Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:0387/12.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/06/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Alexandra Alendouro
Descritores:ARTIGO 27.º DO CPTA
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE VALOR SUPERIOR À ALÇADA SANEADOR
JUIZ SINGULAR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
RECURSO
Sumário:I- Nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada dos tribunais administrativos de círculo o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito (artigo 40.º n.º 3 do ETAF).
II- No âmbito dos poderes/competências decisórios legalmente atribuídos ao juiz relator, em sede das referidas acções, previstos, de forma expressa e por remissão, no artigo 27.º, n.º 1, do CPTA, inclui-se o de proferir despacho saneador nos termos do artigo 87.º, n.º 1.
III- Do despacho do juiz relator que julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção, ao abrigo do disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea a), do CPTA, cabe reclamação para a conferência (artigos 27.º, n.º 2 do CPTA e 40.º n.º 3 do ETAF).*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:AOD...
Recorrido 1:CGD, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a secção de contencioso administrativo do tribunal central administrativo norte:

I – RELATÓRIO

AOD..., residente na Rua …, Porto, interpôs recurso jurisdicional de decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto proferida em 24.04.2013, no âmbito da Acção Administrativa Especial por si proposta contra a CGD, que julgou procedente a excepção dilatória de caducidade do direito de acção, absolvendo a entidade demandada, ora Recorrida, da instância.
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A Recorrente alegou e formulou conclusões de recurso, nos termos que constam de fls. 121 e ss dos autos.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 146.º do CPTA.
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Os autos foram submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
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II – QUESTÃO PRÉVIA:
DA (IN)ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO:

O objecto dos recursos jurisdicionais encontra-se delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente – artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 639.º do Código do Processo Civil (CPC) ex vi artigos 1.º e 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) – sem prejuízo, no que agora interessa, das questões de conhecimento oficioso que encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração.
Neste pressuposto, cumpre de imediato apreciar a questão do não conhecimento do objecto do presente recurso por eventual preterição de reclamação para a conferência por força do disposto nos artigos 27.º do CPTA e 40.º, n.º 3 do ETAF, com consequente inadmissibilidade do recurso interposto.

PARA A ANÁLISE DA QUESTÃO EM DISCUSSÃO TEM-SE COMO ASSENTE O SEGUINTE:

1. Em 24.04.2013 o senhor juiz a quo proferiu, no âmbito da subjacente acção administrativa especial, cujo valor ascende a 7.753,85€ (sete mil setecentos e três euros e oitenta e cinco cêntimos), a decisão de fls. 99 a 116, em sede de despacho saneador ao abrigo do artigo 87º, nº 1, al. a) do CPTA, mediante a qual julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção, absolvendo a entidade demandada da instância – cfr. petição inicial, contestação e decisão recorrida.
2. Por ofícios datados de 30.04.2013, a referida decisão foi notificada às partes – cfr. fls. 117 e ss.
3. Em 28.05.2012 deu entrada no TAF do Porto recurso jurisdicional da referida decisão apresentado pela Recorrente – cfr. fls. 120 e ss.
4. Em 14.06.2013 foi proferido despacho de admissão do recurso interposto – cfr. fls. 128 dos autos.

Como decorre do circunstancialismo processual supra fixado a decisão recorrida foi proferida pelo juiz relator em acção administrativa especial com o valor de 7.753,85€, ao abrigo do disposto nos artigos 87.º n.º 1, alínea a) e 89.º, n.º 1, alínea h), do CPTA.

Nos termos do disposto nos artigos 685.º-C, n.ºs 1 e 5, 700.º, n.º1, alíneas a) e b), 702.º a 704.º do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA (actualmente, artigos 641º, n.ºs 1 e 5, 652.º, n.º 1, alíneas a) e b), 653.º a 655.º do CPC), e ainda do artigo 27.º do CPTA, o Despacho a quo de admissão da interposição de recurso jurisdicional, qualificação da sua espécie, regime de subida e fixação dos respectivos efeitos, não vincula o tribunal ad quem, não constituindo caso julgado formal. O que significa que o juiz relator do tribunal de recurso, aquando da aferição dos pressupostos da admissibilidade, regularidade e legalidade do recurso jurisdicional, pode corrigir a qualificação e/ou regime de subida e efeitos atribuídos, bem como, naturalmente, não admitir o recurso interposto.

Ora, estabelece o artigo 40.º, n.º 3, do ETAF que nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito”.
Por sua vez, determina o artigo 27.º, n.º 1, do CPTA que compete ao relator as diversas intervenções processuais previstas nas respectivas alíneas “sem prejuízo dos demais poderes que lhe são conferidos neste Código”. E o artigo 27º, n.º 2, prescreve que “Dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência, com excepção dos de mero expediente, dos que recebam recursos de acórdãos do tribunal e dos proferidos no Tribunal Central Administrativo que não recebam recursos desse tribunal”.

O normativo em questão atribui, assim, ao juiz relator um conjunto amplo de poderes, previstos no respectivo n.º 1 (v.g. “Dar por findos os processos”; “Declarar a suspensão da instância; Ordenar a apensação de processos”; “Julgar extinta a instância por transacção, deserção, desistência, impossibilidade ou inutilidade da lide”; “Rejeitar liminarmente os requerimentos e incidentes de cujo objecto não deva tomar conhecimento”; “Conhecer das nulidades dos actos processuais e dos próprios despachos”: “Proferir decisão quando entenda que a questão a decidir é simples, designadamente por já ter sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada”), acrescidos dos que resultam da expressão “demais poderes que lhe estão conferidos” pelo CPTA, cujo âmbito normativo de protecção inclui, entre outros, os referidos nos artigos 87.º a 91.º do CPTA, respeitantes ao aperfeiçoamento dos articulados/suprimento de excepções dilatórias e outros, de absolvição da instância por procedência de excepções dilatórias, sem convite ao aperfeiçoamento; à prolação de despacho saneador, de improcedência ou procedência de excepções que obstem ao conhecimento do objecto da acção, ou de excepção peremptória, de decisão ou de conhecimento parcial ou total do mérito da causa – 87.º a 89.º; à determinação de diligências de prova a realizar, de forma imediata ou deferida, ao indeferimento requerimentos de produção de prova – 90.º – à determinação oficiosa da realização de audiência pública no termos constantes do artigo 91.º; à remissão do processo a vista simultânea aos juízes adjuntos, que, no caso de evidente simplicidade da causa, pode ser dispensada pelo relator” – n.º 1 do artigo 91º.

Em síntese, o juiz relator a quem foi distribuída uma acção administrativa especial de valor superior à alçada do tribunal – na qual o processo é julgado, tanto de facto como de direito, por uma formação de três juízes – n.º 3 do artigo 40.º do CPTA – tem poderes para proferir quer simples despachos (cfr. artigos 27.º n.º 1, alíneas a) a d), f), g) e j), 87.º, n.º 1, alíneas a), b), 2.ª parte, c), 87.º, 88.º e 90.º do CPTA) quer decisões que julgam a causa ou algum incidente com a estrutura de uma causa (cfr. artigos 27.º n.º 1, alíneas e), h), 1.º parte, e i), 87.º n.º 1, als. a) e b), 1.º parte, 89.º n.º 1 e 91.º do CPTA).
Tais poderes directivos e de instrução do processo o qual, repita-se, será julgado colectivamente, encontram-se “sob reclamação para a conferência” – a expressão é de MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos anotado, Almedina, p. 92 – ou seja, dos despachos proferidos no uso dos mesmos “cabe reclamação para a conferência, excepto dos de mero expediente, dos que recebam recursos de acórdãos do tribunal e dos proferidos no Tribunal Central Administrativo que não recebam recursos de acórdãos desse tribunal – cfr. artigo 27.º, n.º 2 do CPTA.

Assim, de todos os “despachos” (decisões) proferidos ao abrigo dos poderes/competências decisórias previstos no artigo 27.º, n.º 1, do CPTA, de forma expressa e por remissão, aqui incluída a competência decisória emanada do artigo 87.º do CPTA (o caso dos autos), cabe reclamação para a conferência (ressalvadas as situações já referidas).

In casu, o juiz relator, no âmbito da respectiva acção administrativa especial de valor superior à alçada do Tribunal Administrativo de Círculo, no uso das competências que lhe foram concedidas pelo artigo 87.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPTA, proferiu decisão saneadora que considerou verificada a excepção da caducidade da referida acção, determinando a absolvição da entidade demandada da instância.
Em consonância, ponderando o disposto nos artigos 27.º, n.º 1 e 2 e 87.º, n.º 1, do CPTA, e 40.º do ETAF, da referida decisão cabia reclamação para a conferência do tribunal de 1.ª instância, no prazo de 10 dias previsto no artigo 29.º do CPTA, e não interposição de recurso jurisdicional.
“Reclamação para a conferência” cuja natureza necessária (e não facultativa), prévia, portanto, à interposição de recurso jurisdicional, foi clarificada e firmada pelo Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2012, do Pleno do STA, de 05/06/2012, in proc. n.º 0420/12, n.º 420/12, disponível in www.dgsi.pt o qual se pronunciou sobre esta questão a propósito de uma decisão de mérito proferida em singular pelo juiz relator, ao abrigo do disposto no artigo 27.º, nº 1, alínea i), do CPTA.
No referido acórdão fixou-se jurisprudência segundo a qual das «decisões do juiz relator sobre o mérito da causa, proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no artigo 27.º, n.º1, alínea i), do CPTA, cabe reclamação para a conferência, nos termos do n.º2, não recurso…», afastando a prática, então comum, de prolação de decisões por juiz singular nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal, das quais se admitia o recurso jurisdicional, sem se exigir a prévia reclamação para a conferência, conforme previsto no artigo 27.º, n.º 2, do CPTA.
Na fundamentação do acórdão uniformizador de jurisprudência consignou-se, designadamente, que o acórdão recorrido …concluiu no sentido de que o decidido apenas podia ser impugnado por via da reclamação para a conferência, nos termos do n.º 2 do preceito. O acórdão fundamento entendeu que, tratando-se de uma “sentença”, o meio próprio seria o recurso jurisdicional.
Dir-se-á, desde já, que o acórdão recorrido é para confirmar nos seus precisos termos. De resto, ele próprio colhe o seu apoio num aresto deste tribunal (Acórdão STA de 19.10.10 proferido no recurso 542/10), que sintetiza a prática habitual em situações similares de decisões adoptadas pelo relator sob a invocação do referido preceito, donde resulta que se a decisão for “tomada pelo juiz relator, no quadro da invocação dos poderes conferidos pelo artigo 27.º, n.º 1, i), do CPTA” o meio próprio de reacção, nos termos do n.º 2, é a “reclamação para a conferência, salvo as excepções nele contempladas, nas quais não se enquadra a decisão sob recurso”, e não o recurso. E, como é óbvio, esta posição não viola qualquer preceito constitucional, designadamente os invocados pela recorrente, pois a reclamação para a conferência é uma forma como outra qualquer de reagir contra decisões desfavoráveis que não limita – antes acrescenta – as formas de reacção. Por outro lado, é irrelevante que em ambos os casos se lhe possa ter chamado “sentença” pois aquilo que foi emitido foi sempre e só a “decisão” a que alude a referida alínea i), alínea que foi invocada, desde o início, como fundamento para decidir por juiz singular aquilo que estava previsto na lei, como regra geral (art. 40º, n.º 3, do ETAF), para ser adoptado por tribunal colectivo. É, pois, a invocação desse preceito que captura definitivamente a regra contida no n.º 2. Das decisões proferidas por juiz singular que, nos termos da lei, devam ser apreciadas por tribunal colectivo, há sempre, e apenas, reclamação para a conferência. Nunca recurso. Acresce, ainda, que não é o nome dado aos actos pelos participantes processuais que altera a sua essência. Cada acto processual ou instituto jurídico é o que é em consequência do modo como a lei os caracteriza, das suas qualidades próprias, e não por virtude do nome que lhes atribuímos. Se assim não fosse, e seguindo a perspectiva da recorrente, qualquer despacho de um relator deixaria de o ser se lhe chamasse sentença, ficando sujeito a recurso jurisdicional e não à reclamação para a conferência que o legislador desenhou para essa situação.(…)” Neste sentido, vide ainda os Acórdãos do STA de 19.03.2013, proc. 12/2013; n.º 542/10, 19.10.2010; n.º 147/12, de 19.04.2012; n.º 862/06, de 10.05.2007; n.º 156/10, de 30.06.2010; n.º 1173/05, de 15.03.2006, in www.dgsi.pt.

Sublinhe-se que o facto de o referido Acórdão nº 3/2012 do Pleno do STA se ter pronunciado sobre a questão da necessidade de prévia reclamação para a conferência em acção administrativa especial de valor superior à alçada, na situação de decisão de mérito proferida ao abrigo do disposto artigo 27.º n.º 1, alínea i), do CPTA, não contraria o entendimento ora sustentado quanto à inadmissibilidade de interposição de recurso jurisdicional do saneador em causa por necessidade de prévia reclamação para a conferência do tribunal de 1.ª instância, no prazo de 10 dias legalmente previsto.
É que, não só a interpretação conjugada dos preceitos legais aplicáveis – com base, desde logo, na letra lei (… “cabe reclamação para a conferência”...), entendida como ponto de partida e de chegada do pensamento do legislador, integrada na ratio da lei (maior ponderação pela “formação de três juízes”) e na unidade do sistema jurídico – conduz a tal entendimento, como o próprio teor do Acórdão de uniformização de jurisprudência aponta no sentido ora defendido, ao considerar, entre o demais, que “...o meio próprio de reacção, nos termos do n.º 2, é a “reclamação para a conferência, salvo as excepções nele contempladas, nas quais não se enquadra a decisão sob recurso”, e não o recurso...(...) e que “não é o nome dado aos actos pelos participantes processuais que altera a sua essência. (…)”.
Mais reforçando o referido entendimento, as diversas vertentes “explicativas” que a questão firmada pelo Acórdão de uniformização de jurisprudência foi merecendo do STA (v.g., a da já referida irrelevância da expressão “despachos”, a da não inconstitucionalidade da necessidade de reclamação prévia por traduzir um “plus” em sede de impugnações jurisdicionais, a da aplicabilidade do artigo 27.º, nº 2 do CPTA no sentido propugnado pelo referido Acórdão quer o relator tenha ou não invocado os poderes previstos no artigo 27.º nº 1, al. i), do CPTA),

Neste contexto, vide ainda o Acórdão deste TCAN, de 03.05.2013, proferido no âmbito do processo n.º 00885/09.5BEAVR, disponível in www.dgsi.pt, na parte em que nele se refere que2. A Jurisprudência fixada pelo Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão n.º 3/2012.... no sentido de que “…das decisões do juiz relator sobre o mérito da causa, proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no artigo 27.º, n.º1, alínea 1, do CPTA, cabe reclamação para a conferência, nos termos do n.º2, não recurso…” não significa que este meio processual se aplique apenas no caso de ter sido proferida uma decisão de mérito. Significa apenas que se aplica também quando a decisão final é uma decisão de mérito, ou seja, uma sentença, contrariando o teor literal do preceito que se refere aos “despachos do relator.
3. Se apenas coubesse na previsão do n.º2 a decisão de mérito, a segunda parte do preceito que exclui da faculdade de reacção os despachos de mero expediente, os que recebam recursos de acórdãos do tribunal e dos proferidos no Tribunal Central Administrativo que não recebam recursos de acórdãos desse tribunal, ficaria sem qualquer sentido.(…)”.

Aliás, já antes do referido Acórdão de uniformização de jurisprudência, o STA defendeu a posição que se defende no presente processo, como se constata nos Acórdãos do STA de 10.10.2013, proc. 1064/13, e de 18.12.2013, nos procs. 1363/13 e 1367/13 e, ainda de 15/03/2006, in proc. n.º 1173/05, sendo que neste último se consignou o seguinte:
“(…) o artigo 27º nº 2 do CPTA, que genericamente se ocupa dos poderes do relator, diz-nos que dos seus despachos «cabe reclamação para a conferência, com excepção dos de mero expediente, dos que recebam recursos de acórdãos do tribunal e dos proferidos no Tribunal Central Administrativo que não recebam recursos de acórdãos desse tribunal».
É verdade que não é neste artigo 27º que ao relator são atribuídos os poderes que aqui nos interessam, de conhecer das questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo e apreciar o mérito da causa. Essas competências são-lhe conferidas pelo já aludido artigo 87º.
Todavia, o legislador, ao redigir cada um dos artigos 27º e 87º, não esqueceu o outro, agindo em coerência, evidenciada, desde logo, pela referência que no nº 1 do primeiro desses artigos faz aos «demais poderes que lhe são conferidos neste Código». Ou seja, o legislador do artigo 27º teve em vista não apenas os poderes que nesse mesmo artigo conferiu ao relator, como os que noutras disposições do Código lhe atribuiu.
E, no nº 2 do artigo 27º, ao afirmar a necessidade de reclamação para a conferência, não distinguiu entre o conteúdo dos despachos do relator, ou entre os meios processuais em que são proferidos, ou entre as vestes em que o relator age. Fê-lo indiscriminada e genericamente, escrevendo que «dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência», apenas excepcionando casos que aqui nos não importam.
Não pode, pois, respeitando a unidade do sistema, e analisando o modo como o legislador exprimiu o seu pensamento, pretender-se que ele quis furtar à reclamação para a conferência quaisquer despachos do relator, para além dos que expressamente excepcionou: aonde o legislador não distingue, também o intérprete não deve diferençar. A expressão «dos despachos do relator» não pode deixar de ser lida com este sentido: de todos os despachos do relator.
De resto, este artigo 27º contém norma paralela à do artigo 700º nº 3 do CPC: quando a parte se considere prejudicada por um despacho do relator que não seja de mero expediente pode requerer que sobre a matéria desse despacho se pronuncie o colectivo de juízes.
A conclusão justa é, pois, diferente daquela a que parecia conduzir-nos o raciocínio desenvolvido: se é verdade que os poderes atribuídos ao relator são mais alargados no âmbito da acção administrativa especial do que no do recurso jurisdicional, verdade não deixa de ser que a lei, ao atribuir ao TCA a competência para julgar essas acções, em atenção à categoria hierárquica do autor do acto, quis que elas fossem julgadas pelo Tribunal, em conferência, e não por um só dos seus juízes. Assim, os poderes que confere a esse membro, que designa por relator, por copiosos que sejam, são para exercer nos mesmos termos que vigoram no recurso jurisdicional.
Numa palavra, dos despachos do relator não se recorre para o tribunal superior, reclama-se para a conferência.
Nada de tudo isto redunda em prejuízo dos princípios pro actione e da tutela jurisdicional efectiva. Pode mesmo dizer-se que esses princípios só saem honrados quando se exige que, antes de se recorrer de uma decisão singular, se reclame para uma conferência de juízes”.

Face a todo o exposto, e em síntese, dos “despachos” (decisões) proferidos por juiz singular, à luz dos poderes/competências decisórias previstos no artigo 27.º n.º 1 do CPTA, em sede de acções administrativas especiais que devam ser, nos termos da lei, apreciadas por tribunal colectivo (artigo 40.º do ETAF), cabe reclamação para a conferência (ressalvadas as situações expressas no n.º 2 do artigo 27.º) e não recurso.
O que sucede no caso vertente, cuja decisão foi proferida ao abrigo do artigo 87º, n.º 1, alínea a) do CPTA.
Consequentemente, a Recorrente, ao invés de ter apresentado o presente recurso jurisdicional, devia ter previamente “reclamado para a conferência”, no prazo de 10 dias previsto no artigo 29.º, n.º 1 do CPTA, contados, nos termos gerais de direito, da notificação da decisão ora recorrida.
Prazo que já havia expirado na data de interposição do presente recurso jurisdicional (28.05.2012) uma vez que a decisão recorrida foi proferida em 24.04.2013 e notificada à Recorrente por ofício datado de 30.04.2013 – cfr. artigos 29.º e 249.º do CPC. O que impossibilita a convolação oficiosa do presente recurso jurisdicional em “reclamação para a conferência”, enquanto forma processual legalmente admissível, por falta de preenchimento de todos os pressupostos relativos a tal convolação, máxime o pressuposto do prazo.

Pelo que, e com os fundamentos supra expostos, não pode este Tribunal admitir o presente recurso.

III – DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, em não tomar conhecimento do recurso jurisdicional interposto, por inadmissibilidade legal.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. artigo 131º nº 5 do CPC ex vi artigo 1º do CPTA).
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Porto, 06 de Novembro de 2014
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato Oliveira Sousa
Ass.: Luís Migueis Garcia