Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00038/08.0BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/21/2017
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Mário Rebelo
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRETA
Sumário:1. A avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha.
2. No cálculo da matéria colectável, deve aplicar-se, sempre que possível, as regras da avaliação directa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:J...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, inconformado com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Coimbra que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios dos anos de 2004 e 2005 dela interpôs recurso finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

1 - A Mma. Juiz do Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação deduzida pelo autor contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 2004 e 2005 no montante de € 4.679,33 e juros compensatórios no montante de € 104,50, no total de € 4.773,83 (quatro mil setecentos e setenta e três euros e oitenta e três cêntimos) e não o montante indicado no segmento final da douta sentença, de € 41.339,05, o qual resulta de um manifesto lapso de escrita de que se requer a respectiva correcção
2 - Considerou a Mma. Juiz, que no caso ocorreu vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, por excesso na quantificação com os fundamentos reproduzidos no ponto 2.° supra.
3 - Entendeu ainda relativamente às perdas de mercadoria: “Acresce que da instrução dos autos foi apurado que nem todo o peixe adquirido pelo Impugnante para venda é vendido, pois ocorrerem perdas em quantidades não apuradas (cfr. ponto 25 do probatório). Assim deveria a Administração Tributária ter considerado uma margem de perdas sobre o valor das compras corrigidas, o que não foi feito.”
4 - Concluindo: “Posto isto, não tendo sido contabilizados todos os custos e não tendo sido considerada uma percentagem para perdas de mercadoria, dúvidas não subsistem quanto ao excesso na quantificação da matéria colectável.
Face ao, exposto, a impugnante logrou demonstrar que o valor apurado a título de proveitos está desajustado, pelo que procede o vício alegado pelo mesmo e que determinou a anulação da liquidações adicionais de IVA dos anos de 2004 e 2005.”
5 - Com todo o respeito pela douta decisão “a quo” e reconhecendo a profunda análise efectuada pela Mma. Juiz, entende esta Representação da Fazenda existir erro na apreciação da prova, que conduziu à conclusão pela existência de excesso na quantificação da matéria colectável.
6 - Com efeito, não houve qualquer desconsideração de compras presumidas por parte da Administração Tributária para efeitos de cálculo da matéria tributável (saliente-se que se trata de liquidações adicionais a outras resultantes de declarações apresentadas pelo sujeito passivo que era declarante) e conforme a Mma. Juiz expressamente admite, não alegou a Impugnante a existência de mais custos que aqueles quem constam da contabilidade.
7 - São as compras presumidas a base de cálculo da margem que permitiu obter as vendas em falta relativamente às várias espécies de peixe vendidas em 2004 e 2005, não existindo duas presunções de compras, como parece concluir a Mma. Juiz mas apenas uma no valor de € 21.512,32 em 2004 (por aplicação do coeficiente de 8,94% ao CMV-Custo das mercadorias vendidas declaradas de € 240778,25) e € 21.641,47 em 2005 (por aplicação do coeficiente de 7,34% ao CMV-Custo das mercadorias vendidas declaradas de € 294968,19), que depois se especificam no ponto V-1.2 do Relatório de Inspecção, relativamente ao sável cm 2004 e à lampreia e ao meixão em 2005, dando origem a vendas presumidas de € 28.453,30 em 2004 e €49.752,08 em 2005.
8 - Com todo o respeito, foi considerado o custo de aquisição presumido da mercadoria sendo que o facto de o montante de vendas presumidas em 2005 ser superior, deriva das vendas de meixão, cujo preço médio de venda era de € 580,001kg.
9 - Quanto às supostas perdas, saliente-se que não existe qualquer quantificação das resultante do probatório, como é reconhecido na sentença, quando o ónus da prova cabia ao impugnante, nos termos do disposto no art. 74.°, n.° 3 da Lei Geral Tributária: “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”.
10 - Aliás a prova resulta do depoimento como testemunha do Técnico Oficial de Contas, à data dos impostos impugnados, Ju…, que nada presenciou, limitando-se a efectuar contabilizações dessas perdas por Nota interna dada pelo impugnante. Ora se tais contabilizações eram feitas, tal significa que a contabilidade do sujeito passivo já reflecte essas perdas, em nada resultando do depoimento em causa que existem perdas não reflectidas na contabilidade.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que conclua pela inexistência de excesso na quantificação da matéria colectável fixada por métodos indirectos, mantendo as liquidações de IVA impugnadas na ordem jurídico-tributária, assim se fazendo JUSTIÇA

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao julgar procedente a impugnação deduzida contra as las de IVA e juros compensatórios.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. O Impugnante foi alvo de uma inspecção externa de âmbito parcial, em IRS e IVA, aos anos de 2003, 2004 e 2005 – cfr. ordem de serviço de fls. 1 do processo administrativo.

2. Em 09.08.2006 deu entrada na direcção de Finanças de Coimbra uma carta pela qual o Impugnante informa, além do mais, que “As Guias de Transportes, se não foram entregues, não foi com intenção de sonegar informação mas antes por simples descuido da minha parte dado que me tenho de deslocar frequentemente dentro e fora do meu País e nem sempre tenho disponibilidade para cumprir alguns prazos que me são impostos” – cfr. carta de fls. 37 verso do processo administrativo.

3. Em 22.09.2006 a Inspectora Tributária dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra elaborou o “Projecto de Relatório de Inspecção Tributária”, que foi sancionado superiormente, em 27.09.2006, e enviado à Impugnante para esta exercer o direito de audiência prévia – cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 5 a 15, ofício e registo postal de fls. 17 (frente e verso) do processo administrativo.

4. Em 06.10.2006 o Impugnante apresentou um requerimento na Direcção de Finanças de Coimbra pelo qual exerceu o seu direito de audição quanto ao projecto de relatório de inspecção tributária – cfr. requerimento de fls. 18 (frente e verso) e comprovativo do envio de via fax de fls. 19 do processo administrativo.

5. Em 02.11.2006 o Inspector Tributário dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra elaborou o ¯Relatório de Inspecção Tributária‖, cuja cópia a fls. 20 a 31 do processo administrativo aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:

“(…)
II - 3. Outras situações
II - 3. 1. Actividade desenvolvida pelo sujeito passivo

Da análise efectuada constatámos que a actividade exercida consiste no comércio de peixe de águas interiores. As espécies comercializadas são exclusivamente Lampreia, Enguias, Meixão ( também denominado Angulas ou enguias para piscicultura) e Sável.
O sujeito passivo iniciou a actividade em 01/05/2003, não tendo neste exercício declarado quaisquer proveitos. (…)
IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos
IV — 1. Organização contabilística
Na análise efectuada verificámos, desde logo, a inexistência de contas de bancos reflectidas na contabilidade, no ano de 2003 e 2004, existindo no entanto, vários documentos que a elas fazem referência, como por exemplo pagamento da segurança social.
Notificado o sujeito passivo, foram-nos apresentados os extractos bancários da conta n.° 4…do Banco Comercial Português (Nova Rede) com movimentos nos anos de 2003 e 2004, que não foram reflectidos contabilisticamente verificada a inexistência da conta depósitos bancários.
Tratando-se de um sujeito passivo que possui contabilidade devidamente organizada de acordo com as leis comerciais, verificamos que esta não está de acordo com as normas estabelecidas no Plano Oficial de Contabilidade, nomeadamente, o princípio contabilístico da materialidade, ou seja, "as demonstrações financeiras devem evidenciar todos os elementos que sejam relevantes e que possam afectar avaliações ou decisões pelos utentes interessados".
IV — 2. Movimentos efectuadas na conta caixa
Existem movimentos contabilísticos em que se verifica que existe uma nítida intenção de tornar devedores saldos credores de caixa. Analisemos as seguintes situações:
Ø No final do mês de Janeiro de 2004, a conta caixa apresenta um saldo devedor de 12340,45€. No entanto, o lançamento que tornou devedor o saldo desta conta é titulado pelo documento interno 49 (arquivo 3), que não se encontra arquivado na contabilidade, mas conforme podemos verificar no diário movimenta a conta 11.1 (Caixa) em contrapartida da conta 51.3 (Conta particular). Este lançamento não tem qualquer credibilidade, trata-se apenas de um lançamento contabilístico que tem por objectivo transformar um saldo credor de 27659,55 € num saldo devedor de caixa, que não tem na sua base qualquer documento de origem externa (ver anexo 1).
Ø No final do mês de Agosto de 2005, a conta caixa apresenta um saldo devedor de 203,98 €. O lançamento que tornou devedor o saldo desta conta conforme podemos verificar no diário, movimenta a conta 11.1 (Caixa) em contrapartida da conta 51.3 (Conta particular), pelo valor de 21000 € e é titulado pelo documento interno 85 (arquivo 3). No entanto verificado o documento com este número arquivado na contabilidade verificou-se que este diz respeito ao processamento e pagamento de salários, não se vislumbrando qualquer relação entre o documento arquivado e o lançamento referido. Este lançamento não tem qualquer credibilidade, trata-se apenas de um lançamento contabilístico que tem por objectivo transformar um saldo credor de 20796,02 € num saldo devedor de caixa, que não tem na sua base qualquer documento de origem externa (ver anexo 2).
IV — 3. Extractos bancários
Em 29 de Junho de 2006 o sujeito foi notificado para apresentar os extractos emitidos pelo banco de todas as contas bancárias nas quais fosse titular. No prazo indicado foram apresentados os extractos da conta à ordem 45234988731 do Millennium BCP.
Na análise efectuada verificámos a existência de uma outra conta bancária com o n.° 8…do mesmo banco (ver anexo 3), tendo sido o sujeito passivo novamente notificado para nos apresentar os extractos desta conta. No entanto, na resposta à nossa 2' notificação (anexo 4) o sujeito passivo refere no ponto 5: "entregámos todos os documentos de todas as contas bancárias que nos foram solicitadas e que ainda tínhamos em nosso poder". Dado que durante a visita apenas nos foram apresentados os extractos da conta à ordem 4…do Millennium BCP, houve por parte do contribuinte recusa de apresentação da conta n.° 85345160 do mesmo banco.
IV — 4. Actividade no ano de 2003
(…)
IV — 5. Circularização de fornecedores
Foram efectuados pedidos de contas correntes, relativas às compras de pescado efectuadas nos anos de 2003 a 2005, a vários fornecedores do sujeito passivo em análise.
Relativamente ao fornecedor "D…, sa", (principal, quase exclusivo fornecedor nacional no ano de 2005) verificámos (ver anexo 5):
Ø No ano de 2003, compras de pescado (Delegação de Matosinhos — Posto de Valbom) no montante de 648,00 € titulados por vendas a dinheiro, que não foram declaradas na contabilidade;
Ø No ano de 2005, compras de pescado (Delegação de Matosinhos — Posto de Espinho) no montante de 8883,00 € titulados por vendas a dinheiro de Julho, Agosto e Setembro, que não foram declaradas na contabilidade (apenas se encontram contabilizadas compras a fornecedores nacionais até Junho de 2005).

Os factos acima descritos revelam a existência de compras que não foram relevadas na contabilidade.
IV — 6. Livros de guias de transporte
O sujeito passivo foi notificado para nos apresentar as guias de transporte de mercadorias emitidas de 2003 a 2005. No prazo estipulado foram as guias apresentadas, no entanto verificámos existirem guias de transporte impressas pela Tipografia… L.da que não nos foram apresentadas. Questionado o sujeito passivo sobre a não apresentação das mesmas foi-nos dito que não houve intenção de sonegar informação, mas sim um simples descuido (ver anexo 4). Até à data não nos foram apresentadas as referidas guias.
Relativamente às guias de transporte apresentadas foram detectadas, várias situações anómalas que se passam a descrever:
Ø Várias guias de transporte em que não é identificado o cliente (clientes diversos), como exemplo as guias 4C de 07/06/2005, 11C de 30/06/2005, 21C - de 28/07/2005, 25C de 02/08/2005, 26C de 04/08/2005, 27C de 11/08/2005 e a 35C de 21/09/2005;
Ø A guia 4C de 07/06/2005 não indica o local de descarga;
Ø Guias de transporte não datadas sequencialmente, como exemplo a guia de transporte 5C tem data de 07/06/2005 e a 6C de 02/06/2005;
Ø Várias guias de transporte rasuradas, veja-se o caso da GT 80B (anexo 6) em que se verifica que a Gt foi alterada para fazer corresponder à factura 80B (250 Kg de Enguias), no entanto ainda se nota o anterior descritivo;
Ø Não existe qualquer factura que corresponda À Gt 50B de 01/06/2005 (anexo 7);
Ø Existência de duas guias de transporte da mesma ou de séries diferentes, mas sempre de livros distintos para o mesmo cliente no mesmo dia, sendo apenas facturada uma delas. Questionado sobre o assunto, o sujeito passivo diz tratar-se de um erro de duplicação (ver anexo 4). Esta justificação é inconsistente pois não se trata de uma situação única mas sim uma prática reiterada, como se pode verificar no quadro abaixo:
Guia de transporte Factura Observ.
GT 32 A e 30 C de 26/08/2005 Factura 51 A de 26/08/2005 Anexo 8
GT 33 A e 31 C de 31/08/2005 Factura 52 A de 31/08/2005 Anexo 8
GT 72 B e 32 C de 07/09/2005 Factura 72 B de 07/09/2005
GT 73 B e 33 C de 13/09/2005 Factura 73 B de 13/09/2005
GT 74 B e 34 C de 15/09/2005 Factura 74 B de 15/09/2005
GT 20 A e 07 D de 27/05/2005 Factura 35 A de 27/05/2005
GT 43 D e 51 D de 28/09/2005 Factura 51 D de 28/09/2005
GT 44 D e 52 D de 28/09/2005 Factura 52 D de 28/09/2005
GT 45 D e 53 D de 30/09/2005 Factura 53 D de 30/09/2005
GT 46 De 54 D de 11/10/2005 Factura 54 D de 11/10/2005
GT 48 De 55 D de 13/10/2005 Factura 56 D de 13/10/2005
GT 49 D e 56 D de 13/10/2005 Factura 57 D de 13/10/2005
GT 50 De 57 D de 08/11/2005 Factura 58 D de 08/11/2005
IV - 7. Vendas efectuadas a particulares
No ano de 2005 existem várias facturas emitidas pelo sujeito passivo (ver anexo 9) cuja identificação do cliente é "Vendas a retalho ao consumidor final". Estas facturas não se afiguram como credíveis (apenas são emitidas em 2005, não tendo qualquer periodicidade lógica) e são uma forma de controlar a margem declarada que se torna mais evidente se observarmos o documento que se junta em anexo 10 ao presente relatório. No mês de Dezembro foram contabilizados na conta vendas dois documentos com o n.° interno 47, um deles um documento de elaboração própria relativo a vendas a particulares no montante de 6000 € não referindo sequer a espécie vendida. Os documentos contabilizados relativos a vendas a particulares são os seguintes:
Data N.° Interno Factura Quant. Designação P.unit. Valor
22-Abr 9 23 A 57 Lampreia 11,90 678,57
23-Abr 37 3 C 68 Lampreia 11,90 809,52
26-Abr 10 24 A 63 Lampreia 11,90 750,00
27-Abr 31 35 B 93 Lampreia 11,90 1107,14
29-Abr 13 27 A 86 Lampreia 11,90 1023,81
06-Mai 12 30 A 64 Lampreia 11,90 761,90
07-Mai 21 42 B 67 Lampreia 11,43 765,71
13-Mai 14 32 A 53 Lampreia 9,52 504,76
21-Mai 32 6 C 64 Lampreia 10,00 609,52
21-Mai 32 6 C 28 Sável 15,00 400,00
26-Mai 16 34 A 68 Lampreia 9,52 647,62
26-Mai 16 34 A 34 Sável 9,52 323,81
28-Mai 29 50 B 87 Lampreia 9,52 828,57
03-Jun 32 11 D 62 Lampreia 10,00 590,48
03-Jun 32 11 D 18 Sável 15,00 257,14
04-Jun 34 13 D 74 Lampreia 10,00 704,76
04-Jun 34 13 D 26 Sável 16,00 396,19
29-Dez 47 400 Enguias 14,29 5714,29

IV - 8. Análise às demonstrações financeiras
Ao analisarmos a demonstração de resultados do ano de 2005, torna-se evidente a não contabilização de amortizações com o objectivo de não agravar o resulta declarado que se cifra num prejuízo para efeitos fiscais de 10878,90 €. Realçamos ainda o facto de neste ano terem sido adquiridos vários equipamentos, nomeadamente viaturas que iriam aumentar substancialmente as amortizações em relação ao exercício económico anterior.
IV - 9. Compras / Vendas de Mercadorias
Foi efectuado, nos anos de 2004 e 2005 um controlo exaustivo das quantidades compradas e vendidas (ver anexos 11 a 14). Comparadas as compras, vendas e a variação de existências (anexo 15) obtivemos os seguintes resultados para cada uma das espécies comercializadas:
2004
EnguiasLampreia Meixão Sável
E. Inicial 0,00 55 0,00 0,00
Compras 22578,50 3090 20,27 187,40
E. Final 0,00 O 0,00 0,00
CMV 22578,50 3145 20,27 187,40
Vendas 22952,50 3479 50,00 105,00
Divergência -374,00 -334,00 -29,73 82,40
2005
Enguias Lampreia Meixão Sável
E. Inicial 0,00 O 0,00 0,00
Compras 28216,74 3739 70,73 267,00
E. Final 1500,00 O 0,00 0,00
CMV 26716,74 3739 70,73 267,00
Vendas 28733,50 3531 60,00 374,15
Divergência -2016,76 208,00 10,73 -107,15

Como podemos verificar nos quadros anteriores, existem desvios significativos em algumas espécies, desvios estes que traduzem por um lado, omissões nas compras (desvios negativos - as quantidades compradas são insuficientes para fazer face às vendas declaradas), por outro omissões nas vendas (desvios positivos - existe mercadoria comprada que não foi vendida, nem se encontra em existências).
De acordo com o exposto neste capítulo, verificam-se indícios que impossibilitam o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários à correcta determinação da matéria tributável de imposto sobre o rendimento e constitui fundamento à aplicação de métodos indirectos nos termos da al.b) art.87° e art.88° ambos da LGT e art.° 39° do CIRS.
V. Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
Em face dos fundamentos expostos no capítulo anterior, a matéria tributável dos anos de 2003 a 2005, irá ser determinada com recurso a métodos indirectos, uma vez que foram detectados pressupostos conducentes à sua aplicação e não ser possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à sua determinação.
V —1. ANOS DE 2004 E 2005
V — 1.1. Omissão de compras
Conforme já descrito no capítulo anterior comprovámos a existência de omissões às compras em algumas espécies uma vez que os consumos (compras ± variação de existências) declarados (em quantidade) são insuficientes para fazer face às quantidades vendidas, conforme se pode verificar nos quadros abaixo:
Ano de 2004
Enguias (Kg)Lampreia (unid.) Meixão (Kg)
E. Inicial 0,00 55 0,00
Compras 22578,50 3090 20,27
E. Final 0,00 O 0,00
CMV 22578,50 3145 20,27
Vendas 22952,50 3479 50,00
Divergência -374,00 -334,00 -29,73

Ano de 2005
Enguias (Kg)Sável (ICg)
E. Inicial 0,00 0,00
Compras 28216,74 267,00
E. Final 1500,00 0,00
CMV 26716,74 267,00
Vendas 28733,50 374,15
Divergência -2016,76 -107,15

Para quantificar as compras omitidas, consideraremos que as quantidades consumidas terão no mínimo de igualar as quantidades vendidas, calculando assim a percentagem de desvio em cada espécie em relação aos consumos declarados. O desvio encontrado em cada espécie será ponderado com base nas vendas declaradas determinando assim, o desvio total às compras. Este desvio será aplicado ao CMV (Custo das mercadorias vendidas) declarado, para calcular as compras em falta, às quais será aplicada a margem1 por nós apurada (ver anexo 16) determinando assim os valores de vendas em falta conforme quadros abaixo:
1No apuramento da margem para os anos de 2004 e 2005, foi apurado o preço médio de compra por espécie com base nas facturas dos fornecedores e o preço médio de venda com base nas facturas emitidas pelo sujeito passivo expurgando os valores facturados a particulares pelos motivos já expostos no capítulo IV.
Ano de 2004
Enguias (Kg)Lampreia (unid.) Meixão (Kg)
CMV
22578,50
3145
20,27
Vendas
22952,50
3479
50,00
Divergência
-374,00
-334,00
-29,73
Divergência (%)
1,63%
9,60%
59,46%
Valor das vendas
214620,25
781137,50
30000,00
322757,75
Ponderação
66,50%
24,21%
9,29%
Desvio
1,08%
2,32%
5,53%
8,9344%
CMV Declarado
240778,95 €
Compras em falta
21512,32€
Margem apurada
25,33%
Vendas em falta
26961,39 €
Ano de 2005
Enguias (Kg)Sável (Kg)
CMV
26716,74
267,00
Vendas
28350,00
374,15
Divergência
-1633,26
-107,15
Divergência ( %)
7,02%
28,64%
Valor das vendas
280274,79€
4184,59€
284459,38 €
Ponderação
98,53%
1,47%
Desvio
6,92%
0,42%
7,3369%
CMV Declarado
294968,19 €
Compras em falta
21641,47 €
Margem apurada
34,33 %
Vendas em falta
29070,98 €

V — 1.2. Vendas em falta
Na análise comparativa entre as quantidades vendidas e as compradas corrigidas com a variação de existências verificaram-se divergências que nos indicam a existência de vendas em falta, pois existem mercadorias compradas que não foram vendidas nem se encontram em existências, conforme quadros seguintes:

Ano de 2004
Sável
E. Inicial 0,00
Compras 187,40
E. Final 0,00
CMV 187,40
Vendas 105,00
Divergência 82,40
Ano de 2005
LampreiaMeixão
E. Inicial O 0,00
Compras 3739 70,73
E. Final O 0,00
CMV 3739 70,73
Vendas 3531 60,00
Divergência 208,00 10,73

Dado que, como já descrito no ponto anterior, se apurou um desvio nas compras de 8,93% no ano de 2004 e 7,34% no ano de 2005, as quantidades compradas serão corrigidas com base nos desvios determinados, sendo de seguida calculadas e valorizadas as vendas em falta, conforme quadros que se seguem:
Ano de 2004
Sável
Compras declaradas (Kg) 187,40
Desvio 8,93%
Compras corrigidas (Kg) 204,13
Vendas declaradas (Kg) 105,00
Vendas em falta (Kg) 99,13
Preço médio de venda 15,05 €
Valor das vendas em falta 1491,91 €

Ano de 2005
LampreiaMeixão
Compras declaradas (unid/Kg)
3739
70,73
Desvio
7,34%
Compras corrigidas (unid/Kg)
4013
75,92
Vendas declaradas (unid/Kg)
3531
60,00
Vendas em falta (unid/Kg)
482
15,92
Preço médio de venda
23,75 €
580 €
Valor das vendas em falta
11447,50€
9233,60€

Do exposto nos dois pontos anteriores resulta para os anos de 2004 e 2005 as seguintes correcções a efectuar às compras e vendas de mercadorias:
Ano de 2004
Ano de 2005
Valor Pt. Relatório Valor Pt. Relatório
Compras em falta 21512,32 v. i . i 21641,47 V.1.1
Vendas em falta 26961,39 v.1.1 29070,98 v.1 i
1491,91 v.1.2 11447,50 v.1.2
9233,60 vi.2
28453,3049752,08
V —2. ANO DE 2003
(…)
V —3. CONCLUSÃO
(…)
IVA
Para calcular os valores de IVA em falta para os períodos em análise, tivemos em atenção os aspectos seguintes:
- O sujeito passivo está enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral, desde 01/05/2003;
- Considerámos que as vendas de mercadorias se processaram de forma uniforme ao longo do ano, dada a impossibilidade de imputação aos períodos reais.
Resultante da aplicação de métodos indirectos, apurou-se IVA em falta nos seguintes períodos e montantes:
(…)

Período B.Trib Imposto
0403T 7113,33 355,67
0406T 7113,33 355,67
0409T 7113,33 355,67
0412T 7113,33 355,67
Total 28453,30 1422,67

Período B.Trib Imposto
0503T 12438,02 621,90
0506T 12438,02 621,90
0509T 12438,02 621,90
0512T 12438,02 621,90
Total 49752,08 2487,60

(…)” – cfr. fls. 20 a 31 do processo administrativo.
6. Em 14.11.2006 o Director de Finanças Adjunto, por delegação do Director de Finanças de Coimbra, exarou o seguinte despacho sobre o relatório de inspecção tributária identificado no ponto anterior do probatório e sobre os pareceres favoráveis do coordenador e do chefe de divisão: “Concordo com as conclusões do relatório e determino o(s) valor(es) proposto(s) para tributação.” – cfr. despacho exarado na primeira página do relatório de inspecção tributária de fls. 20 a 31 do processo administrativo.

7. Em 19.12.2006 deu entrada na Direcção de Finanças de Coimbra um requerimento apresentado pelo Impugnante a solicitar a revisão da matéria tributável – cfr. requerimento de fls. 81 a 94 do procedimento administrativo.

8. No dia 22 de Janeiro de 2007 foi realizada uma reunião entre o perito da administração tributária e o perito designado pelo Impugnante, no âmbito do procedimento de revisão da matéria colectável, não tendo os mesmos alcançado qualquer acordo, em virtude do perito do Impugnante entender ser absolutamente necessário para o esclarecimento da comissão a resposta ao pedido efectuado à “D…, SA” sobre a existência ou não das aquisições descritas no relatório de inspecção – cfr. acta n.º 004-A/LGT de fls. 99 do processo administrativo.

9. Em 26.01.2007 a “D…, S.A” enviou para a Direcção de Finanças de Coimbra, após correcção dos valores anteriormente comunicados que se verificou não estarem correctos o¯resumo dos movimentos do comprador J…, (…), relativos aos exercícios de 2003, 2004 e 2005 nos postos de Valbom e Espinho‖ – cfr. documentos de fls. 105 verso e 106 do processo administrativo.

10. De acordo com a relação de vendas a dinheiro da “D…, S.A” o Impugnante, no período correspondente aos anos de 2003, 2004 e 2005, comprou 248 quilos de peixe, no posto de Valbom, nos meses de Março a Junho do ano de 2005, no valor total de EUR 3.132,00 – cfr. relação de vendas a dinheiro de fls. 106 do processo administrativo.

11. No dia 05 de Fevereiro de 2007 realizou-se nova reunião entre o perito da administração tributária e o perito designado pelo Impugnante, que decorreu do seguinte modo:

“(…)
Conforme acordado na reunião anterior, o perito do contribuinte, fez chegar a esta comissão, um mais enviado pela D…, S.A. – Delegação de Matosinhos, e em anexo um mapa de vendas a dinheiro, onde nada consta relativamente aos anos de 2003 e 2004, nos postos de venda de Valbom e Espinho, ficando o mesmo a constituir o documento 1 da acta desta reunião.
Em virtude da divergência de informações fornecidas pela D…, foi proposto pelo perito da Administração Tributária, o adiamento desta Comissão para o dia 12 de Fevereiro pelas 10 horas, no mesmo local, de forma a que seja esclarecida tal divergência, junto daquela entidade.
(…)” – cfr. acta n.º 004-B/LGT de fls. 101 do processo administrativo.
12. No dia 12 de Fevereiro de 2007 realizou-se a última reunião entre o perito da administração tributária e o perito designado pelo Impugnante, não tendo os mesmos alcançado qualquer acordo, reunião que decorreu do seguinte modo:

“(…)
Face à irredutibilidade assumida pelo perito do contribuinte, que não manifestou qualquer abertura, não foi efectuada por parte do perito da Administração Tributária, qualquer proposta.
Contudo, estando nesta data, a comissão na posse do ofício n.º DF-042 de 30.01.2007, que fica a constituir o anexo 1 desta acta, confirmando o teor do mail enviado ao contribuinte, referenciado na acta n.º 4-B/2007, sob a designação de documento 1, e verificando-se assim a inexistência de compras em 2003, àquela entidade, por parte do reclamante, considera o perito da Administração Tributária, que sendo este um elemento essencial da fundamentação, poderá estar posta em causa quer a fixação dos rendimentos líquidos do IRS, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 65º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), como à liquidação adicional de IVA determinada por métodos indirectos.
(…)
Desta forma, é opinião do perito da Administração Fiscal, que se quanto ao ano de 2003, poderá assistir razão ao contribuinte, já quanto ao ano de 2004 e 2005, as propostas de tributação por métodos indirectos e o respectivo valor quer em sede de IRS quer de IVA, devem ser mantidos, com a fundamentação expressa do ponto IV, do relatório de exame, contudo caberá ao Exmo Senhor Director de Finanças, nos termos do nº 6 do artigo 92º, da LGT, resolver de acordo com o seu prudente juízo.
(…)” – cfr. acta n.º 004-C/LGT de fls. 104 do processo administrativo.
13. Em 11.06.2007 o Director de Finanças de Coimbra exarou o despacho n.º 09/2007, com o assunto “Procedimento de revisão da matéria tributável (artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro)”, referente a IRS e IVA dos anos de 2003, 2004 e 2005, cuja cópia de fls. 107 a 115 do processo administrativo aqui se dá por reproduzida e transcreve parcialmente:

“(…)
Deste modo
E pelas razões expostas, porque racionalmente fundamentadas, será de aplicar o critério proposto no relatório de Inspecção Tributária na determinação da matéria tributável — cujos cálculos e fundamentos aqui damos por integralmente reproduzidos — bem como com a posição defendida pelo perito da administração, o que vale por não aceitarmos, por não provado, o excesso na quantificação da matéria tributável quanto aos anos de 2004 e 2005, e logo, a pretensão do contribuinte. Quanto ao ano de 2003, e conforme já aqui referimos, dado não merecer credibilidade os valores declarados pelo contribuinte, recorremos também à aplicação de métodos indirectos, fixando os valores em zero Euros.
Pelo que
Quanto ao ano de 2003, com a fundamentação anteriormente elencada, fixo o rendimento global líquido de 1RS em € 0,00 (zero Euros e zero cêntimos) e o IVA em falta em € 0,00 (zero Euros e zero cêntimos).
Para os exercícios de 2004 e 2005, mantenho os valores inicialmente fixados para efeitos de I.R.S e de Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo o rendimento global liquido de IRS no total de € 6.916,76 (seis mil novecentos e dezasseis Euros e setenta e seis cêntimos), para o ano de 2004, e de € 16.462,66 (dezasseis mil quatrocentos e sessenta e dois Euros e sessenta e seis cêntimos) para o ano de 2005; para efeitos de I.V.A., é fixado o valor de FVA em falta para o ano de 2004 em € 1.422,67 (mil quatrocentos e vinte e dois Euros e sessenta e sete cêntimos) e para o ano de 2005 é fixado o IVA em falta de € 2.487,60 (dois mil quatrocentos e oitenta e sete Euros e sessenta cêntimos).
(…)” – cfr. despacho de fls. 107 a 115 do processo administrativo.
14. Em 08.08.2007 foi assinado o aviso de recepção do ofício n.º 8369, elaborado sob o assunto “Procedimento de revisão da matéria colectável. Decisão”, destinado a notificar o Impugnante do despacho identificado no ponto anterior do probatório – cfr. ofício, registo postal e aviso de recepção de fls. 120 (frente e verso) do processo administrativo.

15. Em 09.10.2007 foi elaborado o documento de cobrança, dirigido ao Impugnante, do qual consta a pagamento, até 30.11.2007, a liquidação adicional de IVA, com o número 07284396, referente ao período 0403T, no valor de EUR 355,67 – cfr. documento de cobrança de fls. 67 do processo físico.

16. Em 18.09.2007 foi elaborado o documento de cobrança, dirigido ao Impugnante, do qual consta a pagamento, até 30.11.2007, a liquidação adicional de IVA, com o número 07255082, referente ao período 0406T, no valor de EUR 355,67 – cfr. documento de cobrança de fls. 68 do processo físico.

17. Em 18.09.2007 foi elaborado o documento de cobrança, dirigido ao Impugnante, do qual consta a pagamento, até 30.11.2007, a liquidação adicional de IVA, com o número 07255083, referente ao período 0409T, no valor de EUR 355,67 – cfr. documento de cobrança de fls. 69 do processo físico.

18. Em 18.09.2007 foi elaborado o documento de cobrança, dirigido ao Impugnante, do qual consta a pagamento, até 30.11.2007, a liquidação adicional de IVA, com o número 07255189, referente ao período 0412T, no valor de EUR 355,67 – cfr. documento de cobrança de fls. 70 do processo físico.

19. Em 18.09.2007 foi elaborado o documento de cobrança, dirigido ao Impugnante, do qual consta a pagamento, até 30.11.2007, a liquidação adicional de IVA, com o número 07255412, referente ao período 0503T, no valor de EUR 621,90 – cfr. documento de cobrança de fls. 71 do processo físico.

20. Em 18.09.2007 foi elaborado o documento de cobrança, dirigido ao Impugnante, do qual consta a pagamento, até 30.11.2007, a liquidação de juros compensatórios, com o n.º 07255413, liquidados sobre o valor constante da liquidação adicional identificada no ponto anterior do probatório, no período de 31.05.2005 a 02.11.2006, no valor de EUR 35,44 – cfr. documento de cobrança de fls. 72 do processo físico.

21. Em 18.09.2007 foi elaborado o documento de cobrança, dirigido ao Impugnante, do qual consta a pagamento, até 30.11.2007, a liquidação adicional de IVA, com o número 07255554, referente ao período 0506T, no valor de EUR 621,90 – cfr. documento de cobrança de fls. 73 do processo físico.

22. Em 18.09.2007 foi elaborado o documento de cobrança, dirigido ao Impugnante, do qual consta a pagamento, até 30.11.2007, a liquidação de juros compensatórios, com o n.º 07255555, liquidados sobre o valor constante da liquidação adicional identificada no ponto anterior do probatório, no período de 06.08.2005 a 02.11.2006, no valor de EUR 30,19 – cfr. documento de cobrança de fls. 74 do processo físico.

23. Em 18.09.2007 foi elaborado o documento de cobrança, dirigido ao Impugnante, do qual consta a pagamento, até 30.11.2007, a liquidação adicional de IVA, com o número 07255414, referente ao período 0509T, no valor de EUR 621,90 – cfr. documento de cobrança de fls. 75 do processo físico.

24. Em 08.01.2008 foi apresentada neste Tribunal, presencialmente, a petição inicial dos presentes autos – cfr. comprovativo de entrega de documento n.º 37250 de fls. 2 do processo físico.

25. Nem toda a mercadoria adquirida pelo Impugnante era vendida, devido à existência de peixe que no momento da venda não estava em condições de ser vendido ou que morria – cfr. depoimento da testemunha Ju….

*
Com relevo para a decisão dos autos, não resultou provado que:
A) A existência de duas guias de transporte para o mesmo cliente, no mesmo dia, se deve a erros de duplicação.

*
A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise da documentação constante dos presentes autos com referência à numeração do processo físico e do processo administrativo conforme discriminado supra no probatório.
A factualidade constante do ponto 25 do probatório resulta do depoimento da testemunha Ju…, que foi técnico oficial de contas do Impugnante. Embora a referida testemunha tivesse sido um mero prestador de serviços, ou seja, não exercia funções nas instalações do Impugnante, estava a par da existência de perdas por reflectir a sua existência na contabilidade, por meio de uma nota interna dada pelo Impugnante. Ora, este depoimento é compatível com as regras da experiência comum, pois sendo o peixe um bem facilmente perecível, basta um irregular acondicionamento da mercadoria ou uma dificuldade no escoamento da mercadoria para o mesmo se deteriorar.
A matéria de facto não provada deve-se à inexistência de prova consistente sobre a mesma. Embora a testemunha Ju… tivesse aludido à existência de tais erros, a verdade é que o mesmo foi demasiado vago, pelo que o seu depoimento se afigura manifestamente insuficiente para dar como provada a referida factualidade. Por outro lado, as guias de transporte de fls. 40 do processo administrativo evidenciam que apenas existe coincidência quanto à identificação do cliente e da mercadoria, pois a hora, a viatura e o local de descarga são diferentes, o que afasta a hipótese de uma duplicação inadvertida das guias.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante foi alvo de fiscalização externa, de âmbito parcial, para IVA e IRS, relativa aos anos de 2003, 2004 e 2005 resultando correções à matéria tributável por avaliação indireta (e directa). Instaurado procedimento de revisão da matéria tributável, foram mantidas as correções propostas, mas quanto ao ano de 2003 foi fixado em 0,00 o rendimento global de IRS e 0,00 de IVA em falta.

O Contribuinte impugnou judicialmente as liquidações de IVA relativas aos exercícios de 2004 e 2005 contestando -entre o mais- a verificação dos pressupostos para lançar mão da avaliação indireta (falta de indícios suficientes) bem como erro na quantificação.

Realizada a inquirição de testemunhas, foi proferida sentença na qual a MMª juiz julgou improcedente a impugnação na parte em que contestava a existência dos pressupostos para avaliação indireta, mas anulou as liquidações impugnadas por excesso na quantificação com a seguinte fundamentação:
Para quantificar a matéria colectável a Administração Tributária considerou, em primeiro lugar, a divergência existente entre o custo das mercadorias vendidas e as vendas da qual se infere que foi vendida mais mercadoria – concretamente, enguias, lampreia e meixão no ano de 2004 e enguias e sável no ano de 2005 – do que aquela que foi adquirida pelo sujeito passivo nesse ano. Foi calculada a margem de desvio das compras em relação às vendas, em cada espécie, margem esta que depois foi ponderada em relação ao valor das vendas, e apurado o desvio total às compras. Neste sentido foi apurado um montante de compras em falta no valor de EUR 21.512,32 e EUR 21.641,47 para os anos de 2004 e 2005 e sobre esse valor foi presumido um valor de vendas em falta, no valor, respectivamente, de EUR 26.961,39 e EUR 29.070,98. Verifica-se assim que a administração presumiu custos relacionados com a compra de mercadoria que presumiu vendida, não tendo o Impugnante alegado a existência de mais custos do que aqueles que constam da contabilidade.
Para quantificar a matéria colectável quanto às vendas de sável no ano de 2004 e lampreia e meixão no ano de 2005, a Administração Tributária considerou que pelo facto de ter sido vendida menos mercadoria do que a comprada (sendo de zero as existência finais), o Impugnante teria omitido receitas. Foi então aplicada a percentagem de desvio às compras apurada para a demais mercadoria e corrigido o valor da mercadoria comprada, após o que foi calculado o valor das vendas em falta considerando as compras assim apuradas. Deste modo, a administração não se limitou a presumir que o sujeito passivo vendeu toda a mercadoria correspondente às compras declaradas nos anos de 2004 (que correspondia a 187,40) e 2005 (que correspondia a 3809.73), pois presumiu a existência de mais compras (corrigindo as compras para 204,13 no ano de 2004 e para 4088,92 no ano de 2005). Sucede, porém, que no apuramento final, a administração não considerou as compras corrigidas, mas apenas o valor das vendas – do quadro referente ao apuramento final verifica-se o seguinte: no ano de 2004 a administração considerou apenas o custo das compras em falta no valor de EUR 21.512,32, que corresponde exclusivamente ao valor das compras de enguias, lampreia e meixão, e considerou para as vendas em falta o valor de EUR 26.961,39, que corresponde ao valor das vendas de enguias, lampreia e meixão, e o valor de EUR 1.491,91, que corresponde ao valor das vendas de sável; no ano de 2005 a administração considerou apenas o custo das compras em falta no valor de EUR 21.641,47, que corresponde exclusivamente ao valor das compras de enguias e sável, e considerou para as vendas em falta o valor de EUR 29.070,98, que corresponde ao valor das vendas de enguias e sável, e o valor total de EUR 20.681,10 (resultante da soma das parcelas de EUR 11.447,50 e EUR 9.233,60), que corresponde ao valor das vendas de lampreia e meixão.
Então, quanto ao valor das vendas de sável no ano de 2004 e de lampreia e meixão no ano de 2005, não há dúvidas de que a Administração não contabilizou o custo da aquisição da mercadoria – esta conclusão é válida independentemente de se concordar com o método utilizado pela administração para presumir o valor de tais compras, pois o facto é que foram contabilizadas vendas com base em compras corrigidas, e essas compras não foram reflectidas no apuramento da matéria colectável (mesmo que se entendesse que não tinham que ser presumidos custos para o apuramento das vendas desta mercadoria, sempre se concluiria pelo excesso de vendas contabilizadas) – o que se impunha.
Acresce que, da instrução dos autos foi apurado que nem todo o peixe adquirido pelo Impugnante para venda é vendido, pois ocorrem perdas em quantidades não apuradas (cfr. ponto 25 do probatório). Assim, deveria a Administração Tributária ter considerada uma margem de perdas sobre o valor das compras corrigidas, o que não foi feito.
Posto isto, não tendo sido contabilizados todos os custos e não tendo sido considerada uma percentagem para perdas de mercadoria, dúvidas não subsistem quanto ao excesso na quantificação da matéria colectável.
Face ao exposto, a Impugnante logrou demonstrar que o valor apurado a título de proveitos está desajustado, pelo que procede o vício alegado pelo mesmo o que determina a anulação das liquidações adicionais de IVA dos anos de 2004 e 2005”

A AT não se conforma com o decidido e no recurso para este TCA defende não ter havido qualquer desconsideração de compras presumidas (Conclusões 6ª a 8ª). E quanto às supostas perdas defende que não existe qualquer quantificação das mesmas, além de que, de acordo com a testemunha, essas perdas eram contabilizadas por nota interna dada pelo Impugnante, o que significa que a contabilidade do sujeito passivo já refletia essas perdas (Conclusões 9ª e 10ª).

Assim, a questão que nos é submetida traduz-se em saber se a sentença errou ao decidir que quanto ao valor das vendas corrigidas de Sável (2004) a AT não contabilizou o custo (corrigido) da respetiva aquisição, assim como em relação às vendas (corrigidas) de Lampreia e Meixão de 2005 a AT omitiu a contabilização do custo (corrigido) destas mercadorias.

Como bem salientou a MMª juiz, para quantificar a matéria colectável a Administração Tributária seguiu vários passos.

1º Verificou a divergência existente entre o custo das mercadorias vendidas e as vendas da qual inferiu que foi vendida mais mercadoria – concretamente, enguias, lampreia e meixão no ano de 2004 e enguias e sável no ano de 2005 – do que aquela que foi adquirida pelo sujeito passivo nesse ano.

2º Calculou a margem de desvio das compras em relação às vendas, em cada espécie. Margem esta que depois foi ponderada em relação ao valor das vendas, com base na qual apurou o desvio total às compras. Neste sentido foi apurado um montante de compras em falta no valor de EUR 21.512,32 e EUR 21.641,47 para os anos de 2004 e 2005 e sobre esse valor foi presumido um valor de vendas em falta, no valor, respectivamente, de EUR 26.961,39 e EUR 29.070,98.

Ou seja, a administração presumiu custos relacionados com a compra de mercadoria que também presumiu vendida.

3º Para quantificar a matéria colectável quanto às vendas de sável no ano de 2004 e lampreia e meixão no ano de 2005, a AT considerou que pelo facto de ter sido vendida menos mercadoria do que a comprada (sendo de zero as existência finais), o Impugnante teria omitido receitas. Foi então aplicada a percentagem de desvio às compras apurada para a demais mercadoria e corrigido o valor da mercadoria comprada.

4º Após esta operação, foi calculado o valor das vendas em falta considerando as compras assim apuradas.

Ou seja, a AT não se limitou a presumir que o sujeito passivo vendeu toda a mercadoria correspondente às compras declaradas nos anos de 2004 (que correspondia a 187,40) e 2005 (que correspondia a 3809.73), pois presumiu a existência de mais compras (corrigindo as compras para 204,13 no ano de 2004 e para 4088,92 no ano de 2005).

Contudo, no apuramento final a administração não considerou todas as compras corrigidas, mas apenas o valor das vendas:
(i) no ano de 2004 a administração considerou apenas o custo das compras em falta no
valor de EUR 21.512,32, que corresponde exclusivamente ao valor das compras de enguias, lampreia e meixão, e considerou para as vendas em falta o valor de EUR 26.961,39, que corresponde ao valor das vendas de enguias, lampreia e meixão bem como o valor de EUR 1.491,91, que corresponde ao valor das vendas de sável;
(ii) no ano de 2005 a administração considerou apenas o custo das compras em falta no valor de EUR 21.641,47, correspondente exclusivamente ao valor das compras de enguias e sável. E considerou para as vendas em falta o valor de EUR 29.070,98, que corresponde ao valor das vendas de enguias e sável bem como o valor total de EUR 20.681,10 (resultante da soma das parcelas de EUR 11.447,50 e EUR 9.233,60), que corresponde ao valor das vendas de lampreia e meixão.

No ano de 2004 o desvio de 8,9344% entre as mercadorias compradas e as vendidas foi relativa a Enguias, Lampreia e Meixão. Por isso, a AT calculou que as compras em falta foram de € 21 512,32 (quadro de fls. 15 do Relatório).

No ano de 2005 o desvio entre as compras e as vendas declaradas foi de 7,3369%, baseado nas Enguias e no Sável, calculando-se em 21641,47 as compras em falta (fls. 16 do relatório).

Se olharmos os quadros de correção de compras de fls. 10 da sentença, verificamos que as correções nestes itens (Sável, Lampreia e Meixão) foram correções de quantidade (kgs) e não de valor. Só as vendas foram alvo de correção monetária:

Ano de 2004
Sável
Compras declaradas (Kg) 187,40
Desvio 8,93%
Compras corrigidas (Kg) 204,13
Vendas declaradas (Kg) 105,00
Vendas em falta (Kg) 99,13
Preço médio de venda 15,05 €
Valor das vendas em falta 1491,91 €

Ano de 2005
LampreiaMeixão
Compras declaradas (unid/Kg)
3739
70,73
Desvio
7,34%
Compras corrigidas (unid/Kg)
4013
75,92
Vendas declaradas (unid/Kg)
3531
60,00
Vendas em falta (unid/Kg)
482
15,92
Preço médio de venda
23,75 €
580 €
Valor das vendas em falta
11447,50€
9233,60€

Contudo, no ano de 2004 apurou-se que o valor das vendas em falta de Sável era € 1491,91 cuja correcção ao CMV de 2004 não foi tomada em conta (em 2004 só se tomaram em conta as Enguias, a Lampreia e o Meixão).

No ano de 2005 calcularam-se as vendas em falta de Lampreia e Meixão no montante de € 11447,50 e 9233,60 respetivamente bem como Enguias e Sável (€ 29 070,98) mas só se apurou o CMV destes últimos.

Vejamos de uma forma gráfica o que acabámos de expor:

Correção das compras em falta
(Refletidas no apuramento da
matéria tributável)
Vendas em Falta
(Cujas compras não foram
refletidas no apuramento
da matéria tributável)
AnoValorBensBensValor
200421512,32Enguias-Lampreia-MeixãoSável1491,91
200521641,47Enguias - SávelLampreia/ Meixão11447,50+9233,60

Do exposto concluímos que a MMª juiz tem razão. Ou seja, a AT não considerou os custos de aquisição do Sável presumivelmente vendido (2004) nem os custos com aquisição da Lampreia e o Meixão presumivelmente vendidos (2005). O que significa que em relação a estes três itens só houve acréscimo de vendas omitindo-se a correção nas respetivas compras.

A avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (art.º 83º/2 LGT). Mas no cálculo da respetiva matéria coletável, deve a AT aplicar, sempre que possível, as regras da avaliação directa (art. 85º/2 da LGT.)

No caso dos autos, é manifesto que a AT preteriu esta regra e com isso deu origem a excesso na respetiva quantificação (art. 74º/3 LGT).

Para além deste excesso, provou-se que nem toda a mercadoria era vendida devido à existência de peixe que no momento da venda não estava em condições de ser vendido ou que morria (facto provado n.º 25) tendo a MMª juiz concluindo que a Autoridade Tributária também deveria ter considerado uma margem de perdas sobre o valor das compras corrigidas, o que não foi feito.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública discorda deste facto provado, mas não o impugnou validamente nos termos da alínea b) do n.º 1 e alínea a) do n.º 2, ambos do art.º 640º do CPC.
Discorda também da ilação extraída pela MMº juiz porque entende que a contabilização do sujeito passivo já reflecte essas perdas, o que nos parece correto.

Notemos que para cálculo da matéria colectável corrigida, o “desvio” encontrado em cada espécie foi ponderado com base nas vendas declaradas, determinando-se assim o desvio total às compras. Com este desvio, calcularam-se as compras em falta, às quais foi aplicada a margem apurada para determinar os valores de vendas em falta.

Assim, o cálculo do desvio encontrado pela AT já tem em consideração as perdas declaradas pelo Impugnante, precisamente porque se trata de uma percentagem que mede a divergência entre o custo das mercadorias vendidas e as vendas declaradas pelo Impugnante.
Deste modo, o facto provado n.º 25 embora verosímil, não se repercute em erro na quantificação (nem do mesmo resulta que tais perdas não estivessem contabilizadas pelo Impugnante).

De todo o modo, esta discordância com a fundamentação da sentença não elimina o excesso de quantificação nos termos que acima deixámos expostos o que sempre implicaria a anulação da liquidação e a confirmação da sentença recorrida, com os presentes fundamentos.

Por último deve corrigir-se o valor da ação que a MMª juiz por lapso fixou em € 41 339,0533 mas que nos termos do art. 97º-A/1-a) do CPPT deve corresponder ao valor da liquidação que neste caso é de € 4.773,83.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e com diferentes fundamentos confirmar a sentença recorrida.
Custas pela AT.
Valor da ação: € 4.773,83.

Porto, 21 de dezembro de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles