Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00140/20.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; RESOLUÇÃO POR JUSTA CAUSA;
SALÁRIOS EM ATRASO;
INDEMNIZAÇÃO;
Sumário:I) – O crédito indemnizatório emergente da rescisão unilateral com justa causa por salários em atraso carece de sentença constitutiva.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

AA (Av.ª ..., ...), interpõe recurso jurisdicional na presente acção administrativa por si intentada no TAF de Mirandela, julgada totalmente improcedente, e que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial (Av.ª Manuel da Maia, n° 58, 1049-002, concelho de Lisboa), tendo em vista a anulação parcial de despacho que deferiu apenas parcialmente a sua pretensão, e a condenação na prática de ato administrativo que lhe reconheça o direito ao pagamento da quantia de € 7.200,00, a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho com justa causa.

Conclui:

A) A AUTORA INTENTOU AÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL PARA IMPUGNAÇÃO DE ACTO ADMINISTRATIVO E CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO DEVIDO;
B) A AUTORA PETICIONA QUE LHE SEJA RECONHECIDO O DIREITO AO PAGAMENTO DOS CRÉDITOS RESULTANTES DA INDEMNIZAÇÃO PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO NO MONTANTE DE 7.200 €.
C) EM 03 DE JUNHO DE 2019, A AUTORA INTENTOU ACÇÃO A REQUERER A INSOLVÊNCIA DA ENTIDADE EMPREGADORA, TENDO RECLAMADO O PAGAMENTO, ALÉM DO MAIS, DA QUANTIA DE 7.200 € A TÍTULO DE INDEMNIZAÇÃO PELA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
D) DESDE LOGO EM TERMOS FACTUAIS A SENTENÇA ORA EM CRISE NÃO PONDEROU QUE ESTÁ APURADO E PROVADO E COM EVIDENTE INTERESSE PARA A BOA DECISÃO DA CAUSA, ALÉM DO QUE JÁ CONSTA DA QUE:
a. “NA PETIÇÃO INICIAL DO PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA, A AUTORA RECLAMOU SER CREDORA DE 7.200 € A TÍTULO DE INDEMNIZAÇÃO”
b. “POR DOUTA SENTENÇA DE 09.07.2019, FORAM DECLARADOS CONFESSADOS OS FACTOS ALEGADOS PELA AUTORA, POR AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO, ENCONTRANDO-SE, ASSENTE QUE A REQUERENTE É TITULAR DO CRÉDITO ALEGADO, QUE A REQUERIDA NÃO TEM QUALQUER PATRIMÓNIO E QUE ESTÁ INACTIVA DESDE, PELO MENOS, 28.01.2019”
E) PARA QUE O REGIME INTRODUZIDO PELO DL N° 59/2015 (NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL) POSSA OPERAR IMPORTA QUE SE MOSTREM PREENCHIDOS, OS SEGUINTES PRESSUPOSTOS:
a. SEJA A ENTIDADE EMPREGADORA JUDICIALMENTE DECLARADA INSOLVENTE;
b. QUE OS CRÉDITOS EMERGENTES DO CONTRATO DE TRABALHO SE TENHAM VENCIDO NOS SEIS MESES ANTERIORES À DATA DA PROPOSITURA DA AÇÃO
F) A DOUTA SENTENÇA ORA COLOCADA EM CRISE ENTENDE QUE OS CRÉDITOS PELA INDEMNIZAÇÃO PELO DESPEDIMENTO SÓ SE TORNAM EFECTIVOS E SÓ PODEM SER RECLAMADOS APÓS OBTENÇÃO DE DECISÃO JUDICIAL QUE OS CONFIRME.
G) É RELEVANTE A DETERMINAÇÃO DO MOMENTO EM QUE SE VENCE A INDEMNIZAÇÃO POR DESPEDIMENTO DEVIDA POR RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR DE UM CONTRATO DE TRABALHO PELO NÃO PAGAMENTO PONTUAL DA RETRIBUIÇÃO DEVIDA AOS TRABALHADORES.
H) PARA A SENTENÇA EM CRISE ESSE MOMENTO É DADO PELO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO QUE APRECIA A ACÇÃO INTENTADA PELO INTERESSADO COM VISTA À OBTENÇÃO DE UMA SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE RECONHEÇA OS SEUS CRÉDITOS PARA COM A ENTIDADE PATRONAL.
I) MAS ENTENDEMOS QUE BASTA A TRABALHADORA CUMPRIR AS FORMALIDADES CONTEMPLADAS NA LEI, DESENCADEAR A RESOLUÇÃO E INTENTAR ACÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA, VÊ CONFESSADO E É RECONHECIDO ESSE CRÉDITO INDEMNIZATÓRIO NA SENTENÇA QUE DECRETA A INSOLVÊNCIA.
J) FACE À RESOLUÇÃO DO CONTRATO, O CONSEQUENTE DIREITO À INDEMNIZAÇÃO POR ANTIGUIDADE, CONSTITUI-SE COM A VERIFICAÇÃO DE UM ÚNICO REQUISITO, A EXISTÊNCIA OBJECTIVA DE RETRIBUIÇÕES EM DÍVIDA HÁ MAIS DE 60 DIAS POR CAUSA NÃO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR, ACOMPANHADA DA NOTIFICAÇÃO À ENTIDADE PATRONAL.
K) A DOUTA SENTENÇA ORA EM CRISE CONFUNDE EXIGIBILIDADE COM EXECUTORIEDADE.
L) UMA COISA É O DIREITO QUE O CREDOR TEM DE EXIGIR O PAGAMENTO DE UMA PRESTAÇÃO E OUTRA, DE NATUREZA BEM DIVERSA, É A POSSIBILIDADE DE, ATRAVÉS DA MÁQUINA JUDICIAL, PROCURAR FORÇAR O DEVEDOR A PRESTAR-LHA.
M) O CRÉDITO INDEMNIZATÓRIO RECLAMADO PELA AUTORA FOI RECONHECIDO PELA SENTENÇA QUE DECRETOU A INSOLVÊNCIA DA ENTIDADE PATRONAL.
N) ESSE CRÉDITO INDEMNIZATÓRIO FOI TAMBÉM RECONHECIDO NO APENSO DA RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS, ONDE FOI PROFERIDA SENTENÇA A JULGAR RECONHECIDOS E GRADUADOS OS CRÉDITOS INDEMNIZATÓRIOS DA TRABALHADORA.
O) A DOUTA DECISÃO FEZ ERRADA INTERPRETAÇÃO E VIOLOU, NOMEADAMENTE, O DISPOSTO NOS ARTIGOS 20.º, 53, 59.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA E ARTIGOS 1º, 2º E 5.º DO DECRETO-LEI N° 59/2015 E ARTIGOS 394.º A 396.º DO CÓDIGO TRABALHO.

Sem contra-alegações.
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A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, seguindo mesmos trilhos da decisão recorrida, emitiu parecer de não provimento do recurso.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
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Os factos, que na decisão recorrida vêm elencados como provados:
1) A Autora foi trabalhadora por conta da Sociedade «F..., Lda.» entre ...14 e ...19 Cf. documento, junto com a contestação, com a ref.ª ...16...; documentos ... e ...0, junto com a petição inicial;
2) A Sociedade «F..., Lda.» não pagou, à Autora, a retribuição devida pelo seu trabalho no período compreendido entre 01-07-2018 e 28-01-2019 Cf. declaração de retribuições em mora, inserta no documento ..., junto com a p.i..; Facto não controvertido;
3) Em 23-01-2019, a Autora elaborou uma comunicação escrita, endereçada à Sociedade «F..., Lda.», com o assunto «Resolução de contrato de trabalho por falta de pagamento pontual da retribuição», de cujo teor se destaca, entre o mais, o seguinte:
«[…] AA, trabalhadora empresa F..., Lda desde 02 de Outubro de 2014, com a categoria profissional de Fisioterapeuta, vem comunicar a resolução do seu contrato de trabalho a partir do dia 28 de Janeiro de 2019, por motivo de falta de pagamento pontual da retribuição dos mesesde Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2018nos termos previstos na alínea a) do n° 2e no n° 5 do artigo 394° do Código do Trabalho, bem como o subsídio parcial de Férias e de Natal de 2018 […]». – Cf. documento ...0, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
4) Até 28-01-2019, a Autora auferia uma retribuição-base mensal, enquanto trabalhadora da Sociedade «F..., Lda.», no valor de € 900,00 Cf. documentos ... a ..., juntos com a petição inicial; Facto não controvertido;
5) Em 03-06-2019, a Autora deduziu, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Juízo de Competência Genérica de Mirandela, ação especial de insolvência de pessoa coletiva, por via da qual requereu a declaração de insolvência da Sociedade «F..., Lda.» Cf. documento com a ref.ª ...48..., junto com a petição inicial;
6) A ação referida no ponto antecedente foi autuada com o n.º de processo 279/19.4T8MDL Cf. sentença inserta a fls. 9 a 13 do P.A.;
7) No âmbito da ação mencionada no ponto “6)”, a Autora afirmou ser credora da Sociedade «F..., Lda.» na quantia de € 16.527,69, referente a créditos laborais, na qual se incluía o montante de € 7.200,00, relativo a indemnização pela cessação do contrato de trabalho com justa causa, tendo por base o período de duração do contrato de trabalho, que aí declarou ser de 2011 a 2019 Cf. documento com a ref.ª ...48..., junto com a petição inicial, em particular o ponto 12.º do articulado inserido nesse documento;
8) Em 09-07-2019, foi prolatada sentença, no âmbito do processo referido no ponto “6)”, ao abrigo da qual foi declarada a insolvência da Sociedade «F..., Lda.» Cf. sentença inserta a fls. 9 a 13 do P.A.;
9) Na sentença referida no ponto antecedente foi, ainda, nomeado como Administrador de Insolvência, o Dr. BB Cf. sentença inserta a fls. 9 a 13 do P.A.;
10) A Autora reclamou, perante o Administrador de Insolvência referido no ponto anterior, créditos laborais sobre a Sociedade «F..., Lda.», no montante global de € 16.527,69, onde se incluía a quantia de € 7.200,00, referente a indemnização pela cessação do contrato de trabalho com justa causa Cf. documentos de fls. 3 do P.A.; Facto não controvertido;
11) A decisão mencionada no ponto “8)” transitou em julgado Cf. informação aposta na sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Juízo de Competência Genérica de Mirandela – Juiz ..., inserta a fls. 17 a 19 do P.A.;
12) O Administrador de Insolvência reconheceu a totalidade dos créditos reclamados pela Autora, a que se faz alusão no ponto “10)Cf. documentos de fls. 3 do P.A.; Facto não controvertido;
13) Em 17-09-2019, o Administrador Judicial nomeado no âmbito do processo referido no ponto “6)”, apresentou em juízo a relação definitiva de créditos, elaborada nos termos do artigo 129.º do CIRE Cf. documentos insertos a fls. 15 e 16 do P.A.;
14) Da relação de créditos referida no ponto anterior, constavam, como créditos laborais privilegiados, os créditos laborais da Autora, no montante de € 16.527,69 Cf. documentos insertos a fls. 15 e 16 do P.A.;
15) Em 27-09-2019, a Autora requereu, junto da Entidade Demandada, o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, por referência à Sociedade «F..., Lda.», no montante global de € 16.527,69, onde se incluía o valor de € 7.200,00, referente a “Indemnização/compensação por cessação do contrato de trabalho”, relativa ao período de “2011 a 2019” – Cf. requerimento, de fls. 1 e 2 do P.A.;
16) Em 05-11-2019, o Diretor de Segurança Social elaborou ofício, endereçado à Autora, com o assunto «Fundo de Garantia Salarial – Audiência Prévia. Deferimento parcial», contendo, entre o demais, o teor seguinte:
«[…] Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 5 de novembro de 2019, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento apresentado por Va Ex.a será deferido parcialmente, efetuando-se o pagamento e retenções abaixo descriminados.
Nos termos do art° 122° do Código do Procedimento Administrativo, Va Ex.a tem direito a pronunciar-se, antes de ser tomada a decisão final, dispondo de 10 dias úteis, a partir da presente notificação, para apresentar resposta por escrito, da qual constem os elementos que possam motivar alteração dos valores ou sentido de decisão comunicados, juntando os meios de prova adequados.
Poderá igualmente, contactar os serviços, na morada indicada e pelos contactos mencionados em rodapé.
O(s) fundamento(s) para o deferimento parcial é(são) o{s) seguinte(s):
- Enquadramento como Trabalhadora desta Entidade Empregadora desde 2/10/2014.
- Não foi entregue sentença do tribunal que tenha apreciado e definido o valor da compensação por despedimento por falta de pagamento,
Estão registadas algumas equivalências por motivo de doença durante o período de falta de pagamento.
- Os créditos requeridos ultrapassam o plafond legal, no seu limite mensal, que não pode exceder por cada mês o triplo da retribuição mínima mensal garantida, conforme estabelecido nos termos do nº.1 do artigo 3° do Dec-Lei 59/2015, de 21 de abril.
- Parte dos créditos requeridos encontra-se vencida em data anterior ao período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação (Insolvência, Falência, Revitalização, o Procedimento extrajudicial de recuperação de empresas) previsto no n°.4 do artigo 2° do Dec-Lei 59/2015, de 21 de abril. […]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]».
Cf. ofício, inserto a fls. 6 do P.A.;
17) Através de ofício, datado de 26-11-2019, o Diretor de Segurança Social elaborou ofício, endereçado à Autora, com o assunto «Fundo de Garantia Salarial – Deferimento parcial», de cujo teor se destaca, entre o demais, o seguinte:
«[…] Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 5 de novembro de 2019, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento apresentado por Va Ex.a será deferido parcialmente, efetuando-se o pagamento e retenções abaixo descriminados.
O(s) fundamento(s) para o deferimento parcial é(são) o{s) seguinte(s):
- Enquadramento como Trabalhadora desta Entidade Empregadora desde 2/10/2014.
Não foi entregue sentença do tribunal que tenha apreciado e definido 0 valor da compensação por despedimento por falta de pagamento,
Estão registadas algumas equivalências por motivo de doença durante o período de falta de pagamento.
- Os créditos requeridos ultrapassam o plafond legal, no seu limite mensal, que não pode exceder por cada mês o triplo da retribuição mínima mensal garantida, conforme estabelecido nos termos do nº.1 do artigo 3° do Dec-Lei 59/2015, de 21 de abril.
- Parte dos créditos requeridos encontra-se vencida em data anterior ao período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação (Insolvência, Falência, Revitalização, o Procedimento extrajudicial de recuperação de empresas) previsto no n°.4 do artigo 2° do Dec-Lei 59/2015, de 21 de abril. […]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]
Mais se informa que a partir da presente notificação tem V. Exª os prazos de:
-15 dias úteis, para reclamar;
- 3 meses, para impugnar judicialmente […]».
Cf. documento de fls. 21 do P.A.;
18) Em 26-11-2019, foi prolatada, no âmbito do processo judicial referido no ponto “6)”, sentença de verificação e graduação de créditos Cf. sentença, inserta a fls. 17 a 19 do P.A.;
19) Do teor da decisão referida no ponto que antecede destaca-se, de entre o mais, o seguinte:
«[…] Decretada a insolvência de F..., Lda, já transitada em julgado, foi aberto o concurso de credores, fixando-se o prazo de reclamação dos respetivos créditos em 30 dias.
O Sr.° Administrador de insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos a que alude o artigo 129.° do CIRE.
Não foram apresentadas quaisquer impugnações da lista dos credores reconhecidos pelo Sr.° Administrador de Insolvência. […]
De acordo com o n.° 3 do mesmo preceito a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
Lê-se no preâmbulo do CIRE que é na fase da reclamação de créditos que avulta de forma particular um dos objetivos do presente diploma, que é o da simplificação dos procedimentos administrativos inerentes ao processo. (...) Do apenso respeitante à reclamação e verificação de créditos constam assim apenas a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, as impugnações e as respetivas respostas.
Nos termos do n.° 3 do artigo 130.° do CIRE, se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista. […]
Vejamos, pois.
Conforme já supra se referiu, não foi deduzida qualquer oposição ou impugnação à lista de créditos apresentada pelo Sr.° AI.
Nos termos do artigo 130.°, n.° 3, do CIRE, não havendo impugnações, deve homologar-se a lista de credores reconhecidos e efectuar-se a correspondente graduação em atenção ao que dela conste. […]
IV-DECISÃO
Nestes termos, e face a todo o exposto:
A. Julgo reconhecidos os créditos constantes da lista apresentada pelo senhor AI nos autos:
B. Procedo à graduação dos créditos verificados, nos seguintes termos:
1. Em primeiro lugar, o crédito de AA e CC; […]».
Cf. sentença, inserta a fls. 17 a 19 do P.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
20) Em data não concretamente apurada, mas nunca anterior a 05-01-2020, a Autora tomou conhecimento do teor dos ofícios referidos em “16)” e “17)Cf. documentos ... e ...0, juntos com a p.i.; Facto não controvertido;
21) Em 15-01-2020, a Autora remeteu, por correio postal registado, à Entidade Demandada, um documento, contendo a sua pronúncia escrita quanto ao teor do ofício mencionado em “16)Cf. documento ...1, junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
22) Em 07-04-2020, deu entrada, neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a petição inicial referente à presente ação administrativa Cf. comprovativo de entrega de articulado, de fls. 1 a 3 do SITAF.
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A apelação:
Com a propositura da presente ação administrativa, foi intento da Autora a condenação do FGS a praticar ato administrativo a deferir a pretensão por si formulada perante aquele, na parte em, ao contrário do que foi decidido, se inclui no cômputo dos créditos laborais a suportar pelo Fundo a quantia de € 7.200,00, relativa a indemnização pela cessação do contrato de trabalho com justa causa.
O tribunal “a quo” julgou a acção improcedente, com absolvição do pedido.
Na decisão recorrida, depois de se desenvolver discurso fundamentador, condensa-se a final «a posição decisória deste Tribunal, que se desdobra em dois esteios: primeiro, o de que a sentença de verificação e de graduação de créditos não valerá, em regra, como decisão judicial para efeitos do disposto no artigo 396.º, n.º 1 do CT, a menos que dela resultem os elementos necessários à determinação quantitativa do direito indemnizatório, designadamente em termos do apuramento do grau de ilicitude do comportamento do empregador (em sentido semelhante, o Acórdão do TCA-Norte, de 03-11-2017, proc. n.º 02222/14.8BEBRG, acessível em www.dgsi.pt), posto que, naquela decisão, a prova do crédito não respeita ao crédito em termos absolutos, como acontece na ação declarativa, mas só ao crédito enquanto concretizado no direito a participar na distribuição do produto da venda; e, segundo, que o trabalhador que requeira, junto do FGS, o pagamento de crédito laboral relativo a indemnização pela cessação de contrato de trabalho, com justa causa, não estando munido de sentença do Tribunal de trabalho que fixe, em termos quantitativos, o seu direito de crédito, mas somente de uma sentença de verificação e graduação de créditos que lhe reconheça o direito a, legitimamente, participar no rateio dos bens do devedor, no âmbito do processo de insolvência, não preenche os pressupostos legais, previstos no DL n.º 59/2015, para o pagamento, por aquele Fundo, do mencionado crédito, posto que, nesse caso, o elemento quantitativo do direito de crédito não se encontra ainda definido e consolidado, devendo, pois, considerar-se a regra do in illiquidis non fit mora, prevista no n.º 3 do artigo 805.º do CC.».
A autora/recorrente aponta falta de ponderação do seguinte:
- “Na petição inicial do pedido de declaração de insolvência, a autora reclamou ser credora de 7.200 € a título de indemnização”;
- “Por douta Sentença de 09.07.2019, foram declarados confessados os factos alegados pela autora, por ausência de oposição, encontrando-se, assente que a requerente é titular do crédito alegado, que a requerida não tem qualquer património e que está inactiva desde, pelo menos, 28.01.2019”.
Tem algum sustento.
Lida a causa, exposta na p. i., pode concluir-se que brandiu em síntese: não haver exigência legal ou formal de apresentação de sentença judicial para além da sentença de declaração de insolvência; ademais, mesmo nesta o seu crédito foi reconhecido, para além de volver a ser reconhecido no apenso de reclamação de créditos.
Na sentença recorrida não deixou de se colocar em equação a alegação da autora de que “a indemnização pela cessação do seu contrato de trabalho, com justa causa, foi fixada em duas sentenças: por um lado, na sentença de declaração de insolvência e, por outro, na sentença de graduação de créditos”.
Apesar disso, a posterior atenção foi (apenas) para este último aspecto, quanto ao reconhecimento na graduação de créditos.
Mas não compromete resultado final.
Pois não se nos oferece dúvida que um reconhecimento em sentença de declaração de insolvência, apenas incidental, restringe efeitos de/no julgado a essa decisão.
Já quanto ao juízo empreendido quanto à necessidade de uma decisão judicial, e a não ver na sentença de verificação e graduação de créditos um constitutivo reconhecimento - dois pontos que não merecem adesão da recorrente -, vejamos.
A recorrente serve-se em corpo de alegações, mais ou menos fielmente decalcando e omitindo referência à citação, de discurso que pode encontra-se em vários arestos do STA sobre o tema (p. ex., Acs. do STA: de 17-12-2008, Proc.º n.º 705/08; de 12-02-2009, Proc.º n.º 820/08; de 25-02-09, Proc.º n.º 728/08; de 12-03-09, Proc.º n.º 712/08; de 25-03-2009, Proc.º n.º 1110/08; de 2-04-2009, Proc.º n.º 858/08; de 10-09-2009, Proc.º n.º 1111/08; de 10-09-2015, Proc.º n.º 0147/15); confrontando aí a indemnização por rescisão unilateral com justa causa, por salários em atraso, vencendo-se nos termos do art.° 3 da Lei n.° 17/86, de 14/06 (e alterações).
Acontece que, no caso, não estamos perante mesma disciplina normativa.
A normatividade em causa para a indemnização, é antes, em diferentes moldes, a de actual lei, prevista no artigo 396.º, n.º 1, do CT, prevendo que “o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades”. [bold nosso]
A propósito desta indemnização, escreve António Monteiro Fernandes (“Direito do Trabalho”, 16ª edição, Almedina, pág. 531): “O valor desta é calculado de harmonia com os parâmetros estabelecidos para o despedimento ilícito; trata-se de compensar os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador, dentro de uma faixa pré-definida: entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade (art.396º).”. [bold nosso]
Também João Leal Amado escreve (“Contrato de Trabalho”, 3ª Edição Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 499): “Em princípio o quantum indemnizatório é balizado pela lei, visto que o respectivo montante deverá ser fixado entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade. O legislador consagra, portanto uma moldura indemnizatória, com padrões mínimos e máximos de referência, devendo o tribunal atender ao valor da retribuição do trabalhador e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador em ordem a graduar a indemnização devida (n.º 1 do art.396.º). De entre os parâmetros em função dos quais a indemnização será calculada, importa ainda frisar que: i)no caso de fracção de ano ou antiguidade, o valor de referência será calculado proporcionalmente (nº 2); ii) em qualquer caso, isto é, independentemente da antiguidade do trabalhador, a indemnização nunca poderá ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades (n.º 1, in fine).”. [bold nosso]
Na decisão recorrida segue-se o que já por várias vezes foi pronúncia deste TCAN: «Como se escreve em Ac. deste TCAN, de 14/02/2020, proc. n.º 2196/18.6BEBRG, não sofre controvérsia que “o crédito a indemnização por cessação dos contratos de trabalho, no caso, por iniciativa dos Autores, com justa causa, bem como, entre outras, por despedimento ilícito só se torna líquido e, por isso, vencido e exigível (cfr. artigo 8050 n° 3 do Código Civil) se for titulado por sentença judicial que fixe o exacto valor da indemnização devida, nos termos, respectivamente, dos artigos 396.° e 398.° do CT - cfr., entre outros, os Acórdãos do STA de 10.09.2015, Proc. 0147/15, do TCAS Sul de 01.06.2017, Proc. 13076/16 e do TCA Norte de 02.07.205, Proc. 01826/1 I.5BEPRT, de 15-09-2017, Proc. n.° 1508/11.8BEBRG - o direito do trabalhador ao pagamento do crédito salarial em questão apenas se firma na sua esfera jurídica após o trânsito em julgado da respetiva decisão judicial.”» - Ac. deste TCAN, de 27-11-2020, proc. n.º 37/19.6BEAVR.
«Dado que o valor da indemnização pela resolução do contrato com justa causa deve ser judicialmente fixado entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, o respetivo valor só se torna líquido com o trânsito em julgado da sentença que a fixa, pelo que os juros de mora respetivos apenas são devidos a partir deste» [bold nosso] - Ac. do STJ, de 21-04-2016, proc. nº 564/10.0TTLSB.L1.S1 (cfr., tb., Ac. RL de 06-04-2022, proc. n.º 23240/20.1T8LSB.L1-4); «Efectivamente, nos termos do art. 805.° do Cód. Civil, cujo n° 3 acolheu o princípio in illiquidis non fit mora - e visto que a indemnização em causa, variável entre dois limites legalmente estabelecidos, só pode ser estabelecida na sentença, - art. 443.º - o devedor não pode cumprir, in casu, enquanto não souber qual é o exacto objecto da prestação, pelo que enquanto o crédito não se tornar líquido o mesmo não pode ser considerado em mora.» - Ac. RL, de 06-07-2011, proc. n.º 1584/07.8TTLSB.L1-4. [bold nosso; art. 443.º do CT 2003, sobre que, então, se entendia que “Tal preceito terá visado estabelecer, não tanto uma regra de indemnização para específico ressarcimento dos danos, mas antes uma sanção contratual “ope legis”, semelhante à cláusula penal convencional a que alude o artº 810º, nº 1, do C. Civ..” (Ac. RC, de 05-07-2007, proc. n.º 433/06.9TTVIS.C1); hoje em dia, seguindo sumário do Ac. RP, de 08-06-2022 “III - A resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador é efetuada extrajudicialmente, como prevê o art.º 395º do Código do Trabalho, o qual não exige que seja formulado pedido da indemnização prevista no art.º 396º do Código do Trabalho, não ficando o trabalhador de reclamar o pagamento dessa indemnização em juízo se não fizer referência a ela na carta de resolução. IV - A indemnização prevista no nº 1 do art.º 396º do Código do Trabalho, abrange os danos patrimoniais e não patrimoniais, tratando-se de indemnização fixada conjuntamente com os critérios ali referidos, apenas se podendo fixar um valor fora desse critério, como prevê o nº 3 do mesmo artigo, isto é superior, no caso de o valor assim arbitrado não se mostrar adequado à salvaguarda de todos os danos (patrimoniais e/ou patrimoniais) efetivamente sofridos.”; tb. Ac. RG, de 30-06-2022, proc. n.º 1407/19.5T8BCL.G1].
Não há, pois, guarida para a tese da recorrente, de ver como desnecessária sentença (para além da que decreta a insolvência; relativamente à qual, vimos já, o reconhecimento aí feito não tem aqui projeção de efeitos).
O tribunal “a quo” afirmou a sua necessidade, sem confundir exigibilidade (vencimento) com executoriedade, mas também não abdicando de ver como se atinge essa exigibilidade; por sentença constitutiva.
Pelo que, e bem, seguiu a posição de princípio.
Veio, porém, também a entender que a sentença sobre graduação e verificação de créditos não teria condão.
Pelo que entendeu do seu caso julgado, com habilitada sustentação jurídica.
Capta-se que a recorrente não quererá acolher, na medida em que propõe um resultado final da demanda não concordante.
Mas por aí se fica; no ponto nada a recorrente desenvolve de crítica, apenas conclui, tal como se limita em corpo de alegações a afirmar, que o crédito indemnizatório por si reclamado foi reconhecido (para além de, alega, pela sentença que decretou a insolvência da entidade patronal) em sentença no apenso da reclamação de créditos.
O que nunca foi negado.
Só que a razão decisiva não se quedou por aí, ajuizando, com desfavorável repercussão à pretensão da agora recorrente, que «a sentença de verificação e de graduação de créditos não valerá, em regra, como decisão judicial para efeitos do disposto no artigo 396.º, n.º 1 do CT, a menos que dela resultem os elementos necessários à determinação quantitativa do direito indemnizatório, designadamente em termos do apuramento do grau de ilicitude do comportamento do empregador (em sentido semelhante, o Acórdão do TCA-Norte, de 03-11-2017, proc. n.º 02222/14.8BEBRG, acessível em www.dgsi.pt), posto que, naquela decisão, a prova do crédito não respeita ao crédito em termos absolutos, como acontece na ação declarativa, mas só ao crédito enquanto concretizado no direito a participar na distribuição do produto da venda».
Ora, “Os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último (José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 3º, Coimbra Editora, pág. 5); Os recursos, como é sabido, são o meio normal de se obter a anulação ou a revogação de uma sentença ferida por vício substancial ou por um erro de julgamento e, porque assim, cabe ao discordante indicar os "fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão" (art.º 690, n.º 1 do CPC). O que significa estar o recorrente obrigado a especificar as razões do desacerto do julgado por forma a convencer o Tribunal ad quem que a decisão recorrida está inquinada pelos erros e/ou pelas ilegalidades invocadas e que tal determina a sua revogação ou declaração de nulidade” (Ac. do STA, Pleno, de 19-03-2009, proc. n.º 0867/06).
Donde, não emerge erro de julgamento.
*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.
Porto, 10 de Março de 2023.

Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa