Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01022/07.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/08/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Barbara Tavares Teles
Descritores:REVERSÃO
FALÊNCIA/INSOLVÊNCIA
Sumário:1. Uma vez decretada a falência da devedora originária, cabe ao liquidatário assumir os poderes de administração e representação da falida e já não o Oponente, como gerente, se nada se demonstra nesse sentido.
2. Se a administração tributária não demonstra que o revertido exercia as funções de gerência na data em que terminou o prazo de pagamento ou entrega de algumas dessas dívidas, e tendo a falência da sociedade executada sido decretada antes dessa data, será aplicável o regime probatório previsto na aliena a) do nº 1 do art. 24º da LGT.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:R...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
A Fazenda Publica, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a oposição à execução nº 0418200001032020 e aps. instaurada originariamente contra Fiação V…, SA, e revertida contra R..., aqui Recorrido, por dividas de IVA referentes a 12/1999 e coimas fiscais referentes ao ano 2000, no valor de €6.925,94, veio dela interpor o presente recurso jurisdicional, terminando as suas alegações formulando as seguintes conclusões: CONCLUSÕES:
A. A presente Oposição à Execução Fiscal, que tem subjacente dívidas de IVA de 1999, e coimas.
B. Em 1ª instância, foi a Oposição julgada procedente, por se ter considerado que o Oponente desenvolveu actividade da devedora originária agindo com o zelo e diligência média e que o Oponente logrou demonstrar que não foi por culpa que o património da empresa se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.
C. Sucede, porém, que o Ilustre Julgador alicerçou tal conclusão na factualidade dada como provada, nomeadamente a que ficou a constar de 6. a 10. da matéria assente, para a qual apenas contribuiu a mera prova testemunhal.
D. Nomeadamente, e em exclusivo, nos depoimentos, vincadamente genéricos, prestados pelo pai do Oponente (Sr. E…), por uma antiga funcionária da devedora originária (Sra. Ros…) e pelo Sr. liquidatário judicial, Sr. F….
E. Tudo sem que, a corroborar os factos alegados e que acabaram por ir ao Provado, exista qualquer outro contributo probatório, nomeadamente prova documental.
F. Considera esta Fazenda Pública que a prova testemunhal é manifestamente insuficiente para dar como provado os identificados factos.
G. Sendo certo que, relativamente a pelo menos parte deles, se impunha que se fizesse prova de outra natureza, designadamente que se lançasse mão de prova documental.
H. Tal raciocínio revela-se mais cogente, relativamente à suposta existência de dívidas – que nunca terão sido pagas – de uma outra sociedade (6. dos Factos),
I. Bem como relativamente à alegada aquisição de máquinas novas e de remodelação das instalações (9. da matéria assente),
J. Ou ainda, relativamente à existência de supostos incêndios.
K. No que concerne à existência de dívidas e à aquisição de máquinas, não se vê como se possa contornar a exigência de prova documental quanto à factualidade em causa, sendo certo que, a verificar-se o alegado, teriam necessariamente que existir elementos documentais que demonstrassem a existência das dívidas de terceiro ou a aquisição de equipamentos.
L. O mesmo se diga relativamente à existência dos supostos incêndios.
M. Caso os mesmos tivessem existido, haveria, com toda a probabilidade, evidências documentais dos mesmos, como sejam participações ao seguro ou às autoridades locais, eventuais de autos de ocorrência, etc.
N. Ora, percorridos os autos, verifica-se que inexiste qualquer documento que suporte os factos em causa.
O. Atento o paralelismo, e não obstante o acórdão ter por referência o art.º 13º do CPT, cumpre convocar o entendimento firmado no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, datado de 09-03-2006 (1):
Dada a falta de qualquer prova documental, não se pode julgar provado que o oponente, enquanto gerente da executada, tenha adquirido equipamentos de laboração fabril em sistema de locação financeira, que tenha recorrido a empréstimos pessoais com vista a financiar a executada, que a cliente “Bar…” pagasse as encomendas através de letras que não foram pagas e que a executada tivesse aderido a regimes de regularização de dívidas fiscais, factos para cuja prova consideramos que não basta o depoimento das testemunhas, exigindo-se também prova documental.
P. A idêntica conclusão deveria ter chegado o Mmo. Juiz a quo, seja pela inexistência de qualquer tipo de prova documental, seja, enfim, pelo carácter genérico dos depoimentos prestados.
Q. Razão pela qual, em face da inexistência de qualquer prova documental relativamente aos factos constantes de 6. a 10. dos Factos Provados, não poderiam ter sido tais factos dados como assentes.
R. Assim, deverá a sentença recorrida ser alterada em conformidade, expurgando-se da factualidade assente os referidos Factos.
S. Noutra vertente, considera a Fazenda Pública que deveriam ter ido à Matéria Assente factos outros factos que se afiguram relevantes para a boa apreciação e decisão da causa.
T. É que resulta dos autos, nomeadamente da cópia certificada da certidão emitida pelo Tribunal Judicial de Guimarães relativa aos autos de Falência n.º 901/1998, que correu termos no 1º Juízo Cível daquela comarca, e de que resultou a Falência da devedora originária, que:
- A sociedade devedora originária, Fiação V…, S.A., foi declarada falida por sentença proferida em 17 de Janeiro de 2000;
- No âmbito do Processo Falimentar foram reconhecidos créditos no valor de PTE 1.054.684.864$00 (€ 5.260.745,92, em moeda corrente);
- Deste montante, quase quatro milhões de euros correspondem a dívida reconhecida ao Estado português, relativas a dívidas para com a Administração Tributária e para com a Segurança Social, relativas aos anos de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998.
- O produto da liquidação dos bens da massa falida foi de PTE 23.234.866$00 (€115.895,02, em moeda corrente).
U. Factos estes que se impõem ao Ilustre Julgador e que têm suporte documental bastante em documento que inclusivamente foi junto pelo Oponente.
V. E que por se afirmarem como relevantes para a boa apreciação da causa, deveriam ter ido ao Provado.
W. Assim, e atento o disposto na alínea a) do art.º 712º do Código de Processo Civil, ex vi art.º 2º, alínea e) do CPPT, deverá a matéria de facto ser alterada, no sentido de serem dados como provados os factos indicados em T. das Conclusões da presente peça processual.
Mesmo que assim se não entenda,
X. Considera a Fazenda que a sentença sob recurso padece de errada interpretação e aplicação do direito, evidenciado uma errada valoração da base factual à luz do direito aplicável, nomeadamente por referência ao teor do art.º 13º do CPT, que estabelece uma presunção de culpa do gerente relativamente à insuficiência do património societário.
Y. Com efeito, a factualidade assente na 1ª instância não autoriza a conclusão a que chegou o Ilustre Tribunal.
Z. Na verdade, tem vindo a ser decidido, de forma douta, pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, de que constitui mero exemplo o Acórdão de 09-03-2006 (2):
1. Para ilidir a presunção de culpa consagrada no art. 13º do C.P.T. o gerente tem de provar que não existiu qualquer relação causal entre a sua actuação e a insuficiência patrimonial da empresa que geriu, pois que a culpa que releva é a que decorre do incumprimento das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores, mas só quando de tal incumprimento resulte, em nexo de causalidade adequada, a insuficiência do património social para a satisfação dos créditos
2. Por isso, não lhe basta alegar e provar as dificuldades económico-financeiras sentidas pela sociedade e as medidas tomadas para as ultrapassar, sendo necessário que, face ao desaparecimento do património social da executada, esclareça as razões por que esse desaparecimento (ou insuficiência patrimonial) aconteceu e demonstre ter desenvolvido todos os esforços para o evitar, provando factos demonstrativos de que não concorreu para esse evento, que a sua actuação não é susceptível de qualquer censura, que não teve uma acção e/ou omissão adequada à produção da insuficiência do património da sociedade executada para satisfação dos créditos fiscais que se constituíram durante o período da sua gerência.
AA. Nesta medida, e tendo presente que, como aliás é referido na sentença sob recurso, a culpa deve ser analisada à luz da diligência do bom pai de família, moldado pela veste de um gerente competente e criterioso, é manifesto que o comportamento do Oponente não cumpre – por menos exigente que se seja o aplicador do direito – com o critério acabado de mencionar.
BB. E não cumpre, desde logo, porque existiu um reiterado incumprimento das obrigações da sociedade para com o Estado português.
CC. Incumprimento este que se arrastou desde, pelo menos, 1989, até ao momento em que a originária devedora foi decretada falida.
DD. E incumprimento este de tal monta que determinou um acumular do passivo da sociedade até ter atingido uma cifra superior a um milhão de contos.
EE. Valor este que contrasta com o diminuto valor do activo na empresa aquando da liquidação do referido património em 2000: pouco mais de vinte mil contos, em moeda antiga!
FF. Em face da grandeza do passivo, e ante o irrisório valor do activo da empresa, não lhe bastava alegar e provar as dificuldades económico-financeiro que a sociedade atravessava, sendo ainda necessário que demonstrasse ter agido com a diligência própria de um bonus pater familiae, isto é, que adoptou medidas tendentes a ultrapassar e reverter essa situação, medidas destinadas a preservar o património da sociedade ou, pelo menos, a evitar que ele se tornasse insuficiente (3).
GG. Confrontada a matéria assente com o entendimento que ficou firmado, resulta que não se vê como se possa ter elevado o comportamento do aqui Oponente a comportamento de um gestor diligente.
HH. É que, por um lado, na matéria dada como provada não consta qualquer concreta medida que tenha sido tomada pelo Revertido no sentido de prevenir ou eventualmente fazer diminuir o estado de insuficiência patrimonial da originária devedora.
II. Por outro, não se demonstrou qualquer nexo causal entre os supostos incêndios ou o eventual incumprimento do cliente B…, SA (cuja dívida seria apenas de 50.000 contos) e a insuficiência do património da originária devedora.
JJ. E acrescenta-se que nem tal se afiguraria demonstrável, em virtude do reiterado incumprimento das obrigações para com o Estado que se verificava desde, pelo menos, 1989.
50. Assim, e independentemente das alterações à matéria dada como provada, sempre deverá a presente Oposição ser julgada improcedente por o Oponente se encontrar demonstrada, à saciedade a culpa do Oponente na insuficiência do património da originária devedora.
KK. Nestes termos, e visto o inciso legal citado, deverá a sentença recorrida ser revogada, e substituída por douto Acórdão que considere a Oposição improcedente.

Quanto à inconstitucionalidade da reversão das coimas
LL. Na douta sentença ora recorrida o M.º Juiz do Tribunal a quo principiou por apreciar, a título oficioso, a constitucionalidade do art.7º-A do RJIFNA (cujo texto tem larga correspondência ao actual art.º 8º do RGIT), tendo decidido, na esteira da jurisprudência do STA, que tal normativo legal se revelava desconforme com a Constituição da República Portuguesa (CRP).
MM. Todavia, face ao novel acórdão do Tribunal Constitucional, de 12 de Março de 2009, n.º 129/2009, devemos inflectir na orientação que até aqui vinha sendo seguida pela jurisprudência, a qual, como se referiu, corroborava o entendimento constante da
decisão sob recurso.
I. Entendendo o Tribunal Constitucional que o que a norma, por conseguinte, prevê é uma forma de responsabilidade civil, que recai sobre administradores e gerentes, relativamente a multas ou coimas em que tenha sido condenada a sociedade ou pessoa colectiva, cujo não pagamento lhes seja imputável ou resulte de insuficiência de património da devedora que lhes seja atribuída a título de culpa.
II. Para mais adiante expressar que O que o artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT prevê é uma forma de responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes, que resulta do facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido causadora do não pagamento da multa ou da coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa colectiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo.
III. Dirimindo a questão controvertida nos seguintes termos: o que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas.
IV. Concluindo que (…) o facto de a execução fiscal poder prosseguir contra o administrador ou gerente é uma mera consequência processual da existência de uma responsabilidade subsidiária, e não constitui, em si, qualquer indício de que ocorre, no caso, a transmissão para terceiro da sanção aplicada no processo de contra-ordenação (cfr. artigo 160º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
V. Ou seja, o disposto no artigo 8º do RGIT, que no essencial corresponde à anterior redacção do art.º 7-A do RJIFNA, não deverá ser entendido, segundo o recém publicado acórdão do Tribunal Constitucional, como contendo uma modalidade de transmissão para gerentes ou administradores da coima aplicada à pessoa colectiva, VI. Mas apenas uma mera responsabilidade civil subsidiária que resulta de um facto ilícito e culposo que não se confunde com o facto típico a que corresponde a aplicação da coima.

NN. Pelo que, em conclusão, deverá a douta decisão ora recorrida ser revogada quanto à alegada inconstitucionalidade do artigo 8º do RGIT que determinou a reversão da execução.
OO. Destarte, e tendo presente o douto entendimento do Tribunal Constitucional que temos vindo a acompanhar, resta concluir que o artigo de lei desaplicado em 1ª instância, nãp enferma de qualquer constitucionalidade.
PP. Nestes termos, impõe-se a revogação da sentença recorrida, na parte relativa à reversão das coimas.
Revogando a douta sentença recorrida farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA.
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, defendendo a procedência parcial do recurso.
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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
As questões suscitadas consistem em apreciar se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao considerar que o ora Recorrido é parte ilegítima para a execução, por ter demonstrado nos autos que não foi por culpa sua que o património da empresa se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.
*
II.FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
“Pelos documentos juntos aos autos com relevância para o caso, e do depoimento das testemunhas inquiridas, considero provado os seguintes factos:
1. Foram instauradas as execuções fiscais n° 0418-00/1032002.0, e apensos, contra Fiação V…, S.A. proveniente de IVA, dos anos de 1999 e coimas fiscais, no valor total de 6 925.64 €.
2. Em 01.09.2000, foi instaurada a execução fiscal n°0418-00/1032002.0, para cobrança de IVA de 1999;
3. Em 12.03.2003 foi instaurada a execução fiscal n°0418-200301012134, para cobrança de coimas fiscais;
4. Em 08.01.1999 a 04.11.2003, o processo de execução esteve apenso ao processo de falência da devedora originária, que correu termos no TribunaI Judicial de Guimarães, no âmbito do processo de falência n° 901/98, a qual foi decretada em 15.02.2000.
5. A referida sociedade tinha por objecto a fiação têxtil;
6. A partir de 1996 a sociedade teve muitas dificuldades económicas provocadas pela falta de pagamento de um cliente B…, S. A,- que foi à falência, ficando a dever dinheiro à executada originária;
7. A partir de 1996, verificava-se uma forte concorrência, provocada pela entrada de fio e rama de algodão, provenientes de países asiáticos, com preços inferiores aos produzidos pela executada originária;
8. A executada originária começou a trabalhar para a sociedade M…. S.A a “feitio”, sendo as margens de lucro muito baixos.
9. Para realizar trabalho para a M…, S.A, teve de comprar maquinas e novas e proceder a remodelações;
10. Em 10.01.1998 e 17.05.1998, a empresa ocorreram incêndios que obrigaram à paralisação da empresa, por vários meses;
11. Constatada a insuficiência de bens, na sociedade executada, veio a execução a reverter contra a Oponente, na qualidade de gerente da sociedade, por despacho datado de 08.01.2007 do Chefe de Finanças de Valença.

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos constante dos autos e no depoimento das testemunhas inquiridas, constante de fls. 1 75 a 178 dos autos, cujos depoimentos se encontram gravados.
Foi inquirido E…, pai do Oponente, e ex- administrador da executada originária, qual prestou o depoimento de forma séria e credível, demonstrando conhecimento da situação e descrevendo os factos e falou das dificuldades económicas que a executada originária passou pelo facto de não lhe ter sido paga uma encomendas, por B… S.A., no valor de 50 000 contos e atrasos nos pagamentos nos demais clientes e ainda o esforço desenvolvido pelo filho para criar alternativas e nomeadamente arranjar trabalho a “feitio”.
Foi ainda, inquirida Ros…, e ex-funcionária do executada originária, a qual prestou depoimento de forma séria e credível, demonstrando conhecimento da situação e descrevendo os factos e referenciou as dificuldades financeiras da empresa por falta de pagamento de clientes, os incêndios ocorridos na empresa que obrigaram à paralisação da mesma durante alguns meses, a celebração de contrato com a M…, S.A, a partir da qual começou a trabalhar a feitio e ainda o esforço que Oponente teve no sentido de arranjar novas alternativas.
Foi ainda, inquirido F…, liquidatário judicial, qual prestou o depoimento de forma séria e credível, demonstrando conhecimento da situação falou das dificuldades financeiras da empresa, por falta de pagamento de clientes, os incêndios ocorridos na empresa que obrigaram à paralisação da mesma durante alguns meses, e manutenção dos postos de trabalho e todos os encargos fixos.
A celebração de contrato com a M…, S.A, e a falta de financiamento dos bancos. Referiu ainda que a gestão desenvolvida pelo Oponente era uma gestão normal e que a empresa se encontrava mal redimensionada.
Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão.”

DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A Recorrente, nas suas alegações e conclusões, impugna os factos vertidos na sentença a quo dizendo o seguinte:
“Sucede, porém, que o Ilustre Julgador alicerçou tal conclusão na factualidade dada como provada, nomeadamente a que ficou a constar de 6. a 10. da matéria assente, para a qual apenas contribuiu a mera prova testemunhal.
Nomeadamente, e em exclusivo, nos depoimentos, vincadamente genéricos, prestados pelo pai do Oponente (Sr. E…), por uma antiga funcionária da devedora originária (Sra. Ros…) e pelo Sr. liquidatário judicial, Sr. F….
Tudo sem que, a corroborar os factos alegados e que acabaram por ir ao Provado, exista qualquer outro contributo probatório, nomeadamente prova documental.
Considera esta Fazenda Pública que a prova testemunhal é manifestamente insuficiente para dar como provado os identificados factos.
Sendo certo que, relativamente a pelo menos parte deles, se impunha que se fizesse prova de outra natureza, designadamente que se lançasse mão de prova documental.
Tal raciocínio revela-se mais cogente, relativamente à suposta existência de dívidas – que nunca terão sido pagas – de uma outra sociedade (6. dos Factos),
Bem como relativamente à alegada aquisição de máquinas novas e de remodelação das instalações (9. da matéria assente),
Ou ainda, relativamente à existência de supostos incêndios.
No que concerne à existência de dívidas e à aquisição de máquinas, não se vê como se possa contornar a exigência de prova documental quanto à factualidade em causa, sendo certo que, a verificar-se o alegado, teriam necessariamente que existir elementos documentais que demonstrassem a existência das dívidas de terceiro ou a aquisição de equipamentos.
O mesmo se diga relativamente à existência dos supostos incêndios.
Caso os mesmos tivessem existido, haveria, com toda a probabilidade, evidências documentais dos mesmos, como sejam participações ao seguro ou às autoridades locais, eventuais de autos de ocorrência, etc.
Ora, percorridos os autos, verifica-se que inexiste qualquer documento que suporte os factos em causa.”

Termina pedindo que:
Razão pela qual, em face da inexistência de qualquer prova documental relativamente aos factos constantes de 6. a 10. dos Factos Provados, não poderiam ter sido tais factos dados como assentes.
Assim, deverá a sentença recorrida ser alterada em conformidade, expurgando-se da factualidade assente os referidos Factos.”

Posto isto, vejamos:
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do CPC, e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do CPPT).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida. Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual art.640º, nº.1, do CPC que dispõe o seguinte:
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa -se o seguinte:
b) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)

Após leitura atenta das alegações e das conclusões de recurso verifica-se que a Recorrente não cumpre suficientemente o ónus a que está obrigada uma vez que invoca como fundamento o erro na apreciação das provas que foram gravadas, mas não indica com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, não diz qual é concretamente a testemunha que não deve ser considerada e não explica porquê.

Independentemente da falta de cumprimento do ónus previsto no nº 2 do supra citado artigo, sempre se dirá que a valoração da prova testemunhal sem estar acompanhada da respectiva prova documental, não leva à eliminação de factos dados como assente, mas sim à apreciação da valoração e relevância desses factos no julgamento de Direito.

Assim sendo, a valoração da prova testemunhal levada ao probatório, que segundo a Recorrente não podia ser valorada dessa forma sem a respectiva prova documental, é um erro de julgamento de facto que será a seu tempo analisado.

Ainda relativamente à impugnação da matéria de facto diz a Recorrente que deveriam ser aditados ao probatório os factos constante da conclusão T) - todos com base na cópia certificada da certidão emitida pelo Tribunal Judicial de Guimarães relativa aos autos de Falência n.º 901/1998, que correu termos no 1º Juízo Cível daquela comarca, e de que resultou a Falência da devedora originária, - a saber:

- A sociedade devedora originária, Fiação V…, S.A., foi declarada falida por sentença proferida em 17 de Janeiro de 2000;
- No âmbito do Processo Falimentar foram reconhecidos créditos no valor de PTE 1.054.684.864$00 (€ 5.260.745,92, em moeda corrente);
- Deste montante, quase quatro milhões de euros correspondem a dívida reconhecida ao Estado português, relativas a dívidas para com a Administração Tributária e para com a Segurança Social, relativas aos anos de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998.
- O produto da liquidação dos bens da massa falida foi de PTE 23.234.866$00 (€115.895,02, em moeda corrente).”

Embora a data da falência da sociedade executada originária já conste da alínea 4 do probatório tal data está errada face aos documentos constantes dos autos. Assim sendo, e compulsada a referida certidão impõe-se um aditamento à matéria de facto assente, pelo que nesta parte se decide pela procedência da impugnação à matéria dada como provada.
Posto isto, resta concluir pela improcedência da impugnação da matéria de facto, nesta parte.

*
Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC, aditam-se ao probatório os seguintes factos, os quais resultam provados por documentos juntos aos autos:
12. O despacho de reversão tem o seguinte teor:
“Nos termos do n. 2 do art. 153º do CPPT e do n.º 2 do art. 23º da LGT, a execução reverterá contra os responsáveis subsidiários, na falta ou insuficiência dos bens ou património do devedor, o que se verifica e relação à executada. Nos termos do art. 24º da LGT, os administradores que exerçam funções de administração nas sociedades, são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si, pelas dívidas tributárias, cujo facto constitutivo e/ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega se tenha verificado no período de exercício do seu cargo. Notificado para exercer o direito de audição, nos termos do art.º 23º n.º 4 e 60º da LGT por carta registada com A/R em 2006/12/13, não apresentou defesa” (fls. 128 dos autos.
13. A devedora originária, Fiação V…, SA foi declarada falida em 17/01/2000 (fls. 39 dos autos).
14. O oponente, aqui Recorrido, era presidente do Conselho de Administração da Fiação V…, SA até à declaração de falência.
15. No âmbito do processo falimentar foram reconhecidos créditos no valor de Esc. 1.054.684.864$ por dívidas tributárias relativas aos anos de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997 e 1998 (fls. 16 e 24 a 35 dos autos).
16. Deste montante, foram reconhecidos 370.936.008$ a favor da AT já que os restantes 7.389.141$ (de dívida à Alfândega do Porto) e 1007 286$ (Contribuição Autárquica) foram pagos (fls. 34 dos autos).
17. Posteriormente, foram reclamados pelo MP créditos no montante de 8.738.812$ proveniente de IVA de 1999 e de 121.744$ de Contribuição Autárquica, os quais também foram reconhecidos (fls. 42 e 43 dos autos).
18. O produto da liquidação dos bens da massa falida foi de 23.234.866$ (fls. 49 dos autos).
19. As dívidas de IVA, relativa a 1999 e as coimas fiscais de 2000, que estão na base do processo de execução fiscal n.º0418200001032020 e aps. não constam da lista de créditos reconhecidos e que foram objecto de rateio (fls. 23 e segs.).
20. O prazo legal de pagamento da dívida exequenda, IVA 1999, terminou em 10/02/2000. (fls. 60 dos autos).
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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para as questões que nos vêm colocadas.
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II.2. Do Direito
Conforme resulta de teor das alegações e conclusões de recurso o que está agora em causa saber se a decisão a quo incorreu em erro de julgamento de direito quando julgou procedente a oposição por entender que o Recorrido logrou demonstrar a falta de culpa na dissipação do património societário.

A este respeito sentença a quo, atendendo ao que ficou provado decidiu que:
A executada originária tinha por objecto a fiação têxtil, sendo facto público e notório que nos anos a que se refere a dívida o sector têxtil era alvo de uma forte crise provocado pela entrada de fios e rama de algodão proveniente dos países asiáticos, a preços mais baixos dos praticados em Portugal.
A partir de 1996 a sociedade teve muitas dificuldades económicas provocadas pela falta de pagamento de um cliente – B…, S.A,- que foi à falência, ficando a dever dinheiro à executada originária o que lhe provocou desequilíbrio financeiro grave, o qual foi agravado com as dificuldades de receber atempadamente de clientes.
A executada originária começou a trabalhar para a sociedade M…, S.A a “feitio”, sendo as margens de lucro muito baixos.
Para realizar trabalho para a M…, S.A, teve de comprar máquinas novas e proceder a remodelações.
A executada originária recorria ao crédito bancário para proceder ao pagamento de rama de algodão e de equipamentos que a certa altura lhe foi negado.
Em 10.01.1998 e 17.05.1998, na empresa ocorreram incêndios que obrigaram à paralisação da empresa, por vários meses que a obrigou a sustentar os encargos com os trabalhadores e outros. Face ao exposto verifica-se o Oponente desenvolveu actividade da devedora originária agindo como zelo e diligência média. Face às circunstâncias apuradas, entende-se que o Oponente logrou demonstrar que não foi por culpa que o património da empresa se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.
Face às circunstâncias apuradas, entende-se que o Oponente logrou demonstrar que não foi por culpa que o património da empresa se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais. “
O ora Recorrido conformou-se com o decidido.

Por seu lado a Recorrente não se conformando veio alegar e concluir que:
tendo presente que, como aliás é referido na sentença sob recurso, a culpa deve ser analisada à luz da diligência do bom pai de família, moldado pela veste de um gerente competente e criterioso, é manifesto que o comportamento do Oponente não cumpre – por menos exigente que se seja o aplicador do direito – com o critério acabado de mencionar.
E não cumpre, desde logo, porque existiu um reiterado incumprimento das obrigações da sociedade para com o Estado português.
Incumprimento este que se arrastou desde, pelo menos, 1989, até ao momento em que a originária devedora foi decretada falida.
E incumprimento este de tal monta que determinou um acumular do passivo da sociedade até ter atingido uma cifra superior a um milhão de contos
Valor este que contrasta com o diminuto valor do activo na empresa aquando da liquidação do referido património em 2000: pouco mais de vinte mil contos, em moeda antiga!
Em face da grandeza do passivo, e ante o irrisório valor do activo da empresa, não lhe bastava alegar e provar as dificuldades económico-financeiro que a sociedade atravessava, sendo ainda necessário que demonstrasse ter agido com a diligência própria de um bonus pater familiae, isto é, que adoptou medidas tendentes a ultrapassar e reverter essa situação, medidas destinadas a preservar o património da sociedade ou, pelo menos, a evitar que ele se tornasse insuficiente.
Confrontada a matéria assente com o entendimento que ficou firmado, resulta que não se vê como se possa ter elevado o comportamento do aqui Oponente a comportamento de um gestor diligente.
É que, por um lado, na matéria dada como provada não consta qualquer concreta medida que tenha sido tomada pelo Revertido no sentido de prevenir ou eventualmente fazer diminuir o estado de insuficiência patrimonial da originária devedora.
Por outro, não se demonstrou qualquer nexo causal entre os supostos incêndios ou o eventual incumprimento do cliente B…, SA (cuja dívida seria apenas de 50.000 contos) e a insuficiência do património da originária devedora.
E acrescenta-se que nem tal se afiguraria demonstrável, em virtude do reiterado incumprimento das obrigações para com o Estado que se verificava desde, pelo menos, 1989.

Posto isto, cumpre apreciar e decidir.
As presentes dívidas exequendas são referentes a IVA referentes a 12/1999 e coimas fiscais referentes ao ano 2000 pelo que, a eventual responsabilidade subsidiária do Recorrida deve ser analisada à luz do regime previsto no art.24º do Lei Geral Tributária (LGT), já em vigor à data dos factos.
Analisemos agora os regimes que aqui nos importam e que estão consagrados nos art.24º da LGT.
“Artigo. 24º
Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al. a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al. b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr. alínea a), do nº.1, do artigo 24, da LGT). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al. b), do normativo em exame).
Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor.
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als. a) e b), do artº.24, da LGT, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al. c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a LGT.
Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal – cfr, entre outros, os ac. TCA-Sul, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.TCA-Sul, 18/6/2013.

Ora, sabendo-se através dos factos aditados que, por um lado, que “A devedora originária, Fiação V…, SA foi declarada falida em 17/01/2000 (fls. 39 dos autos) e que “O oponente, aqui Recorrido, era presidente do Conselho de Administração da Fiação V…, SA até à declaração de falência.” e, por outro lado que o prazo legal de pagamento da dívida exequenda de IVA expirou em 10/02/2000 e que as Coimas Fiscais são posteriores, concluímos que o prazo legal de pagamento terminou depois de ter sido decretada a falência e nomeado Liquidatário Judicial.
Como resultava do disposto no art. 128º do CPEREF na sentença que declarar a falência deve o tribunal nomear liquidatário judicial da falência, nomear a comissão de credores (art. 128º/1-b) do CPEREF) e decretar a apreensão, para imediata entrega ao liquidatário judicial, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (art. 128º/1-c).
Por seu turno, ao liquidatário judicial cabe o encargo de preparar o pagamento das dívidas do falido à custa do produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que integram o património dele (art. 134º/1 CPEREF), e a administração dos bens que compõem a massa falida, durante o período da liquidação, compete ao liquidatário judicial, sob a direção do juiz e com a cooperação e fiscalização da comissão de credores (art.º 141º do CPEREF), o qual assume também, a representação do falido para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessem à massa falida (art. 147º/2 do CPEREF).

Posto isto, recuperamos um Acórdão deste TCAN, de 28/04/2016, proferido no processo nº 922/07.0BEBRG, em que as partes são as mesmas dos presentes autos, e onde estão em causa dívidas de IRS (retenção na fonte) também relativas ao ano 1999, e cujo Relator foi o Exmo. Desembargador Mário Rebelo.
“Dos termos expostos, resulta claro que uma vez decretada a falência da devedora originária, cabe ao liquidatário assumir os poderes de administração e representação da falida e já não o Recorrido, como administrador.
Pelo menos, em face das normas enunciadas, e dos factos provados, não podemos concluir que a falida continuou a ser gerida e representada pelo Recorrido nos mesmos termos em que era até à declaração de falência. Nem a AT alegou factos concretos nesse sentido.
E como a alínea b) do n.º 1 do art. 24º da LGT responsabiliza o gerente pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (sublinhado nosso), podemos concluir que o Oponente não pode ser responsabilizado ao abrigo desta norma.
Precisamente porque, uma vez decretada a falência, deixou de estar no exercício do seu cargo (não foi demonstrado pela AT que estivesse).
Isso equivale a dizer que o Recorrido não está onerado com a presunção de culpa na falta de pagamento das dívidas tributárias, mas sim que cabe à AT provar que foi por culpa sua que o património da pessoa colectiva se tornou insuficiente para satisfação da dívida.
Ou seja, podemos concluir agora, que não tendo o despacho de reversão mencionado qual a alínea ao abrigo da qual aquela se efectivava, e não resultando isso claro dos seus termos ou mesmo do contexto factual nele enunciado, a reversão teria de seguir, neste caso, a especificidade probatória prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 24º LGT. (cfr. Ac. do TCAN n.º 00051/10.7BEVIS de 28-06-2012 Relator: Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos Sumário:
I. O artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da Lei Geral Tributária só dispensa a administração tributária de demonstrar que a impossibilidade de satisfazer os créditos tributários através do património social derivou de ação ou omissão voluntária que possa ser imputada objetiva e subjetivamente ao revertido, se aquela alegar e demonstrar que o prazo de cobrança das dívidas respetivas terminou em período em que exercia de facto funções de administração ou gerência na sociedade.
II.A administração tributária não demonstra que o revertido exercia as funções de gerência na data em que terminou o prazo de pagamento ou entrega de algumas dessas dívidas, se a falência da sociedade executada foi decretada antes dessa data e não são invocados factos que indiquem de que continuou a exercer as funções depois de o ter sido.
III. Se a reversão foi determinada a coberto do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da Lei Geral Tributária e não estando reunidos, quanto a essas dívidas, os pressupostos de que depende o funcionamento da presunção nela contida, a decisão respetiva é ilegal e deve ser revogada na parte correspondente)
Poder-se-ia argumentar que por a declaração de falência determinar o vencimento de todas as dívidas do falido (art. 151º/1 do CPEREF e 91º/1 CIRE) também acarretou o vencimento da dívida fiscal exequenda, pelo que o respectivo prazo para pagamento terminou no período do exercício do cargo de gerência do Recorrido.
Mas não é assim.
Como doutrinou o Ac. do Pleno da Secção do CT do STA n.º 1087/14 de 15-04-2015 Relator: PEDRO DELGADO, Sumário: III - As obrigações tributárias vencem-se no termo do prazo legal para pagamento voluntário, à semelhança do que sucede com as obrigações jurídicas em geral, que só podem ser objecto de acção executiva quando sejam certas e exigíveis.
IV - Razão por que as dívidas provenientes de coimas e de IVA em causa nos autos se venceram no momento em que o credor adquiriu o direito de exigir o pagamento ao devedor, momento que não pode deixar de referir-se ao termo final do prazo para o seu pagamento voluntário, ou seja 07.01.2013 e 31.12.2012, respectivamente, altura em que a sociedade executada já fora judicialmente declarada insolvente.
Por conseguinte, não subsiste qualquer dúvida de que o Oponente exerceu a gerência da executada na altura da constituição da dívida a que se reporta a alínea a) do nº 1, do artigo 24º da LGT, mas já não a exercia no período em que a dívida devia ser paga, a que se refere a alínea b) desta norma.
Portanto, o regime de responsabilidade subsidiária é o previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 24º da LGT.
O que implica onerar a AT com a prova da culpa do Oponente de que o património da devedora originária se tornou insuficiente para a sua satisfação.
A AT ensaiou a demonstração da culpa do Oponente nos artigos 39º e segs.. da contestação, alegando, entre o mais, que a sociedade optou por deixar de cumprir as suas obrigações acompanhado pela progressiva diminuição dos activos; o que se demonstra pelo facto de o valor global dos créditos reconhecidos ter ultrapassado «um milhão de contos», mas em resultado da liquidação apenas foram ressarcidos créditos no valor aproximado de vinte mil contos.
Ao longo dos anos a sociedade tomou a resolução de não cumprir e forma reiterada para com a AT, utilizando quantias que lhe eram confiadas para outros fins que o Direito não consente, e tanto assim é que o Oponente foi condenado duas vezes pela prática do crime de Abuso de confiança fiscal (arts 46º a 48º).
Mas estes factos não foram provados (e a AT não suscita a sua reapreciação), antes pelo contrário. Como vemos dos factos provados n.ºs 7º a 11º resulta um quadro factual incompatível com qualquer juízo de culpa sobre o Oponente.
E mesmo depois de aditados os factos cuja prova a AT reclama continua a não haver factos concretos demonstrativos da culpa do Oponente na insuficiência do património da devedora originária para solver as dívidas tributárias.
Por conseguinte, não tendo a AT feito prova da culpa do Oponente, o recurso não pode proceder e a sentença deverá ser mantida, embora com outra fundamentação.
Uma última nota apenas para nos interrogarmos se no presente acórdão são excedidos os poderes de cognição, caso em que seria, obviamente, nulo, por força do disposto no art. 660º/2, 668/1-d), 713º/2 e 716º do CPC (correspondente aos actuais artigos 608º/2, 615º/1-d9663º/2, e 666º/2 do NCPC).
Cremos que não. Conforme resulta do disposto no art. 664º do CPC (correspondente ao art.º 5º/3 do NCPC) o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Significando isto que «No que concerne a aspectos estritamente jurídicos, o tribunal é livre de identificar as normas que melhor se ajustem ao caso concreto, para qualificar as relações jurídicas ou para delas extrair efeitos concretos» (António Abrantes Geraldes, «Recurso no Novo Código de Processo Civil», 2014, pp. 91).
De acordo com o principio da controvérsia, que constitui uma vertente do princípio do dispositivo, às partes cabe a formação da matéria de facto de causa, mediante alegação dos factos principais, estando vedado ao juiz, fora de certos casos excecionais, a consideração de certos factos principais diversos dos alegados pelas partes. Mas no «domínio da indagação, interpretação e aplicação dos normas jurídicas, o tribunal não está condicionado pelas alegações das partes, o que é uma decorrência do princípio constitucional da legalidade do conteúdo da decisão e usa exprimir-se com o brocado latino jus novit curia.» (José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 2008, pp. 692).
Deste modo, fixados os factos pertinentes, a qualificação jurídica dos mesmos diferente da configurada na sentença e no recurso não excede os poderes de cognição deste TCA.”

Face a tudo que vem dito, e em concordância com o que foi decidido no citado Acórdão, julgam-se improcedentes as conclusões de recurso quanto às dívidas de IVA e Coimas Fiscais e mantém-se a sentença recorrida com a presente fundamentação.

III.DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 08 de Março de 2018.
Ass. Barbara Tavares Teles

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina da Nova


(1) Vd. Ac. TCAN cit., Proc. n.º 00067/01 – PORTO, Rel. Juiz-Desembargadora Dulce Neto, consultável em http://www.dgsi.pt.
(2) Ac. TCAN cit. na nota antecedente.
(3) Vd. Ac. TCAN de 07-12-2005, Proc. n.º 00086/01 – PORTO, Rel. Juiz-Desembargadora Dulce Neto, consultável em http://www.dgsi.pt.