Igualmente se apurou que a R. assistiu de imediato o condutor do veículo UN, passando a assinalar aos demais utentes da via a existência da viatura sinistrada naquele local.

39ª Trata-se, ainda assim, tendo em conta a vasta jurisprudência, de factualidade insuficiente para afastar a referida presunção de incumprimento.

40ª Com efeito, não resulta da mesma que a R., dentro dos elevados padrões de exigência no cumprimento a considerar, tenha esgotado todas as possibilidades que estavam ao seu alcance para, num plano de razoabilidade, aperceber-se da carcaça do pneu na faixa de rodagem e promover a sua retirada da via, procedendo, entretanto, à imediata e precoce sinalização do perigo.

41ª Na verdade, para além de referências, genéricas e tabelares, aos procedimentos habituais da concessionária (veja-se que estas patrulhas de 2 horas em 2 horas ou 3 horas em 3 horas são referências habituais neste tipo de processos) e ao cumprimento abstrato das suas obrigações de vigilância, temos apenas que no local passou um dos carros de patrulha da B., cerca de 2h00m antes do descrito sinistro, e nada detetou, tal como nada foi denunciado ou detetado pelas patrulhas da R. ou da GNR-BT.

42ª Não se provou, nem foi alegado, se está instalado na referida auto-estrada A17 e em funcionamento, na ocasião, algum sistema de vigilância eletrónica (por meio de câmaras digitais, de vídeo ou fotográficas) que permitisse a deteção (em tempo real) de um objeto estranho no local como o que ocasionou o acidente dos autos (e que facilitaria a demonstração das circunstâncias, de tempo e modo, em que o objeto surgiu na via), ou se é, por exemplo, feita monitorização e controle de tráfego que permita, nomeadamente, detetar o deficiente acondicionamento da carga em viaturas de transporte ou outras, por forma a prevenir eventuais destruições de pneus ou outros.

43ª Ficou por esclarecer, afinal, de que forma surgiu tal objeto na via que pode, simplesmente, ter-se desprendido de algum veículo, ter sido arremessado para a via ou até respeitar a vestígio de sinistro anterior que não foi adequadamente removido. Apenas se provou que o referido objeto seria parte de um veículo pesado, sendo desconhecida a sua origem.

44ª Nestas circunstâncias, e desconhecendo-se qualquer explicação para a existência do referido objeto na via, será a favor do lesado/utente, e não da concessionária, que a dúvida terá de resolver-se, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 12 da referida Lei n° 24/2007 e no art. 350 do C.C..

45ª Como se referiu no Acórdão da Relação do Porto de 17.11.2009: “…num caso em que o atravessamento de um cão esteve na origem do acidente rodoviário em auto-estrada concessionada: “(…) A prova em contrário só pode ser feita mediante a demonstração que o facto ou a situação jurídica presumida não ocorreram e não simplesmente pela demonstração de factos que coloquem em dúvida a existência do facto ou da situação jurídica presumida[…]”.

46ª Daí que a ilisão da presunção de culpa estabelecida pelo referido artigo 12º, n.º 1, b), da Lei 24/2007, de 18.7, não possa ser feita pela simples prova do cumprimento genérico pela concessionária de medidas por si implementadas destinadas a evitar a presença de animais ou outros objetos nas faixas de rodagem, mesmo que esse cumprimento abranja o tempo e o espaço em que ocorreu o acidente.

47ª Assim, mesmo não reivindicando aqui uma específica demonstração da culpa de terceiro na ocorrência, invoca o recorrente que a concessionária, e também as demais RR., não lograram fazer concreta prova, como lhe competia, da adequada utilização de meios de que dispunha por referência aos elevados padrões de exigência que lhe estão impostos.

48ª Perante a fragilidade da matéria provada quanto à conduta das RR. não é assim possível concluir que a mesma esgotou todas as possibilidades ao seu alcance para obstar à existência do objeto pneumático na via e/ou promover a sua rápida deteção e remoção, com imediata e devida sinalização do perigo.

49ª Não lograram, em suma, as RR. fazer prova do efetivo e adequado cumprimento das obrigações de segurança que sobre si impendiam e lhe são exigíveis, pelo que não cumpriu o ónus a que alude o art. 12, nº 1, da mencionada Lei nº 24/2007.

50ª Em abono do que se vem dizendo, veja-se ainda o que ficou consignado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo 371/13.9BEPRT:
“1 - Resulta do art.º 12º da Lei nº 24/2007 que nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito, designadamente, a objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
A concessionária de autoestrada em que se verifique um sinistro rodoviário causado por objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, está assim onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar. Assim, compete à concessionária da via provar que o acidente não terá resultado de culpa sua, atenta a circunstância de ter todas as condições de segurança que estavam a seu cargo, mormente elidindo a presunção da falta de cumprimento das obrigações de segurança (presunção de ilicitude e de culpa) no que respeita ao acidente.
Fazendo o art. 12.º da Lei n.º 24/07 recair sobre o concessionário a presunção de incumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes resultem, designadamente, de objetos existentes nas faixas de rodagem, competia à Concessionária, mais do que a mera prova genérica de que procede a patrulhamentos da via concessionada.
2 - A existência de um tronco de madeira na autoestrada pode resultar de diversas proveniências, incluindo ter aí sido largado intencional ou inintencionalmente por um qualquer individuo, utilizador, ou não, da via, sendo que, enquanto não for conhecida a efetiva razão do sucedido, na dúvida, é a favor do lesado, e não da concessionária que a questão terá de ser resolvida, à luz do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007.
Caso fosse possível afastar a presunção, pela mera alegação de que funcionários da concessionária passavam nos diversos locais da autoestrada, de duas em duas horas, estar-se-ia a subverter a própria presunção de culpa legalmente estabelecida, que passaria a constituir a um mero requisito formal, facilmente contornável.
Não pode ficar a cargo do utilizador da autoestrada sinistrado a prova da origem do obstáculo, pois que se assim fosse, mais uma vez se estaria a subverter a presunção legal de culpa da concessionária.
O afastamento da presunção de incumprimento que sobre si impende, só poderia operar se a Concessionária fizesse prova que a existência do tronco de madeira no pavimento da autoestrada que determinou o acidente, surgiu de forma inopinada ou foi colocado de forma intencional ou negligente, por outrem.”

Posto isto:

51ª A Sentença recorrida subverte a presunção de culpa legalmente estabelecida, reduzindo-a a um mero requisito formal, pois que basta um patrulhamento de 2h em 2h para as concessionárias se desonerarem de qualquer responsabilidade.

52ª É manifesto que a existência de uma carcaça de pneu de um pesado na autoestrada pode resultar de diversas proveniências, incluindo ter aí sido largado intencional ou inintencionalmente por um qualquer individuo, utilizador, ou não, da via, sendo que, enquanto não for conhecida a efetiva razão do sucedido, na dúvida, é a favor do lesado, e não da concessionária que a questão terá de ser resolvida, à luz do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, até porque só "caso de força maior devidamente verificado" permite desresponsabilizar a concessionária da obrigação de garantir a circulação em condições de segurança na via.

53ª Também favorável à alegação do recorrente é o que se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 2533/11.4TBVIS.C1, com data de 17-07-2014:
“1 - Em caso de acidente rodoviário com danos para pessoas ou bens, a Lei 24/2007 de 18/7 veio estabelecer no seu art.º 12, nº 1, uma presunção de incumprimento pelas concessionárias da obrigação de manter aquelas vias – cuja exploração e conservação lhes está cometida – em condições de segurança para o tráfego que ali é suposto processar-se.
2 – A elisão dessa presunção não se basta com a demonstração pela concessionária da observância de procedimentos de patrulhamento e verificação rotineiros, designadamente das vedações laterais e da desobstrução da via.
3 – Essa elisão apenas pode ser lograda com a prova de que acidente proveio da ocorrência de um facto que, em termos normais, não poderia ser tempestivamente evitado ou controlado pela estrutura logística ao serviço da concessionária.
4 – A confirmação policial aludida no nº 2 do art.º 12 da Lei 24/2007 de 18/07 não é um encargo probatório a cargo do lesado, mas um procedimento apenas imperativo para a autoridade, mediante o qual muitas vezes se poderá obter o imediato esclarecimento da causa do acidente, assim se aliviando a entidade concessionária com a nem sempre fácil prova de um evento estranho ao cumprimento das respectivas obrigações”.

54ª Pelo que o Tribunal a quo violou as seguintes normas legais: Base XLV, Base XLVI, Base LXXVI, Base XXX, n.º 1, anexas ao Decreto-Lei n.º 215-B/2004, nº 1 da Base XXXVII, Base XXXVI, e o nº 1 da Base XLIX, anexas ao DL nº 294/97, de 24.10, artigos 12, nº 1, da Lei nº 24/2007, de 18.7., 350º, n.º 2, 483º, 487º, 493º, 494º, 496º, 562º, 563º, e 566º, todos do C.C.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve a decisão recorrida na parte aqui impugnada ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, seguindo-se os demais termos legais, assim se fazendo a costumada e boa JUSTIÇA.
*
II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. Em Setembro de 2004, a R. B. e o Estado Português outorgaram um «contrato de concessão da construção, conservação e exploração», o qual tem por objecto a conservação e exploração da auto-estrada A17 (cfr. o Decreto-Lei n.º 215-B/2004, de 16/9 que aprovou as bases da concessão, projecto, construção, financiamento, conservação e exploração dos lanços da auto-estrada e conjuntos viários associados, designada por Litoral Centro e por acordo).

2. Em 30 de Setembro de 2004, foi celebrado entre a Auto-Estradas de Portugal, S.A., e a B. um “Contrato de Operação e Manutenção”, através do qual a B. transmitiu para a Auto-Estradas de Portugal, S.A., a qualidade de operadora da Concessão Litoral Centro, na qual se integra a A17, e do qual consta o seguinte:

«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. Contrato de fls. 33 a 56 do suporte físico dos autos, o qual se dá aqui por reproduzido).

3. Em 23 de Dezembro de 2009 foi celebrada entre a Auto-Estradas de Portugal, S.A., e a B., S.A., um acordo de subcontratação nos termos da qual a B. transferiu para a B., S.A., a actividade de operação e manutenção prevista no Contrato mencionado no ponto anterior, e do qual consta o seguinte:

«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. acordo de fls. 95 a 113 do suporte físico dos autos, o qual se dá aqui por reproduzido).

4. Com efeitos a partir de 1 de Julho de 2014, a Ré B. e a interveniente principal provocada outorgaram um contrato de seguro de responsabilidade civil, associado à apólice n.º 32/8329074, tendo como local de risco associado a auto-estrada A17, o qual se dá, aqui, por reproduzido e do qual consta o seguinte:
«(...)
3. Objecto do Seguro Responsabilidade civil extracontratual decorrente da actividade de: a) Construção, conservação e exploração de auto-estradas e respectivas áreas de Serviço, em regime de concessão, bem como o estudo e realização de infraestruturas de equipamento social, b) Quaisquer actividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias daquelas.
4. Âmbito da cobertura
3.1. De acordo com o disposto nas Condições Gerais de Responsabilidade Civil e nos termos definidos nas presentes Condições Particulares, a Seguradora garante o pagamento das indemnizações que, de acordo com a legislação em vigor, possam ser exigidas ao Segurado, como civilmente responsável, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, resultantes de lesões materiais (...) causadas acidentalmente a terceiros na sua qualidade de Concessionário da Exploração, Conservação e Manutenção da Rede de Auto Estradas constante da Apólice
(...)
7. Limite de Indemnização
O limite máximo conferido pela presente cobertura não poderá exceder o montante de €750.000,00, por sinistro e anuidade. (...)”.
(cfr. as condições particulares da apólice 32/8329074, as condições gerais – 22, e as condições especiais, de fls. 83 a 86 do suporte físico dos autos).

5. No dia 10 de Abril de 2017, pelas 22h40, na auto-estrada A17, ao Km 33,7, na localidade de Marinha das Ondas, no Concelho da Figueira da Foz, distrito de Coimbra, no sentido Figueira da Foz - Caldas da Rainha, ocorreu um embate, no qual foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros de marca Mercedes - Benz, Classe E, 320 CDI, com a matrícula XX-XX-XX (adiante designado por UN), conduzido pelo ora A., o qual se encontrava a concluir uma manobra de ultrapassagem a uma carrinha, sendo que, quando regressava à faixa da direita,
embateu na carcaça de um pneu de camião que se encontrava no meio da via.

6. Após o embate, o condutor parou o veículo na berma do lado direito atento o sentido de marcha, de onde solicitou, através do posto SOS n.º 34, a comparência da brigada de apoio, que se deslocou ao local passado poucos minutos.

7. No local onde ocorreu o embate descrito no ponto 5. do probatório, a via tem três faixas no sentido Figueira da Foz-Coimbra, era de noite, e o tempo estava bom (por acordo).

8. No momento do embate referido no ponto 5. do probatório, o A. não ia a uma velocidade superior a 120 Km por hora.

9. Na sequência do embate em causa nos presentes autos, o veículo em causa nos autos apresentava danos na parte frontal, nomeadamente na chapa, pintura, mecânica e acessórios, cuja reparação foi orçamentada, pela oficina mecânica I., Lda., com sede na Estrada (…), na quantia de €4.004,77.

10. Em 10 de Abril de 2017, o veículo em causa nos autos foi rebocado pela A., Lda., tendo aí permanecido.

11. O A. ficou privado do seu veículo automóvel, com o qual realizava deslocações inerentes à sua vida profissional, para fazer compras, para ir ao médico.

12. A Central de Comunicações da Ré B. recebeu às 22h40 uma comunicação através do SOS n.º 34, que se localiza ao Km 33,993, no sentido Mira/Marinha Grande, da A17, informando que o condutor do veículo UM estava imobilizado na auto-estrada em virtude de alegadamente ter embatido num resto de pneu.

13. A Central referida no ponto anterior deu indicações ao mecânico de serviço (G. – viatura B. 1734), que se encontrava na zona de intervenção do Centro Operacional de Marinha das Ondas, para se deslocar ao local referido no ponto anterior.

14. Na sequência da comunicação do embate em causa nos autos, o operador da central de comunicações accionou um painel de mensagem variável.

15. O mecânico da B. que patrulhava a A17 constatou, ao chegar junto do UN, que se encontrava imobilizado ao Km 33,700 da A17, no sentido Mira/Marinha grande, a existência de um resto de pneu depositado na berma da direita.

16. No último patrulhamento efectuado pela B., realizado pelo oficial de mecânica G. 2h00 antes de ter sido chamado ao local do embate, não foi detectada, ao Km 33,700, no sentido Mira/Marinha Grande da A17, a existência de um resto pneumático depositado nas vias.

17. A Ré B. tem ao seu dispor veículos automóveis da B. que 24 horas sobre 24 horas circulam pelas várias auto-estradas do país, incluindo a A17, como fez no dia do embate referido no ponto 5. do probatório, existindo, ainda, os patrulhamentos intercalares da GNR – BT.

18. No dia referido no ponto 5. do probatório nada foi detectado nos patrulhamentos da B. quanto à existência de um resto de pneumático depositado nas vias ao Km 33,700, no sentido Mira/Marinha Grande, da A17, nem nada foi comunicado nesse sentido quer por outros utentes quer pelos patrulhamentos que a GNR-BT efectua às auto-estradas.

19. Em 28.08.2017, a petição inicial foi enviada por correio para o presente Tribunal (cfr. fls. 1 do suporte físico dos autos).

Deram-se como não provados os seguintes factos:

A) O veículo em causa nos autos permanece na oficina, aguardando reparação no valor orçamentado de €4.004,77.

B) Com os danos referidos no ponto anterior, o veículo em causa nos autos sofreu uma desvalorização no valor de €2.500,00.

C) O A. sofreu um prejuízo diário pela privação do uso veículo na ordem dos €50,00 diários.

D) A oficina referida no ponto anterior vai cobrar ao A. os dias de parqueamento da viatura na oficina a ser pagos ao valor de 5,00€ mais IVA diários até à data do levantamento da mesma.

E) Em virtude do acidente, o A. ficou triste, arreliado e teve, como tem, momentos de abatimento moral e psicológico, sobretudo quando se lembra do sucedido, tendo ficado com receio de conduzir nas auto-estradas e vias públicas.
*
III - Enquadramento jurídico.

É indiscutível que se verificou um evento relevante para despoletar a responsabilidade civil extracontratual das Rés B. e B., um acidente na auto-estrada A17 com uma viatura que ali circulava, Mercedes - Benz, Classe E, 320 CDI, com a matrícula XX-XX-XX (facto provado sob o n.º5).

Também é incontroverso que esse acidente resultou da existência de um pneu de camião no meio da via com o qual embateu a dita viatura (idem), assim como ficou provado que como consequência desse embate o veículo sofreu estragos que determinaram prejuízos patrimoniais para o Autor, Recorrente (factos provados sob o n.ºs 9 a 11).

Mostra-se assim incontroversa a existência dos pressupostos “facto”, dano” e “nexo de causalidade”.

A controvérsia dos autos centra-se à volta de saber se estão ou não verificados no caso concreto os pressupostos “ilicitude” e “culpa”.


Mas a solução do caso acaba, em termos práticos, por determinar quem deve suportar os prejuízos verificados com este acidente verificado numa auto-estrada, traduzido no embate de uma viatura que ali circulava com um pneu que estava no meio da via: se o proprietário do veículo sinistrado se a concessionária e subconcessionária.

A resposta terá de ser, de acordo com que entendemos ser a solução mais justa, favorável ao Autor, Recorrente.

Por força do disposto no artigo 1º, nº 5, do anexo à Lei nº 67/2007, de 31.12, as Rés estão sujeitas às normas aplicáveis à responsabilidade civil das entidades públicas, competindo-lhe entre outras funções a manutenção e a prestação do serviço público no local onde o sinistro ocorreu, como aliás decorre da Base IV aprovada pelo Decreto-Lei nº 189/2002, de 28.08.

As Rés, Recorridas, no âmbito da concessão, têm poderes administrativos, regulados por normas e princípios de direito administrativo, pelo que não há dúvidas de que lhe é aplicável o regime de responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas – cfr. relativamente à EP – Estradas de Portugal, S.A., mas cuja argumentação é transponível para a situação em apreço, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.05.2013, Proc. nº 017.13.

Nos termos do artigo 7º do Anexo à Lei nº 67/2007, de 31.12, “o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa por causa desse exercício”.

Decorre dos artigos 7º a 10º do Regime em análise e é jurisprudência assente, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas pressupõe a verificação dos mesmos pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil para as relações jurídico-privadas.

Da matéria dada como provada não resulta que a Ré tivesse actuado no sentido de avisar os condutores da presença desse obstáculo nem de a evitar; a explicação é a de que o referido resto de pneu apenas foi detectado após o acidente (facto provado sob o n.º16).

Não basta, nem releva, para afastar a ilicitude da sua conduta omissiva, que a auto-estrada seja vigiada regularmente.

As Rés teriam de demonstrar que o resto de pneu ali foi parar por facto que lhes é completamente alheio por caso fortuito ou motivo de força maior, o que não lograram fazer.

Está, pois, preenchido o pressuposto primeiro pressuposto legal da responsabilidade das rés, a culpa, dado não ter afastado a presunção de culpa que resulta do no artigo 493.º, n.º1 do Código Civil:

“Quem tiver em seu poder coisa móvel o imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

E, ao contrário do que pretendem as Rés, Recorridas, não se verifica circunstância que afaste esta culpa presumida.

As Rés não lograram provar que a existência do reto de pneu na via se deveu a conduta culposa de terceiro, a caso fortuito ou de força maior que não pudesse ter sido evitado.

Apenas ficou provada a existência do obstáculo (não sinalizado) na via.

Não se trata aqui de responsabilidade objectiva ou pelo risco, porque esta prescinde da prova da culpa de quem quer que seja. Trata-se antes de inverter o ónus da prova. Deve ser a concessionária – e a subconcessionária - a provar que não teve culpa. O que no caso não lograram fazer.

O 2º pressuposto é a ilicitude.

A Lei nº 24/2007, de 18.07 veio definir “direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares e estabelece, nomeadamente, as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis, sem prejuízo de regimes mais favoráveis” (artigo 1º).

O artigo 12º do referido diploma estabelece o seguinte:

“1. Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a:

a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;

b) Atravessamento de animais;

c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.

2. Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.

3. São excluídos do número anterior os casos de força maior, que diretamente afectem as actividades de concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:

a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;

b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;

c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.”

O legislador resolveu no artigo 12º a problemática da repartição do ónus da prova dos elementos constitutivos da obrigação de indemnizar: quando esteja em causa um sinistro numa auto-estrada concessionada, provocado, como no caso, pela existência de um objecto na via, a entidade concessionária fica onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar, cabendo-lhe, portanto, o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança.

Conforme já decidiu o Tribunal Constitucional, esta opção legislativa não está desprovida de fundamento material bastante, já que o legislador cometeu “o ónus em causa à parte que se encontra em melhores condições para antecipadamente poder lançar mão dos meios ou instrumentos materiais aptos à prova dos factos, quer pelo domínio material que tem sobre as auto-estradas e os meios de equipamento e de infra estruturas adequadas a conferir maior segurança na circulação rodoviária, quer pela sua capacidade económica para se socorrer desses meios” acórdão do Tribunal Constitucional nº 596/2009; cfr. também acórdão do mesmo Tribunal com o nº 629/2009.

No mesmo acórdão citado, o Tribunal Constitucional sustenta que “o tipo de bens oferecido através da oferta da via das auto-estradas, diferentemente do que se passa com as demais estradas, pressupõe níveis elevados e especiais de segurança, traduzidos desde logo na concepção, construção, manutenção e exploração das vias segundo padrões materiais ou normativos de grande exigência, e que a sua utilização é feita em termos massivos e mediante o pagamento de uma taxa (ainda que nas SCUT esta seja assumida pelo Estado), não se vê que possa considerar-se existir qualquer violação do princípio da proporcionalidade ao atribuir-se ao concessionário da auto-estrada o ónus de demonstrar que cumpriu, em concreto relativamente a cada utilizador, a obrigação de segurança cuja pressuposta existência real se apresenta como determinante para que uma grande massa de consumidores opte pela sua utilização.”

E acrescenta que “estando-se perante especiais actividades económicas geradoras de riscos elevados de lesão de bens e direitos de terceiros, muitas vezes ínsitos ao próprio tipo de bens cuja aquisição se oferece, afigura-se como previsível que o legislador possa submeter essa actividade concreta a especial regime de responsabilidade e isso principalmente quando ela é levada a cabo em regime de concessão pública, pois dela poderá sobrar para o Estado a emergência de ter de suprir as consequências danosas para os utilizadores desses bens, mormente através do cumprimento dos deveres de prestação dos serviços de saúde e de segurança social.”

Conclui que “a norma constante do artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, na acepção segundo a qual, «em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via não lhe é de todo imputável, sendo atribuível a outrem, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral que não lhe deixou realizar o cumprimento», não padece de inconstitucionalidade.”

Descendo de novo ao caso concreto, as Recorridas não lograram provar que a existência do obstáculo causador do acidente não é imputável à B..

Recai, portanto, sobre ambas a responsabilidade de indemnizarem o Autor, Recorrente, pelos prejuízos que este sofreu.

Isto porque, apesar de esta responsabilidade ter sido transferida, por contrato de seguro, dentro de certos limites, para a seguradora (…), esta seguradora foi admitida a intervir nos autos não como parte principal, a título de intervenção principal provocada, mas apenas como interveniente acessória, por despacho transitado em julgado no processo, pelo que nada há a decidir em relação à mesma.

Vejamos então os danos apurados:

Desde logo, a reparação do veiculo sinistrado, orçamentada em 4.004€77.

Assim como a privação do uso do veículo automóvel.

Embora seja certo que se deu como não provado que o Autor sofreu um prejuízo diário pela privação do uso veículo na ordem dos 50€00 diários (alínea C) dos factos não provados), também é certo que se deu como provado que o Autor ficou privado do seu veículo, com o qual realizava deslocações inerentes à sua vida profissional, para fazer compras, para ir ao médico (facto provado sob o n.º 11).

Só se pode recorrer a juízos de equidade na fixação da indemnização caso de não ser possível determinar o montante exacto dos prejuízos – n.º3 do artigo 566º do Código Civil.

Sendo possível liquidar posteriormente o respectivo valor, em incidente próprio, deve ser este o meio utilizado para se obterá indemnização devida, sem prejuízo de aí se concluir pela necessidade de fixar a indemnização por recurso aos critérios de equidade – artigos 378º, n.º2, e 661º, n.º2, do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03.

No caso concreto não se afigura possível determinar em concreto quantos dias o Autor esteve privado do uso do veículo porque a versão que apresentou nos Autos, mas não logrou provar, foi a de que ainda não tinha reparado o veículo.

Temos, assim, de recorrer a juízos de equidade para fixar esta parcela indemnizatória pelo prejuízo, verificado, de privação do uso do veículo.

Mostra-se ajustado ao caso concreto e equitativo - nº 3 do artigo 566º do Código Civil - o valor de 25 € (vinte euros) por dia de imobilização do veículo sinistrado, dado tratar-se no caso de um veículo essencialmente para uso particular e não para uso como profissional de condução de veículos ou transporte.

Assim como se mostra adequado, tendo em conta o elevado custo da reparação, fixar em 30 dias o tempo necessário para a reparação e, portanto, de privação do uso do veiculo para esse efeito.

Quedando-se esta parcela indemnizatória em 750 euros.

O que dá um total indemnizatório de 4.754,77 euros.

A que acrescem juros moratórios desde a citação até ao efetivo e integral pagamento – artigo 805º, n.º3, do Código Civil.

Montante em que deverão ser condenadas ambas as Rés solidariamente dada a relação comitente – comissária que resulta do estipulado no ponto 20.2 do contrato celebrado entre ambas – facto provado em 2 – e face ao disposto no n.º1 do artigo 507º do Código Civil.
*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Julgam a acção parcialmente procedente:

2.1. Condenam solidariamente as Rés a pagarem ao Autor a indemnização global de 4.754€77 (quatro mil setecentos e cinquenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos), por danos patrimoniais, a que acrescem juros moratórios desde a citação até ao efetivo e integral pagamento.

2.2. Absolvem as Rés de tudo o mais que é pedido.

Custas na Primeira Instância por Autor, por um lado, e ambas as Rés, B. e B., na proporção do decaimento.

Custas no recurso por Autor e Ré B., na proporção do decaimento, dado que a Recorrida B. não contra-alegou.

Valor do pedido: 14.984€77.

*
Porto, 17.12.2021



Rogério Martins
Fernanda Brandão
Hélder Vieira