Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00509/12.3BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2016
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:INCOMPETÊNCIA MATERIAL; CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Sumário:I-Os Autores cumulam dois pedidos: o principal baseado na responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e o subsidiário fundado na responsabilidade por facto lícito;
I.1-e se é verdade que o art° 40º do CPTA permite a cumulação de pedidos, o certo é que o n° 2 (actual n° 3) do art° 5° deste diploma estatui que, quando um dos pedidos cumulados, não pertença ao âmbito da jurisdição administrativa, há lugar à absolvição da instância relativamente a ele;
I.2-no caso em concreto, no que tange ao pedido subsidiário fundado na responsabilidade por facto lícito, a competência pertence à jurisdição comum;
I.3-para estas situações há legislação especial não derrogada expressamente pelas normas gerais do ETAF, que confere aos tribunais judiciais a competência material para deles conhecer;
I.4-tal é o que decorre do regime de determinação do valor das indemnizações e sua impugnação;
I.5-se é competente a jurisdição comum para conhecer do recurso da decisão arbitral sobre o valor da indemnização, não faria sentido atribuir a jurisdição aos tribunais administrativos quando, em vez de ser requerida a arbitragem, seja proposta acção judicial directamente, com o mesmo objecto;
I.6-assim sendo, em matéria de expropriações e de constituição de servidões administrativas, a competência é atribuída aos tribunais judiciais para decidir sobre o valor das indemnizações devidas, mesmo quando o expropriante seja o Estado ou outra entidade pública.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JOMA e outros
Recorrido 1:EDP Distribuição-Energia, S.A
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
Nos autos acima referenciados em que são Autores JOMA e esposa, MDRP e Ré EDP Distribuição-Energia, S.A., todos neles melhor identificados, foi proferido Despacho Saneador que julgou o Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer dos pedidos formulados na alínea B) da petição inicial e, em consequência, absolveu a Ré da instância quanto aos mesmos.
Desta decisão vem interposto recurso pelos Autores.
Alegando, formularam as seguintes conclusões:
1ª. No despacho ora em análise o Tribunal “a quo” apoia a sua posição na decisão do Tribunal de Conflitos de 19.06.2014, processo n.º 9/14. Contudo, a situação retratada nos autos não pode ser comparada àquela que esteve na base da decisão daquele acórdão, mas sim à situação objecto do litígio subjacente ao Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 10/07/2012, proferido no processo n.º 03/12.
2ª. No caso daquele acórdão de 19.06.2014, o que está em causa é uma acção de condenação contra a EDP Distribuição de Energia, SA, peticionando-se uma indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual por actos lícitos, pela constituição de uma servidão administrativa aérea de passagem de energia eléctrica de alta tensão sobre um prédio de que os autores são proprietários, acrescida dos juros de mora. Nesse caso, entendeu o Tribunal dos Conflitos que a competência material compete aos tribunais judiciais.
3ª. Na situação retratada nos presentes autos o que se pretende não é o mero arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário do prédio serviente pela oneração imposta ao seu direito de propriedade, implicando substancial degradação do valor venal do imóvel, mas sim uma acção contra a concessionária de serviço público fundada na ilegalidade da sua actuação, ao instalar postes de alta tenção num prédio dos AA, cabendo, nestes casos, a competência aos Tribunais Administrativos (acórdão do Tribunal dos Conflitos de 10/07/2012, proc. 03/12).
4ª. O objecto da presente acção não se reporta exclusivamente à efectivação de pretensão indemnizatória fundada na obrigação de indemnização de danos causados por facto lícito.
5ª. Assim, o pedido principal tem como pressuposto a qualificação da actuação da entidade demandada como ilegal e atentatória do direito de propriedade dos AA. Significa isto que a acção proposta não é uma acção destinada a efectivar, em exclusivo, a obrigação de indemnizar, resultante de um acto lícito.
6ª. É pois a legalidade da sua actuação como concessionária que se discute na presente acção, o que a insere no âmbito da competência dos tribunais administrativos, nos termos do disposto na al. d) do n° 1 do artigo 4° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
7ª. Segundo o Tribunal “a quo”, resulta do DL 43335 que os danos resultantes da constituição da servidão administrativa são indemnizáveis, cabendo recurso da decisão quanto ao valor da indemnização para os tribunais judiciais.
8ª. Retiramos daquele preceito legal que o valor da indemnização é fixado por arbitragem, cabendo da decisão que derivar da arbitragem recurso para os tribunais judiciais.
9ª. Contudo, aquele dispositivo legal, neste concreto, não pode ser aplicado, porque o mesmo vale apenas para o recurso judicial da decisão proveniente da arbitragem, o que não está aqui em causa, visto não ter havido nenhuma arbitragem, uma vez que nem sequer se aceitou a actuação da Ré como lícita.
10ª. A Ré é concessionária do serviço público de transporte de energia eléctrica, sendo as suas actividades consideradas, para todos os efeitos de utilidade pública [art. 16º nº 2 e art. 30º do Dec. Lei nº 185/95, de 27/7 (diploma este alterado pelo art. 4º do Dec. Lei nº 56/97, de 14/3), e Base IV das bases da concessão da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctric].
11ª. A RÉ actuou como concessionária do serviço público de transporte de energia eléctrica.
12ª. Pela lógica seguida pelo Tribunal “a quo”, entendendo o mesmo não ser competente para o julgamento dos pedidos subsidiários feitos pelos AA, considerando que tal competência cabe aos tribunais judiciais, esses pedidos deveriam ser remetidos para aquela jurisdição (pedido que por precaução já foi feito pelos AA, nos termos do n.º 2, do art. 99.º do CPC, caso o presente recurso não proceda).
13ª. Os AA quando elaboraram a sua acção fizeram os pedidos subsidiários precisamente para salvaguardar que, caso não se considerasse a actuação da Ré ilegal, sempre lhes seria fixada a indemnização correspondente aos danos sofridos pela prática do acto lícito.
14ª. Não podem agora os AA/Recorrentes verem coarctado o seu direito a serem indemnizados, passado já tanto tempo do momento em que propuseram a acção, só porque o Tribunal “a quo”, após os articulados e diversas diligências, ter declinado a sua competência.
15ª. Daí que os mesmos não abdiquem que, caso os pedidos subsidiários não sejam julgados pelo Tribunal “a quo”, o possam ser pela jurisdição (alegadamente) competente.
16ª. O Tribunal “a quo” esquece-se que os Tribunais Judiciais só poderão arbitrar a indemnização por acto lícito, se se concluir que a expropriação ocorrida é lícita. Pelo que sempre estarão dependentes da decisão daquele tribunal relativamente ao pedido principal.
17ª. De qualquer forma sempre se dirá que a decisão do Tribunal “a quo” viola ostensivamente as normas do nº 1 do artigo 20º e do nº 4 do artigo 268º, conjugadas com o disposto no nº 2 do artigo 18º da CRP, na medida em que restringe, de forma desproporcional, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.
18ª. Esta acção começa por dar entrada nos Tribunais judiciais, tendo estes declinado competência. Os autos são remetidos à jurisdição administrativa que se considerou competente para o julgamento da causa. Só passados cerca de dois anos é que o Tribunal “a quo”, apoiando-se numa decisão do Tribunal de Conflitos posterior a interpretação à entrada em juízo da presente acção (acórdão de 19/06/2014, no processo n.º 9/14) decide julgar-se incompetente em razão da matéria para a apreciação dos pedidos subsidiários.
19ª. Vêem-se agora os AA numa situação que lhes coarcta o seu direito de acesso aos tribunais, uma vez que os pedidos subsidiários realizados não são apreciados, não por negligência sua (muito pelo contrário: intentaram a acção nos cíveis e depois nos administrativos), mas sim porque, volvidos dois anos do processo ter sido remetido para os Tribunais Administrativos tendo os mesmos se declarado competentes e tendo sido realizadas várias diligências, este Tribunal veio agora decidir que já não é competente.
20ª. É fundamental ter em conta que os AA, com a decisão recorrida, podem ficar privados de ver reconhecido o seu direito a uma indemnização pelos danos sofridos pela actuação da Ré (caso o pedido principal não proceda), à qual sempre teriam direito por via da servidão administrativa.
21ª. Esta violação do princípio da proporcionalidade e do direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos, constitucionalmente garantido é ainda mais notória se tivermos em conta que esta acção já deu entrada na jurisdição comum, dessa foi remetida para a administrativa, que se declarou competente e que agora, apoiando-se numa decisão posterior não só à propositura da acção, mas também à remessa da mesma para os tribunais administrativos, decide declinar a competência para conhecer dos pedidos subsidiários, apesar de estes não existem separadamente do pedido principal, desde logo porque os mesmos só podem ser analisados se e na medida em que este pedido não proceda.
22ª. Já nem sequer se coloca a possibilidade de, caso o presente recurso não seja procedente, o que só por mero dever de raciocínio se equaciona, o Tribunal “a quo” não remeter aos tribunais judiciais os pedidos subsidiários para que aí possam ser julgados, uma vez que, nesse caso, o segmento ou interpretação normativa que seriam extraídos pelo Tribunal “a quo” do artigo 4.º do ETAF [n.º 1, al. d)], conjugado com o artigo 42.º do DL 43335, no sentido de que, tendo a acção sido inicialmente proposta nos tribunais judiciais, que se declararam incompetentes em razão da matéria, o tribunal administrativo não deve admitir a remessa do processo para os tribunais judiciais, num momento em que a acção já não pode ser intentada naqueles tribunais, seria inconstitucional por violar os artigos 18.º/2 e 20.º/1 da Constituição, ou seja, por constituir um restrição do direito a uma tutela jurisdicional efectiva desrespeitadora das exigências associadas ao princípio da proporcionalidade.
23ª. Sem prescindir, sempre se dirá que é hoje dominante, na Doutrina e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, a interpretação no sentido que o art. 212º da Constituição consagra uma reserva relativa, um modelo típico, que deixa à liberdade do legislador ordinário a introdução de alguns desvios, aditivos ou subtractivos, desde que preserve o núcleo essencial do modelo constitucionalmente definido, segundo o qual o âmbito regra da jurisdição administrativa deve corresponder à justiça administrativa em, sentido material.
24ª. Ora, a entrega aos tribunais administrativos da competência para conhecer os pedidos de indemnização por danos emergentes de actos de gestão pública radica na presunção da melhor preparação daqueles órgãos judiciários para a apreciação de tais litígios, resultante da sua especialização.
25ª. Não afasta essa competência a eventualidade de o autor pedir a condenação pela prática de acto ilícito e subsidiariamente pela prática de acto lícito, mesmo que se entenda que para o conhecimento deste último pedido é competente o tribunal comum.
26ª. Um dos argumentos principais utilizados pelo Tribunal “a quo” para tomar a decisão recorrida é o de que em matéria de expropriações e de constituição de servidões administrativas, a competência jurisdicional é atribuída aos tribunais judiciais para decidir sobre o valor das indemnizações devidas, mesmo quando o expropriante seja o Estado ou outra entidade pública, não se aplicando nessa matéria as normas do artigo 4°/1/g) e i) do ETAF.
27ª. Acontece que este é um argumento muito frágil, com os dias contados, uma vez que o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais passa a consagrar no artigo 4.º, n.º 1, al. k) do ETAF que «Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:» «k) FixaçaÞo da justa indemnizaçaÞo devida por expropriaçoÞes, servidoÞes e outras restriçoÞes de utilidade puìblica;».
28ª. Também o artigo 2.º do CPTA passa a prever, no seu n.º 2, que «A todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, designadamente para o efeito de obter:» «m) A fixação da justa indemnização devida por expropriações, servidões e restrições de utilidade pública;».
29ª. Sempre se poderá dizer que estas novas alterações aplicam-se apenas às novas acções e não àquelas que já se encontram em juízo. Contudo, tal perspectiva é igualmente válida no que se prende com a decisão do Tribunal de Conflitos de 19/06/2014, processo n.º 9/14. Ou seja, os Tribunais administrativos, a seguirem uma tal jurisprudência, deveriam apenas aplicar a mesma aos novos processos e não àqueles cujos termos já se encontravam a correr normalmente na sua jurisdição.
30ª. O segmento ou interpretação normativa extraídos pelo Tribunal “a quo” do artigo 4.º do ETAF [n.º 1, al. d)], conjugado com o artigo 42.º do DL 43335, no sentido de declinar a competência da jurisdição administrativa para conhecer dos pedidos subsidiários quando aquela jurisdição é competente para conhecer do pedido principal, é inconstitucional, por violação do artigo 212.º, n.º 3 da Constituição.
31ª. Assim, a decisão recorrida, na parte em que julga procedente a excepção de incompetência material deste Tribunal para conhecer dos pedidos formulados sobre a alínea B) na P.I., viola ostensivamente o disposto no nº 1 do artigo 20.º e do nº 4 do artigo 268º, conjugadas com o disposto no nº 2 do artigo 18º da CRP; no artigo 212.º, n.º 3 da CRP; no artigo 2.º do CPTA; no artigo 4.º, n.º 1, al. d) do ETAF e no artigo 554.º do CPC.

NESTES TERMOS, e com o suprimento deste Tribunal:
- revogando a decisão em recurso e julgando o Tribunal “a quo” competente em razão da matéria para conhecer dos pedidos formulados pelos AA na petição inicial sobre a alínea B)
farão J U S T I Ç A
Não foram oferecidas contra-alegações.
O MP emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO/DE DIREITO

É objecto de censura o despacho do TAF de Aveiro que julgou procedente a excepção de incompetência material do Tribunal para conhecer dos pedidos formulados na alínea B) da petição inicial e, em consequência, absolveu a Ré da instância quanto aos mesmos.
Na óptica dos Recorrentes a decisão, na parte em que julgou procedente essa excepção de incompetência material do Tribunal, viola o disposto no nº 1 do artigo 20.º e no nº 4 do artigo 268º, conjugados com o disposto no nº 2 do artigo 18º da CRP; no artigo 212.º, n.º 3 da CRP; no artigo 2.º do CPTA; no artigo 4.º, n.º 1, al. d) do ETAF e no artigo 554.º do CPC.
Cremos que não lhes assiste razão.
Antes, porém, atente-se no discurso jurídico fundamentador da decisão em causa:
Da competência do Tribunal
Os Autores vieram intentar a presente acção administrativa comum peticionando que a Ré fosse condenada:
A) I A reconhecer que os AA. são proprietários, donos e legítimos possuidores dos prédios identificados nas als. a), b), c), d) e e) do artº. 1º deste articulado;
II E, considerando-se provada a sua responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, condená-la
a
a) - A retirar os postes e fios de alta tensão que estão implantados, e passam, sobre os prédios dos AA., repondo tudo no seu estado anterior.
b) A indemnizar os AA. por todos os danos (prejuízos) patrimoniais e não patrimoniais já liquidados nos artºs. 167º a 189º e 227º deste articulado, e que ascendem a € 104.500,00 (cento e quatro mil e quinhentos euros-).
B) Ou, assim não se entendendo, deve a Ré, na procedência da acção, ser condenada:
I A reconhecer que os AA. são proprietários, donos e legítimos possuidores dos imóveis identificados nas als. a), b), c), d) e e) do artº. 1º deste articulado;
II E, considerando-se que o acto da Ré não deva ser qualificado como ilícito, o que se contempla subsidiariamente, deve a Ré ser condenada, a título de responsabilidade por acto lícito, à reparação “in natura”, ou seja, à reposição da situação hipotética actual, à reparação de todos os danos emergentes e de todos os lucros cessantes que se venham a provar que têm um nexo de causalidade com o acto lícito danoso, a liquidar em execução de sentença.
Alegam, em súmula, que são proprietários dos prédios que identificam na petição inicial; que a Ré, no âmbito da actividade a que se dedica de distribuição de energia eléctrica, em regime de concessão de serviço público, decidiu avançar com a construção de infra-estruturas destinadas a dar suporte a uma linha de alta tensão de energia entre Mourisca do Vouga e Ílhavo; que aquela linha tinha que atravessar o prédio dos Autores; que a Ré encetou conversações e negociações com o Autor marido, para desenvolver aquele projecto; que a Ré apesar de se encontrar em negociações, sem autorização e de forma ilícita e abusiva entrou nos terrenos dos Autores; que lhes causou prejuízos, nomeadamente, decorrentes do facto de terem obtido licenciamento para a construção de naves industriais e, em consequência da intervenção da Ré terem ficado impedidos de construir e retirar rendimentos dos seus prédios; que com a sua actuação a Ré violou o disposto no artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 26852 de 30.07.1936, bem como o disposto nos artigos 55.º do Decreto-Lei 26852 de 30.07.1936; 37.º e 45.º do Decreto-Lei 43335 de 19.11.1960, causando aos Autores prejuízos em relação aos quais se constituiu na obrigação de os indemnizar. Alegou ainda que mesmo que assim não se entenda cabe à Ré indemnizar os Autores pelos prejuízos causados por acto lícito, decorrente do encargo público de construção do apoio n.º 7 no seu prédio rústico com o artigo matricial 4919 para dar suporte à linha de alta tensão de energia entre Mourisca do Vouga e Ílhavo, e por via do qual os Autores foram colocados em situação desigual face aos demais cidadãos.
Por despacho proferido em sede de audiência prévia, foi suscitada a questão da incompetência material deste Tribunal, tendo sido as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem.
Na sequência dessa notificação, apenas os Autores vieram responder alegando, em súmula, que o que peticionam nesta acção é o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel afectado pela actividade da entidade demandada e a sua condenação a remover os postes e fios de alta tensão que estão implantados e passam sobre os prédios dos Autores; que a acção proposta não é uma acção destinada a efectivar, em exclusivo, a obrigação de indemnizar resultante de um acto lícito, como sucede na situação a que se reporta o acórdão do Tribunal dos Conflitos, pois o que está em causa nos presentes autos é uma acção contra a concessionária de serviço público fundada na ilegalidade da sua actuação, ao instalar postes de alta tensão num prédio dos Autores, cabendo, nestes casos, a competência aos Tribunais Administrativos.
Cumpre, assim, decidir.
*
Considerando as partes envolvidas, a causa de pedir e os pedidos formulados, suscita-se então a questão de saber se este Tribunal é materialmente competente para conhecer do litígio emergente dos presentes autos, sendo certo que, nos termos do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos “o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”.
O requisito da competência resulta da necessidade de se repartir o poder jurisdicional pelos vários tribunais segundo diversos critérios. Como ensina o Prof. Antunes Varela, in Manual de
Processo Civil, 2ª edição, página 195 “Cada um dos órgãos judiciários, por virtude da divisão operada a diferentes níveis, fica apenas com o poder de julgar num círculo limitado de acções, e não em todas as acções que os interessados pretendam submeter à sua apreciação jurisdicional.”
Assim, a competência de cada Tribunal é a parcela de jurisdição pertencente a cada um dos órgãos jurisdicionais, determinada de harmonia com certos critérios, designadamente, de acordo com o da natureza e qualidade das causas.
Determina o n.º 3 do artigo 212.º da Constituição da República Portuguesa que compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Por sua vez, dispõe o artigo 1.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que os Tribunais Administrativos e Fiscais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
Para além da cláusula geral inserta naquele artigo, o legislador procedeu à determinação da competência da jurisdição administrativa através de várias enumerações contidas no artigo 4.º deste Estatuto e bem assim nos litígios que estão excluídos da sua competência.
A questão da competência do tribunal afere-se pelo pedido, pela pretensão do autor e seus fundamentos, ou seja pela causa de pedir, enquanto facto jurídico concreto devidamente explicitado, segundo a teoria da substanciação, que rejeita afirmações vagas, não factualmente concretizadas, ou seja pelo que é “disputatum”, em antítese com o que, mais tarde, será decidido.
Vejamos, pois, se o Tribunal Administrativo de Aveiro é materialmente competente para conhecer dos pedidos formulados pelos Autores.
No caso sub judicie os Autores cumulam dois pedidos: um principal e outro subsidiário.
Quanto ao pedido principal (pedido formulado sob a alínea a)), os Autores fundam a sua pretensão na alegada responsabilidade extracontratual por facto ilícito da Ré, por esta alegadamente ter violado o disposto no artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 26852 de 30.07.1936, bem como o disposto nos artigos 55.º do Decreto-Lei 26852 de 30.07.1936; 37.º e 45.º do Decreto-Lei 43335 de 19.11.1960, quando instalou nos terrenos de que são proprietários, infra-estruturas destinadas a dar suporte a uma linha de alta tensão de energia entre Mourisca do Vouga e Ílhavo.
Quanto ao pedido subsidiário (pedido formulado sob a alínea a)), os Autores fundam a sua pretensão na alegada responsabilidade extracontratual por facto lícito da Ré, decorrente do encargo público de construção daquelas infra-estruturas para dar suporte àquela linha de alta tensão, que alegadamente os colocou em situação desigual face aos demais cidadãos, determinando a reparação dos danos causados na sua íntegra, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 67/2007.
Ora, analisados os pedidos tal como formulados pelos Autores, bem como a causa de pedir em que vêm fundar cada um deles, concluímos que a incompetência deste Tribunal respeita apenas ao pedido subsidiário formulado sob a alínea b) sendo, porém, este Tribunal competente quanto ao pedido formulado sob a alínea a), devendo os autos prosseguirem com vista a conhecer deste último.
Na verdade, os Autores configuram a possibilidade de existir responsabilidade por parte da Ré, mas por acto lícito (no caso do Tribunal concluir pela inexistência de acto ilícito), consubstanciado no encargo público que alegadamente lhes foi imposto pela colocação daquele apoio 7 e dos respectivos elementos que o compõem, daquela linha de alta tensão, nos terrenos de que são proprietários.
Ora, este encargo decorre assim da constituição de uma servidão administrativa aérea para a passagem de energia eléctrica de alta tensão, cujo enquadramento legal encontramos no Decreto-Lei 43335, sendo que, deste diploma decorre que os danos resultantes da constituição da servidão administrativa são indemnizáveis pelo concessionário, prevendo-se que na falta de acordo entre este e os proprietários dos prédios onerados com essas servidões quanto ao valor da indemnização, é o mesmo fixado por arbitragem que deve ser requerida pelos interessados, cabendo desta decisão recurso para os tribunais judiciais, como aliás se conclui também no acórdão proferido em 19.06.1914, pelo Tribunal dos Conflitos, no processo n.º 9/14, cujos argumentos são aqui aplicáveis na íntegra e que, por isso, se dão por integralmente reproduzidos.
No entanto, e tal como também aí é salvaguardado, já assim não será quando a conduta do demandado é qualificada como ilegal e atentatória da propriedade do demandante, o que ocorre no pedido que é formulado nos presentes autos, na alínea a), cuja causa de pedir é fundada precisamente na alegada ilicitude da Ré, por esta ter violado o disposto no artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 26852 de 30.07.1936, bem como o disposto nos artigos 55.º do Decreto-Lei 26852 de 30.07.1936; 37.º e 45.º do Decreto-Lei 43335 de 19.11.1960, quando instalou nos terrenos de que os Autores são proprietários infra-estruturas destinadas a dar suporte a uma linha de alta tensão de energia entre Mourisca do Vouga e Ílhavo, sendo, neste caso, competente este Tribunal para conhecer da responsabilidade civil extracontratual da Ré por facto ilícito, nos termos dos artigos 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, alínea i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, conjugado com o artigo 1.°, n.° 5, da Lei 67/2007.
A incompetência do Tribunal em razão da matéria constitui uma excepção dilatória, cuja procedência obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa dando lugar à absolvição da instância da Ré (artigos 96º, 97º, n.º 1, 99º, 100º, 278.º, n.º 1, alínea a), 576º, n.º 2, 577º, alínea a), e 578º, todos do Código de Processo Civil aplicável ex vi art. 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Pelo exposto, decido julgar procedente a excepção de incompetência material deste Tribunal para conhecer dos pedidos formulados sobre a alínea B) do pedido deduzido pelos Autores na petição inicial e, em consequência absolver a Ré da instância quanto ao mesmo.(negrito nosso).
X
Para dirimir a questão em análise importa saber se a matéria colocada como objecto da causa, maxime o pedido e a causa de pedir configuram alguma das situações em que a lei atribui a competência especificamente aos tribunais administrativos.
Vejamos, portanto, se a matéria se enquadra na previsão do artº 1º do ETAF aprovado pela Lei 13/2002, isto é, se deve qualificar-se como litígio emergente de relação jurídica administrativa.
Para ajudar a delimitar o conceito de relação jurídica administrativa o nº 4º do mesmo diploma efectua uma enumeração exemplificativa, através da qual podemos encontrar critérios ou efectuar uma delimitação de fronteiras, usando as técnicas de interpretação da lei.
A relação jurídica administrativa tem sido definida como aquela que se desenvolve entre um ente público e pessoas privadas sob a égide de normas de direito público, isto é, que regulam a relação de modo diferente de correspondentes relações privadas, por incluírem um poder da parte pública ou uma sujeição especial, determinadas pela necessidade de conferir especial eficácia à tutela do interesse público.

Fazendo apelo ao preceituado no artº 13° do CPTA, é seguro que a competência do tribunal é de ordem pública e deve preceder o conhecimento de qualquer outra matéria.
Acresce que a incompetência absoluta se configura como uma excepção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e que conduz à absolvição da instância, sendo, de resto, do seu conhecimento oficioso, conforme resulta das disposições conjugadas dos artºs 576°/1 e 2, 577°/al. a), 578º/1ª parte e 278°/1, al. a), do novo CPC, (artºs 62º/2, 101º, 102º, 105º/1, 288º/1, al. a), 493º/1 e 2 e 494º/al. a), todos do antigo CPC, ex vi artº 1º do CPTA).
A competência do tribunal constitui um pressuposto processual, sendo um dos elementos de cuja verificação depende o dever do juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a pretensão deduzida. Como qualquer outro pressuposto processual, é aferida em relação ao objecto da lide, tal como é configurado pelo autor.
Desta forma, o problema da (in)competência de determinado tribunal tem de ser resolvido em função do modo como se encontra articulado e fundamentado o pedido do autor, não sendo incumbência do réu definir o âmbito do mesmo.
Dito de outra maneira, a competência do tribunal não depende da legitimidade das partes, nem da procedência da acção, constituindo uma questão que será decidida de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor, não importando averiguar quais deviam ser as partes ou os termos dessa pretensão. É, portanto, o pedido do demandante que determina a competência do Tribunal - cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 111, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 91, Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 104, e Miguel Teixeira de Sousa, A Competência e a Incompetência dos Tribunais Comuns, 3ª ed., pág. 139.
Na verdade, na base da competência em razão da matéria, está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para certos órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram -Antunes Varela /Miguel Bezerra/ Sampaio e Nora, ob. cit./197.
Postos estes considerandos, voltemos à hipótese dos autos.
Com efeito, o artº 212°/3, da CRP define o âmbito da jurisdição administrativa por referência ao conceito de relação jurídica administrativa, já que prescreve competir aos tribunais administrativos o julgamento de acções e recursos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Acresce que, em sintonia com o referido normativo, estatui o artº 1º/1 do ETAF, que os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça nos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Na arquitectura deste quadro legal, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham, nomeadamente, por objecto, além do mais, a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal - artº 4°/1/al. a), do ETAF.
Em termos gerais, compete aos tribunais administrativos o julgamento de acções e recursos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais. O que nos permite extrair a ilação de que à jurisdição administrativa incumbirá, em regra, o julgamento de quaisquer acções que tenham por objecto litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, ou seja, todos os litígios originados no âmbito da administração pública globalmente considerada, com excepção dos que o legislador ordinário expressamente atribuiu a outra jurisdição.
Neste sentido, as relações jurídicas administrativas pressupõem o relacionamento de dois ou mais sujeitos, num feixe de posições activas e passivas, regulado por normas jurídicas administrativo e sob a égide da realização do interesse público.
O critério material da distinção assenta, agora, em conceitos como relação jurídica administrativa e função administrativa - conjunto de relações onde a Administração é, típica ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público - cfr. Vieira de Andrade em Justiça Administrativa, 9ª ed., 103. Já Fernandes Cadilha, em Dicionário de Contencioso Administrativo, 117/118, afirma: por relação jurídico administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração), que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas.
A competência do Tribunal afere-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que invoca, pelo que a análise da petição dos Autores é determinante, sublinha o ac. do STA de 27/01/2010, proc. 017/09.
Assim sendo, há que atentar na configuração que o A. faz da acção, a saber, o pedido formulado e a concreta causa de pedir em que se baseia.
No caso em apreço, tal como acima se deixou consignado, a decisão recorrida estribou-se nos seguintes argumentos:
"Quanto ao pedido subsidiário (pedido formulado sob a alínea b)), os Autores fundam a sua pretensão na alegada responsabilidade extracontratual por facto lícito da Ré, decorrente do encargo público de construção daquelas infra-estruturas para dar suporte àquela linha de alta tensão, que alegadamente os colocou em situação desigual face aos demais cidadãos, determinando a reparação dos danos causados na sua íntegra, nos termos do disposto no artigo 3°, n. °s 1 e 2 da Lei n 67/2007.
Ora, analisados os pedidos tal como formulados pelos Autores, bem como a causa de pedir em que vêm findar cada um deles, concluímos que a incompetência deste Tribunal respeita apenas ao pedido subsidiário formulado sob a alínea b) sendo, porém, este Tribunal competente quanto ao pedido formulado sob a alínea a), devendo os autos prosseguirem com vista a conhecer deste último.
Na verdade, os Autores configuram a possibilidade de existir responsabilidade por parte da Ré, mas por acto lícito (no caso do Tribunal concluir pela inexistência de acto ilícito), consubstanciado no encargo público que alegadamente lhes foi imposto pela colocação daquele apoio 7 e dos respectivos elementos que o compõem, daquela linha de alta tensão, nos terrenos de que são proprietários.
Ora, este encargo decorrente assim da constituição de uma servidão administrativa aérea para a passagem de energia eléctrica de alta tensão, cujo enquadramento legal encontramos no Decreto-Lei 43335, sendo que, deste diploma decorre que os danos resultantes da constituição da servidão administrativa são indemnizáveis pelo concessionário, prevendo-se que na falta de acordo entre este e os proprietários dos prédios onerados com essas servidões quanto ao valor da indemnização, é o mesmo fixado por arbitragem que deve ser requerida pelos interessados, cabendo desta decisão recurso para os tribunais judiciais, como aliás se conclui também no acórdão proferido em 19.06.2014, pelo Tribunal dos Conflitos, no processo n.° 9/14, cujos argumentos são aqui aplicáveis na íntegra e que, por isso, se dão por integralmente reproduzidos.
No entanto, e tal como também aí é salvaguardado, já assim não será quando a conduta do demandado é qualificada como ilegal e atentatória da propriedade do demandante, pedido que é formulado nos presentes autos, na alínea a), cuja causa de pedir é fundada precisamente na alegada ilicitude da Ré, por esta ter violado o disposto no artigo 51.° do Decreto-Lei n.° 26852 de 30.07.1936, bem como o disposto nos artigos 55.° do Decreto-Lei 26852 de 30.07.1936; 37.° e 45.° do Decreto-Lei 43335 de 19.11.1960, quando instalou nos terrenos de que os Autores são proprietários infra-estruturas destinadas a dar suporte a uma linha de alta tensão de energia entre Mourisca do Vouga e Ílhavo, sendo, neste caso, competente este Tribunal para conhecer da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, nos termos dos artigos 1.º, n. ° 1 e 4.°, n. 1, alínea i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, conjugado com o artigo I .°, n.° 5, da Lei 67/2007". (sublinhado nosso).
Afigura-se-nos acertada esta argumentação.
Com efeito, os Autores cumulam dois pedidos, o principal baseado na responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e o subsidiário fundado na responsabilidade por facto lícito.
E, se à partida o art° 40º do CPTA permite a cumulação de pedidos, o certo é que o n° 2 (actual n° 3) do art° 5° deste diploma prescreve que, quando um dos pedidos cumulados, não pertença ao âmbito da jurisdição administrativa, há lugar à absolvição da instância relativamente a esse pedido.
Ora, é precisamente o caso em análise.
Como bem refere o despacho sub judice, no caso do pedido principal fundado na responsabilidade civil extracontratual a competência é inequivocamente dos tribunais administrativos. Posição que tem suporte no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 10/07/2012, processo n° 03/12(1) (aqui trazido pelos Recorrentes).
Porém, no que concerne ao pedido subsidiário fundado na responsabilidade por facto lícito, a competência pertence à jurisdição comum. Na verdade, na esteira do Acórdão do Tribunal de Conflitos de 19/06/2014, processo n° 09/14(2) (que analisou uma situação semelhante) para casos como o presente há legislação especial não derrogada expressamente pelas referidas normas gerais do ETAF, e que confere aos tribunais judiciais a competência material para deles conhecer. É o que decorre do regime de determinação do valor das indemnizações e sua impugnação estabelecido nos artigos 38° e segs. do DL 43335, em especial o artigo 42°, e artigo 38°/1 do CE, aprovado pela Lei 168/99, de 18/9. Com efeito, se é competente a jurisdição comum para conhecer do recurso da decisão arbitral sobre o valor da indemnização, não faria sentido atribuir a jurisdição aos tribunais administrativos quando, em vez de ser requerida a arbitragem, é proposta acção judicial directamente, com o mesmo objecto, como é o caso e o § 2° do artigo 38° do DL 43335 permite.
Assim sendo, em matéria de expropriações e de constituição de servidões administrativas, a competência jurisdicional é atribuída aos tribunais judiciais para decidir sobre o valor das indemnizações devidas, mesmo quando o expropriante seja o Estado ou outra entidade pública, não se aplicando nessa matéria as normas do artigo 4°/1/g) e i) do ETAF. Aliás, como bem se observa no parecer do Senhor PGA, a salvaguarda dos regimes especiais de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa é estabelecida pelo artigo 2°/1 da Lei 67/2007, bem como pelo artigo 10º/1 do regime da responsabilidade por ela aprovado, pelo que a conjugação do artigo 4°/1/i) do EFAF com o artigo 10º/5 deste regime não derroga as regras de competência que decorrem do DL 43335 e do CE.
Ora, como o pedido subsidiário se enquadra na constituição de uma servidão administrativa aérea para a passagem de energia eléctrica de alta tensão, cujo enquadramento legal se alicerça no DL 43335, a doutrina deste Acórdão tem aqui plena aplicação, já que se mantêm as regras nele insertas.
Deste modo, nesta parte, a competência para julgar assiste aos tribunais comuns, pelo que não será permitida a cumulação, por força do citado n° 2 do art° 5° do CPTA.
Por outro lado, não têm razão os Recorrentes quando afirmam que a sua pretensão já foi negada por incompetência declarada pelo tribunal comum. É que, se atentarmos no pedido que aí foi formulado, constata-se que o mesmo se fundou na responsabilidade civil por facto ilícito e daí que aquele tribunal se tenha declarado incompetente em razão da matéria.
Bem andou, pois, o senhor Juiz ao declarar a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal para conhecer dos pedidos formulados sob a alínea B) da petição inicial e, consequentemente, ao absolver a Ré da instância nesse particular.
Em suma:
-a competência em razão da matéria afere-se pelo pedido formulado e pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido, tal como a configura o autor - cfr. neste sentido, os acórdãos da Relação de Évora de 8/11/1979, Colectânea de Jurisprudência, 1979, IV, p. 1397, do Supremo Tribunal de Justiça de 3/2/1987, BMJ 364, p. 591, e de 9/5/1995, Colectânea de Jurisprudência /acórdãos STJ, 1995, II, p. 68; do Supremo Tribunal Administrativo de 10/3/1988, rec. 25.468, de 27/11/1997, rec. 34.366, e do Tribunal dos Conflitos, de 23/9/2004, proc. 05/04; na doutrina, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1ª ed., vol. I, pág. 88;
-aos tribunais administrativos cabe dirimir os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (art.º 1º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, e art.º 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa);
-como advertia Manuel de Andrade em Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra 1979, pág. 91: “(...) a competência do tribunal … afere-se pelo “quid disputatum” (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)";(….)É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respetivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão …" -no mesmo sentido, e entre outros, o acórdão do STA de 03/05/2005, proc. 046218;
-na hipótese vertente, os Autores cumulam dois pedidos: o principal baseado na responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e o subsidiário fundado na responsabilidade por facto lícito;
-e, se é verdade que o art° 40º do CPTA permite a cumulação de pedidos, o certo é que o n° 2 (actual n° 3) do art° 5° deste diploma estatui que, quando um dos pedidos cumulados, não pertença ao âmbito da jurisdição administrativa, há lugar à absolvição da instância relativamente a ele;
-no caso em concreto, no que tange ao pedido subsidiário fundado na responsabilidade por facto lícito, a competência pertence à jurisdição comum;
-na verdade, para estas situações há legislação especial não derrogada expressamente pelas referidas normas gerais do ETAF, que confere aos tribunais judiciais a competência material para deles conhecer;
-tal é o que decorre do regime de determinação do valor das indemnizações e sua impugnação estabelecido nos artºs 38° e segs. do DL 43335, em especial o artº 42°, e artº 38°/1 do CE, aprovado pela Lei 168/99, de 18/9; com efeito, se é competente a jurisdição comum para conhecer do recurso da decisão arbitral sobre o valor da indemnização, não faria sentido atribuir a jurisdição aos tribunais administrativos quando, em vez de ser requerida a arbitragem, seja proposta acção judicial directamente, com o mesmo objecto, como é o caso, e o § 2° do artº 38° do DL 43335 permite;
-assim sendo, em matéria de expropriações e de constituição de servidões administrativas, a competência é atribuída aos tribunais judiciais para decidir sobre o valor das indemnizações devidas, mesmo quando o expropriante seja o Estado ou outra entidade pública, não se aplicando nessa matéria as normas do artº 4°/1/g) e i) do ETAF;
-a salvaguarda dos regimes especiais de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa é estabelecida pelo artº 2°/1 da Lei 67/2007, bem como pelo artº 10º/1 do regime da responsabilidade por ela aprovado, pelo que a conjugação do artº 4°/1/i) do EFAF com o artº 10º/5 deste regime não derroga as regras de competência que decorrem do DL 43335 e do CE;
-tendo sido este o entendimento sufragado pelo despacho saneador sob escrutínio, ele será mantido na ordem jurídica.
Improcedem, assim, as conclusões dos Recorrentes.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.
Notifique e DN.
Porto, 15/07/2016
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
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(1) Sumário
É da competência dos Tribunais Administrativos a acção contra concessionária de serviço público fundada na ilegalidade da sua actuação ao instalar um poste num prédio do autor.
(2) Sumário
São da competência material da ordem dos tribunais judiciais as acções que — independentemente da forma de processo e da circunstância de ter ou não havido um prévio juízo arbitral, impugnado em via de recurso pelo interessado — têm como objecto o arbitramento da justa indemnização devida ao proprietário pela oneração do seu direito, determinante da desvalorização do bem pela constituição lícita de uma servidão administrativa por acto de entidade concessionária de serviço público, mesmo que aquela não seja decorrência de um precedente processo expropriativo.