Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01726/10.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:INFORMAÇÃO BANCÁRIA OBTIDA EM INQUÉRITO CRIMINAL
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES LEGAIS
LIQUIDAÇÃO DE IRS
Sumário:I - A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária – que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo – não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito.
II - A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no art. 63.º-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa.
III - Não tendo o agora Recorrente sido notificado nos termos do artigo 63ºB da LGT, quanto aos elementos obtidos com a derrogação do sigilo fiscal, e tendo invocado tal ilegalidade após a notificação da liquidação, ocorreu uma preterição de formalidades legais, que eiva de ilegalidade a liquidação impugnada.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F... e mulher
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1.Relatório

F... e M..., com os NIF 1…e 1…, respectivamente, melhor identificados nos autos, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação judicial interposta da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2005.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

A. “Os Recorrentes não se conformam com a sentença proferida que julgou improcedente a impugnação apresentada.
B. Na verdade, a decisão proferida assenta em meios de prova ilegalmente obtidos cuja valoração pelo Tribunal “a quo”, por tal motivo, estava vedada.
C. Consequentemente, ao dar como provados os factos nos termos e por referencia ao relatório de inspecção ferido de ilegalidade, o Tribunal “a quo”, com o devido respeito incorreu em erro sobre a decisão da matéria de facto e, consequentemente, em erro quanto à decisão de direito.
D. Os Recorrentes insurgiram-se contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRS e respectivos juros compensatórios, invocando a ilegalidade do procedimento inspectivo, por ter excedido o prazo máximo permitido por Lei; a caducidade do direito à liquidação; a nulidade do procedimento de inspectivo por preterição de formalidade essencial consubstanciada na inexistência de notificação do despacho de levantamento do sigilo bancário; o erro sobre os pressupostos de facto e a violação dos princípios da não incriminação, da legalidade, adequação e proporcionalidade.
E. Entendeu o Tribunal “a quo” que subjacente à liquidação impugnada esteve uma acção inspectiva com base na Ordem de Serviço nº OI200903465, de 04.10.2009, com carácter interno e, como tal, efectuado com respeito pelo prazo previsto no artigo 36.º, do R.C.P.I.T.
F. Resulta dos factos provados que a acção de fiscalização em causa foi determinada em virtude de inspecções efectuadas às pessoas colectivas identificadas em 2., dos Factos Provados.
G. Do mesmo modo que, resulta que o principal, senão único, meio de prova para sustentar a decisão de liquidação de IRS impugnada, foi, precisamente, o relatório de inspecção que foi efectuado no âmbito da acção inspectiva levada a efeito naquelas sociedades comercias e que se iniciou, pelo menos, em 07/12/2007.
H. Assim se verificando um aproveitamento nos elementos recolhidos na acção inspectiva realizada às identificadas empresas – atente-se a matéria de facto considerada provada onde é feita reiterada referencia ao apurado naquela acção inspectiva, não obstante o respectivo relatório ter sido impugnado.
I. No caso dos autos, a inspecção que o Tribunal “a quo” considerou interna, salvo melhor opinião, não resultou de uma mera inspecção de análise sobre a correcção formal dos documentos entregues e sua coerência com as declarações apresentadas.
J. A verdade é que, como, aliás, resulta da matéria considerada provada, o meio de prova para a improcedência da impugnação foi o conteúdo do relatório de inspecção elaborada na sequencia da acção inspectiva efectuada às identificadas sociedades comerciais, que teve o seu inicio em 07/12/2007;
K. Portanto, houve uma sequência de inspecção iniciada com aquela acção inspectiva efectuada às empresas, que se orientou para a identificação de eventuais infracções e análise das declarações dos Impugnantes, de modo a que pudessem resultar, como de facto resultaram, correcções à matéria tributável.
L. O que impõe concluir que o procedimento iniciado em 07/12/2007 deu, evidentemente, inicio à inspecção aos sujeitos passivos, aqui Impugnantes, a qual revestiu carácter externo.
M. O que importava que fosse notificada aos sujeitos passivos, nos termos do disposto no artigo 51.º, nº 1, do RCPIT, sob pena de ilegalidade deste elemento de prova.
N. Contudo, os Impugnantes apenas foram notificados do projecto de relatório de inspecção em 05/11/2009.
O. A que acresce que, quando terminada a acção inspectiva em 27/11/2009, como resultou provado, não foi respeitado o prazo previsto no artigo 36.º, do RCPIT, ao contrário do que ficou decidido na sentença recorrida.
P. Como refere o nº 2, deste normativo, o procedimento de inspecção tributária é continuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu inicio, podendo ser ampliado por mais dois períodos de três meses, se verificadas as condições referenciadas no nº 3, daquele artigo.
Q. Pelo que, não tendo sido notificada a acção inspectiva na qual assenta a liquidação reclamada e impugnada, atento o seu carácter externo e o facto de ter sido ultrapassado o prazo de seis meses para a sua conclusão, tal configura um vicio gerador de anulabilidade da liquidação baseada em tal procedimento, nos termos do disposto no artigo 135.º, do CPA.
R. Sendo a liquidação de IRS ilegal, impondo-se a sua anulação.
S. Não pode o Julgador considerar que a acção inspectiva que está na origem da liquidação impugnada se iniciou em 04/10/2009, considerar essa mesma acção como interna, e depois, para dar como provada a matéria factual, recorre ao relatório de inspecção efectuado no âmbito da acção inspectiva operada às referenciadas empresas, com utilização e aproveitamento dos elementos apurados no âmbito desta (e que, como consta dos autos, foi impugnada).
T. Reitere-se que houve uma sequência de inspecção iniciada com aquela acção inspectiva efectuada às empresas, que se orientou para a identificação de eventuais infracções e análise das declarações dos Impugnantes, de modo a que pudessem resultar, como de facto resultaram, correcções à matéria tributável e que importa concluir que o procedimento iniciado em 07/12/2007 deu, evidentemente, inicio à inspecção aos sujeitos passivos Impugnantes.
U. Sendo certo que, sempre sem prescindir, a considerar-se que a acção inspectiva em causa teve o seu inicio em 04/10/2009, como foi considerado provado, estava vedada à Administração Tributária, a quem incumbia o ónus da prova da legalidade e dos elementos que sustentam a liquidação de IRS reclamada e impugnada nos termos em que o foi – artigo 74.º, da LGT e artigo 100.º, do CPPT –, a utilização, como meio de prova, do relatório elaborado no âmbito de uma acção inspectiva distinta e respeitante a sujeitos passivos de imposto diferente.
V. Por outro lado, no que respeita à nulidade do procedimento de inspectivo por preterição de formalidade essencial consubstanciada na inexistência de notificação do despacho de levantamento do sigilo bancário, mal andou o Tribunal “a quo”.
W. Conforme consta dos autos, a acção inspectiva em que assentou a prova produzida na Impugnação e cujo relatório sustentou a decisão proferida, versou sobre os elementos bancários pessoais do Impugnante marido, o aqui Recorrente F….
X. Sucede que, inexistiu qualquer notificação aos Impugnantes de despacho dando conta da intenção do levantamento do sigilo bancário.
Y. No entanto, o Tribunal “ a quo” considerou que, uma vez ordenado o levantamento do sigilo bancário no âmbito do processo de inquérito nº 20/08.7IDAVR, da 1ª Secção do D.I.A.P. de Aveiro, Serviços do Ministério Publico da Comarca do Baixo Vouga, para apuramento de factos susceptíveis de integrar a pratica de crime de fraude fiscal qualificada, nos termos do disposto do artigo 135.º, nº 3, do Código de Processo Penal, ordenado está o levantamento do sigilo bancário relativamente às contas tituladas pelo Recorrente para todo e qualquer tipo de processo, seja este fiscal, administrativo, civil, etc.
Z. Quando está legalmente vedada a utilização de decisão judicial proferida no âmbito especifico de um processo criminal, em sede de inquérito, para apuramento da prática ou não de factos que poderão consubstanciar ilícito criminal, no âmbito de procedimento administrativo que culmina com a prática de acto administrativo de liquidação adicional de IRS.
AA. Preceitua o artigo 78.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, doravante R.G.I.C.S.F., aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro e posteriores alterações, que “os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, seus empregados, mandatários, cometidos e outras pessoas que lhes prestem serviços não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações destas com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação de serviços”, o que consubstancia o sigilo bancário.
BB. E, “segundo o disposto no artigo 79.º, n.º 1 do R.G.I.C.S.F., os factos ou elementos cobertos pelo segredo só podem ser relevados mediante autorização do cliente, transmitido à instituição. Fora deste caso, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições; à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições; ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, no âmbito das respectivas atribuições; às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal, à administração tributária, no âmbito das suas atribuições ou quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo [cfr. n.º 2].”
CC. Sendo que, no direito tributário, segundo dispõe o artigo 63.º, n.º 2 da L.G.T., o acesso a informações e documentos bancários no âmbito de uma acção inspectiva depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável.
DD. Dispondo o nº3, do mesmo normativo que, “sem prejuízo do numero anterior, o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário faz-se nos termos previstos nos artigos 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C” (sublinhado nosso).
EE. Assim, excepcionalmente, a lei admite a derrogação do dever do sigilo bancário, por parte da Administração Tributária, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, como sucede nos casos previstos no artigo 63.º-B da L.G.T.
FF. Da conjugação dos nºs 1, 4 e 9, do artigo 63.º-B e do artigo 63.º, ambos da LGT, a Administração Tributária tem o poder de aceder a informações e documentos bancários, em derrogação do sigilo bancário, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, mas sempre dependendo de autorização judicial.
GG. Autorização judicial que não foi suscitada no âmbito da acção inspectiva da qual culminou a liquidação de IRS impugnada e como tal é inexistente.
HH. Tal como é inexistente qualquer despacho proferido no sentido de derrogação do sigilo bancário, nem pelo Exmo. Sr. Director Geral dos Impostos, a quem incumbe tal competência, ou seus substitutos legais, vedada que se encontra a possibilidade de delegação.
II. Consequentemente, inexiste qualquer decisão fundamentada da administração tributária devidamente fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam;
JJ. Inexistindo, como é obvio e em consequência, qualquer notificação de tal decisão, nem nos trinta dias posteriores, nem mesmo depois.
KK. Reitere-se: no caso dos autos, é que inexiste qualquer despacho (muito menos fundamentado) notificado aos Impugnados, na qualidade de visados no pretendido levantamento do sigilo bancário, dando-lhes a conhecer essa intenção da inspecção tributária;
LL. Tendo assim ocorrido, no caso dos autos, inobservância do procedimento legal a observar em caso de derrogação do dever de sigilo bancário;
MM. E assim se verificando preterição de formalidade essencial, geradora de nulidade e que foi arguida nos autos de impugnação.
NN. Sendo certo que, tal total e insuprível inexistência de notificação acarreta a invalidação de toda a prova recolhida na acção inspectiva mencionada, gerando a nulidade, não só dessa prova, mas também do próprio relatório e, consequentemente, das reclamadas e impugnadas notas de liquidação.
OO. Pelo que, mal andou o Tribunal “a quo” ao decidir pela observância do procedimento para derrogação do dever de sigilo bancário, por referencia a uma autorização judicial prestada no âmbito de processo criminal distinto, com fundamentos e sustentada em factos concretos distintos e que, salvo o devido respeito, não podia ser utilizada pela Administração Tributária no âmbito e para os efeitos da acção inspectiva aqui em causa, e assim lhe conferindo um carácter e um valor “ad eternum”, em violação dos direitos e interesses legalmente protegidos dos recorrentes, o que impõe a revogação da decisão proferida.
PP. Acresce que, entendeu o Tribunal “a quo” pela improcedência também destes fundamentos, o que não se concebe.
QQ. Os Recorrentes desconhecem em que circunstâncias e como é que foram supostamente prestadas as declarações de alegados «representantes de empresas clientes das empresas visadas na Inspecção Tributária, sendo que apenas podem respondem por si e não por qualquer outra entidade, mormente as pessoas colectivas inspeccionadas.
RR. Do relatório de inspecção resultam menções indevidas e ilícitas a supostas conversas truncadas em que pretendem, à falta de mais e melhor argumentos e provas, atribuir confissões mais ou menos expressas da prática dos actos em causa nos autos.
SS. Reiterando-se que, os Recorrentes apenas são responsáveis pela sua situação, e não pela de qualquer outra pessoa, singular ou colectiva, e, como tal, tudo quanto é dito ou imputado a entidade jurídica diversa não pode implicar qualquer responsabilidade para os Recorrentes;
TT. O mesmo valendo para os eventuais negócios, transacções ou pagamentos efectuados entre pessoas jurídicas distintas dos Recorrentes e que foram considerados na sentença recorrida, em errada apreciação da prova produzida.
UU. Do mesmo modo que, mal andou o Tribunal “a quo” quando considerou que o compulsado o procedimento inspectivo, concluiu que a Administração Tributária actuou no cumprimento da lei e dentro dos limites dos poderes que lhe são conferidos, quando na verdade tal não sucedeu.
VV. Pois o único meio de prova produzido nos presentes autos – relatório de inspecção –, está ferido de ilegalidade e, consequentemente, não podem ser dados como provados os factos sustentados em tal elemento de prova ilegalmente obtido.
WW. O que importa a revogação da sentença proferida, sob pena de violação do disposto nos artigos 51.º, nº1 e 36.º, do R.C.P.I.T., artigo 135.º, do CPA, dos artigos 74.º, da LGT e 100.º, do CPPT, do artigo 78.º do R.G.I.C.S.F, artigo 63.º e 63.-B, estes da LGT, assim como dos princípios fundamentais de Direito e constitucionalmente protegidos da protecção da vida privada, legalidade, igualdade, adequação e da não-incriminação.

XX. Pelo exposto, a sentença recorrida violou os supra citados normativos e princípios legais, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente a impugnação apresentada.

Pelo exposto, deverão V. Exas. Senhores Juízes conceder provimento ao presente recurso e revogar a Sentença recorrida, e substituí-la por outra que julgue procedente a Impugnação da liquidação de IRS, POR SER DE INTEIRA JUSTIÇA.

Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, foram os mesmos com vista à Exma. Procuradora - Geral Adjunta junto deste Tribunal, tendo emitido douto parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso, que consta de folhas 353 a 359, dos autos.

Colhidos os vistos legais juntos das Exmas. Juízes-Adjuntas vem o processo à Conferência para julgamento.

Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelos Recorrentes delimitadas pelas conclusões das alegações de recurso, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 684º, nº s 3 e 4, actuais 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5, todos do CPC, “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT, são as de saber se ocorreu erro de julgamento de facto e de direito.

II. Fundamentação

II.1 Dos Factos

II.1.1 No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

3.1. Com interesse para a decisão a proferir, julgo provados os seguintes factos:

1 – Com base na Ordem de Serviço n.º OI200903465, de 04.10.2009, os Impugnantes foram sujeitos a um procedimento inspetivo interno, de âmbito parcial, que incidiu sobre o IRS referente ao ano de 2005 – cfr. fls. 5 do relatório de inspeção tributária.

2 – A ação de fiscalização foi determinada em virtude de inspeções levadas a cabo aos sujeitos passivos E.. S.A., NIPC 5…, N…, LDA., NIPC 502 769 327, F…, LDA., NIPC 5…, Z…, LDA., NIPC 5…e A…, LDA., NIPC 5….

3 – A N…, LDA., F…, LDA., Z…, LDA. e A…L, LDA., dedicam-se, exclusivamente, à comercialização de perfis de alumínio fabricados pela E…, funcionando como armazéns desta e como “prolongamento” desta.

4 - No âmbito das ações inspetivas referidas no ponto 2, apurou-se que as sociedades identificadas, de que o Impugnante marido era o principal detentor do capital social, mantinham um sistema de economia paralela, que se traduzida num elevado número de vendas não registadas na contabilidade e não declaradas para efeitos fiscais.

5 – As omissões de vendas eram efetuadas através da emissão e posterior adulteração, por manipulação informática, das faturas que seguiam para os clientes, que recebiam um primeiro original, com o valor real da transação, e uma segunda cópia, da mesma fatura, com um valor significativamente inferior ao primeiro, sendo esta última a declarada às autoridades fiscais.

6 – No decurso da ação inspetiva à sociedade M…, LDA., os serviços inspetivos apuraram um conjunto de facturas respeitantes a compras de perfis de alumínio à sociedade E… S.A., sem relevação contabilística, existindo na contabilidade registos de faturas emitidas por aquele mesmo fornecedor, com a mesma numeração e data, com valores inferiores.

7 – A sociedade M..., LDA., ao efetuar as encomendas às sociedades acima referidas, informava, via fax, se pretendia que as mercadorias fossem ou não faturadas ao fornecedor, apondo o código “L.P.” para se referir às vendas em mercado paralelo.

8 – Lacado Preto é um nome de código utilizado pelas sociedades para se referir à transação de qualquer tipo de perfis não declarada.

9 – Da auditoria ao sistema informático utilizado pela E… e pelas sociedades armazém para emitir as suas facturas, efetuada pelos serviços de inspeção, verificou-se que o mesmo permitia situações de adulteração de documentos, permitindo, após emissão e impressão de uma fatura, acrescentar ou retirar artigos, alterar as quantidades, os pesos, o valor, e voltar a imprimir as faturas com as alterações produzidas.

10 – Perante suspeitas de fraude fiscal qualificada, foi instaurado um inquérito pelo Núcleo de Investigação Criminal da Direção de Finanças de Aveiro e requerida a derrogação do sigilo bancário às contas tituladas pelo Impugnante marido - cfr. doc. de fls. 118 dos autos cujo teor se tem por reproduzido.

11 – No âmbito dos processos de quebra de sigilo n.º 20/08.7DAVR-A.C1, n.º 20/08.7DAVR-A.C3 e n.º 20/08.7DAVR-A.C4 foi concedida a quebra de sigilo bancário, dispensando-se os funcionários dos bancos Caixa Geral de Depósitos, Santander Totta, Banco Espírito Santo e Millenium BCP do cumprimento do dever de sigilo - cfr. certidão de fls. 237 e ss dos autos.

12 - Em 07.12.2007, os serviços de inspeção efetuaram cópia ao servidor do sistema informático que alojava a informação da faturação das sociedades E... e armazéns, respeitando os registos copiados ao período de 02.11.2005 a 04.12.2007.

13 – Após auditoria à base de dados recolhida em 06.01.2009, constatou-se que, desde o dia 07.12.2007, não surgiram evidências informáticas de alteração das faturas, na forma e quantidade como vinha sendo realizada até então.

14 – Da análise aos dados informáticos constatou-se a emissão de uma série da faturas dirigidas a diversos clientes, pela E... e pelas sociedades armazém que, posteriormente, eram alteradas para valores inferiores, sendo estes últimos os contabilizados.

15 - Da análise aos elementos bancários relativos às contas particulares, tituladas por F..., verificou-se que alguns dos cheques depositados nestas contas, provenientes de contas igualmente particulares de pessoas identificadas como sendo sócios e gerentes das sociedades clientes da E... e das sociedades armazém, correspondiam à diferença entre o valor mais elevado da fatura e o valor pelo qual foi contabilizada, ou seja, pelo valor das vendas omitidas.

16 – Na sequência de ação inspetiva à sociedade IRMÃOS… LDA., foi encontrado um “Extracto para Vendedores” relativo às vendas que o vendedor Pedro Neves efetou em nome da F…, LDA., para a sociedade IRMÃOS…, no qual se verificaram várias situações em que o valor que surge como estando em dívida em relação a determinadas faturas é o valor mais elevado de emissão dessas faturas, sendo o valor para o qual as mesmas foram registadas na contabilidade de ambos os sujeitos passivos foi o valor para o qual a fatura foi alterada, sendo este segundo substancialmente inferior.

17 – A diferença entre o valor inicial da fatura e aquele para o qual a mesma foi alterada era paga através de cheques provenientes de contas particulares dos sócios e gerentes das sociedades adquirentes, que não faziam parte da escrita das sociedades, e eram depositados nas contas particulares de F..., ora Impugnante, que dispunham das verbas em uso próprio.

18 – A alteração de faturas não sucedia com todos os clientes, sendo que em relação a alguns era sistemático.

19 - No computador portátil encontrado no gabinete do Administrador da E... e sócio gerente da FRADALPOR e no servidor da E..., os serviços inspetivos localizaram um ficheiro com o quadro que consta de fls. 32 do relatório de inspeção, cujo teor se tem por reproduzido e no qual consta o seguinte:

- relativamente à sociedade E... e às sociedades comerciais, surge em relação ao ano de 2004 e 2005, até Agosto, um valor de faturação, designado de Real, o qual corresponde ao exato montante das vendas declaradas à Administração Fiscal;

- um valor de faturação designado por LP;

- o valor total de faturação, resultante da soma entre os valores declarados à Administração Fiscal e o valor da faturação em LP;

- cálculo de uma percentagem, que sendo obtida pelo quociente entre o valor das vendas em LP e o valor das vendas declaradas, demonstra qual a percentagem de vendas em LP que cada sociedade efetuou no ano de 2004 e no período de janeiro a agosto de 2005;

20 - No que tange ao acesso às contas bancárias pessoais do administrador da E... e sócio gerente da ZIM, F..., ora Impugnante, no relatório de inspeção consta o seguinte:

[…]

Conforme foi relatado, da subsequente informação prestada pela Direcção de Finanças de Aveiro, Núcleo de Investigação Criminal aos Serviços do Ministério Público de Ílhavo, após a abertura de inquérito nº 20/08.7DAVR, por indícios de fraude fiscal, resultando de suspeitas de omissão de vendas, praticadas pela sociedade E..., e da falta de verdade dos valores declarados à Administração Fiscal, foi o Banco de Portugal, oficiado em 16/10/2008, para que providenciasse fossem fornecidos os números de contas bancárias, tituladas por F... e respectivas instituições bancárias.

Não sendo nosso propósito, nesta altura, pelo seu carácter acessório, descrever todo o processo de obtenção da informação bancária, não podemos deixar de realçar, que apenas em 24/09/2009 tenhamos recepcionado os elementos relativos às contas bancárias tituladas, ou co-tituladas por F..., no Banco Santander.

Em relação à Caixa Geral de Depósitos ainda não recepcionámos qualquer elemento, excepto, e também apenas em 24/09/2009, a identificação de um conjunto de contas treze contas bancárias tituladas ou co-tituladas por F....

Neste particular, não podemos deixar de assinalar a extraordinária morosidade da Caixa Geral de Depósitos e do Banco Espírito Santo na invocação do sigilo bancário que vieram a reclamar.

Em relação ao Banco Espírito Santo, após termos recepcionado uma informação prestada por esta instituição, em 16/04/2009, identificando um conjunto de contas tituladas por F..., informámos os Serviços do Ministério Público da necessidade de solicitar à referida entidade, extractos bancários e respectivos documentos de suporte das contas em questão. Não tendo à Administração Fiscal chegado entretanto qualquer elemento, fomos informados a esse respeito que o Banco Espírito Santo tinha invocado o segredo bancário, vários meses, portanto, após o primeiro pedido formulado pelo Ministério Público, pelo que continuamos a aguardar.

Embora não tendo na nossa posse todos os elementos bancários, os factos que se seguem resultam da análise aos elementos recepcionados, tendo estes sido suficientes para tornar ainda mais evidente a prática omissiva, revelando ainda um conjunto de elementos relativos à actividade paralela de um conjunto de empresas clientes da E... e sociedades armazém, firmando ainda a necessidade, na esfera do titular destas contas, e de quem delas fazia uso, de promover as necessárias correcções fiscais, que neste relatório são elaboradas.

Os elementos bancários não poderiam ser mais claros, já que traduzem a materialização financeira da prática evasiva desencadeada pelos responsáveis da E... e das sociedades comerciais, ao deixarem indelével a constatação de que, pelo menos uma parte do produto das omissões praticadas, por nós já anteriormente relatadas e quantificadas, era canalizado para as contas bancárias que a seguir apresentaremos, e que tinha depois diversos destinos, como veremos.

Não é no entanto possível, naturalmente, aferir qual o destino que foi dado aos valores recebidos e não declarados, ficando evidente, pela sua análise que para além destas contas, o mesmo poderá ter sido canalizado para as contas bancárias ainda não recepcionadas, para contas bancárias em nome de terceiros, ou ainda, simplesmente, um qualquer outro destino, dado que a maior parte destes negócios eram transaccionados em “dinheiro vivo”, ou seja, em numerário, cuja posterior utilização podia ser a mais diversa possível.

Veja-se, por exemplo, que o documento apresentado no ponto III.1.1.7 do presente relatório, evidencia omissões nas vendas da sociedade N…, no período de Janeiro a Agosto de 2005, de 293.257,47 €, enquanto os depósitos realizados por Maria…, funcionária da N.., no mesmo período, em contas bancárias tituladas por F..., ascenderam a 213.951,18 €.

Este dado, além de demonstrar que algum do produto obtido com estas operações omitidas fiscalmente, poderia não ser dirigido às contas bancárias a que tivemos acesso, vem ainda reforçar a evidência de que as omissões decorreram por todo o ano de 2005.

[…].”

III.1.1.9.5 – Conclusão à análise das contas bancárias do Administrador da E..., F...

Conclui-se da análise às contas bancárias particulares de F..., para além das avultadas entradas, consubstanciadas num elevado volume de depósitos efectuados por funcionários da E..., mas que se encontravam igualmente ao serviço das sociedades armazém, quer de elevadas quantias em numerário, quer de cheques emitidos por titulares pertencentes a sociedades clientes destas, que de facto estes montantes traduzem uma prática de fraude fiscal, assente num conjunto de omissões à Administração Fiscal, furtando-se os seus autores ao pagamento dos impostos que seriam devidos pelas verdadeiras transacções realizadas.

Os valores recebidos não foram objecto de reclamação, dado ter ficado completamente afastada a possibilidade destas contas funcionarem como contas de passagem. Nelas eram depositados, salvo alguma admissível excepção, valores que, traduzindo vendas realizadas pelas sociedades, não foram objecto de declaração, tendo-se provado que os valores declarados eram directamente depositados nas contas das sociedades.

Apesar de se tratar de contas pessoais, os extractos eram enviados ao cuidado das sociedades, outro facto que claramente afirma a sua correlação com a actividade (paralela), destas.

Os valores eram utilizados a título pessoal, para realizar suprimentos e prestações suplementares, mormente na E..., e bem como, para serem levantadas elevadas quantias ao balcão por parte de funcionários.

Ficou provado que o valor dos cheques emitidos por terceiros, correspondia à diferença entre o valor mais elevado de emissão da factura, e o respectivo valor pelo qual a mesma foi contabilizada, comprovando-se que esse diferencial correspondia ao valor que, tendo sido retirado da factura, representou a parte que não foi declarada.

Face a estas evidências, torna-se claro que não colhe, de maneira alguma, o argumento de que as entradas nas contas bancárias do Administrador respeitassem a dinheiro que lhe era emprestado por várias pessoas, embora uma coisa seja verdade, a de que efectivamente provinham de diversas entidades, mas por outros motivos profusamente demonstrados.

Os recebimentos em numerário poderiam ou não, como é evidente, serem depositados, e além disso, não tivemos acesso a todas as contas tituladas por F....

Por fim sublinha-se que todas estas contas, praticamente deixaram, ou deixaram mesmo, de ser movimentadas, após acção de recolha de elementos efectuada na E..., em Dezembro de 2007.

21 – A Inspeção Tributária ouviu em declarações clientes da E... e das sociedades armazéns, cujos depoimentos se encontram a fls. 75 a 83 e cujo teor se tem por reproduzido.

22 - A Inspeção Tributária procedeu à audição e inquirição de funcionários da E... e das sociedades armazéns, do administrador J… e dos sócios e gerentes da A…, J… e F…, cujos depoimentos se encontram a fls. 84 a 102 e cujo teor se tem por reproduzido.

23 – Sob a epígrafe “Suprimentos, Prestações Suplementares e Capital”, do relatório da inspeção tributária consta o seguinte:

Ao longo do exercício de 2005, F... efectuou suprimentos na sociedade E..., no montante de 348.000,00 €.

Em 28/12/2005, a conta de suprimentos é debitada, por 194.191,92 €, valor este que é restituído ao Administrador mas apenas em 03/05/2006, para a conta BES nº 679010560001, titulada por F... a que não tivemos acesso, ficando a conta de suprimentos com um saldo em 31/12/2005 de 324.126,39 €.

Por seu lado a conta 53101 – Prestações suplementares de F..., iniciou o exercício de 2005 com um saldo credor de 805.808,08 €, relativo a prestações realizadas pelo accionista.

Em 28/12/2005 esta conta é debitada, sendo devolvidas as prestações suplementares ao accionista, mas em que a transferência bancária apenas ocorre em 03/05/2006, sendo o valor transferido para a referida conta a que não tivemos acesso.

No dia 28/12/2005 ocorre um aumento de capital da E... , sendo a conta 51-Capital-F… creditada por 825.000,00 €, ficando com um saldo final de 1.425.000,00 €.

Em 03/05/2006 sucede uma transferência bancária para a E..., a partir da conta de F... também já identificada.

Em 29/11/2007, o saldo de suprimentos é transferido para Prestações Suplementares, documentados por dois documentos gerados internamente, que sugerem a devolução de suprimentos ao accionista e subsequente entrega por parte deste, do mesmo montante, para a realização de prestações suplementares.

Contudo, cotejando o extracto da conta de suprimentos e respectivas cópias dos talões de depósito, e os cheques, parte dos suprimentos foram concretizados através de cheques emitidos das contas bancárias anteriormente analisadas, nomeadamente a conta no Millennium 224120829, titulada por F..., mas cujo nome que surge no cheque é António…, ex sócio e Administrador da E... e sócio gerente das sociedades armazém, as contas nºs 14369071101 e 14369297101, ambas do Banco, a conta 26146652101 do …banco e bem como, a conta Banco… 10150018, que tem como primeiro titular F…, à data, sócio da sociedade A….

Inclusivamente uma transferência de 160.000,00 €, de um depósito a prazo, liquidado para a conta do BPN nº 14369184, cujo extracto era enviado para a N..., foi utilizada para a realização de suprimentos na E....‖

24 - Das ações inspetivas à sociedade E... e às sociedades armazém, concluiu-se, no relatório de inspeção tributária, o seguinte:

“[…]

1) Recolha do sistema informático dos sujeitos passivos, cuja análise demonstrou terem os mesmos realizado um significativo volume de operações em que alteraram os valores da factura, após esta ter sido emitida, evidenciando a materialidade das omissões praticadas por estes.

2) A análise a outros documentos informáticos, que confirmaram elevados valores de omissões praticadas pelas sociedades.

3) Esta forma de actuação sucedia com todas as sociedades que operavam como comerciais da E..., e que eram geridas de facto por F... e por J…, num esquema concertado e planeado de evasão fiscal, iniciado a montante na E... e a jusante nestas sociedades comerciais.

4) A análise às contas bancárias particulares do Presidente do Conselho de Administração da E..., detendo praticamente a totalidade do seu capital, e sócio gerente das sociedades armazém, e nelas sendo o seu principal sócio, em que foram detectados avultados valores depositados nas suas contas, quer em cheque quer em numerário, em que, quer pelos depositantes, funcionários das sociedades, quer pelos emitentes dos cheques, sócios e gerentes de sociedades clientes das ora inspeccionadas, fica patente estarem esses valores associados à actividade paralela das sociedades, e cujos montantes depositados eram posteriormente, ou levantados ao balcão por funcionários da E..., ou introduzidos na sociedade a título de suprimentos ou prestações suplementares, ou ainda canalizados para outras contas bancárias.

5) A confirmação de que os cheques que eram emitidos a partir de contas particulares de sócios e gerentes de sociedades clientes, depositados em contas particulares de F..., correspondiam efectivamente a omissões nas vendas destas.

6) A confirmação de que esses cheques correspondiam à efectiva diferença entre o valor mais elevado de emissão da factura, e o valor para o qual a mesma havia sido diminuída, este último correspondendo ao que era contabilizado.

7) Depoimentos vários de clientes que confessam terem efectuados compras às sociedades visadas, em que o valor inicial da factura foi alterado com vista a ocultar o verdadeiro valor da operação.

8) A obtenção física de facturas adulteradas, que se encontravam na posse de terceiros, emitidas pela E... e em que se provou que essa alteração de facturas compunha de facto omissões nas vendas praticadas por estas”.

[destaques originais]

25 – No que tange às correções em sede de IRS, no relatório de inspeção tributária consta, entre o mais, o seguinte:

“[…]

Conforme ficou amplamente demonstrado, uma parte significativa dos montantes que resultavam dos ilícitos praticados, era depositado em contas bancárias tituladas por F..., e por este movimentados de acordo com a sua vontade, dispondo livremente dessas verbas, subtraindo-as às sociedades e utilizando-as em benefício próprio.

Neste contexto, face à proveniência do valor que era depositado nas contas particulares de F..., estamos perante um rendimento de Capitais, designadamente um adiantamento por conta de lucros, nos termos da alínea h) do nº 2 do artigo 5º do CIRS, que, relativamente ao exercício de 2005, deveria ser declarado para efeitos fiscais, na declaração de IRS do seu beneficiário, e, que, por força da entrada em vigor do Decreto-Lei 192/2005, de 7 de Novembro, e ainda nos termos da alínea c) do nº 3 do artigo 71º do CIRS, passou a estar sujeito, a partir de 2006, a retenção na fonte à taxa liberatória de 20%, ficando as sociedades devedoras deste montante, e com a obrigação de o entregar ao Estado, com opção pelo englobamento, nos termos do artigo 40º-A do CIRS, por parte de beneficiário.

Para cálculo dos valores de adiantamento auferidos por F..., considerámos apenas os depósitos de numerário efectuados por funcionários da E..., que igualmente prestavam serviço às sociedades N…, Z…, F… e A… e por funcionários exclusivos destas sociedades, e os depósitos de cheques de particulares associados a empresas de alumínio ou de outro ramo similar, concretizados nas contas identificadas como servindo para absorver o produto das omissões da E... e sociedades armazém e depositados pelos funcionários supra identificados.

Não foram considerados os depósitos efectuados noutras contas.

Excluíram-se assim os depósitos realizados em contas tituladas por F..., que não foram identificadas como estando associadas às omissões no ramo dos alumínios.

Foram inclusivamente excluídos depósitos efectuados em 2005, de cheques de particulares associados a empresas de construção civil, mas em que o depositante, embora sendo funcionário de outras sociedades detidas por F..., não se encontrava ao serviço das sociedades E... ou sociedades armazém.

Também não foram considerados os depósitos que, embora realizados por funcionários da E... ou das sociedades armazém, não correspondia à tipologia identificada.

Em relação às contas do BPN, identificadas como estando a ser utilizadas para absorver parte do produto das omissões nos alumínios, circunstância que é reforçada pelo facto de, pese embora se tratarem de contas particulares, não declaradas na sociedade, os extracto eram remetidos para a morada destas e ao seu cuidado, não recepcionámos uma parte muito significativa de documentos de suporte das operações bancárias e financeiras.

Contudo, o extracto destas contas permite a distinção dos depósitos de numerário, situação em que os mesmos foram igualmente considerados nos adiantamentos por conta dos lucros. Já uma parte dos cheques depositados nestas contas não foram considerados, dado não termos tido acesso aos mesmos, nem tão pouco ao titular da conta de onde estes provinham.

[…]

Termos em que se promove a seguinte correcção em sede de IRS ao ano de 2005:

[…].”

Ano Depósito Numerário Depósito de Cheques Total Depósitos Despesas confidenciais na E... Adiantamentos por conta de lucros
2005 409.631,31 291,991,21 701.622,52 243.163,16 458.459,36 a)

a) apenas é objecto de englobamento 50% deste valor, nos termos do artigo 40º-A do CIRC, na redacção em vigor à data a que se reportam os factos.”
26 – Os Impugnantes foram notificados do Projeto de Relatório da Inspeção Tributária, para, querendo, exercer o direito de audição, não o tendo feito – cfr. fls. 121 do relatório final de inspeção.
27 - O relatório de inspeção tributária foi notificado aos sujeitos passivos, em 27.11.2009 – cfr. aviso de receção de fls. 34 do processo de reclamação graciosa apenso.
28 - Foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º 5334981836, referente ao ano de 28005, no montante de 98.665,21 € que, após o respetivo estorno, originou imposto a pagar no valor de 91.691,86 €, acrescido de juros compensatórios no montante de 12.962,46 €, o que perfaz o montante de 104.654,32 € - cfr. fls. 23 do processo de reclamação graciosa apenso.
29 – Os documentos referidos no ponto 28 foram remetidos aos Impugnantes sob registo, com data de 09.12.2009 – cfr. fls. 24 do processo de reclamação graciosa apenso.
30 - A Impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação, que foi autuada sob o n.º 342520100400097.8 – cfr. processo de reclamação graciosa apenso.
31 – No âmbito do procedimento de reclamação graciosa, foram os reclamantes, ora Impugnantes, notificados para exercer o direito de audição – cfr. fls. 130 a 141 do processo de reclamação graciosa apenso.
32 – Por despacho do Sr. Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Braga, datado de 09.09.2010, foi o projeto de decisão convertido em definitivo e a reclamação totalmente indeferida – cfr. fls. 142 do processo de reclamação graciosa apenso.
33 – Por ofício, datado de 21.09.2010, foi enviada ao mandatário dos Impugnantes a nota de notificação de fls. 144 do processo de reclamação apenso.
34 - Em 08.10.2010, deu entrada, no Serviço de Finanças de Braga II, a petição inicial que deu origem aos presentes autos de impugnação judicial – cfr. fls. 2 dos autos.

3.2. Factos não provados:
Para além dos supra referidos, não foram provados outros factos com relevância para a decisão da causa.

Motivação da matéria de facto dada como provada:

A convicção do Tribunal alicerçou-se no teor dos documentos constantes de processo administrativo, processo de reclamação graciosa apenso e demais documentos constantes dos autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido. “



II.2 Do Direito

II.2 Do erro de julgamento

II.2.1 Os agora Recorrente insurgem-se contra a sentença recorrida, alegando, entre outros fundamentos, a existência de uma nulidade no procedimento inspectivo por preterição de formalidades legais consubstanciada na inexistência de notificação do despacho do levantamento do sigilo bancário sobre elementos bancários pessoais do impugnante marido, o aqui Recorrente F.... E que o Tribunal errou na sua decisão ao considerar que, uma vez ordenado o levantamento do sigilo bancário no âmbito do processo de inquérito, para apuramento de factos susceptíveis de integrar a prática de crime de fraude fiscal qualificada, nos termos do artigo 135º,nº 3 do Código de Processo Penal, ordenado está o levantamento do sigilo bancário relativamente às contas tituladas pelo Recorrente para todo o tipo de processo. E que está legalmente vedado a sua utilização de tal decisão, quer pelo artigo 78º, como pelo artigo 79º, ambos do Regime geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (R.G.I.C.S.F.), como o artigo 63º, nº 2 da LGT dispõe que o acesso a informações e documentos bancários no âmbito de uma acção inspectiva depende de autorização judicial, nos termos legais. E apesar de, nos termos do artigo 63º-B e do artigo 63º, ambos da LGT, a Administração ter o poder de aceder a informações e documentos bancários, em derrogação do sigilo bancário, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, mas sempre dependendo de autorização judicial. Autorização que não foi suscitada no Âmbito da acção inspectiva, tal como é inexistente qualquer despacho proferido no sentido da derrogação do sigilo bancário, inexistindo qualquer decisão fundamentada da administração tributária devidamente notificada aos aqui recorrentes. (Conclusões V. a MM.)

A sentença apreciou a questão agora em recurso, como se transcreve:” 4.3. Da ilegalidade do procedimento inspetivo por preterição de formalidade essencial consubstanciada na inexistência de notificação do despacho de levantamento do sigilo bancário,

Segundo a versão dos Impugnantes, o relatório de inspeção tributária assenta em prova ilicitamente obtida, na medida em que inexiste notificação do despacho dando conta da intenção do levantamento do sigilo bancário.

Apreciando,

A L.G.T. consagra o princípio da liberdade da prova no procedimento tributário dispondo que o órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito [cfr. artigo 72.º da L.G.T.]. Também o C.P.P.T. dispõe de norma similar no artigo 50.º prevendo que o órgão instrutor possa utilizar todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar atas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspeções oculares.

No caso em apreço, os elementos bancários solicitados pela Administração Tributária afiguravam-se necessários para esta pudesse formar a sua convicção.

Conforme preceitua o artigo 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, doravante R.G.I.C.S.F., aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro e sujeito a inúmeras alterações, os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, seus empregados, mandatários, cometidos e outras pessoas que lhes prestem serviços não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações destas com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação de serviços. Aqui reside o sigilo bancário.

O direito ao sigilo, embora com cobertura constitucional na vertente de direito à reserva da intimidade da vida privada [cfr. artigo 26.º, n.º 1 da C.R.P.], não assume a natureza de direito absoluto, tendo de ceder perante outros valores ou interesses constitucionalmente protegidos, cuja tutela imponha o acesso a informações cobertas pelo sigilo bancário.

Segundo o disposto no artigo 79.º, n.º 1 do R.G.I.C.S.F., os factos ou elementos cobertos pelo segredo só podem ser relevados mediante autorização do cliente, transmitido à instituição. Fora deste caso, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições; à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições; ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, no âmbito das respetivas atribuições; às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal, à administração tributária, no âmbito das suas atribuições ou quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo [cfr. n.º 2].

No direito tributário, segundo dispõe o artigo 63.º, n.º 2 da L.G.T., o acesso a informações e documentos bancários no âmbito de uma ação inspetiva, em regra, depende de autorização judicial. Porém, excecionalmente, a lei admite a derrogação do dever do sigilo bancário, por parte da Administração Tributária, sem dependência daquela autorização, como sucede nos casos previstos no artigo 63.º-B da L.G.T., que de seguida se transcreve:

¯Artigo 63.º-B

1. A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependências do consentimento do titular dos elementos protegidos:

a) Quando existam indícios da prática de crimes em matéria tributária;

b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível;

c) Quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º;

d) Quando se trate da verificação de conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada;

e) Quando exista a necessidade de controlar os pressupostos de regimes fiscais privilegiados de que o contribuinte usufrua;

f) Quando se verifique a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88.º, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta.

g) Quando se verifique a existência comprovada de dívidas à administração fiscal ou à segurança social.

2. A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder directamente aos documentos bancários nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte.

[…] ‖.

Nestes termos, o acesso à informação bancária, por parte da Administração Tributária, far-se-á, por via de regra, através do procedimento previsto no artigo 63.º-B da L.G.T. Todavia, conforme preceitua o n.º 9 do artigo 63.º-B, ¯[o] regime previsto nos números anteriores não prejudica a legislação aplicável aos casos de investigação por infracção penal‖.

No caso em apreço, da ação inspetiva levada a cabo às empresas E... S.A., N…, LDA., F…, LDA., Z…, LDA. e A…, LDA., surgiram suspeitas da prática do crime de fraude fiscal qualificada, tendo sido instaurado, pelo Núcleo de Investigação Criminal da Direção de Finanças de Aveiro, o processo de inquérito n.º 20/08.7IDAVR, no âmbito do qual foi solicitada e autorizada, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, a quebra do sigilo bancário, ao abrigo do procedimento previsto no artigo 135.º, n.º 3 do C.P.P.

Assim, ao contrário do alegado pelos Impugnantes, o recurso à informação bancária foi efetuado de forma lícita, mediante o procedimento legalmente previsto, não tendo os Impugnantes que ser notificados da decisão de derrogação do sigilo. (…)”

Apreciemos.

O procedimento administrativo de liquidação tributária tem a sua tramitação própria, a que deve obedecer, mormente para permitir o respeito dos direitos processuais de todos os intervenientes, mas ainda para salvaguarda do direito à segurança e certeza jurídica, valor de ordem pública, no qual estão interessadas, não só as partes, mas o Estado também. É sabido que a liquidação, em sentido estrito, é a última fase do processo administrativo de liquidação tributária. O procedimento administrativo de liquidação tributária, porém, é constituído por uma série de actos combinados entre si, destinados a obter um resultado jurídico final, ou seja, o montante do imposto que o contribuinte tem de entregar nos cofres do Estado. Portanto, a liquidação, hoc sensu, é a fase que se traduz na aplicação da taxa do imposto à matéria colectável já determinada – cf. a este respeito, por todos, v. g., o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 13-4-1988, na Ciência Técnica e Fiscal n.º 351, p. 511.

É também da própria essência do procedimento administrativo tributário que se pratiquem ao longo dele actos preparatórios, lógica e cronologicamente interligados e dirigidos à concretização do acto final de liquidação. Em princípio, tais actos preparatórios, porque não são a decisão final, não podem ser autonomamente impugnáveis; poderão ser postos em causa, sim, mas aquando da eventual impugnação que seja feita do acto definitivo (final), de que são antecedente lógico e cronológico. Dado que o acto administrativo é uma estatuição de autoridade com efeitos externos, compreende-se que não sejam recorríveis os actos internos (como os pareceres, as comunicações internas dos serviços) e os actos preparatórios, pois nestes casos não existem efeitos externos ou existem apenas efeitos prodrómicos de um acto procedimental que só se torna decisório através do acto conclusivo do procedimento – cf. J. J. Gomes Canotilho, e Vital Moreira, Constituição Anotada, 3.ª edição, 1993, p. 939.

Por regra, o acto de determinação da matéria colectável não é susceptível de impugnação judicial autónoma, só podendo esse acto ser atacado na impugnação que venha a ser proposta do sequente acto de liquidação, processo onde poderá ser invocada qualquer ilegalidade ocorrida na fase de determinação da matéria colectável.
Hoje, o princípio da impugnação unitária encontra-se formulado no artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se dispõe como segue: “Salvo quando forem imediatamente lesivos do direito do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os acto interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida” – na senda do que se encontrava já claramente estabelecido no artigo 89.º do Código de Processo Tributário, e, aliás, havia já tido acolhimento na redacção que o Decreto-Lei n.º 198/90 de 19-6 tinha dado ao artigo 86.º do Código do IVA, como, depois, veio a acontecer também na redacção dos artigos 70.º do Código do IRS, e 55.º do Código do IRC.

No presente caso, os Recorrentes afirmam que os elementos que suportam a liquidação do IVA de 2005 resultam de documentos obtidos no inquérito criminal a que foram sujeitos, não tendo existido no procedimento tributário qualquer notificação aos interessados da derrogação do sigilo bancário, nem qualquer despacho fundamentado nos termos do artigo 63ºB da LGT, para, nos termos legais, poder existir a competente notificação para que, se assim o entendessem a pudessem em tribunal refutar.

E por assim se verificar o procedimento tributário encontra-se eivado de vício de preterição de formalidades legais.

Em suma, importa determinar se, existindo já derrogação do sigilo bancário em sede criminal, era possível utilizar os documentos obtidos a coberto de tal derrogação como elementos do relatório inspectivo que fundamentou a liquidação de IRS impugnada nos autos, ou, como defendem os Recorrentes, indispensável para tal era a existência de procedimento autónomo de derrogação do sigilo bancário, em sede de procedimento tributário.

O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo já firmou jurisprudência sobre tal questão, em 16.09.2015, no aresto 099/15, cujo Sumário aqui parcialmente se transcreve:

“(…) III - Pese embora a AT, nos casos referidos no n.º 1 do art. 63.º-B da LGT e no âmbito de um procedimento de inspecção, possa aceder directamente à informação e documentação bancária coberta pelo dever de sigilo sem dependência do consentimento do titular dos interesses protegidos e sem necessidade de audiência prévia deste, faculdade que o legislador entendeu pertinente à descoberta da verdade (e, assim, um instrumento em ordem a permitir à AT cumprir a sua obrigação funcional de prosseguir os valores da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos que informam a constituição fiscal), não poderá fazê-lo à margem do procedimento que o legislador estabeleceu no mesmo artigo, designadamente no que respeita à fundamentação da decisão de quebrar o segredo bancário e sua notificação, ao recurso dessa decisão, seu efeito e destino dos elementos de prova assim colhidos no caso de deferimento desse recurso (cfr. n.ºs 3, 5 e 6, respectivamente).

IV - A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária – que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo – não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito.


V - A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no art. 63.º-B da LGT, maxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa.”

No presente caso, de acordo com o acabado de expor, a AT não estava vedada a utilizar a informação bancária proveniente do processo criminal, todavia teria de ter desencadeado o procedimento do artigo 63ºB da LGT, explicitando os fundamentos através de uma decisão fundamentadora da quebra do sigilo, para que os aqui Recorrentes, querendo, a pudessem sindicar judicialmente.

Ora, como resulta dos pontos 10. e 11. da matéria dada como provada, apenas em sede de inquérito criminal existiu derrogação do sigilo bancário, sendo inexistente qualquer notificação em procedimento tributário.

Como se afirmou no acórdão do Pleno, acima citado: “Acontece, porém, que os indícios de incumprimento dos deveres dos contribuintes podem resultar de elementos recolhidos em sede de processo criminal, designadamente através da derrogação do sigilo bancário efectuada no inquérito, e cujos elementos tenham sido, por isso, comunicados à AT pela autoridade judicial competente ou de que a AT teve conhecimento através dos seus próprios órgãos, na medida em que, em sede de inquérito originado pela notícia de um crime tributário, os poderes e as funções que o Código de Processo Penal (CPP) atribui aos órgãos de polícia criminal cabem aos órgãos da AT [cfr. art. 40.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT)].

Nessas situações em que no âmbito do inquérito criminal a autoridade judicial competente decidiu quebrar o sigilo bancário, suscita-se a questão de saber se a AT pode utilizar a informação bancária assim obtida, na medida em que ela evidenciar ou indiciar uma situação de eventual fraude ou evasão fiscais e, na afirmativa, em que condições; dito de outro modo, suscita-se a questão de saber se a prova obtida em sede de inquérito com acesso a documentação bancária ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 79.º do RGICSF pode ser utilizada em sede de procedimento tributário.

Como ficou já dito, os tribunais tributários têm vindo a afirmar, e bem, que a derrogação do sigilo bancário pela AT não pode ocorrer senão em sede de procedimento de inspecção.
Assim, a AT, não podendo ignorar os elementos bancários do contribuinte relativamente aos quais tenha sido quebrado o sigilo bancário no âmbito do inquérito criminal e de que tenha adquirido legitimamente conhecimento, não pode, sem mais, utilizá-los.

Parafraseando o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 515/14 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 2103 a 212, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4b456510a9b638e480257d0000366420.), a menos que no processo crime tenha havido julgamento e tenham sido fixados factos que, constantes de decisão transitada em julgado, poderão ser utilizados como prova por parte da AT (cfr. n.º 9 do art. 63.º-B da LGT), no caso de arquivamento do processo-crime os elementos dele constantes apenas poderão ser utilizados pela AT como factos indiciários de uma determinada realidade, eventualmente subsumível à previsão de alguma das alíneas do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT. Neste último caso, não só porque o processo criminal não prosseguiu para julgamento e, por isso, não foi facultada ao interessado a possibilidade de aí sindicar os elementos de prova recolhidos no inquérito, como também, e decisivamente, porque os elementos bancários foram obtidos mediante as regras processuais penais aplicáveis no âmbito do inquérito criminal – justificadas pelos fins próprios deste processo – e não para fins tributários e ao abrigo das regras tributárias. Ora, são os diferentes interesses visados pela possibilidade de derrogação do segredo bancário pelas autoridades judiciárias no processo penal e por idêntica possibilidade pela AT que justificam os diferentes procedimentos a seguir num e noutro caso. Tanto mais que a justificação para que aí tenha sido quebrado o segredo pode não valer para justificar a quebra do mesmo segredo para fins tributários.
A utilização desses elementos para fins tributários sempre exigirá que a AT desencadeie o procedimento de derrogação do segredo bancário previsto no art. 63.º-B da LGT, assegurando ao visado a possibilidade de interpor recurso judicial da decisão administrativa que determina o acesso à informação bancária (cfr. o n.º 5 do mesmo artigo) e, assim, garantindo o princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais [cfr. art. 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)].

Assim, caso a AT pretenda valer-se dos elementos cobertos pelo segredo bancário que foram recolhidos em sede de inquérito criminal, sempre deverá observar o procedimento prescrito no art. 63.º-B da LGT, ou seja, deverá dar início a um procedimento inspectivo, proferir decisão (da competência exclusiva do Director-Geral da ATA) fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, notificar essa decisão ao visado, a fim de permitir-lhe dela interpor recurso, que, em caso de procedência, determina a impossibilidade de utilização dos elementos de prova obtidos para qualquer efeito em desfavor do contribuinte, tudo nos termos já referidos.

A não ser assim (a menos que os elementos bancários sejam obtidos com o consentimento – que deverá ser expresso – do interessado ou que seja este a fornecer esses elementos), não estaria assegurado o direito do interessado impugnar a decisão administrativa de derrogação do segredo bancário, com manifesto prejuízo dos seus direitos, constitucionalmente protegidos, de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada (art. 20.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 2, da CRP).

(…)”

É certo que, no presente caso, o inquérito criminal se encontra suspenso, nos termos do nº 1 do artigo 47 do RGIT a aguardar a decisão proferida na presente impugnação, mas não deixa de relevar que o aqui Recorrente ainda não foi ouvido quanto a tal derrogação, e que, como se afirmou no acórdão agora transcrito, são diferentes os interesses visados pela possibilidade de derrogação do segredo bancário pelas autoridades judiciárias no processo penal e por idêntica possibilidade pela AT que justificam os diferentes procedimentos a seguir num e noutro caso. Tanto mais que a justificação para que aí tenha sido quebrado o segredo pode não valer para justificar a quebra do mesmo segredo para fins tributários. A utilização desses elementos para fins tributários sempre exigirá que a AT desencadeie o procedimento de derrogação do segredo bancário previsto no art. 63.º-B da LGT.
Decorre de todo o exposto, que não tendo o agora Recorrente sido notificado nos termos do artigo 63ºB da LGT, quanto aos elementos obtidos com a derrogação do sigilo fiscal, e tendo invocado tal ilegalidade após a notificação da liquidação, ocorreu uma preterição de formalidades legais, que eiva de ilegalidade a liquidação impugnada.
Procedendo as presentes conclusões de recurso, encontram-se prejudicadas as restantes questões suscitadas.
Destarte, é de conceder provimento ao recurso interposto, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se procedente a impugnação judicial.

III. Decisão

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial.

Custas a cargo da Recorrida, não sendo devida a taxa de justiça, por não ter contra-alegado.

Porto, 12 de Abril de 2018

Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves