Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00533/10.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ÓNUS DE ALEGAÇÃO; AUDIÊNCIA PRÉVIA; DISCRICIONARIEDADE.
Sumário:1 – O objeto do recurso jurisdicional é a decisão judicial de 1ª instância, e não o ato objeto de originária impugnação, cabendo ao recorrente o ónus de alegação dos vícios da decisão recorrida, pelo que se terão por ineficazes as conclusões especificamente dirigidas ao ato recorrido.
2 - O direito de audiência previsto no art. 100.º do CPA, além de constituir uma garantia de defesa dos direitos do administrado constitui também uma manifestação do princípio do contraditório, possibilitando-lhe a participação na formação da vontade da Administração, não só através do confronto dos seus pontos de vista mas também através da sugestão da produção de novas provas que invalidem ou, pelo menos, ponham em causa as certezas daquela.
3 - Discricionariedade não é nem pode ser sinónimo de arbitrariedade. A Discricionariedade só se distinguirá da arbitrariedade se tiver como pressuposto um enquadramento legal e se correspondentemente estiver suficientemente motivada e densificada. Um acto discricionario, no âmbito do direito administrativo, não está pois dispensado da necessária e suficiente fundamentação.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:SARGA
Recorrido 1:Centro Hospitalar S.J., EPE
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
SARGA, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Centro Hospitalar de S. J..., EPE, tendente, em síntese e designadamente, a impugnar a decisão do diretor do serviço de urgência da referida entidade, de 18/12/2009, de “dispensar o exercício das suas funções” na VMER (Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação), inconformada com o Acórdão proferido em 4 de Dezembro de 2013 (Cfr. fls. 309 a 331 Procº físico) “que julgou a presente ação improcedente”, absolvendo a entidade demandada do pedido, veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formula a aqui Recorrente nas suas alegações de recurso, apresentadas em 7 de Janeiro de 2014, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 336 a 360 Procº físico):

“1./ Resulta da matéria dada por provada que a relação contratual existente entre a A./Recorrente e o R/Recorrido HSJ enquanto aquela prestava a sua atividade na VMER era uma relação de contrato de trabalho.

2./ A tal conclusão não obsta os factos de a atividade na VMER ser prestado mediante a organização de escalas, não existir qualquer acordo escrito entre a A./Recorrente e o Hospital que os vincule a prestar e a receber os serviços ao nível da VMER e até não haver por parte da Direção do SU do HSJ a obrigatoriedade de escalar os seus funcionários designadamente a A. para aquele serviço.

3./É que o vínculo laboral existente entre a A./Recorrente e o R/Recorrido HSJ, sempre que a A./Recorrente se disponibiliza para integrar as escalas e o R./Recorrido HSJ aceita aquela disponibilidade da A./Recorrente para integra-las, estende-se à atividade prestada pela A./Recorrente na VMER que ali é exercida em regime de subordinação jurídica do R/Recorrido HSJ

4./ Ao contrário do que concluiu a sentença recorrida, o afastamento da A/Recorrente das funções na VMER, consistiu numa sanção disciplinar sem precedência de processo disciplinar e logo nula.

5./ É que nos termos do Artigo 3.º nº1 da Lei n.º 58/2008 de 9 de Setembro, considerando-se infração disciplinar o comportamento do trabalhador, por ação ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce”, o Diretor do Serviço de Urgência ao imputar à A./Recorrente o “incumprimento reiterado de regras de condução de viatura de emergência VMER, com eventuais riscos para restantes elementos da viatura e outros utilizadores da via pública” imputou-lhe uma infração disciplinar por violação do dever de zelo e prudência pois, um dos deveres inerentes ao exercício das funções da A/Recorrente na VMER é naturalmente conduzir a respetiva viatura, cumprindo as regras do Código da Estrada para aquele tipo de viaturas, não pondo em perigo a vida dos tripulantes da viatura e demais utentes da via.

6./Tratou-se portanto de uma decisão disciplinar que visou sancionar um pretenso comportamento da A./Recorrente e não um mero ato de gestão ou administração de pessoal com motivações exclusivamente organizacionais.

7./Devem por isso ser julgados procedentes por provados os pedidos formulados pela A. nas alíneas a), b), c) e d) do pedido formulado na PI.

8./ Sem prescindir, mesmo que por hipótese que entenda que o ato de exoneração da A/Recorrente do exercício de funções da VMER foi tão só uma dispensa do exercício de funções, nem assim o comportamento do R./Recorrido deixou de ser ilegal por violação do princípio da boa-fé plasmado no Artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, Artigo 6.º A do Código do Procedimento Administrativo e Artigo 86º da Lei n.º 59/2008 de 11 de Setembro

9./O princípio da boa-fé remete a Administração Pública para um padrão ético de comportamento na sua relação com os cidadãos, agindo de forma correta, leal e sem reservas.

10./Trata-se portanto de um princípio programático de comportamento que se materializa através da observância de dois outros princípios: O princípio da proteção da confiança; O princípio da transparência

11./O princípio da proteção da confiança remete-nos para a tutela da estabilidade dos atos da Administração Pública, como condição indispensável à segurança dos cidadãos e à permanência e estabilidade da ordem jurídica, ao passo que, o princípio da transparência convoca o direito e o dever de informação, de fundamentação e de participação dos cidadãos.

12./Estando a A/Recorrente ininterruptamente a prestar serviço na VMER entre 1997 e 2009 sem nunca lhe ter sido feita qualquer observação quanto à sua forma de conduzir, essa estabilidade levou-a a confiar que o R/Recorrente HSJ não dispensaria a sua atividade, pelo menos sem lhe dar a oportunidade de se defender e apresentar a sua versão dos acontecimentos que lhe eram imputados

13./Na vertente da transparência, no caso concreto, o princípio da boa-fé impunha por um lado que o R/Recorrido fundamentasse as imputações que fez à A/Recorrente concretizando pelo menos as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram e não se ficasse por conceitos conclusivos, vagos e genéricos como ”incumprimento reiterado de regras de condução” “eventuais riscos para restantes elementos da viatura e outros utilizadores da via pública”. Por outro lado, o Principio da boa-fé impunha que o R/Recorrido convocasse a A/Recorrente a participar na decisão de a exonerar das funções da VMER, conferindo-lhe um direito de “audiência prévia” ou melhor permitindo exercer o contraditório que mais não é que é uma das garantias fundamentais dos cidadãos e das pessoas jurídicas e consiste essencialmente no direito que todas as pessoas têm de poder expor seus argumentos e apresentar provas ao órgão encarregado de decidir antes que a decisão seja tomada.

14./Temos assim que, também pela violação do principio da boa-fé a decisão de dispensar a A/Recorrente das funções da VMER seria nula

15./ Tendo ficado provados todos os pressupostos da responsabilidade civil do R/Recorrido HSJ ao permitir e consentir a exposição da carta e ao aplicar ilicitamente a sanção disciplinar, bem como os danos não patrimoniais sofridos pela A./Recorrente deve proceder o pedido de indemnização formulado.

16./ Das disposições conjugadas do Decreto- Lei nº 233/2005 de 29 de Dezembro, do Decreto-Lei 558/99, do Decreto-Lei nº 496/80 de 20 de Outubro, do Decreto- Lei 100/99 de 31 de Março, do Decreto-Lei nº 161/96 de 4 de Setembro, da Convenção 149 da Organização Internacional do Trabalho sobre o emprego e condições de trabalho e de vida do pessoal de enfermagem ratificada pelo Decreto-Lei 80/81 de 23 de Junho, do art. 258 nºs 2 e 3 do Código do Trabalho, da lei nº 12-A/2008 de 27 de Fevereiro bem como pelos princípios “ trabalho igual salário igual” e da “norma mais favorável ao trabalhador” tem por isso a A./Recorrente direito a receber relativamente às quantias anuais pagas pelo R/Recorrido HSJ a título de trabalho suplementar e trabalho na VMER, um duodécimo no subsídio de férias e outro duodécimo no subsídio de natal.

17./Revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se Acórdão que acolha as conclusões precedentes e condene o R/Recorrido HSJ nos pedidos formulados na PI”.

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 9 de Janeiro de 2014 (Cfr. fls. 367 Procº físico).

O aqui Recorrido/Centro Hospitalar veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 17 de Janeiro de 2014, concluindo do seguinte modo (Cfr. fls. 372 a 381 Procº físico):
“1ª. A A. está vinculada ao Centro Hospitalar, ora recorrido, por contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado.
2º. Os médicos e enfermeiros afetos à VMER eram escolhidos pelo Diretor do SU e pela Coordenadora da VMER entre os funcionários do Hospital que se mostrassem diariamente disponíveis para aquele efeito.
3º. Só era escalado para os turnos da VMER quem fosse convidado e se disponibilizasse voluntariamente para os integrar.
4º. Por se tratar de um trabalho prestado em regime de voluntariado não existia, designadamente em relação à recorrente, qualquer acordo escrito que vinculasse as partes a prestá-lo e a recebê-lo.
5º. Face à inexistência de qualquer obrigatoriedade dos responsáveis do Recorrido em escalar a Recorrente para o Serviço da VMER a sua dispensa de tais escalas não implica qualquer violação da lei ou contrato, nem representa a aplicação de uma sanção disciplinar.
6º. A A. foi informada das razões que levaram os responsáveis da VMER a dispensá-la das respetivas escalas.
7º. Não se provou que foram os responsáveis do Recorrido quem afixou a carta enviada à Recorrente no placard colocado numa zona a que só tinham acesso os elementos afetos à VMER.
8º. Estando a Recorrente vinculada ao Recorrido por uma relação jurídica de emprego público está abrangida pela Lei 12-A/2008 que, no art. 70º n.º 3, refere que a remuneração base anual é paga em 14 mensalidades correspondendo uma delas ao Subsídio de Férias e outro ao Subsídio de Natal.
9º. A A. não tem, assim, direito a receber os Subsídios de Férias e Natal acrescidos dos suplementos que lhe eram pagos pelo serviço prestado na VMER.
Termos em que devem improceder as conclusões da Recorrente, e consequentemente declarar-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida”.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 26/02/2014 (Cfr. Fls. 394 Procº físico), nada veio dizer, requerer ou promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, o suscitado, que, em qualquer caso, assenta predominantemente nos vícios de que padecerá o ato originariamente objeto de impugnação, e não tanto na decisão recorrida, que não seja pela mera circunstância de lhe não ter sido dada razão.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada e não provada, entendendo-se a mesma como adequada e suficiente:
Factos Provados
1) O R. Hospital de S. J…, EPE (HSJ) é uma pessoa coletiva de direito público, empresarial.
2) A Autora, mediante retribuição mensal, foi admitida ao serviço do Hospital de S. J... do P… no dia 23/12/1995, com a categoria de Enfermeira de 1.ª, constituindo-se a relação jurídica de emprego público entre a A e o então Hospital de S. J... por nomeação definitiva (integração).
3) Pelo Decreto-Lei n.º 233/2005 de 29 de Dezembro, o Hospital de S. J... do Porto que até aí estava integrado no sector público administrativo, passou a ter a natureza de Entidade Pública Empresarial aprovando aquele diploma os respetivos estatutos, passando a partir daí o Hospital de S. J... a EPE.
4) Desde 23.12.1995, a A., sob a autoridade, direção e fiscalização do Réu, ininterruptamente, vem-lhe prestando o seu trabalho, pelo que a relação laboral entre A e Réu ainda se mantém, tendo a A ascendido entretanto à categoria de enfermeira graduada.
5) No exercício das suas funções, a A. ao serviço do Réu, presta cuidados de enfermagem por forma a que os pacientes mantenham, melhorem e recuperem a saúde, ajudando-os a atingir a sua máxima capacidade funcional tão rapidamente quanto possível, sendo que parte desses cuidados de saúde são prestados em regime de urgência pré-hospitalar na VMER HSJ.
6) O Instituto Nacional de Emergência Médica (lNEM) IP, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2007 de 29 de Maio, é o organismo do Ministério da Saúde de Portugal responsável pela coordenação e funcionamento, no território de Portugal Continental, de um Sistema Integrado de Emergência Médica, de forma a garantir aos sinistrados ou vítimas de doença súbita a pronta e correta prestação de cuidados de saúde.
7) Esse Sistema Integrado de Emergência Médica funciona, de entre outras formas, através da utilização de Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação (VMER), as quais consistem em veículos de intervenção pré-hospitalar, concebidos para o transporte rápido de uma equipa médica diretamente do hospital ao local (domicílio ou via pública) onde se encontra o doente.
8) As VMER têm uma tripulação constituída por um médico e um enfermeiro e dispõem de todo o equipamento necessário ao Suporte Avançado de Vida e de Trauma.
9) As VMER funcionam ao abrigo de protocolos celebrados entre os hospitais e o INEM IP, sendo que cabe aos hospitais, entre outras matérias, assegurar os recursos humanos necessários ao seu funcionamento.
10) As VMER funcionam como verdadeiras extensões dos Serviços de Urgência Hospitalar ao local das ocorrências, ou seja, a grande maioria dos Hospitais com valência de Urgência Polivalente já possuem uma VMER, complementando assim a sua função ao pré-hospitalar.
11) Ao hospital compete assegurar a operacionalidade permanente da VMER.
12) O Réu Hospital de S. J... do Porto EPE, celebrou com o INEM IP um protocolo nos termos acima descritos dispondo de uma viatura VMER.
13) No Réu Hospital de S. J... do Porto EPE, os médicos e enfermeiros que prestam trabalho na VMER, atuam sobre a autoridade, direção e fiscalização direta do Diretor do Serviço de Urgência (atualmente o Dr. JJS) e do Coordenador da VMER-HSJ (atualmente Dr.ª FA).
14) A prestação do trabalho da A. na VMER sempre se processou mediante a organização de escalas pelos Diretor do Serviço de Urgência e do Coordenador da VMER-HSJ do Réu Hospital de S. J... EPE.
15) Por comunicação escrita (Ofício do Serviço de Urgência n.º 143/2009) do Exrmº Diretor do Serviço de Urgência do Réu Dr. JJS, datada de 18 de Dezembro de 2009, foi transmitido à A. o seguinte:
"Venho informar Vª Excelência que, por incumprimento reiterado de regras de condução de viatura de emergência VMER, com eventuais riscos para restantes elementos da viatura e outros utilizadores da via pública, dispensá-la-emos no futuro de prestação de funções na VMER, de acordo com informação e solicitação da Coordenadora da VMER do H.S.J, Dra. FA. Aproveito para apresentar a Vossa Excelência os meus melhores cumprimentos."
16) No dia 28 de Dezembro de 2009 a A. por intermédio do seu mandatário dirigiu uma carta registada ao Sr. Administrador da Réu transmitindo-lhe o seguinte:
"1 ° Foi a minha cliente dispensada pelo Exrmº Sr. Diretor do Serviço de Urgência a partir de 26 de Novembro de 2009 de prestar funções na VMER, prestação essa que já se verificava desde Junho de 1997.
2° Acontece que, nenhum motivo ocorreu para aquela dispensa.
3° Devem assim no prazo de cinco dias serem repostas à minha cliente as funções na VMER.
4° Acresce que, relativamente às prestações retributivas que foram efetuadas à minha Constituinte pela prestação de funções na VMER desde 1997, nunca lhe foram pagos os duodécimos de Subsidio de Férias e de Subsídio de Natal correspondentes ao montante anual recebido pelo trabalho prestado na VMER.
5° Solicito, assim, que o pagamento daqueles duodécimos desde 1997 até à atualidade seja efetuado no prazo de cinco dias".
17) Desde a data da sua admissão até à presente data, a A. prestou ao Réu trabalho extraordinário/suplementar.
18) O R. Hospital de S. J..., EPE (HSJ) presta assistência direta à população de parte da cidade do P… (freguesias do B…, P…., C… e A….) e concelhos limítrofes.
19) Atuando como centro de referência para os distritos do Porto (com exceção dos concelhos de Baião, Amarante e Marco de Canaveses), Braga e Viana do Castelo, abrangendo uma população de cerca de 3 milhões de pessoas.
20) São os hospitais que asseguram a contratação dos médicos enfermeiros para prestarem serviço nas VMER.
21) Segundo os protocolos assinados entre o INEM e os hospitais, o hospital escolhe médicos e enfermeiros dos seus quadros, o INEM dá o aval e proporciona formação, além de fornecer veículo, revisões e comunicações.
22) A A. ininterruptamente, desde Junho de 1997 até 18 de Dezembro de 2009 integrou a equipa afeta à VMER.
23) Nos talões de vencimento da A., processados pelo R,, constava o valor da remuneração do trabalho prestado pela mesma enquanto membro da equipa afeta à VMER.
24) A A. contava com a remuneração do trabalho prestado enquanto membro da equipa VMER.
25) A A deixou de ser incluída nas escalas para efetuar serviço na VMER desde 26 de Novembro de 2009.
26) A carta referida em 15) foi afixada num placard existente no corredor de acesso à base da VMER, local por onde passam os médicos e enfermeiros afetos a essa equipa.
27) Volvidos cerca de dois dias a carta foi retirada do placard e colocada no interior do livro de ponto dos médicos e enfermeiros afetos à VMER.
28) A dispensa de funções na VMER não foi precedida de processo disciplinar.
29) Nem pelo Réu foi invocada justa causa.
30) A comunicação referida em 16) não mereceu qualquer resposta por parte do Réu.
31) Em 2009, a A. pelo trabalho prestado na VMER recebeu do Réu a quantia global de € 4.564,01.
32) O que se traduz numa remuneração média mensal de € 380,33.
33) A A. sentiu-se triste pela dispensa de exercício de funções na VMER e a afixação da carta referida em 15).
34) Desde 1997 até ser dispensada a A. sempre prestou trabalho na VMER HSJ.
35) O Réu nunca pagou à A. integrados no subsídio de férias e de natal os montantes (duodécimos) relativos às quantias anuais pagas a título de trabalho na VMER e trabalho suplementar.
36) O trabalho prestado enquanto membro da equipa VMER corresponde a necessidades de serviço do Instituto Nacional de Emergência Médica, com o qual o Hospital de S. J... se comprometeu a colaborar nos termos constantes dos dois protocolos juntos aos autos.
37) A Autora, enquanto integrou a equipa afeta à VMER foi escalada para exercer funções na VMER de acordo e quando para tanto manifestou a sua disponibilidade.
38) A Autora auferiu as quantias referidas nos talões de vencimento constantes dos autos, a título de remuneração base e horas suplementares.
39) Em 2006 o Réu pagou à A. a título de trabalho prestado na VMER a quantia de € 4.473,23.
40) Sendo o duodécimo no montante de € 372,76.
41) Em 2007 a Ré pagou à A. a título de trabalho prestado na VMER aquantia de € 3.063,63.
42) Sendo o duodécimo no montante de € 255,30.
43) Em 2008 a Ré pagou à A. a título de trabalho prestado na VMER a quantia de € 2.760,00.
44) Sendo o duodécimo no montante de € 230,00.
45) Em 2009 a Ré pagou à A. a título de trabalho prestado na VMER a quantia de € 4.564,01.
46) Sendo o duodécimo no montante de € 380,33.
47) A Autora, no mínimo, sempre prestou na VMER HSJ 4 turnos de 8 horas cada por mês.
48) Antes de Novembro de 2009, já havia chegado ao conhecimento do Diretor do SU e da Coordenadora da VMER reparos sobre a condução perigosa da VMER por parte de alguns enfermeiros, designadamente da Autora.
49) No dia 17 de Novembro de 2009, a própria Coordenadora da VMER - que saíra com a Autora para um serviço de emergência – confirmou que a mesma não respeitava os semáforos com luz vermelha acesa.
50) Nesse dia, e não obstante os reparos e chamadas de atenção, a Autora passou por 4 vezes os sinais vermelhos.
51) A Autora passou os sinais vermelhos sem se assegurar, de forma inequívoca, que lhe era cedida a passagem pelos condutores dos veículos que tinham sinal de passagem permitida (verde).
52) Foi essa a razão pela qual a Autora deixou de ser convidada para integrar as equipas da VMER, continuando a integrar os turnos do SU e a receber os respetivos suplementos.
53) Não existe qualquer acordo escrito entre a Autora e o Hospital que os vincule a prestar e a receber serviços ao nível da VMER.
54) Não há da parte da Direção do SU do HR a obrigatoriedade de escalar os seus "funcionários", designadamente e a Autora, para aquele serviço.

Factos Não Provados:
a) A A. ininterruptamente, desde Junho de 1997 até 18 de Dezembro de 2009, prestou parte do seu trabalho para o Hospital de S. J... EPE na respetiva VMER.
b) Sempre a retribuição por trabalho na VMER e pelo trabalho extraordinário foi recebida pela A como integrando a sua retribuição mensal.
c) Levando-o a contar com a continuação do seu pagamento como se fosse um complemento do seu salário regular, afetando-o às suas necessidades permanentes e periódicas.
d) Com intuitos vexatórios e bem sabendo que com tal ato ofendia a A no seu bom nome, honra e consideração, a Coordenadora da VMER do H.S.J., com o consentimento e conhecimento do Réu, no dia 24/12/2009 afixou a carta referida em 15) no placard colocado na sala de estar do Serviço da VMER, local por onde passam médicos, enfermeiros e auxiliares.
e) Volvidos cerca de dois dias, a carta foi retirada do placard pela referida Coordenadora.
f) A Autora não praticou os factos que sustentaram a sanção de dispensa de funções na VMER que lhe foi aplicada.
g) A Autora nunca foi ouvida sobre tais factos.
h) A prestação do trabalho extraordinário/suplementar e na VMER pela A. corresponde a necessidade do regular e normal funcionamento do serviço.
i) Pelo que implica a prestação normal e não esporádica de trabalho.
j) A A. aufere assim o vencimento base acrescido do valor dos suplementos.
k) A A. aufere os suplementos remuneratórios por via de ser obrigada, por escala, a efetuar trabalho suplementar.”

IV – Do Direito
Analisemos então o Recurso Jurisdicional apresentado.

Constituindo o objeto do recurso jurisdicional a sentença recorrida e não o ato impugnado contenciosamente, conforme jurisprudência pacífica do STA e do TCA (cfr. por todos o Ac. TCA de 25.09.03, Rec. 11749/02, in "Antologia de Acórdãos do STA e do T.C.A., Ano VII, nº 1, p. 235 e seguintes), ter-se-ão por ineficazes as conclusões especificamente dirigidas ao ato recorrido.

Nas alegações do presente recurso jurisdicional, a recorrente quase que se limita a reeditar a argumentação já vertida na petição inicial, pouco direcionando as suas invocações a vícios ou erros específicos da decisão recorrida, no sentido de contrariar os argumentos e motivos que levaram à rejeição do peticionado.

A Recorrente centra o recurso no ato originariamente objeto de impugnação, pouco se pronunciando quanto aos fundamentos da decisão "a quo", que não, em virtude de lhe não ter sido dada razão.

Como é sabido, o objeto do recurso jurisdicional é a decisão judicial de 1ª instância, e não o ato objeto de originária impugnação, cabendo ao recorrente o ónus de alegação dos vícios da decisão recorrida (cfr. Ac. do Pleno do S.T.A. de 10.7.97; Vieira de Andrade, "Lições de Direito Administrativo", 3ª edição, p. 207).

O Recurso Jurisdicional não poderá pois servir para o recorrente se limitar a uma mera insistência ou repetição dos vícios do ato ou de argumentos já antes apresentados e apreciados (cfr. Ac. 2ª Secção do S.T.A de 22.9.93, in "Ac. Dout." nº 394, p. 1130; Ac. da 1ª Secção do STA de 10.7.97, Rec. 31.728; Acs. de 15.1.98 e de 14.7.99, respetivamente nos Rec. 306/97 e 2129/98).

Como resulta do Acórdão do TCAS nº 07209/13 - Secção: CT - 2.º JUÍZO, de 29-05-2014, “O atual artº.639, nº.1, do C.P.C. (cfr. anterior artº.685-A, nº.1, do C.P.Civil, na redação do dec.lei 303/2007, de 24/8) faz recair sobre o recorrente o encargo de circunscrever com clareza o âmbito do litígio submetido ao escrutínio judicial, através da explicitação das razões da sua dissidência, o qual se desdobra em dois distintos ónus. O primeiro, o de alegar, sob pena de indeferimento do recurso (cfr.641, nº.2, al.b), do C.P.Civil). O segundo, o de formular conclusões da alegação, sob pena de não se tomar conhecimento do recurso (cfr.artº.639, nº.3, do C.P.Civil).
O ónus de formular conclusões na respetiva alegação só pode considerar-se satisfeito quando o recorrente fecha a sua minuta pela enunciação de proposições que sintetizem com clareza, precisão e concisão os fundamentos ou razões jurídicas pelos quais se pretende obter o provimento do recurso (anulação, alteração ou revogação da decisão do Tribunal "a quo"). É que, consoante os casos, o recorrente pode pretender a revogação da decisão impugnada, seja para que o Tribunal "ad quem" profira nova decisão, substituindo-se ao Tribunal recorrido (sistema de substituição), seja para que os autos sejam devolvidos ao Tribunal "a quo" para proferir nova decisão (sistema de cassação). Por outro lado, o recorrente pode pretender a revogação da decisão injusta (afetada por erro de julgamento - "error in iudicando") ou a anulação da decisão afetada por invalidade ("error in procedendo").”

Em qualquer caso, em homenagem ao principio “Pro Actione”, ínsito no Artº 7º CPTA, percecionando-se, ainda assim, um resquício de imputação de erro de julgamento à decisão recorrida, analisar-se-á o suscitado, tendo presente que se peticiona a impugnação de ato de conteúdo negativo, o que é colmatado com a igualmente peticionada “reintegração da Autora”, enquanto “ato devido”.

É desde logo inegável que o ato que vem impugnado, se trata de um ato discricionário, pois que ao Diretor do Serviço de Urgências cabia escalar os técnicos que integrariam a VMER.

No entanto, discricionariedade não é nem pode ser sinónimo de arbitrariedade.

A Discricionariedade só se distinguirá da arbitrariedade se tiver como pressuposto um enquadramento legal e se correspondentemente estiver suficientemente motivada e densificada.

Um acto discricionario, no âmbito do direito administrativo, não está pois dispensado da necessária e suficiente fundamentação.

Da Audiência prévia
Aqui chegados, mostra-se que a aqui Recorrente mantinha compreensiveis expetativas de continuar a desempenhar tarefas por via das escalas da VMER, pois que há mais de 10 anos que desempenhava tais funções.

Se objeções havia face ao comportamento da aqui Recorrente no que concerne à competencia e zelo com que conduzia os veiculos de emergência, tal teria de ter sido ponderado por via de um procedimento próprio, ainda que sumário, e não por via de uma mera decisão de caráter conclusivo.

Conduzindo a Recorrida veículos de emergência médica, como se disse já, há mais de 10 anos era, no minimo, expectável, que o seu afastamento de tais funções tivesse passado pela sua prévia audição, não por que tivesse qualquer tipo de contrato relativo às funções na VMER, mas porque eram funções que reiteradamente tinha vindo a desempenhar.

Efetivamente a fundamentação aduzida para justificar o seu afastamento das escalas VMER é meramente conclusiva, refugiando-se em conceitos genéricos, como seja “incumprimento reiterado de regras de condução”; “eventuais riscos para os restantes elementos da viatura e outros utilizadores da via pública”, o que se mostra manifestamente insuficiente.
Invoca consequentemente a Recorrente que o ato contenciosamente sindicado terá violado o dever de audiência previsto no art.º 100.º do CPA, em conformidade com o Artº 267º nº 5 da CRP.
Efetivamente, refere o artigo 100.º do CPA que «concluída a instrução e salvo disposto no artigo 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente sobre o sentido provável da decisão».
O objetivo legal do referido normativo visa proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o projeto de decisão.
A audiência prévia dos interessados, no procedimento administrativo, configura um princípio estruturante da atividade administrativa, sendo uma formalidade essencial, cuja inobservância fere, em regra, o ato em questão, salvo não havendo lugar a diligências instrutórias prévias (v. artigo 100.º, n.º 1, 1.º segmento, a contrario sensu, do CPA) e/ou nos casos de dispensa dessa audiência, expressamente previstos no artigo 103.º do CPA.
Como resulta do Acórdão do Colendo STA de 03-03-2004, Proc. 01240/02, estamos perante uma formalidade essencial cuja violação tem como consequência jurídica a ilegalidade do próprio ato, normalmente sancionada com a sua anulabilidade, já que é a sanção prevista para “os atos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção (art. 135.º do CPA)”.
A falta de realização de audiência dos interessados poderá, no entanto, degradar-se em diligência não essencial, quando, atentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada.
Na situação em análise, é certo que não foi reconhecidamente observado pela Entidade Recorrida o disposto no artigo 100.º do Código de Procedimento Administrativo, que obriga a que os interessados tenham que ser ouvidos antes de ser tomada a decisão final.
Lê-se, com relevância para o presente processo, no Acórdão do Colendo STA relativo ao Processo nº 035/04, de 05/05/2004, que “O direito de audiência previsto no art. 100.º do CPA, além de constituir uma importante garantia de defesa dos direitos do administrado constitui também uma manifestação do princípio do contraditório, possibilitando-lhe a participação na formação da vontade da Administração, não só através do confronto dos seus pontos de vista mas também através da sugestão da produção de novas provas que invalidem ou, pelo menos, ponham em causa as certezas daquela.”

Subjacente ao afastamento da Recorrente das escalas VMER estará, designadamente, o modo como conduzia os veículos de emergência, apreciação que passa por uma margem de discricionariedade, não se podendo afirmar categoricamente que depois de ouvida a mesma, a conclusão seria necessariamente a mesma, de considerar a sua inaptidão para o exercício daquelas funções.

As competências de exclusão da Recorrente por parte do Diretor do Serviço de Urgência, revelam-se assim, não vinculativas, deixando-lhe liberdade de escolha, sendo que mesmo a dispensa de audiência prévia, nos casos previstos no art.º 103, n.º 2, do CPA, tem de ser objeto de decisão expressa, fundamentada, o que não foi o caso.

Na realidade, verificada que seja a inabilidade ou perigosidade da Recorrente para o exercício das referidas funções em questão, naturalmente que o Diretor do Serviço de Urgência sempre teria a faculdade, e até a obrigação de obstar a esse exercício, o que não invalida que cumprisse pontualmente os procedimentos legais aplicáveis à situação.

Em conformidade com o referido, desde já se afirma que não tendo havido lugar à audiência prévia, nos termos do Artº 100º do CPA, nem tendo sido invocado qualquer fundamento que suportasse a sua não realização, há um manifesto vício procedimental, capaz, só por si, de comprometer a validade do ato, por tal se consubstanciar num vício de forma.

Em conformidade com o referido alude-se, entre muitos outros, em virtude de se tratar de matéria pacífica na jurisprudência, ao Acórdão do Colendo STA de 3 de Novembro de 1994 (AD nº 407, p. 1153):
“A falta de audiência dos interessados, no procedimento administrativo, fora dos casos previstos no Artº 103º do CPA, invalida os atos praticados sem ela, tornando-os anuláveis por vício de forma”

Como ficou dito no Acórdão do STA nº 01607/02 de 23/09/2004, o dever de audiência prévia dos interessados no procedimento administrativo constitui uma concretização do princípio da participação dos particulares na formação das decisões administrativas que lhe digam respeito, dando, assim, satisfação à diretriz consagrada no n.º5, do artigo 267, da CRP, revestindo a natureza de um princípio estruturante da lei especial sobre o processamento da atividade administrativa, traduzindo a intenção legislativa de atribuição de um verdadeiro direito subjetivo procedimental – neste sentido ver, entre muitos, os acórdãos de 8-03-01, de 17-05-01 e de 17-01-02, nos Processos n.º 47.134, 40.860 (do Pleno) e 46.482, respetivamente.

Foi, pois, omitida tal formalidade.

Por outro lado, ainda que se estivesse face ao exercício de um poder vinculado, e não se está, a omissão do dever de audiência prévia, consagrado no artigo 100º, do CPA, só não seria invalidante da decisão final nos casos em que, através de um juízo de prognose póstuma, o tribunal pudesse concluir, sem margem para dúvidas, que a decisão tomada era a única concretamente possível, não bastando, no entanto, que a decisão tivesse sido cometida no exercício de poderes vinculados para se concluir, sem mais, pelo carácter não invalidante da violação do disposto no n.º1 do artigo 100º do CPA. – cfr. neste sentido os acórdãos do Pleno de 9-02- 99, Proc.º n.º 39.379, de 15-10-99, in Ap DR de 21-06-2001, pág.1155, e de 12-12-2001, Proc.º n.º 34.981.

Ora, no caso em apreço não é possível concluir, sem margem para dúvidas, que se a Recorrente tivesse sido ouvida antes da decisão final, a sua intervenção no procedimento não poderia ter provocado uma reponderação da situação e, desse modo, influir na decisão final.

Não se pode pois, dizer que a decisão final seria, necessariamente, a mesma quer a interessada usasse do direito de audiência prévia ou não, pelo que o incumprimento do disposto no artigo 100º, do Código de Procedimento Administrativo tem, no caso em apreço, efeitos invalidantes da decisão final.

Não tem pois aplicação o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, pois não se torna possível concluir que a anulação do ato não traria qualquer vantagem para o recorrente, deixando-o na mesma posição, por aplicação do princípio da inoperância dos vícios ou “utile per inutile non vitiatur”.
Assim, importará concluir, neste aspeto, pela procedência do presente recurso jurisdicional, face à verificada ausência de realização da audiência prévia.
Em qualquer caso, como se disse já, tratando-se de um ato negativo, a sua anulação, só por si, não determina quaisquer consequências diretas e imediatas para a Recorrente, importando verificar o consequente pedido da prática de ato devido, consubstanciado no seu pedido de Reintegração nas escalas VMER.
Da prática do ato devido
Verificado o enunciado vício, importa daí retirar as devidas ilações.

Com efeito, vindo requerida a condenação da aqui Entidade Recorrida na prática de ato devido, consubstanciada na reintegração da Recorrente nas escalas VMER, a mesma está necessária e logicamente condicionada pela letra do nº 2 do Artº 71º do mesmo CPTA, no qual se refere que “quando a emissão do ato pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.”

O requerido baseia-se, designadamente, na alínea b) do nº 2 do Artº 47º do CPTA, o qual refere que:
Com qualquer dos pedidos principais podem ser cumulados outros, nomeadamente “o pedido de condenação da Administração à adoção dos atos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado e dar cumprimento aos deveres que ela não tenha cumprido com fundamento no ato impugnado.”

A este propósito refere Mário Aroso e outro em anotação ao Artº 4º do CPTA (in Comentários ao CPTA – 2005 – pag. 38) que “…o interessado pode cumular o pedido de anulação contenciosa com um pedido de condenação à adoção dos atos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.

Mais aí se refere que “…se a cumulação abarcar atos ou operações necessários ao restabelecimento das situações atual hipotética, são aplicáveis as regras constantes do Artº 173º (CPTA) visto que estamos … no domínio de aspetos relativos à execução de uma decisão anulatória. Neste caso … o tribunal poderá proferir decisão nos termos previstos no nº 3 do Artº 95º (CPTA) …”.

Para melhor enquadrar o que infra se decidirá, transcreve-se ainda, parcialmente o nº 1 do Artº 173º do CPTA:
“1 - … a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.”
Ainda em conexão com a presente questão, refere o Artº 95º nº 3 do CPTA que “quando, com o pedido de anulação … de um ato administrativo, tenha sido cumulado pedido de condenação da Administração à adoção dos atos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o ato impugnado não tivesse sido praticado, mas a adoção da conduta devida envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, sem que a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma atuação como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo da conduta a adotar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela administração”.

Importará pois ter em atenção que a reconstituição da situação atual hipotética, a efetuar, implica que, em juízo de prognose anterior objetivo, se retroceda ao momento em que, no caso, o ato anulado foi praticado, procurando repristinadamente reconstituir a situação que existiria caso o ato tivesse sido, desde logo, legal.

Na realidade, ao Tribunal está vedada a possibilidade de obstar a que a Administração pratique atos inseridos no âmbito do seu poder discricionário, sem prejuízo de lhe ser lícito impor que os mesmos, a serem executados, cumpram os desideratos e formalismos legal e regulamentarmente aplicáveis.

Assim, estando-se perante requerida prática de ato legalmente devido, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 71.º do CPTA, não poderá, no entanto, o tribunal “obrigar” a Entidade Recorrida a Reintegrar a Recorrente nas escalas VMER, podendo tão-só, determinar que seja dado cumprimento pontual aos normativos aplicáveis, já que trata de um ato dependente da formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, não estando o Tribunal na posse de todos os elementos factuais relevantes, conexos.

Assim, terá o Tribunal de limitar-se a impor à Administração que renove o procedimento invalidamente praticado, cuidando-se de recomendar o cumprimento agora pontual de todos os normativos aplicáveis, designadamente realização de audiência prévia, e devida e consequente fundamentação do ato a proferir.

Do Vinclulo Funcional e subsidios de férias e natal
O vinculo funcional da Recorrente era com o Centro Hospitalar/HSJ, sendo que o trabalho desempenhado nas escalas VMER se consubstanciava numa tarefa especifica, remunerada autonomamente, em função do número de horas desempenhadas em cada mês.

Poder-se-á, aliás, fazer o paralelo com as horas extraordinárias, que são pagas autonoma e acrescidamente à remuneração auferida, em função das horas desempenhadas, sem que deem lugar ao pagamento de qualquer acréscimo correspondente a férias ou natal.

Improcede assim o Recorrido, neste aspeto.

Da aplicação de pena disciplinar
Do mesmo modo, não faz sentido apelar à aplicação do Estatuto Disciplinar, uma vez que o ato controvertido, independentemente de, como vimos, não preencher todos os requisitos com que se deveria conformar, não preenche os pressuposto para que de pena disciplinar se pudesse tratar, até por não corresponder a qualquer das penas tipificadas insitas no referido estatuto (Lei nº 58/2008), pois que não existem penas de suspensão seletivas a determinadas funções.

Da violação de Principios
No que repeita às conclusivamnete invocadas violações de principios, designadamente de cariz Constitucional, como seja o da boa-fé, sempre a referida questão teria de ser acrescidamente fundamentada e densificada.

Com efeito, não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.

Como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência (Vg. o Acórdão do TCA - Sul nº 02758/99 19/02/2004) não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.”

No mesmo sentido aponta, igualmente, o Acórdão do Colendo STA nº 00211/03 de 29/04/2003, onde se refere que “por omissão de substanciação no articulado inicial e nas alegações de recurso, não é de conhecer da questão da inconstitucionalidade e/ou interpretação desconforme à CRP de normas de direito substantivo …, na medida em que a Recorrente se limita a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a que modalidade reverte o vício afirmado”.

Assim, até por falta de concretização e densificação do alegado, não se vislumbra que se verifique qualquer violação de princípios, mormente constitucionais.

Da Afixação da Carta
Pretende a Recorrente ser indemnizada em resultado da afixação da controverida carta num placard do serviço.

Não tendo ficado provado quem possa ter procedido à referida afixação, nem a mando de quem, por natureza, e por falta de prova em contrário, fica excluida qualquer direito indemnizatório relativamente a tal situação, tanto mais que se não tratava de um documento confidencial ou de natureza estritamente pessoal.

Em qualquer caso, mesmo que assim não fosse, não se mostram integralmente preenchidos os pressupostos que permitiriam condenar a Entidade recorrida por responsabilidade civil extracontratual.
Do ponto de vista normativo, e no que concerne à responsabilidade civil, seria na presente Ação aplicável predominantemente a Lei nº 67/20007, de 31 de Dezembro.

Como decorre da generalidade da Jurisprudência e Doutrina Administrativa, a responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos impõe que estes sejam responsáveis quando for de concluir que os seus órgãos ou agentes praticaram, por ação ou omissão, atos ilícitos e culposos, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, e que daí resultou um dano para terceiro.

Por outro lado, e em linha com o Acórdão do STA nº 0903/03 de 03-07-2003, refira-se ainda que "para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano" Acórdão STA de 9.5.02 no recurso 48077. A ação improcederá se um destes requisitos se não verificar”.

Acresce ao referido que, como se refere no Acórdão do Colendo STA de 2002.10.02 in Recurso 1690/02 "(...) a Administração não incorre automaticamente em responsabilidade civil cada vez que pratica um ato administrativo ilegal.

Para haver ilicitude responsabilizante, é necessário que a Administração tenha lesado direitos ou interesses legalmente protegidos do particular, fora dos limites consentidos pelo ordenamento jurídico, por isso, segundo alguma jurisprudência e doutrina, é necessário que a norma violada revele a intenção normativa de proteção do interesse material do particular, não bastando uma proteção meramente reflexa ou ocasional.

Ou seja, é necessário existir “conexão de ilicitude” entre a norma ou princípio violado e a posição jurídica protegida do particular, o que deve ser apreciado caso a caso (cf. Prof. Gomes Canotilho, em anotação ao Ac. STA de 12.12.89 RLJ, Ano 125° p.84 e AC. STA de 31.05.2000, recº 41201).

Sintetizando, e reiterando o já referido, a responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão pública do Estado e demais pessoas coletivas por facto ilícito, a que se referem os normativos aludidos coincide, no essencial, como tem sido jurisprudência uniforme, designadamente do STA, com a responsabilidade civil consagrada no art. 483º do Código Civil, dependendo a obrigação de indemnizar da verificação cumulativa dos pressupostos: facto, ilicitude, culpa, nexo de causalidade e dano – (cf. entre outros Ac. STA de 04.12.03, rec. 557/03 e de 11.02.03, rec. 323/02).

Em face do que precede, não logrou a Recorrente fazer prova do prenchimento integral dos referidos pressupostos para que houvesse lugar à atribuição da peticionada indemnização por responsabilidade civil.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar procedente o Recurso Jurisdicional apresentado, revogando-se a decisão recorrida, decidindo-se, em substituição, anular o ato recorrido, mais se determinado a produção de novo ato devidamente fundamentado, após a realização de audiência prévia.

Custas pelo Recorrido

Porto, 17 de Abril de 2015
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luís Migueis Garcia