Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01726/18.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/08/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:SEGURANÇA SOCIAL; TRABALHADORES INDEPENDENTES; SUBSÍDIO POR CESSAÇÃO DE ATIVIDADE; PRAZO DE GARANTIA.
Sumário:1 – Nos termos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, os trabalhadores independentes são, no que se refere à qualidade de contribuintes, equiparados às entidades empregadoras.

2 – O Decreto-Lei n.º 65/2012 de 15 de março, veio disciplinar o regime jurídico de proteção social na eventualidade de desemprego dos trabalhadores que se encontrem enquadrados no regime dos trabalhadores independentes e que prestam serviços maioritariamente a uma entidade contratante e dela sejam economicamente dependentes, sendo que se consideram economicamente dependentes os trabalhadores independentes que obtenham de uma única entidade contratante 80% ou mais do valor total dos seus rendimentos anuais resultantes da actividade independente que determinem a constituição de obrigação contributiva, e beneficiários aqueles que reúnam as respetivas condições cumulativas de atribuição à data da cessação do contrato de prestação de serviços.

3 - A contabilização/preenchimento do prazo de garantia a que se reportam os artigos 6.º n.º 1 alínea b) e 8.º, ambos do Decreto-Lei n.º 65/2012 de 15 de março, enquanto requisito para atribuição do subsídio por cessação de actividade dos trabalhadores independentes, resulta da verificação de dois sub-requisitos, a saber (i) que no período de 48 meses imediatamente anterior à data da situação de desemprego [decorrente da cessação involuntária do contrato de prestação de serviços], o requerente tenha 720 dias de exercício de actividade independente economicamente dependente [Cfr. artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março], e (ii) que se tenha por verificado o pagamento efectivo das contribuições correspondentes a esse período de 720 dias [que é correspondente a cerca de 2 anos] de exercício de actividade independente economicamente dependente no período de 48 meses [que é correspondente a 4 anos] imediatamente anterior à data do desemprego.

4 - Sendo o regime jurídico da proteção social na eventualidade de desemprego dos trabalhadores que se encontrem enquadrados no regime dos trabalhadores independentes e que prestam serviços maioritariamente a uma entidade contratante, de natureza contributiva, é sobre eles que recai o dever de ter/dar como verificado para efeitos do cômputo do prazo de garantia no período de 48 meses imediatamente anterior à data da cessação involuntária do contrato de prestação de serviços, de 720 dias de exercício de actividade independente economicamente dependente, com pagamento efectivo das correspondentes contribuições.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:R.
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I - RELATÓRIO

R. [devidamente identificado nos autos] inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 27 de fevereiro de 2020, pela qual julgou improcedente o pedido por si formulado a final da Petição inicial contra o Instituto da Segurança Social, IP [também devidamente identificado nos autos], atinente à declaração de nulidade do Despacho da Directora do Núcleo de Prestações de Desemprego e Benefícios Diferidos do Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP, que indeferiu o pedido de subsídio de desemprego formulado pelo A., datado de 18.04.2018, por vicio de fundamentação e errónea fundamentação para o indeferimento, bem como declarar que o A. reúne as condições para que lhe seja deferido o pedido de prestações de desemprego oportunamente formulado junto da Segurança Social.
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No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

1.ª A questão circunscreve-se à existência ou não do requisito relativo à verificação do prazo de garantia de forma a que o Recorrente tenha acesso à atribuição de um subsídio nos termos do DL 65/2012.
2.ª Para o Tribunal tal requisito não se encontra preenchido porquanto o Recorrente “tinha em dívida contribuições enquanto trabalhador independente, entre as quais as relativas aos meses de Janeiro de 2012 a Maio de 2017” [cfr. pág. 10, § 5º da decisão recorrida].
3.ª Porém, em primeiro lugar, o Tribunal recorrido considera que para a aferição do prazo de garantia releva apenas a parte das contribuições a cargo do trabalhador.
4.ª Não é, todavia, isso que decorre do texto legal do DL 65/2012 e do espírito global do mesmo ao estabelecer-se quer no art.º 17º quer no preâmbulo que são as contribuições decorrentes da taxa contributiva de 5% das entidades contratantes que financiam a eventualidade do desemprego dos trabalhadores independentes.
5.ª Assim, o prazo de garantia, nomeadamente o segmento relativo ao “correspondente pagamento efetivo de contribuições” deve aferir-se, em exclusivo, pelo pagamento efetivo da componente das contribuições a cargo das entidades contratantes.
6.ª No caso concreto, e conforme consta do PA a fls. 24, a situação contributiva relativa ao Recorrente, na parte a cargo da entidade “empregadora” encontrava-se regularizada à data em que cessou a prestação de serviços.
7.ª Tal é suficiente para se ter por verificado o prazo de garantia ou, pelo menos, para equivaler a considerar-se verificado o prazo de garantia exigido pelos art.ºs 6º/ 1 b) e 8º do DL 65/2012.
8.ª O Tribunal recorrido incorreu, assim, considerando que para a verificação do prazo de garantia não relevavam, em exclusivo, as contribuições das entidades contratantes do Recorrente, em erro de julgamento, errando na aplicação das normas dos art.º 6º /1 b), 8º e 17º do DL 65/2012.
Sem prescindir,
9.ª O Acórdão citado na decisão recorrida não se aplica ao caso concreto uma vez que o nesse caso o trabalhador não possuía a situação contributiva regularizada à data do despedimento, vindo o Tribunal a considerar irrelevante a celebração posterior de um acordo de pagamento.
10.ª Pelo contrário, no presente processo, o Recorrente encontra-se a cumprir um plano prestacional desde data anterior à cessação da prestação de serviços, acordo esse que inclui as contribuições do Recorrente em falta relativas aos meses de janeiro de 2013 a maio de 2017.
11.ª Cumprir pontualmente o acordo prestacional e, por conseguinte, mantê-lo em vigor, integra o conceito de situação contributiva regularizada – cfr. art.º 193º /1 e /2 do Código dos Regimes Contributivos.
12.ª Desta presunção tem necessariamente de extrair-se a conclusão que o não pagamento das contribuições por parte do Recorrente é-lhe inoponível.
13.ª Aliás, o acordo prestacional estabelece também a favor do Recorrente/devedor o benefício do prazo que automaticamente torna inexigível pelo Recorrido/credor as contribuições relativas ao prazo de garantia de 720 dias – cfr. art.º 779º do Código Civil.
14.ª Acresce que, o recorrente efetua mensalmente o pagamento de prestações do plano – e não de contribuições – pelo que os valores por ele liquidados são imputados à dívida mais antiga.
15.ª Por outro lado, para segurança do Recorrido, o incumprimento das obrigações previstas no acordo impõe a resolução deste com efeitos retroativos e a perda de todos os benefícios concedidos, designadamente determinaria a devolução ao Recorrido das prestações de desemprego recebidas – art.º 193º /1 e /2 do Código Contributivo.
16.ª Atento o cumprimento do acordo, o Tribunal a quo ter concluído pela verificação do prazo de garantia e ordenado o pagamento das prestações de desemprego.
17.ª O Tribunal recorrido incorreu, assim, ao ter por não verificado o prazo de garantia apesar do Recorrido se encontrar a cumprir um plano de pagamento das contribuições em falta correspondentes ao prazo de garantia, em erro de julgamento, errando na aplicação das normas dos art.º 6º/1 b) e 8º do DL 65/2012 e 193º /1 e /2 e 193º /1 e /2 do Código Contributivo.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo-se assim
JUSTIÇA!
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O Recorrido Instituto da Segurança Social, IP, não apresentou Contra alegações.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que a declare nula, sempre tem de decidir “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitadas pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões das suas Alegações resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento na vertente da interpretação e aplicação do direito.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
São os seguintes os factos provados:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
A) Em 03.04.2017, cessou o contrato de prestação de serviços do Autor (cf. doc. n.º 1 junto com a petição inicial – fls. 7 do processo físico e doc. n.º 1 junto com o requerimento do Autor de 20.02.2020 – pág. 114 do Sitaf);
B) O Autor, em 27.09.2017, apresentou junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional – Serviço de Emprego de Braga, requerimento para atribuição de prestações de desemprego (cf. doc. n.º 1 junto com o requerimento do Autor de 20.02.2020 – pág. 114 do Sitaf);
C) O Réu dirigiu ofício ao Autor, datado de 16.10.2017, no qual informa a intenção de indeferir o requerimento referido na alínea B), com o seguinte teor:
(cf. fls. 6 do processo administrativo – pág. 32 do Sitaf);
D) Em 26.10.2017, com referência ao oficio referido na alínea C), o Autor dirigiu ao Réu requerimento com o teor seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cf. fls. 7 a 13 do processo administrativo – pág. 32 do Sitaf);
E) O Réu dirigiu ofício ao Autor, datado de 04.05.2018, no qual informa ter indeferido o requerimento referido na alínea B), com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cf. doc. n.º 2 junto com a petição inicial – fls. 8 do processo físico e fls. 17 do processo administrativo – pág. 32 do Sitaf);
F) O Autor está “qualificado como trabalhador independente” junto do Réu, nos períodos seguintes:
- de 01.01.2011 a 30.04.2016;
- de 01.10.2016 a 04.06.2017.
(cf. doc. n.º 1 junto com o requerimento do Réu de 10.02.2020 – fls. 38 e 38/verso do processo físico - pág. 102 do Sitaf e fls. 2 do processo administrativo – pág. 32 do Sitaf);
G) Em 10.02.2020, encontravam-se por pagar contribuições do Autor, enquanto trabalhador independente, entre as quais as relativas aos meses de Janeiro de 2013 a Maio de 2017 (cf. docs. n.ºs 2 e 3 juntos com o requerimento do Réu de 10.02.2020 – fls. 39 e 40 do processo físico - pág. 102 do Sitaf);
H) As dívidas do Autor por contribuições como trabalhador independente estão enquadradas em planos prestacionais de pagamento, com os n.ºs 2580/2017, 10770/2017 e 8445/2017 (cf. docs. n.ºs 3, 4 e 5 juntos com a petição inicial – fls. 9 a 11 do processo físico, informação do Réu exposta no requerimento de 10.02.2020 – fls. 37 e 37/verso do processo físico - pág. 102 do Sitaf e doc. n.º 2 junto com o requerimento do Autor de 20.02.2020 – pág. 117 do Sitaf);
I) O plano prestacional n.º 2580/2017 foi deferido em 21.02.2017, para pagamento, em 150 prestações, de uma dívida no valor de € 22.650,73, estando as dívidas do Autor por contribuições como trabalhador independente relativas aos meses de Janeiro de 2013 a Maio de 2016 enquadradas neste plano prestacional (cf. fls. 10 do processo administrativo – pág. 32 do Sitaf e informação do Réu exposta no requerimento de 10.02.2020 – fls. 37 e 37/verso do processo físico - pág. 102 do Sitaf);
J) Em 11.02.2020, o valor em dívida do plano prestacional n.º 2580/2017 correspondia a € 19.750,99, estando o Autor a cumprir com o pagamento acordado, o qual ainda não abateu o período referente às contribuições dos meses de Janeiro de 2013 a Maio de 2016 (cf. doc. n.º 2 junto com o requerimento do Autor de 20.02.2020 – pág. 117 do Sitaf e informação do Réu exposta no requerimento de 10.02.2020 – fls. 37 e 37/verso do processo físico - pág. 102 do Sitaf).
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Não se provaram quaisquer outros factos que mostrassem interesse para a questão em discussão nos presentes autos.
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O Tribunal alicerçou a sua convicção quanto aos factos provados na análise dos documentos juntos aos autos e do processo administrativo junto aos mesmos, conforme referido a propósito nas alíneas do probatório.
Importa esclarecer que, não obstante o Autor, no seu requerimento de 20.02.2020 – pág. 117 do Sitaf, ter impugnado o doc. n.º 2 junto com o requerimento do Réu de 10.02.2020 – fls. 39 e 39/verso do processo físico – pág. 102 do Sitaf, o Tribunal considerou ao mesmo.
Com efeito, referiu o Autor que não se compreende como no aludido doc. n.º 2 é referida uma dívida no valor de € 32.414,02 quando, em 11.02.2020, consta do plano prestacional n.º 2580/2017 uma dívida no valor € 19.750,00 e, conforme consta a fls. 10 do processo administrativo, relativamente ao mesmo plano prestacional, em 26.10.2017, o montante em dívida correspondia a € 22.650,73.
Ora, conforme resulta da alínea H) do probatório, o Autor possuía outros planos prestacionais de pagamento além do 2580/2017, o que desde logo demonstra a existência de outras dívidas não enquadradas neste plano.
Por outro lado, dada a natureza e qualidade do documento em causa, mereceu a credibilidade do Tribunal, em conjugação com as informações e documentos constantes dos autos, e com o princípio da livre apreciação da prova.
E, não subsistindo qualquer razão que faça duvidar da genuinidade ou da fidedignidade do conteúdo de tal documento, revelou-se digno de crédito para efeitos probatórios.”
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 27 de fevereiro de 2020, pela qual, com referência ao pedido formulado pelo Autor, ora Recorrente, a final da Petição inicial, que visava o despacho datado de 18 de abril de 2018 da Directora do Núcleo de Prestações de Desemprego e Benefícios Diferidos do Centro Distrital de Braga do Instituto da Segurança Social, IP [que lhe indeferiu o pedido de subsídio por cessação de actividade por si formulado], julgou que o mesmo não reúne as condições para que lhe seja deferido o pedido de prestações de desemprego oportunamente formulado junto da Segurança Social, tendo assim vindo a julgar a acção totalmente improcedente, e consequentemente, a absolver o Réu do pedido.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Como deflui das Alegações de recurso motivadas pelo Recorrente, e no que releva para efeitos de apreciação do seu mérito, o mesmo imputa à Sentença recorrida a ocorrência de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, por ter o Tribunal a quo dado por não verificado o prazo de garantia a que se reportam os artigos 6.º, n.º 1, alínea b) e 8.º do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março, quando o mesmo [ora Recorrente] se encontra a cumprir um plano de pagamento das contribuições em falta correspondentes ao prazo de garantia, sustentando ainda que o cumprimento desse plano prestacional estabelece a seu favor o benefício do prazo que torna automaticamente inexigíveis por parte do Recorrido as contribuições relativas ao prazo [de garantia] de 720 dias, e bem assim, que face ao disposto no artigo 17.º do mesmo diploma legal, e ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, que para a aferição do plano de garantia deve levar-se em conta, apenas e em exclusivo, o pagamento efectivo da componente das contribuições a cargo das entidades empregadoras, por serem elas que financiam a eventualidade do desemprego dos trabalhadores independentes [para o que apenas relevam as contribuições de 5% das entidades empregadoras], e não as contribuições a cargo do trabalhador.

Rematou o Recorrente no sentido de que a “… questão circunscreve-se à existência ou não do requisito relativo à verificação do prazo de garantia de forma a que o Recorrente tenha acesso à atribuição de um subsídio nos termos do DL 65/2012.” [Cfr. Conclusão 1.ª]

Cumpre apreciar e decidir.

Como assim decorre do processado nos autos, em face do que constituía a causa de pedir e o pedido imanente à Petição inicial, e bem assim, no quanto se constituiu o thema decidendum em face do que deduziu o Réu ora Recorrido no âmbito da sua Contestação, o Tribunal a quo veio a fixar a questão a decidir como sendo, efectivamente, “saber se assiste razão ao Autor o direito a serem-lhe atribuídas as prestações de desemprego requeridas.”

Ora, depois de enunciar o regime jurídico que julgou ser convocável [v.g., o Decreto-Lei n.º 65/2012 de 15 de março], em sede do discurso fundamentador aportado na Sentença recorrida, e com o que não concorda o Recorrente, o Tribunal a quo decidiu conforme para aqui se extracta o que segue:

Início da transcrição
“[…]
No caso presente, a data da situação de desemprego do Autor corresponde a 04.04.2017, ou seja, ao dia imediatamente subsequente àquele em que a cessou o contrato de prestação de serviços [cf. alínea A) do probatório].
No que concerne ao prazo de garantia, sustentou o Autor que se verificava tal condição, uma vez que tinha um plano de pagamento em prestações da dívida referente a contribuições como trabalhador independente, o qual estava a ser cumprindo e, como tal, entende que tinha a sua situação contributiva regularizada perante o Réu.
Ora, tendo em atenção que, em 10.02.2020, o Autor tinha em dívida contribuições enquanto trabalhador independente, entre as quais as relativas aos meses de Janeiro de 2013 a Maio de 2017 [cf. alínea G) do probatório], é manifesto que na data da situação de desemprego – 04.04.2017 –, não pode considerar-se verificado o prazo de garantia instituído no artigo 8º do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de Março.
Com efeito, não obstante a existência de planos prestacionais de pagamento das dívidas do Autor [cf. alínea H) do probatório], o certo é que não podia dar-se como observado o prazo de garantia estabelecido no artigo no artigo 8º, desde logo porque aí se refere ao “pagamento efetivo de contribuições”, o que não ocorre no caso presente, já que, na data do desemprego, o Autor não possui 720 dias de contribuições efetivamente pagas no período de 48 meses imediatamente anterior àquela data [cf. alíneas I) e J) do probatório].
[…]
Conclui-se, assim, não cumprir o Autor o prazo de garantia imposto pela alínea b), do n.º 1, do artigo 6º e pelo artigo 8º, ambos do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de Março, o que basta para a sua pretensão ser recusada, uma vez que são cumulativas as condições para a atribuição das prestações sociais por desemprego, tornando-se, por isso, inútil aferir da verificação das demais condições exigidas nas restantes alíneas do n.º 1, do artigo 6º.
E assim sendo, não tem o Autor direito às prestações de desemprego requeridas. Ante o expendido e em face da situação que nos é trazida, entende o Tribunal que a pretensão do Autor terá de soçobrar.
[…]”
Fim da transcrição

Aqui chegados.

Resulta da Sentença recorrida, que o Tribunal a quo decidiu que o que importava aferir era se estavam ou não reunidos os pressupostos de que dependia o êxito da pretensão do Autor ora Recorrente, e nesse domínio julgou que o mesmo não cumpria o prazo de garantia de 720 dias de contribuições efectivamente pagas no período de 48 meses imediatamente anterior à data do seu desemprego [em 04 de abril de 2017], não obstante a existência de planos prestacionais de pagamento de dívidas anteriores.

Assim, o Tribunal recorrido apreciou a pretensão deduzida pelo Autor em torno do requisito a que se reporta o artigo 6.º, n.º 1, alínea b) [e artigo 8.º] do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março, que é o 3.º dos três fundamentos com base nos quais o Réu indeferiu o seu pedido, e julgou pela sua inverificação, ou seja, que o Autor ora Recorrente não cumpria o prazo de garantia, não tendo por isso apreciado da verificação dos outros dois fundamentos [a que se reporta o artigo 6.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março], por serem cumulativas as condições para a atribuição das prestação sociais de desemprego, o que redundaria na prossecução de um exercício inútil.

Atentas as conclusões das Alegações de recurso, desde logo, como assim está patenteado sob as conclusões 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª, 7.ª, 8.ª, 13.ª, 16.ª e 17.ª, a pretensão recursiva do Recorrente centra-se, exclusivamente, em torno do erro de julgamento [em matéria de direito] em que o Tribunal a quo incorreu por não ter dado como cumprido o prazo de garantia pela sua parte, quer face à definição dada pelo artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março, quer por ter contribuições em dívida enquanto trabalhador independente, ainda que com plano prestacional de pagamentos aprovado.

Não constitui objecto do recurso, o julgamento tirado pelo Tribunal a quo, em torno da não apreciação da causa de pedir imanente à Petição inicial e a que se reporta a sindicância dos dois 1.ºs fundamentos para o indeferimento por parte do Réu da pretensão prestacional que lhe foi formulada pelo Autor, sendo que, como assim resulta da conclusão 16.ª, o que o Recorrente pretende deste Tribunal de recurso é que aprecie do erro de julgamento em que o Tribunal a quo incorreu por ter julgado da não verificação do prazo de garantia e consequentemente, por não ter ordenado o pagamento das prestações de desemprego.

Neste patamar, tendo presente que a pretensão recursiva se afere pelas conclusões apresentadas a final das Alegações de recurso e bem assim, tendo presente o extraído supra a partir da Sentença recorrida, adiantamos desde já que não assiste razão ao Recorrente e que bem decidiu o Tribunal a quo, cujo julgamento não merece qualquer censura jurídica.

Vejamos.

Sustenta o Recorrente [Cfr. cláusulas 3.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª], que para efeitos de aferição do prazo de garantia que o que releva são apenas as contribuições decorrentes da taxa contributiva de 5% das entidades contratantes que financiam a eventualidade do desemprego dos trabalhadores independentes, o que no seu entender decorre do texto legal do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março, e do espírito global do mesmo ao estabelecer-se quer no artigo 17.º quer no preâmbulo que são as contribuições decorrentes da taxa contributiva de 5% das entidades contratantes que financiam a eventualidade do desemprego dos trabalhadores independentes, e que estando a situação contributiva relativa quanto a si [ora Recorrente], na parte a cargo da entidade contratante, regularizada à data em que cessou a prestação de serviços, que “Tal é suficiente para se ter por verificado o prazo de garantia ou, pelo menos, para equivaler a considerar-se verificado o prazo de garantia exigido pelos art.ºs 6º/ 1 b) e 8º do DL 65/2012.” – Cfr. conclusão 7.ª.

Esta alegação do Recorrente não tem qualquer fundamento nem sustentação legal.

É certo que no preâmbulo do referido diploma legal, o legislador enunciou que “Com vista a assegurar a sustentabilidade financeira da medida, optou-se por financiar a proteção social no desemprego destes trabalhadores através das contribuições pagas pelas empresas, decorrentes da taxa contributiva de 5 % devida na sua qualidade de entidades contratantes.

Mas partir dessa explicitação pelo legislador, para concluir que o prazo de garantia, a que se reportam os artigos 6.º, n.º 1 alínea b) e 8.º, se deve aferir pelo pagamento efectivo da componente das contribuições a cargo das entidades contratantes, com desresponsabilização dos trabalhadores independentes, convocando para o efeito o disposto no artigo 17.º, desagua numa solução jurídica para o que não se encontra nenhum amparo legal.

Como assim decorre dos artigos 150.º, 151.º, 154.º, 155.º e 168.º, todos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro [tempus regit actum], os trabalhadores independentes são, no que se refere à qualidade de contribuintes, equiparados às entidades empregadoras, constituindo-se a sua obrigação contributiva com o início dos efeitos do seu enquadramento, cuja efectivação se atinge com o pagamento de contribuições [mensalmente e efectuado até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeita, pela taxa de 29,6%], sendo nesse domínio que também é fixada a obrigação contributiva das entidades contratantes, e para tanto é apurado oficiosamente pela Segurança social o valor dos serviços que lhe foram prestados pelos trabalhadores independentes, pelo que a sua obrigação contributiva se efectiva com o pagamento da respectiva contribuição [pela taxa de 5%]. E enquanto contribuintes, quer os trabalhadores independentes quer as entidades contratantes têm obrigações contributivas que passa, quanto a ambos, pelo pagamento das respectivas contribuições e ainda quanto aos trabalhadores independentes, pela declaração anual dos valores correspondentes à actividade exercida.

E assim, sendo certo que o legislador consignou sob o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 13 de maio, que as contribuições das entidades contratantes sobre serviços prestados por trabalhadores independentes financiam a eventualidade de desemprego destes, daqui não se pode extrair e concluir que não releva para a aferição da situação a sua própria obrigação contributiva, a qual está umbilicalmente ligada ao efectivo pagamento da respectiva contribuição.

Ora, na interpretação da lei, a disposição fundamental a ter em conta é, como se sabe, o artigo 9.º do Código Civil, que dispõe como segue:

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.“

Deste modo, para efeitos da determinação do sentido prevalente das normas, deve levar-se em consideração a letra da lei, e a componente lógica da interpretação, que engloba os elementos racional ou teleológico, sistemático e histórico, no pressuposto de que qualquer norma jurídica faz parte de um sistema global que se pretende coerente, não podendo deixar de ser interpretada no âmbito do complexo normativo em que se insere.

Sendo certo que cada vez mais a interpretação da lei é um pleno acto da realização do direito, em que a interpretação passa essencialmente pela investigação e extroversão do conteúdo dessa mesma lei, fixando o seu sentido na medida em que há a necessidade de estabelecer um juízo decisório de um concreto problema normativo-jurídico, e que em decorrência do disposto no artigo 202.º da CRP, compete aos Tribunais a interpretação e e aplicação da lei de modo a assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimindo a violação da legalidade democrática, e dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados, assim administrando a justiça, de nenhum outro modo se pode interpretar o disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março, que não passe pela necessidade de ser aferido se o trabalhador independente procedeu ao efectivo pagamento das suas contribuições no período de 720 dias, dentro do período de 48 meses imediatamente anterior à data da cessação do contrato de prestação de serviços detido para com entidade contratante.

Com efeito, na relação jurídica administrativa estabelecida entre o Autor, ora Recorrente e o Réu, o ora Recorrido Instituto da Segurança Social, IP, proferiu o acto administrativo pelo qual foi negada a pretensão por aquele formulada, e que teve subjacente três fundamentos: (i) não ter sido considerado economicamente dependente à data da cessação do contrato de prestação de serviços; (ii) não ser considerado economicamente dependente de entidade contratante em pelo menos 2 anos civis, e em que um deles fosse o ano imediatamente anterior ao da cessação do contrato de prestação de serviços, e (iii) não ter prazo de garantia de 720 dias de exercício de actividade independente, economicamente dependente, com o correspondente pagamento efectivo de contribuições, no período de 48 meses imediatamente anterior à data da cessação involuntária do contrato de prestação de serviços, o que tudo era atinente à previsão normativa a que se reportam as alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março, cuja epígrafe dispõe sobre as “Condições de atribuição” do subsídio por cessação de actividade de trabalhador independente.

No âmbito da Petição inicial, o Autor ora Recorrente contrariou essa decisão do Réu ora Recorrido, tendo sustentado, em suma, que reunia as condições fixadas no Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março, para que lhe fosse deferido o pedido por si formulado, tendo enfatizado que apesar de ter dívidas à Segurança Social referentes a contribuições como trabalhador independente, que para efeitos do disposto no artigo 172.º-A, n.º 1 do CPPT se considera a sua situação tributária regularizada por estar autorizado a pagar a dívida, e assim, que ao contrário do que tinha apreciado o Réu, que a sua situação estava dentro do prazo de garantia.

O Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março [tempus regit actum, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 13/2013, de 25 de Janeiro] veio disciplinar o regime jurídico de proteção social na eventualidade de desemprego dos trabalhadores que se encontrem enquadrados no regime dos trabalhadores independentes e que prestam serviços maioritariamente a uma entidade contratante e dela sejam economicamente dependentes [Cfr. artigos 1.º, 2.º, 3.º] assim definida pelo artigo 140.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, sendo que se consideram economicamente dependentes os trabalhadores independentes que obtenham de uma única entidade contratante 80% ou mais do valor total dos seus rendimentos anuais resultantes da actividade independente que determinem a constituição de obrigação contributiva, nos termos previstos no artigo 150.º daquele mesmo Código, e beneficiários aqueles que reúnam as respetivas condições de atribuição à data da cessação do contrato de prestação de serviços [Cfr. artigos 3.º, n.º 2 e 5.º ].

Neste conspecto, cumpre para aqui extrair os artigos 6.º, 7.º 8.º, todos do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março [tempus regit actum], como segue:

“Artigo 6.º
Condições de atribuição
1 - O reconhecimento do direito ao subsídio por cessação de atividade ao trabalhador independente depende da verificação cumulativa das seguintes condições:
a) Cessação involuntária do vínculo contratual celebrado com a entidade contratante;
b) Cumprimento do prazo de garantia;

c) O trabalhador independente ter sido considerado economicamente dependente de entidades contratantes em pelo menos dois anos civis, sendo um deles o ano imediatamente anterior ao da cessação do contrato de prestação de serviços;
d) O trabalhador independente ser considerado economicamente dependente à data da cessação do contrato de prestação de serviços;
e) Inscrição no centro de emprego da área de residência, para efeitos de emprego.
2 - Não é reconhecido o direito à proteção aos beneficiários que à data da cessação involuntária do contrato de prestação de serviços tenham idade legal de acesso à pensão de velhice, desde que se encontre cumprido o respetivo prazo de garantia.

Artigo 7.º
Data do desemprego
Considera-se data do desemprego o dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou a cessação do contrato de prestação de serviços, indicado pela entidade contratante em modelo próprio
Artigo 8.º
Prazo de garantia
O prazo de garantia para atribuição dos subsídios por cessação da atividade é de 720 dias de exercício de atividade independente, economicamente dependente, com o correspondente pagamento efetivo de contribuições, num período de 48 meses imediatamente anterior à data da cessação involuntária do contrato de prestação de serviços.”

Não pode assim ser acolhida a argumentação expendida pelo Recorrente em torno do preenchimento do requisito atinente ao cumprimento do prazo de garantia, porque, efectivamente e como assim resulta das alíneas A) e G) do probatório, tendo o início da situação de desemprego sido fixada em 04 de abril de 2017 e não tendo pago as contribuições por si devidas à Segurança Social, designadamente nos meses de janeiro de 2013 [e não 2012, como referiu sob a conclusão 2.ª] a maio de 2017, embora tenha um plano prestacional aprovado para esse pagamento, a invocação [na Petição inicial] do artigo 172.º-A, n.º 1 do CPPT [o Autor terá querido referir-se ao arrigo 177.º-A do CPPT] e do artigo 193.º, n.ºs 1 e 2 do Código dos Regimes Contributivos [apenas já neste recurso jurisdicional] para com isso alcançar que tem a sua “situação contributiva regularizada”, tal não tem o pendor de dar por preenchido o “prazo de garantia” a que se reporta o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março.

Como se apreciou e decidiu no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte datado de 23 de maio de 2019, proferido no Processo n.º 00107/17.5BEBRG [que advém de um processo idêntico intentado pelo Autor contra o Réu – que o Autor referenciou sob o ponto 25 da Petição inicial -, e em que a sua pretensão foi julgada procedente em 1.ª instância, mas que o Tribunal de recurso revogou], em que se amparou o Tribunal a quo para efeitos de proferir a Sentença recorrida, “… deter a situação retributiva regularizada não constitui requisito autónomo para a atribuição do pretendido subsídio, em termos que a circunstância de o trabalhador independente ter entretanto um plano de pagamento em prestações vigente e em cumprimento não torna como preenchido o prazo de garantia (de 720 dias de contribuições efetivamente pagas no período de 48 meses imediatamente anterior à data do desemprego) que não se verificava.

Ou seja, naquele Processo n.º 00107/17.5BEBRG, e em 1.ª instância, o Tribunal a quo apreciou e decidiu que o demandante, pese embora tivesse dívidas de contribuições obrigatórias para a Segurança Social, que tinha a situação contributiva regularizada, por lhe ter sido aprovado um plano prestacional de pagamentos que estava a ser cumprido, o que de igual modo se passa com o ora aqui Autor [também Autor naqueloutro Processo], e dessa forma, que nada obstava à contabilização do prazo de garantia a que se reporta o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março.

Em conformidade com o julgamento tirado por este TCA Norte pelo Acórdão proferido naquele referido Processo n.º 00107/17.5BEBRG, que aqui damos por reproduzido, e ao qual aderimos, a contabilização/preenchimento do prazo de garantia a que se reportam os artigos 6.º n.º 1 alínea b) e 8.º, ambos do Decreto-Lei n.º 65/2012 de 15 de março, enquanto requisito para atribuição do subsídio por cessação de actividade dos trabalhadores independentes, resulta da verificação de dois sub-requisitos, a saber (i) que no período de 48 meses imediatamente anterior à data da situação de desemprego [decorrente da cessação involuntária do contrato de prestação de serviços], o requerente tenha 720 dias de exercício de actividade independente economicamente dependente [Cfr. artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março], e (ii) que se tenha por verificado o pagamento efectivo das contribuições correspondentes a esse período de 720 dias [que é correspondente a cerca de 2 anos] de exercício de actividade independente economicamente dependente no período de 48 meses [que é correspondente a 4 anos] imediatamente anterior à data do desemprego.

Sendo o regime jurídico da proteção social na eventualidade de desemprego dos trabalhadores que se encontrem enquadrados no regime dos trabalhadores independentes e que prestam serviços maioritariamente a uma entidade contratante, a que se reporta o Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março, de natureza contributiva, é sobre eles que recai o dever de ter/dar como verificado para efeitos do cômputo do prazo de garantia no período de 48 meses imediatamente anterior à data da cessação involuntária do contrato de prestação de serviços, de 720 dias de exercício de actividade independente económicamente dependente, com pagamento efectivo das correspondentes contribuições.

Enquanto trabalhadores independentes, impende sobre eles o cumprimento de obrigações contributivas e declarativas próprias, não podendo ter-se como minimamente plausível que o legislador tenha querido que quem requer a atribuição de prestações de desemprego por reporte a um concreto período, não tenha nesse período efectuado os correspondentes descontos legalmente previstos, e de outro modo, que tendo uma dívida para com a Segurança Social nesse domínio e com ela tendo firmado um acordo de pagamento das contribuições em dívida [dessa forma obviando a uma processo de execução tendente a esse pagamento coercivo], que dessa sua actuação possa retirar qualquer vantagem patrimonial.

É que, de outra forma, cair-se-ía numa situação absurda, de um trabalhador independente que não tendo pago as contribuições a que estava legalmente obrigado, vem depois a celebrar um acordo de pagamento dessas contribuições em prestações, ou seja, para que possa efectuar no futuro o pagamento de contribuições/valores que já eram devidos no passado recente, e manifestamente, se não fez esse pagamento no tempo devido enquanto exerceu funções como trabalhador independente, por via do fruto dos seus rendimentos de trabalho, vai fazê-lo, a final, utilizando a totalidade ou parte das prestações que a Segurança Social lhe conceder, por causa atinente à sua situação de desemprego, o que redundaria numa situação de “fraude à lei”.

O facto de ter aprovado um plano prestacional de pagamento tem subjacente, desde logo, que o Autor ora Recorrente reconhece a existência dessa dívida contributiva, e que a Segurança Social, em vez de prosseguir na sua cobrança coerciva, aceitou que o mesmo procedesse ao seu pagamento em prestações, segundo um plano por si aprovado.

São duas realidades distintas, de facto e de direito, por um lado, a existência de uma divida cujo pagamento está acordado ser feito em prestações, relativamente à qual, a sua exigibilidade futura em sede de execução só pode advir de um não cumprimento desse plano prestacional por parte do contribuinte, e por outro lado, a emergência de uma pretensão de um contribuinte, que por cair dentro do prazo de garantia a que se reporta o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março, pretende que lhe sejam atribuídas prestações de desemprego.

Se para a primeira dessas realidades o Autor ora Recorrente pode invocar o disposto no artigo 177.º-A do CPPT, por ter para todos os efeitos a sua situação contributiva regularizada na base de um plano prestacional aprovado por parte da Segurança Social, já para efeitos de beneficiar de uma prestação social fixada sob o regime jurídico disposto pelo Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março, tem o mesmo de dar cumprimento aos requisitos cumulativos a que se reporta o artigo 6.º deste mesmo diploma legal.

Tendo o Autor ora Recorrente uma dívida para com a Segurança Social, a qual se encontra a ser paga em prestações, ou seja, tendo o seu pagamento sido diferido na base de um plano aprovado, o qual deve ser pontualmente cumprido [Cfr. artigo 190.º, n.ºs 1 e 4, 192.º e 193.º todos do Código dos Regimes Contributivos], em sede dos efeitos do incumprimento do acordo prestacional, a consequência é que se tal suceder determina a resolução do acordo prestacional pela Segurança Social, que tem efeitos retroactivos e contende com a perda do direito de todos os benefícios concedidos ao contribuinte no seu âmbito, nomeadamente quanto à redução ou ao perdão de juros.

Depois ainda, não é passível de convocação o artigo 779.º do Código Civil, como o faz o Recorrente sob a conclusão 13.ª das suas Alegações, e tanto, por um lado, porque nos situamos no domínio de uma relação jurídico-contributiva de feição tributária, e não meramente obrigacional/civilística, e nesse conspecto porque o prazo de pagamento prestacional da dívida nada tem a ver com o prazo de garantia para efeitos de atribuição de prestações sociais de desemprego, sendo neste caso bastante claro o regime disposto pelos artigos 6.º, n.º 1 alínea b) e 8.º, ambos do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março, que pressupõem que o requerente/beneficiário tenha efectuado no concreto período de exercício de actividade independente, o corresponde pagamento efectivo das contribuições.

E como resulta provado, o Recorrente não fez o pagamento efectivo das contribuições no período temporal em causa, antes apenas tem em vigor com a entidade credora, um plano de pagamento, que configura uma realidade de facto e de direito distinta, comportando consequências diversas, porque o benefício directo que lhe advém desse plano de pagamento e do seu pontual cumprimento, face ao disposto no artigo 194.º do Código Contributivo é que [o beneficiário] goza do direito de ver suspensa a instância do processo executivo que esteja pendente. Nada mais.

Ou seja, tendo visto aprovado o diferimento do pagamento de uma dívida decorrente do não pagamento de contribuições obrigatórias enquanto trabalhador independente, e estando o computo do prazo de garantia a que se reporta o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março, compreendido no período temporal a que se reportavam essas contribuições, é objectivo que para efeitos da previsão/estatuição deste normativo, a situação do Autor ora Recorrente não cai dentro do seu regime, e daí, não tendo procedido ao pagamento efectivo das contribuições no concreto período temporal em que eram devidas, não podia o Autor ver deferida a sua pretensão por parte da Segurança Social.

Forçoso é, pois, concluir que a Sentença recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe vêm imputados pelo Recorrente, improcedendo assim a totalidade das conclusões das suas Alegações, e assim, a sua pretensão recursiva.
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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Segurança Social; Trabalhadores independentes; Subsídio por cessação de atividade; Prazo de garantia.

1 – Nos termos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, os trabalhadores independentes são, no que se refere à qualidade de contribuintes, equiparados às entidades empregadoras.

2 – O Decreto-Lei n.º 65/2012 de 15 de março, veio disciplinar o regime jurídico de proteção social na eventualidade de desemprego dos trabalhadores que se encontrem enquadrados no regime dos trabalhadores independentes e que prestam serviços maioritariamente a uma entidade contratante e dela sejam economicamente dependentes, sendo que se consideram economicamente dependentes os trabalhadores independentes que obtenham de uma única entidade contratante 80% ou mais do valor total dos seus rendimentos anuais resultantes da actividade independente que determinem a constituição de obrigação contributiva, e beneficiários aqueles que reúnam as respetivas condições cumulativas de atribuição à data da cessação do contrato de prestação de serviços.

3 - A contabilização/preenchimento do prazo de garantia a que se reportam os artigos 6.º n.º 1 alínea b) e 8.º, ambos do Decreto-Lei n.º 65/2012 de 15 de março, enquanto requisito para atribuição do subsídio por cessação de actividade dos trabalhadores independentes, resulta da verificação de dois sub-requisitos, a saber (i) que no período de 48 meses imediatamente anterior à data da situação de desemprego [decorrente da cessação involuntária do contrato de prestação de serviços], o requerente tenha 720 dias de exercício de actividade independente economicamente dependente [Cfr. artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 65/2012, de 15 de março], e (ii) que se tenha por verificado o pagamento efectivo das contribuições correspondentes a esse período de 720 dias [que é correspondente a cerca de 2 anos] de exercício de actividade independente economicamente dependente no período de 48 meses [que é correspondente a 4 anos] imediatamente anterior à data do desemprego.

4 - Sendo o regime jurídico da proteção social na eventualidade de desemprego dos trabalhadores que se encontrem enquadrados no regime dos trabalhadores independentes e que prestam serviços maioritariamente a uma entidade contratante, de natureza contributiva, é sobre eles que recai o dever de ter/dar como verificado para efeitos do cômputo do prazo de garantia no período de 48 meses imediatamente anterior à data da cessação involuntária do contrato de prestação de serviços, de 720 dias de exercício de actividade independente economicamente dependente, com pagamento efectivo das correspondentes contribuições.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em negar provimento ao recurso interposto pelo Recorrente R., e consequentemente, em manter a Sentença recorrida.
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Custas a cargo do Recorrente.
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Notifique.
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Porto, 08 de outubro de 2021.


Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Hélder Vieira, em substituição