Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00597/14.8BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/19/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL - ACIDENTE DE VIAÇÃO – MANCHAS DE ÓLEO - PRESUNÇÃO DE INCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DE SEGURANÇA - ARTIGO 12º DA LEI Nº. 24/2007, DE 18.07.
Sumário:I- A Lei n.º 24/2007, de 18 de julho, veio definir direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares.

II- A imposição de assegurar as condições de segurança em lanço rodoviário concessionado integra uma obrigação reforçada de meios.

III- Só o “caso de força maior devidamente verificado” exonera a concessionária da sua obrigação de garantir a circulação nas autoestradas em condições de segurança, pelo que, para afastar a presunção de culpa estabelecida no mencionado art. 12º,nº. 1, al. c) da Lei nº 24/2007, terá a concessionária de provar a ocorrência de um acontecimento concreto que integre o conceito de força maior, ou seja, de um “acontecimento imprevisto e irresistível cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária”.

IV- Tendo-se apenas apurado que, no dia do acidente, os funcionários da Ré efetuaram vários patrulhamentos na A11, não tendo detetado nas vias quaisquer manchas de gordura, é para nós absolutamente insofismável que não logrou a R. provar qualquer factualidade de onde se possa concluir que a existência da mancha de óleo era imprevisível e se se deveu a casos de força maior, e, por conseguinte, não foi ilidida a presunção de incumprimento que sobre si impendia relativamente ao aludido dever de vigilância. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A., S. A.
Recorrido 1:A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
A., S. A., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel promanada no âmbito da Ação Administrativa Comum intentada por A., também com os sinais dos autos, que, em 15.11.2018, julgou a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a Ré, aqui Recorrente, no pagamento à Autora, aqui Recorrida, da quantia global de € 5,548,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, mais condenando, solidariamente, a interveniente S., S.A. a suportar a quantia que exceda o montante de franquia.
Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“I. É extremamente surpreendente (pela negativa, entenda-se) a circunstância de o tribunal a quo ter ignorado olimpicamente a confissão expressa da A. e especificadamente aceite pela R. que o veículo transitava no momento do sinistro a uma velocidade “não superior a 90 km horários”, num local onde a velocidade máxima instantânea permitida era tão-só de 40 kms/h (e desde que com bom tempo, coisa que não acontecia na altura), bem como o facto de ter avançado com a não menos surpreendente conclusão de que essa “expressão” não conflitua com a declaração de parte produzida na audiência final (e esta, convenhamos, não deixa de ser interessada num desfecho favorável da ação, como p. ex. se pode concluir da leitura do ac. da RP de 20.06.2016, relatado por Manuel Domingos Fernandes, respeitante ao proc. n° 2050/14.0T8PRT.P1 e consultável em www.dgsi.pt - e isto já nem sequer falando no depoimento de A-. que, de forma muito esclarecedora, o Ilustre mandatário da A. classificou como “mais ou menos credível”) de que alegadamente afinal o veículo rodava a “menos de 40 Kms/h”;
II. Na verdade, é evidente que a sentença - de forma incompreensível, aliás - não atentou devidamente em tudo aquilo o que de relevante nos oferece o processo (este e o anterior onde ocorreram as citadas confissão e aceitação da confissão de que não se pode fugir) para este fim, muito em especial a atividade processual das partes, e particularmente aquela da A., que p. ex. “esqueceu-se” de lançar mão do disposto no artigo 99° n° 2 do C. P. C. para, face a uma declaração de incompetência em razão da matéria por parte da jurisdição comum, aproveitar os articulados produzidos pelas partes, aproveitando antes para deixar “cair” essa alegação e “trocá-la” antes por uma outra onde apenas se limita a “mexer” no quantitativo (40 km/h), mas, curiosamente, mantendo intacta aquela “expressão” “a uma velocidade não superior a ... “ que no fim de contas acabou por servir à sentença para “conformar” a primeira e confessada alegação de velocidade a uma declaração de parte agora produzida que retira àquela alegação inicial “somente” mais de metade do seu quantitativo em termos de velocidade;
III. Ora, e ademais da violação evidente do disposto nos artigos 46°, 279° n° 3, 421° n° 1 e 465°, estes do Cód. Proc. Civil, mas também nos artigos 335° n° 3 e 358° n° 2 do Cód. Civil por parte da sentença, ou seja, da “negação” de uma confissão extrajudicial com força probatória plena, isto não é minimamente correto, não só no que à interpretação do direito se refere, mas ainda no que à boa interpretação da língua portuguesa concerne, na medida em que é indiscutível (e, de resto, até para a A. foi, dado que mudou a sua alegação, recorde-se) que aquela “expressão” - “a uma velocidade não superior a 90 km horários” - significa que o veículo não excedia no momento do acidente a velocidade de 90 Km/h, mas também quer dizer que circulava àquela velocidade de 90 Kms/h nessa altura;
IV. Por todas essas razões, sobretudo as legais (confissão e aceitação dessa confissão), mas também as de interpretação da língua portuguesa, e com base ainda na experiência comum, na normalidade do acontecer (mesmo no que se refere à impossibilidade de verificação de qualquer razão plausível que justifique a produção de danos com um valor de “cerca de 5000,00” (?!!!) para um veículo que alegadamente rodava “a uma velocidade não superior a 40 km horários”), defende a R. que deve ser expurgado do rol dos factos não provados os n°s. 1 e 2 e em contrapartida ser dado como provado o que segue (aproveitando a redação da sentença):
- 3) E circulava na respetiva faixa de rodagem, e seguia a uma velocidade de 90 km/h, e pela única via ali existente, atento o sentido de marcha;
- 3 a) A autora tripulava o veículo completamente desatenta e imprimia velocidade que claramente excedia a velocidade de 40 kms/h;
V. Também errou a sentença ao considerar não provado que chovia intensamente no momento do acidente (e isto quer no que se refere ao n° 3 dos factos não provados, quer no que respeita ao n° 8 dos factos provados), pois que é nítido que é isso que resulta inequivocamente da participação de acidente de viação que foi junta à p. i. como doc. n° 1, sendo ainda de acrescentar - e, aliás, não se esperava que fosse de outra forma - que se pode concluir do depoimento transcrito do militar da GNR, S., autor dessa participação, que a dita informação de “Chuva intensa” teve por base aqueloutra prestada pela motorista nesse mesmo sentido e que, obviamente, se reportava ao momento do acidente a que o militar (obviamente também) não assistiu. Vale isto por dizer que o n° 3 deve ser retirado dos factos não provados e acrescentado que chovia intensamente ao n° 8 dos factos provados;
VI. Menos compreensível é ainda aquilo a que se decidiu responder positivamente (provado) no ponto 15 do elenco dos factos provados e muito menos que a R. tenha sido condenada em quantia certa (€ 5.000,00) na parte que se refere à reparação do veículo;
VII. Efetivamente, não se vislumbra como é/foi possível, seja qual for o ângulo por que olhemos esta questão, dar como provado que a A. despendeu (?!!!) com a reparação “(...) a quantia global de cerca de € 5000,00”, atendendo, desde logo, a que é indiscutível que não se trata de quantia líquida, liquidada e muito menos certa, depois que o único documento existente (um orçamento) nos autos e, de resto, impugnado, até menciona um valor superior a esse, com o acréscimo de I. V. A. (que, como é evidente, não foi pago e/ou liquidado), mas também que não há (e esta também foi uma declaração da parte que, mesmo que desfavorável, não foi valorizada pela sentença, como se vê), não foi emitida fatura e/ou recibo do pagamento (já para não falar sequer, e também quanto a este ponto, no depoimento “mais ou menos credível” de A-. em que - percebe-se - a sentença também se apoiou para decidir esta matéria de facto desta maneira);
VIII. De modo que não é/era possível decidir, como claramente aconteceu, a “olhómetro”, o que vale por dizer que ou bem que há prova do dano e da respetiva quantidade e então condena-se (sendo o caso que aqui nem sequer é) em quantia certa e líquida e nunca portanto em algo deste género (“cerca de € 5000,00”) ou bem que há apenas prova do dano, mas já não da quantidade, e nesse caso a única solução (legal, sublinhe-se, sob pena de clara violação, como sucedeu, do disposto no artigo 661° n° 2 do C. P. C.) é remeter para incidente de liquidação essa parte com o limite do peticionado a esse título (no caso, € 5.373,34);
IX. Por isso, e quanto a este ponto 15, de acordo com a prova (não) produzida e de acordo também com a lei que o tribunal a quo manifestamente esqueceu, a única solução era/é dar como provado apenas o seguinte:
- 15) O veículo foi reparado, tendo a autora despendido com a reparação quantia não apurada.
Segue-se que
X. É indiscutível que sempre que o lesado contribui culposamente para a produção ou agravamento dos danos o tribunal, com base na gravidade das culpas de ambas as partes, nomeadamente, deve decidir se a indemnização deve ser concedida na totalidade, reduzida ou até excluída (cfr. Cód. Civil, artigo 570 n° 1);
XI. Porém, já assim não sucede quando a responsabilidade se basear (como é o caso - e a sentença do Tribunal a quo di-lo de forma absolutamente indiscutível) numa presunção de culpa/incumprimento, pois então a culpa do lesado exclui muito claramente o dever de indemnizar (vide Cód. Civil, artigo 570° n° 2 e igualmente o disposto no artigo 4° do RRCEEP);
XII. Ora, neste caso, e lembrando o sempre atual Antunes Varela - (in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4a edição, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 92: “Agir com culpa significa atuar, por forma a que, a conduta do agente, seja pessoalmente censurável ou responsável e o juízo de censura ou de reprovação dessa conduta só se pode apoiar no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo.” (itálico nosso) -, é absolutamente indiscutível que existe culpa da A. na produção do sinistro dos autos, seja porque rodava em excesso de velocidade e também (o que é diferente, realce-se) em velocidade excessiva, designadamente para as condições meteorológicas que se verificavam (chuva intensa);
XIII. De sorte que, verificando-se, por um lado, a culpa efetiva da condutora do veículo da A. na produção do sinistro (com base na regra geral presente no artigo 487° do mesmo Cód. Civil) como acontece neste caso, e, por outro, ocorrendo a responsabilização da R./recorrente apoiada numa presunção de culpa (o que a sentença defende inequivocamente), dúvidas não restam que a única solução possível é exatamente a exclusão de qualquer dever de indemnizar por parte da R.;
XIV. Pelo que, e salvo o devido respeito, ocorre também violação da lei, porquanto a douta sentença não respeitou e nem observou o disposto nos artigos 487° n° 2 (particularmente o critério do bonus pater familiae) e 570 n° 2, ambos do Cód. Civil, mas também o artigo 4° da Lei n° 67/2007, de 31 de dezembro;
XV. Para além de que uma semelhante decisão é perigosa, uma vez que dá um claro sinal de “facilitismo”, dando pelo menos a entender que afinal não sobrevém nenhuma consequência pelo facto de se incumprir a lei (civil e estradal, nomeadamente), pela circunstância de haver “dedo” (e culpa) do eventual lesado na produção de sinistros.
Sem prescindir,
XVI. É verdade que com o advento da Lei n° 24/2007, de 18 de julho se procedeu a uma inversão do ónus da prova (que não da ausência de culpa, mas apenas do cumprimento das obrigações de segurança) que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora - insista-se - sempre filiado na responsabilidade extracontratual;
XVII. Todavia, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos n°s. 1 e 2 do artigo daquela lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projeto de lei n° 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de culpa, de incumprimento, de ilicitude ou do que quer que seja em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redação do citado artigo 12° n° 1 seria seguramente outra, bem diferente e seguramente bem mais próxima daquela constante do artigo 493° n° 1 do Cód. Civil;
XVIII. Com efeito, e quanto à dita presunção de culpa, nem tal decorre da referida lei, nem tal resulta da Base LXXIII do DL n° 248-A/99, de 6 de julho, concluindo-se tão-só que com a entrada em vigor da lei citada passou a impender um ónus de prova (com aquelas características) sobre as concessionárias de autoestradas (e nada mais que isso). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer(quis) consagrar uma presunção legal de culpa (cfr. Cód. Civil, artigo 344° n° 1);
XIX. Por outro lado, sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a patrulhar a autoestrada, assim envidando os seus melhores esforços no sentido de assegurar permanentemente a circulação na autoestrada em boas condições de segurança e comodidade, daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como, na realidade, considerou a douta sentença, mormente nos locais de eclosão de acidentes ou onde possa ocorrer um derramamento de substâncias (e estes - (re)lembre-se - devem-se aos veículos que circulam nas AE);
XX. A formulação do artigo 12° n° 1 da citada lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a recorrente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança;
XXI. Ora, no caso dos autos é nítido e indiscutível que a R. satisfez o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente a vigilância da via no local de eclosão do sinistro (cfr. n° 11 dos factos provados);
XXII. Ademais, convirá não esquecer que as ditas obrigações de segurança cuja observância à R. cumpria demonstrar são indiscutivelmente obrigações de meios e jamais obrigações de resultado, como até facilmente se pode intuir (cfr. Carneiro da Frada, “Sobre a Responsabilidade das Concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 65, setembro de 2005, pgs. 407 - 433, e designadamente a seguinte passagem: “(...) não parece curial considerar que a simples ocorrência de um sinistro legitime, sem mais, a conclusão que houve a infração desses deveres, dado que uma coisa é a finalidade do dever (o resultado que com ele se quer alcançar), outra, bem diferente, é saber se o conteúdo do dever inclui um resultado (que, no caso, seria a ausência de acidentes). Por isso, a simples circunstância de um utente sofrer um acidente por ocasião da sua circulação na autoestrada não justifica e nem legitima a conclusão de que a causa do dano sofrido tem origem num comportamento da concessionária contrário aos seus deveres.”);
XXIII. De sorte que incumbe à R., isso sim (tratando-se, portanto, de obrigações de meios e sem que lhe deva/possa ser exigido o dom da ubiquidade), um ónus de provar que cumpriu com as suas obrigações de segurança, obrigações essas que não são iguais em todos os casos previstos nas diferentes alíneas do artigo 12° n° 1 da Lei n° 24/2007, de 18 de julho, sendo que nesta situação elas traduzem-se em estar permanentemente no terreno/via em patrulha (ainda que, evidentemente, que não em simultâneo em todos os pontos da sua concessão), o que aconteceu;
XXIV. Acresce ainda dizer - apesar de, na n/ perspetiva, isso não ser minimamente exigível - que a origem e a explicação para a “presença” de substâncias é também de fácil compreensão (intuição, dir-se-ia), pois que estamos numa via de circulação de veículos, cuja realidade é, por assim dizer, dinâmica, sendo estes veículos, como é manifesto, os “portadores” dessas substâncias para o interior desta e de outras vias;
XXV. A douta sentença violou, pois, e salvo o devido respeito, o n° 1, alínea a), do artigo 12° da Lei n° 24/2007, de 18 de julho, a Base LXXIII do Decreto-Lei n° 248- A/99, de 6 de julho e os artigos 342°, 483° e 487° n° 2, todos do Cód. Civil, razões pelas quais deve ser revogada e substituída por outra douta decisão que absolva a recorrente do pedido formulado pela A. (isto, obviamente, se não for, como deve, ser revogada por violação pelo menos do disposto no artigo 570° n° 2 do Cód. Civil).
(…)”.
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A interveniente S., S.A. declarou aderir a este recurso jurisdicional.
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Notificada que foi para o efeito, a Recorrida produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência parcial da presente ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão dos recursos interpostos, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que se alude no nº.1 do artigo 146º do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes: (i) Erro[s] de julgamento de facto; e (ii) Erro de julgamento de direito, por ofensa do “(…) n° 1, alínea a), do artigo 12° da Lei n° 24/2007, de 18 de julho, a Base LXXIII do Decreto-Lei n° 248- A/99, de 6 de julho e os artigos 342°, 483° e 487° n° 2, todos do Cód. Civil (…) [e, bem assim, do] n° 1, alínea a), do artigo 12° da Lei n° 24/2007, de 18 de julho, a Base LXXIII do Decreto-Lei n° 248- A/99, de 6 de julho e os artigos 342°, 483° e 487° n° 2, todos do Cód. Civil (…)”.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico [positivo e negativo e respetiva motivação] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte:
“(…)
IV.1.1 - Factos Provados
Com interesse para a decisão da causa consideram-se como provados os seguintes factos:
1) No dia 08.11.2012, pelas 13:10, ocorreu um acidente de viação na Autoestrada A11 ao Km 78.900, na freguesia de (...), (…), em direção ao (…) - Doc. 1 junto com a p.i.; Declarações de parte; Depoimento de A-.;
2) A autora tripulava o veículo ligeiro de mercadorias de marca Citroen, modelo C2, de matrícula XX-DO-XX, de sua propriedade - Declarações de parte; Depoimento de A-.;
3) E circulava na respetiva faixa de rodagem, e seguia uma velocidade de cerca de 40 km horários, e pela única via ali existente, atento o seu sentido de marcha - Declarações de parte; Depoimento de A-.;
4) Subitamente, e sem que nada a fizesse prever, ao Km 78.900 da referida Autoestrada, o seu veículo ficou repentinamente desgovernado começando a mover-se para o lado esquerdo da faixa de rodagem - Declarações de parte; Depoimento de A-.;
5) Para evitar o despiste ou uma eventual colisão, a autora guinou a viatura para a direita, perdendo o controlo da mesma - Declarações de parte; Depoimento de A-.;
6) Em consequência desta manobra, a autora embateu contra os rails de proteção metálica do seu lado direito - Declarações de parte; Depoimento de A-.;
7) No local do acidente, constatou-se a existência de manchas de gordura, com largura de cerca de 25 cm numa extensão de 75 metros, sendo de 45 metros desde o início das manchas de gordura até ao local do embate - Doc. 1 junto com a p.i.; Declarações de parte; Depoimento de S. e A-.;
8) Na altura do acidente chovia, existindo boas condições de visibilidade - Doc. 1 junto com a p.i. Declarações de parte; Depoimento de A-.;
9) Após o acidente, no local do mesmo, esteve presente a GNR que elaborou a respetiva participação de acidente de viação, tendo constatado diretamente, juntamente com o mecânico da ré, a existência de danos materiais no veículo da autora, bem como a existência de manchas de gordura/óleo no pavimento da via e a sua extensão - Doc. 1 junto com a p.i.; Declarações de parte; Depoimento de S. e A-.
10) Foram chamados os bombeiros para proceder à limpeza das manchas por não serem insignificantes, mas como entretanto choveu com muita intensidade, quando estes chegaram já não foi necessário proceder à limpeza da via - Depoimento de S. e A-.;
11) No dia do sinistro, os funcionários da ré efetuaram vários patrulhamentos à A11 e não detetaram nas vias quaisquer manchas de gordura - Doc. 4 junto com a contestação Depoimento de F., B.
12) Antes do local do acidente existe sinal de proibição C13 que limita a velocidade permitida a 40 Km/h - Doc. 5 junto com a p.i. Depoimento das testemunhas A-., B.
13) E antes desse sinal existe um outro sinal de proibição C13 que limita a velocidade permitida a 60 Km/h - Doc. 6 junto com a p.i.; Depoimento das testemunhas B.
14) O veículo da autora foi transportado para oficina, onde foi detetada a necessidade de proceder à reparação/substituição das seguintes peças, tendo a reparação global, incluindo mão-de-obra sido orçada em € 5373,34 - Doc. 2 junto com a p.i. Declarações de parte; Depoimento de A-.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

15) O veículo foi reparado, tendo a autora despendido com a reparação quantia global de cerca de € 5000,00 - Declarações de parte; Depoimento de A-.
16) Para obtenção da participação elaborada pela GNR, a autora despendeu a quantia de € 48,00- Doc. 4 junto com a p.i.;
17) A viatura da autora era utilizada por esta diariamente nas suas deslocações para o emprego, atividades lúdicas, organização e estruturação do seu agregado familiar - Declarações de parte; Depoimento de A-.;
18) O veículo foi reparado cerca de 6 meses após o acidente - Declarações de parte; Depoimento de A-.;
19) Durante o período em que o veículo esteve a ser reparado a autora socorreu-se do veículo cedido pela sua sogra - Depoimento de A-.
20) À data do acidente, a ré tinha transferido a sua responsabilidade civil decorrente de sinistro através de um contrato de seguro para a Companhia de Seguros (...) - Doc. 7 junto com a contestação da ré;
21) O contrato previa franquia de 10 % do valor de sinistro, com um mínimo de € 3000,00 e um máximo de € 25 000,00 - Doc. 7 junto com a contestação;
IV.1.2 - Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa, importa dar como não provados os seguintes factos:
1- A autora tripulava o veículo completamente desatenta e imprimia velocidade que claramente excedia a velocidade de 40 Km/h;
2- O veículo seguia a velocidade de 90 Km/h;
3- No momento do acidente chovia intensamente.
IV.1.3 - Fundamentação da matéria de facto
A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos. Os documentos em causa não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos.
Tomou-se em consideração as declarações de parte da autora. A autora prestou declarações de forma objetiva e clara, e como condutora do veículo, depôs de forma segura e com conhecimento direto do acidente e respetivas circunstâncias e dinâmica. É importante sublinhar que as declarações são congruentes com as prestadas junto da GNR pouco tempo após o acidente, e descritas no doc. 1 junto com a p.i.
Teve-se também em consideração o depoimento das demais testemunhas, sendo assinalados em cada facto os depoimentos tomados em consideração como elemento de prova relevante. Relativamente à testemunha A-., cônjuge da autora, afigura-se que o mesmo foi prestado de modo isento, sendo congruente não só com as declarações de parte da autora, mas também com as declarações que esta prestou pouco tempo após o acidente e descritas no doc. 1 junto com a p.i. É ainda de salientar que o depoimento de A-. coincide, no que respeita aos aspetos não relacionados diretamente com a dinâmica do acidente, com o depoimento de S., militar da GNR que se deslocou ao local do acidente e é o autor do doc. 1 junto com a p.i.
Quanto à velocidade a que o veículo seguia, a ré nos artigos 1° a 7° e 26° a 35° da contestação apresentada invoca a existência de confissão realizada no processo 1108/13.1TBPNF. No âmbito das suas declarações, a autora referiu que circulava a cerca de 40 Km/h; as declarações da autora foram corroboradas pelo depoimento de A-., que também seguia na viatura e referiu expressamente que, embora não pudesse confirmar a que velocidade iam, referiu que a autora não costuma exceder os limites de velocidade, sendo ainda de referir que a própria autora é militar da GNR, compreendendo-se que não o faça em função da sua profissão. Por outro lado, a velocidade indicada é credível já que basta atender à configuração do local como facilmente se pode perceber pelos docs. 6 e 5 juntos com a contestação da ré e ainda atendendo ao facto de o veículo após o embate ter ficado logo parado conforme demostra o doc. 4 também junto com a contestação da ré. Repare-se que como resulta do próprio artigo 2° da contestação, a autora não alegou na ação que correu termos no Tribunal Judicial que ia a 90 Kms horários mas a «velocidade não superior a 90 Km horário». Embora seja diferente do alegado no artigo 14° da p.i. da presente ação, certo é que não se pode concluir que fosse a violar os limites seja de 60 Kms/h seja de 40 Kms/h, conforme sinalização existente no local, como demonstram as fotos juntas com a contestação como docs. 5 e 6. Repare-se que, na ausência de qualquer outro elemento declarativo, não pode concluir-se da alegação referida no processo que correu termos no Tribunal Judicial que o veículo rodava a 90 Kms/h na altura do acidente, mas apenas que rodava a velocidade não superior a esse limite, sendo que 40 Km/h cabe dentro do intervalo admitido pela expressão constante da p.i. nesse processo, até porque a ação, como refere a ré no artigo 5° da contestação, teve como termo a declaração de incompetência em razão da matéria do Tribunal Judicial. Face ao exposto, mesmo aproveitando-se a declaração emitida pela autora na p.i. dessa ação e a aceitação da ré na contestação então apresentada, não existe qualquer obstáculo a admitir que a velocidade fosse de 40 Km/h. Assim, deu-se como provado o facto 3) e como não provados os factos 1- e 2-. Por outro lado, a ré não fez prova de que a autora conduzisse o veículo de modo desatento, sendo que era à ré que competia a demonstração da culpa do lesado.
E relativamente às manchas de gordura/óleo. Do depoimento da testemunha B. decorre que a autora apenas posteriormente alegou existir gordura no pavimento, que ele não viu num primeiro momento gordura alguma e que a gordura/óleo que verificou com a GNR é posterior ao acidente. Ora, aceita-se que face ao lapso de tempo decorrido entre o momento em que a testemunha B. prestou o depoimento pudesse, inadvertidamente, referir circunstâncias que não se terão passado neste acidente ou que a testemunha se lembra de modo diferente, o que seria normal face ao referido lapso de tempo. No entanto, o facto de a testemunha referir não ter visto óleo/gordura na estrada resultará de outra circunstância que se afigura mais premente: será normal que a testemunha, detetado o acidente procurasse genuína e urgentemente assegurar a circulação em condições de segurança, daí que o veículo tivesse sido, antes da chegada da GNR, deslocado para as portagens que ficam mais à frente do local do acidente, já que basta atender às fotografias juntas como docs. 5 e 6 e ao desenho constante do doc. 4, todos juntos com a contestação da ré para perceber que um veículo acidente naquele local provocaria grandes entraves na circulação automóvel. Portanto, face a esse circunstancialismo e independentemente do facto de a autor o ter alertado inicialmente ou só depois da chegada da GNR para a existência de óleo, certo é que verificado o pavimento se constatou que efetivamente existia óleo/gordura, em termos tais que a GNR determinou a necessidade de chamar os bombeiros.
Em relação ao valor da reparação do veículo, resulta das declarações de parte e do depoimento de A-., que o veículo foi reparado e que o orçamento era de cerca de € 5300,00. No entanto, quando questionados sobre o concreto valor pago pela reparação não souberam precisar, limitando-se A-. a referir que se lembra que foram € 5000,00 e tal. Ora, nenhum recibo ou fatura foi apresentado. No entanto, o valor referido é próximo ao valor do orçamento junto com a p.i. como docs. 2 e 3. Por esse motivo, deu-se como provado que a autora terá despendido com a reparação do automóvel cerca de € 5000,00.
Deu-se como não provado o facto 3- por nenhuma prova ter sido apresentada quanto ao mesmo. Na verdade, da prova apresentada resulta, de forma unânime que chovia no momento do acidente mas não de forma intensa. A chuva intensa, como também é unânime da prova apresentada apenas caiu quando se aguardava pela chegada dos bombeiros para limpeza da estrada. Veja-se a este propósito quer as declarações de parte, quer o depoimento das testemunhas S., A-. e B.. (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
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Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas no recurso jurisdicionais em análise.
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I- Do[s] imputado[s] erro[s] de julgamento de facto
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A primeira questão decidenda consubstancia-se em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos pontos indicados pela Recorrente.
Vejamos.
Como se decidiu no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte editado em 11.02.2011, no Procº. n.º 00218/08BEBRG:“1. O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto. 2. Assim, se, na concreta fundamentação das respostas aos quesitos, o Sr. Juiz (...) justificou individualmente as respostas dadas, fazendo mesmo referência, quer a pontos concretos e decisivos dos diversos depoimentos, quer a comportamentos específicos das testemunhas, aquando da respetiva inquirição, que justificam a opção por uns em detrimentos de outros, assim justificando plena e convincentemente a formação da sua convicção, não pode o Tribunal de recurso alterar as respostas dadas”.
Posição que se desenvolveu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.10.2011, no Procº. n.º 01559/05BEPRT, que: “(…) pese embora a maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto a verdade é que, todavia, não se está perante um segundo julgamento de facto (tribunal “ad quem” aprecia apenas os aspetos sob controvérsia) e nem o tribunal de recurso naquele julgamento está colocado perante circunstâncias inteiramente idênticas àquelas em que esteve o tribunal “a quo” apesar do registo da prova por escrito ou através de gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados. XX. É que, como aludimos supra, o tribunal “ad quem” não vai à procura duma nova convicção, não lhe sendo pedido que formule novo juízo fáctico e sua respetiva fundamentação. O que se visa determinar ou saber é se a motivação expressa pelo tribunal “a quo” encontra suporte razoável naquilo que resulta do ou dos depoimento(s) testemunhal(ais) (registados a escrito ou através de gravação) em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos. XXI. Tal como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (cfr. art. 655.º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio. XXII. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal “a quo”, aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”. Daí que na reapreciação da matéria de facto ao tribunal de recurso apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou”.
E se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 13.09.2013, no processo nº 00802/07.7 BEVIS:” (…) “Determina o artigo 712º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu nº 1, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que:
«A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
(…)
Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida (neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.10.05, processo nº 394/05, de 19.11.2008, processo nº 601/07, de 02.06.2010, processo nº 0161/10 e de 21.09.2010, processo nº 01010/09; e acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.05.2010, processo nº 00205/07.3BEPNF, e de 14.09.2012, processo nº 00849/05.8BEVIS).
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância: a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho (…)”.
(…)
Em sentido idêntico se pronunciaram os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte:
- Proc. nº 00168/07.5BEPNF, de 24/02/2012:
“1- O tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.”
- E proc. nº 00906/05.0BEPRT, de 07/03/2013:
“2. O tribunal de recurso apenas e só deve alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e essa mesma decisão.”
(…)”.
Acompanhando e acolhendo a interpretação assim declarada por este Tribunal Superior, importa, então, analisar a situação sob apreciação aferindo do acerto da matéria de facto sob impugnação.
Efetivamente, veio a Recorrente colocar em causa que o Tribunal a quo não tenha admitido a confissão expressa da Autora, aqui Recorrida, feita no processo nº. 1108/13.1TBPNF que correu termos no 1º juízo do Tribunal Judicial de Penafiel [e por si especificadamente aceite] de que o veículo transitava no momento do sinistro a uma velocidade “não superior a 90 km horários”.
Adicionalmente, veio sustentar que o Tribunal a quo errou ao considerar não provado que chovia intensamente no dia do acidente dos autos, “(…) pois que é isso que resulta inequivocamente da participação de acidente de viação (…)” junta aos autos.
Derradeiramente, veio defender ainda que não podia ser dado como provado que a Autora despendeu com a reparação do veículo sinistrado a “(…) quantia global de € 5,000,00 (…)”, considerando o valor documentado [orçamento] de reparação e a ausência de fatura/recibo do pagamento efectuado.
Mas sem razão quanto aos imputados erros de julgamento de facto.
De facto, e no que refere ao primeiro erro de julgamento invocado, importa que se comece por sublinhar as confissões judiciais só valem nos próprios autos [cfr. art. 355.º, nº 3, 1ª parte do Código Civil], compreendendo-se a razão de ser de tal limitação probatória à instância em que foi produzida, já que a parte pode ter confessado, renunciando a discutir ou a contestar a realidade do facto, tendo apenas em vista os interesse que estão em jogo naquele processo [Vd. P. Lima e A. Varela, ob. cit., I Vol., p. 316.].
Assim, a alegação feita pela Autora, aqui Recorrida, no processo nº. 1108/13.1TBPNF de que “circulava a uma velocidade não superior a 90 km” não importa qualquer confissão vinculativa de tal facto com força probatória plena nos presentes autos, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à tese da Recorrente no domínio do erro de julgamento de facto em análise.
Em todo o caso, refira-se que, ainda que assim não fosse, sempre a apontada confissão não teria o condão de desvirtuar a aquisição processual de que a Autora seguia uma velocidade de cerca de 40 km horários [cfr. ponto 3) do probatório].
Com efeito, ainda que desse como provado que o veículo circularia “a uma velocidade não superior a 90km/h”, tal significaria apenas isso mesmo, ou seja, que o veículo não circularia a mais do que a velocidade indicada, sendo que poderia até circular a uma velocidade inferior, pois que, por natureza, nenhum condutor está permanentemente a olhar para o velocímetro do veículo, e, no local, não existia qualquer controlo de velocidade instantânea, o que desde logo não permite qualquer certeza quanto à velocidade adotada em concreto.
O que sempre permitira acomodar o tecido fáctico vertido no ponto 3) do probatório coligido nos autos, por não traduzir este qualquer realidade conflituante com a alegação feita pela Autora, aqui Recorrida, no processo nº. 1108/13.1TBPNF, supra explicitada.
Não tem, razão, portanto, a Ré no erro de julgamento de facto em análise.
O mesmo se pode afirmar no que tange ao invocado segundo erro de julgamento de facto, que, como sabemos, gravita em torno da falta de prova da maior definição da intensidade das condições de pluviosidade verificadas no dia do acidente dos autos [facto não provado nº. 3].
Isto porque a informação registada em matéria de condições atmosféricas na participação do acidente de viação revela-se, no mínimo, incongruente e contraditória, não podendo, por isso, ser absorvida no julgamento da matéria de facto.
De facto, se, por um lado, ali se atesta em “Ambiente – Cond. Amb. Meteorológicas : Chuva Intensa”, já, mais adiante, em “Outras Informações” refere-se que a pluviosidade “mais intensa” apenas se verificou por períodos antes da chegada dos bombeiros ao local, sendo um deles cerca de 30 minutos.
Note-se que a participação de acidente de viação foi elaborada por agente de autoridade não presente no local do acidente, que, assim, não pode esclarecer as reais condições atmosféricas verificadas no dia do acidente.
Fica-se, portanto, sem saber se a chuva mais intensa verificou-se todo o dia do acidente ou apenas a espaços após a ocorrência do acidente de viação.
Concludentemente, sendo manifesta a falta de aptidão do lastro probatório da dita participação de acidente de viação para sustentar, por si só, a aquisição processual de que “chovia intensamente no dia do acidente dos autos, não se antolha a existência de qualquer elemento substancial que permita concluir que existe algo de grave e ostensivamente errado ou desacertado que permita alterar a matéria de facto em análise.
Resta-nos, pois, a questão de saber se assiste razão à Recorrente no domínio do terceiro erro de julgamento de facto imputado ao tecido fáctico coligido sob o ponto 15 do probatório na parte que se prende o valor do custo de reparação do veículo sinistrado.
Neste domínio, saliente-se, antes de mais, que o axioma de que arranca a Recorrente em matéria de falta do custo de reparação do veículo sinistrado, por falta de ausência de fatura/recibo do pagamento efectuado, não reveste caráter absoluto e infranqueável, antes deverá ser adaptado à necessidade de demonstração processual - porque é disso que se trata aqui - do efetivo custo despendido em tal operação de modo a fornecer um equilíbrio probatório plausível e concreto que se almeja numa situação como a dos autos.
Porém, esta tarefa [de aquisição processual de um qualquer valor efetivo de reparação de veículo sinistrado] não se compadece com meros juízos dedutivos não aritméticos e/ou por aproximação baseados em indícios probatórios.
Porém, nada disso é verificável no caso concreto.
Na verdade, pese embora a expressão “cerca de € 5,000,00” aposta no ponto 15 do probatório coligido nos autos possa inculcar uma ideia de aquisição processual de tecido fáctico com recurso a juízos dedutivos não aritméticos e/ou por aproximação, sempre importa atentar que o Sr. Juiz a quo, em sede de fundamentação de direito, definiu um valor indemnizatório composto, de entre outras, pela parcela relativa à reparação do veículo automóvel especificada em termos de certeza no valor € 5,000,00, tendo condenado o Réu à luz deste valor certo e definido.
Neste quadro, é de manifesta evidência que a expressão “cerca de” contida no ponto 15 do probatório é manifestamente indutora em erro quanto ao juízo de certeza do Sr. Juiz a quo quanto ao valor indemnizatório em matéria de reparação automóvel, devendo, por isso, ser expurgada daquele, o que se considera e determina.
O que se vem de expor e determinar, porém, nada invalida o julgamento operado pelo Tribunal a quo no que tange ao tecido fáctico ali contido, pois a prova contida e produzida nos autos é inequívoca na afirmação da existência de um dano patrimonial quantificável, no mínimo, em € 5,000,00.
De facto, nada temos a objetar à quantificação do apontado dano à luz de uma convicção mais generosa para a Ré, pois a realidade extraível dos depoimentos prestados e, bem assim, do orçamento junto aos autos, é perfeitamente reveladora da (i) existência de um dano patrimonial e da (ii) sua quantificação, no patamar mínimo, na casa dos cinco mil euros.
Não se antolha, portanto, a existência de qualquer elemento substancial que permita concluir que existe algo de grave e ostensivamente errado ou desacertado que permita alterar a matéria de facto em análise.
Nestes termos, e por tudo o quanto ficou anteriormente exposto, improcedem todas as conclusões de recurso no domínio do erro de julgamento da decisão da matéria de facto.
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II- Do imputado erro de julgamento de direito, por ofensa do “(…) “(…) n° 1, alínea a), do artigo 12° da Lei n° 24/2007, de 18 de julho, a Base LXXIII do Decreto-Lei n° 248- A/99, de 6 de julho e os artigos 342°, 483° e 487° n° 2, todos do Cód. Civil (…)”
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A decisão judicial recorrida considerou que, estando em causa um acidente de viação decorrente da existência de manchas de gordura na A11, recaía sobre a Ré a presunção de incumprimento da obrigação de assegurar das condições de circulação em segurança.
Mais considerou que a Ré não logrou elidir tal presunção, porquanto, para além de não se ter provado (i) qualquer responsabilidade do condutor na verificação do acidente, ficou por demonstrar que (ii) o pavimento da autoestrada garantia as condições de circulação com segurança e comodidade, e (iii) que os patrulhamentos efetuados na via concessionada eram idóneos para controlar o risco da existência de matérias gordurosas no pavimento de rodagem.
A Recorrente pugna pela revogação do assim decidido por manter a firme convicção de que existe culpa efetiva na produção do acidente, o que, nos termos do artigo 570º, nº. 2 do C.C., determina a exclusão do dever de indemnizar por parte da Ré, por se mostrar a responsabilização desta ancorada numa mera presunção de culpa.
Não prescindindo, censura ainda a sentença recorrida em alguns pontos, fundamentalmente terminológicos, por manter a firme convicção, (i) que não se podem caracterizar as obrigações das concessionárias como sendo [obrigações] de resultado, mas antes [obrigações] de meios, sendo certo que (ii) apenas impende sobre a concessionária um ónus de provar que cumpriu com as suas obrigações de segurança, e não, como se entendeu na sentença recorrida, uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança, na esteira do que pugnou que a solução a seguir deve ser diversa da sentença recorrida, pois que logrou satisfazer plenamente o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança que sobre ela impedia.
Vejamos, sublinhando, desde já, que os dois esteios argumentativos invocados conexionam-se, pelo que serão objecto de análise conjunta.
À data do acidente em causa nos autos [08.11.2012], vigorava já o regime jurídico dos direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas e outros tipo de rodovias ali determinadas, aprovado pela Lei nº 24/2007, de 18 de julho [cf. respectivo art.º 14º].
Tal diploma, independentemente da existência de portagens e do pagamento de taxa pela utilização da autoestrada concessionada, e considerando também os itinerários principais e os itinerários complementares, estabeleceu as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis para os utentes, sem prejuízo de regimes mais favoráveis estabelecidos ou a estabelecer [respectivo art.º 1º].
Nos termos do art.º 12º da citada Lei nº 24/2007, “1- Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a: a) Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança. 3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de: a) Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos; b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio; c) Tumulto, subversão, atos de terrorismo, rebelião ou guerra”.
Desta previsão legal resulta que a concessionária de autoestrada em que se verifique um sinistro rodoviário causado por objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, atravessamento de animais e líquidos na via, neste último caso quando não resultantes de condições climatéricas anormais, está onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar.
Esta presunção, porque presume o incumprimento de um certo dever, constitui, simultaneamente, uma presunção da ilicitude de certo facto e uma presunção de culpa, na medida em que revela a inobservância do especial dever de diligência que onera a concessionária [artigo 487º, nº 2, do Código Civil].
Volvendo ao caso recursivo em análise, cabe notar que se mostra provado, de entre outro tecido fáctico, que, cerca das 13h10, do dia 08.11.2012, ocorreu um acidente de viação na A11 decorrente da existência de manchas de gordura no pavimento em que foi interveniente o veículo automóvel de matrícula XX-DO-XX.
Ora, é ponto assente [até porque as partes não discutem tal questão] que a manutenção e fiscalização da segurança rodoviária competem aos concessionários, nas vias concessionadas, o que serve para dizer que era sobre a Ré que impendia a obrigação de manutenção da via pública em condições de segurança de circulação.
Na verdade, enquanto concessionária, são impostas à Recorrente múltiplas obrigações no sentido de manter padrões de qualidade rodoviária elevados, bem como o dever de assegurar boas condições de segurança.
E se assim é, em face da factualidade apurada nos autos, resulta claro que o Réu incumpriu a sua função de regulação e controlo, incorrendo, por omissão, na prática de um ato ilícito por omissão, de modo que, verificado está o pressuposto relacionado com a ilicitude.
Esta ilicitude, porém, só é relevante se estiver associada a uma conduta censurável, isto é, estiver associada à culpa, o que significa que a violação das referidas normas, dos princípios gerais ou do dever geral de cuidado não é, por si só, suficiente para fazer nascer a obrigação de indemnizar já que esta só nascerá quando essa violação for culposa, isto é, quando decorrer de um comportamento que podia e devia ter sido evitado e que só não o foi por razões merecedoras de censura.
E isto porque “agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.” [A. Varela, “Das Obrigações em Geral, 3.ª ed., vol. I, pg. 571]
A qual “é apreciada nos termos do art.º 487.º do Código Civil” [art.º 4.º do DL 48.051], isto é, na falta de outro critério legal, “pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso.” [art.º 487.º/2 do CC].
Não se podendo, pois, falar de autonomização da ilicitude relativamente à culpa em sede de responsabilidade civil extracontratual, importa analisar se o comportamento da Ré infringiu as normas legais ou regulamentares e as regras de cuidado a que devia obediência e, ocorrendo essa infração, se ela se deveu a razões juridicamente reprováveis.
A este propósito, cabe notar que resulta provado, de entre outro tecido fáctico, que, no dia 08.11.2012, o veículo de matrícula XX-DO-XX, conduzido pela Recorrida, que circulava na Autoestrada A11 em direção ao (…), ao passar por uma mancha de gordura com largura de cerca de 25 cm numa extensão de 75 metros existente ao Km 78.900, ficou desgovernado, começando a mover-se para o lado esquerdo da faixa de rodagem, o que motivou que a Autora guinasse a viatura para a direita, perdendo o controlo da mesma, consequentemente, acabando por ir embater contra os rails de proteção metálica do seu lado direito.
No quadro em apreço, é evidente que, no plano naturalístico, a causa direta do acidente descrito nos autos é a existência de uma mancha de gordura com largura de cerca de 25 cm numa extensão de 75 metros existente ao Km 78.900 da faixa de rodagem.
Convém realçar que a Ré não conseguiu demonstrar que a culpa na verificação do acidente se tivesse ficado a dever ao comportamento da condutora do veiculo automóvel sinistrado, não legitimando a matéria de facto dada como provada a referência a qualquer elemento nesse sentido.
Permanece, por isso, intocável, a presunção de culpa da Ré estabelecida por força do estatuído no nº. 3 do art. 10º da Lei 67/2007.
Cumpre, todavia, apurar se terá a Recorrente logrado ilidir tal presunção de culpa.
Neste sentido, impõe-se aferir se os meios colocados ao serviço da manutenção e garantia das condições de segurança da circulação dos utentes nesta via de circulação rápida são bastantes para que se possa considerar afastada a presunção de culpa que sobre a mesma impendia.
Neste domínio, ressalte-se que a Ré alega tratar-se a imposição de assegurar as condições de circulação em segurança no lanço concessionado de uma obrigação de meios, que não uma obrigação de resultados.
Mas será mesmo assim?
Para o cabal esclarecimento desta matéria, cumpre convocar a norma vertida na Base XXXVI do Decreto-Lei n.º 294/97 de 24 de outubro, que estabelece que “A concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas autoestradas …” (n.º 2), bem como a “implementar os mecanismos necessários para garantir a monitorização do tráfego, a deteção de acidentes e consequente e sistemática informação de alerta do utente” (n.º 3).
Atenta a norma transcrita, importa referir, primeiramente, que as obrigações impostas à Ré pela norma referida, não se referem a meras obrigações de meios, mas antes de uma obrigação reforçada de meios.
Em sustento da nossa posição, invoca-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de março de 2013, no processo 201/06.8TBFAL.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, que refere que “(…) Sem embargo aquele dever de cuidado que incide sobre condutores de veículos, importa não olvidar também que à permissão genérica de, em tais rodovias, se poder conduzir, em regra, até à velocidade máxima de 120 km/h subjaz o cumprimento da obrigação de assegurar a manutenção das condições de segurança estruturais e operacionais que permitam a condução segura à velocidade consentida, integrando o sinalagma do pagamento de uma taxa de portagem. (…) São os concessionários que dispõem de maior facilidade de identificação dos perigos ou de apuramento das circunstâncias que rodeiam acidentes devido a obstáculos existentes na via, tarefa que naturalmente é dificultada ou praticamente impossibilitada aos utentes e terceiros. (…)”.
Baseia-se assim o STJ no nível de exigência no cumprimento das obrigações de segurança para apontar a existência de uma obrigação reforçada de meios, não considerando legítima a argumentação pela concessionária da impossibilidade de prever todos e quaisquer acidentes.
Deverá aqui operar uma avaliação razoável das circunstâncias concretas apuradas.
Procurando fixar o padrão de diligência exigível a uma concessionária pela especificidade das situações elencadas no nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, observaremos que o funcionamento da presunção aí estabelecida apenas é afastado nas circunstâncias especificadas nos n.º 2 e 3 do mesmo, ou seja, em “casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessão e não sejam imputáveis ao concessionário, resultantes de: a) Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos; b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio; c) Tumulto, subversão, atos de terrorismo, rebelião ou guerra”.
Com o propósito de esclarecer o teor da expressão “caso de força maior” em matéria de acidentes de viação decorrentes da existência de manchas de óleo/gordura/gasóleo na faixa de rodagem, convoca-se para a questão decidenda o teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28 de junho de 2011, proferido no processo n.º 6912/06.0TBGMR.G2, que refere o seguinte:
“(…) provada que ficou a existência de uma mancha de gasóleo na via, que não foi limpa pelos funcionários da ré, antes de o A. circular por esse local, inquestionável se torna concluir que a ré não só não cumpriu as citadas normas de proteção e segurança, como as violou, praticando, por isso, facto ilícito.
E, a nosso ver, tal atuação, para além de ilícita, é também culposa.
É que é do conhecimento de todos nós que a existência de gasóleo na via dificulta ou impede a aderência dos pneumáticos ao piso com o consequente risco de acidente, constituindo, por isso, um obstáculo a uma circulação segura e cómoda e, consequentemente, um fator gerador de perigo para os utentes da autoestrada.
Acresce que, de harmonia com o disposto no nº. 2 da citada Base XXXVI, só o “caso de força maior devidamente verificado” exonera a concessionária da sua obrigação de garantir a circulação nas autoestradas em condições de segurança, pelo que, para afastar a presunção de culpa estabelecida no mencionado art. 12º,nº. 1, al. c) da Lei nº 24/2007, não bastará à concessionária mostrar que foi diligente ( que se esforçou por cumprir, que usou daquelas cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso empregaria um bom pai de família) ou que não foi negligente ( que não se absteve de tais cautelas e zelo, que não omitiu os esforços exigíveis, ou seja, aqueles que também omitiria uma pessoa normalmente diligente), sendo, antes, de exigir-lhe a prova do facto concreto que constitua força maior.
Assim, para provar a sua falta de culpa no incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, terá a concessionária de provar a ocorrência de um acontecimento concreto que integre o conceito de força maior, segundo a definição que nos é dada pelo n.º 2 da Base XLVII, ou seja, de um “acontecimento imprevisto e irresistível cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária”, posto que conforme se defende no citado Acórdão do STJ de 22.06.2004, a circunstância de tal definição ter sido dada para os efeitos estabelecidos no n.º 1 da referida base, não inviabiliza a sua adoção nas relações estabelecidas entre a concessionária e os utentes.
Significa isto, no caso dos autos, que quer a circunstância de, naquele dia, os funcionários da Ré terem efetuado diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão, passando, por diversas vezes, no local, designadamente cerca de duas horas antes do local, e não terem detetado qualquer substância caída no pavimento, quer o facto de a brigada de Trânsito da G.N.R. em serviço não ter detetado, nos seus patrulhamentos à A.E., a presença de qualquer substância no pavimento no local onde ocorreu o despiste, em nada relevam para efeitos de exoneração da ré-concessionária da sua obrigação de garantir a circulação em condições de segurança e, consequentemente, para efeitos de exclusão da sua culpa, pelo que impõe-se concluir que a ré/apelante não ilidiu a presunção a presunção de culpa que sobre si recai nos termos do disposto no art. 12º, nº1. al. c) da Lei nº 24/2007.”.
Pelo exposto, dando este entendimento como sufragado na íntegra, atenta a bondade da solução adotada, é para nós absolutamente insofismável de que não foi ilidida a presunção de culpa que impendia sobre a Ré no que concerne à produção do sinistro dos autos.
Na verdade, tendo-se apenas apurado que, no dia do acidente, os funcionários da Ré efetuaram vários patrulhamentos na A11, não tendo detetado nas vias quaisquer manchas de gordura, é de manifesta evidência que não logrou a R. provar qualquer factualidade de onde se possa concluir que a existência da mancha de óleo era imprevisível e se se deveu a caso de força maior, e, por conseguinte, não foi ilidida a presunção de incumprimento que sobre si impendia relativamente ao aludido dever de vigilância.
Deste modo, tendo sido este também o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir que esta fez correta subsunção do tecido fáctico apurado nos autos ao bloco legal e jurisprudencial aplicável, não sendo merecedora da censura que a Recorrente lhe dirige.
Concludentemente, improcedem todas as conclusões do recurso jurisdicional em análise, sendo de lhe negar provimento, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 19 de junho de 2020,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Fernanda Brandão
Helder Vieira