Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00063/19.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/19/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CONTRADITÓRIO; QUESTÃO NOVA SUSCITADA NA CONTESTAÇÃO.
Sumário:
1. Como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 22.06.2011, no processo nº 00369/07.6BEPRT-B: “O princípio do contraditório é estrutural no processo judicial, já que emana do respeito pela própria dignidade da pessoa humana, sendo, assim indispensável ao Estado de Direito democrático que qualifica a nossa República (artºs 1º e 2º da CRP)”.
2. Não tendo sido ouvido o autor sobre a questão da preexistência de lesões relativamente ao acidente aqui em apreço e a descaracterização do mesmo como acidente de serviço que não serve sequer de fundamento ao acto de indeferimento impugnado que se baseia apenas na caducidade do direito e apenas foi suscitada na contestação, foi preterido o obrigatório contraditório.
3. Impõe-se, nestas circunstâncias, a repetição de todo o processado a partir da contestação, exclusive. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:PMAJ
Recorrido 1:Comando Metropolitano da Polícia de Segurança Pública do Porto.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso e mandar baixar os autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

PMAJ veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Porto, de 04.04.2019, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção administrativa urgente que interpôs contra o Comando Metropolitano da Polícia de Segurança Pública do Porto para condenação do Réu a reconhecer o acidente sofrido pelo Autor como ocorrido em serviço, anulando-se o despacho de 16.01.2018 do Superintendente-Chefe deste Comando que decidiu em sentido contrário.
Invocou para tanto, em síntese, que foi violado o direito ao contraditório, sendo a decisão recorrida uma decisão surpresa, pelo que deve ser revogada baixando os autos para concretização desse direito e, em todo o caso, deve ser revogada por violação do disposto nos artigos 3º, n.º1, alínea b), e 7º, nº 1, do Decreto-Lei 503/99, de 20.11, e artigos 8º e 9º da Lei 98/2009, de 04.09, aplicável por força do artigo 3º, n.º1, alínea a) daquele primeiro diploma legal.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Norte emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1 - Na sua petição inicial o A. alegou que foi vítima de um acidente de viação quando se deslocava da sua residência para o local de trabalho, tendo-o participado dentro do prazo legal estabelecido nos n.ºs 4.º e 6.º do art.º 8.º do DL 503/99, de 20 de novembro, constando a definição de incidente no n.º 4 do art.º 7.º do mesmo diploma legal. Neste sentido, Parecer do Provedor de Justiça, junto aos autos sob o doc. 4; Recomendação do Provedor de Justiça junto aos autos sob o Doc. 5, Acórdão do TCAS de 07.02.2019, Proc.º 871/18.4 BELSB.
2 - A entidade empregadora decidiu não qualificar o acidente como ocorrido em serviço por caducidade do prazo de participação. Nada mais!
3 - Na sua petição inicial, o A. alegou apenas factos atinentes à caducidade do prazo de participação do acidente, uma vez que esse foi o único argumento da Ré para o não qualificar como ocorrido em serviço.
4 - Apenas na Contestação e pela primeira vez a Ré alegou que não havia qualificado o acidente como ocorrido em serviço por considerar que o A. não tinha sofrido qualquer lesão, e que a sua situação clínica era devida a doença pré-existente. Note-se que o Réu alega, no art.º 21.º da Contestação, que no projeto de decisão de indeferimento já menciona como fundamento “(…) sintomatologia diagnosticada de erosão cartilagínea do joelho direito e dor na coluna cervical (…)”. É falso, cfr. projeto de decisão constante no pa a fls. 28 e ss e decisão junta com a pi sob o Doc. 3.
5 - Ao A. não foi dada a possibilidade de se pronunciar sobre tais factos, nem de tentar munir-se de documentos bastantes – relatórios médicos – e/outros meios de prova que permitissem infirmar as alegações do Réu na sua contestação.
6 - Não lhe foi dado, portanto, o direito de exercer o contraditório, previsto no n.º 3 do art.º 3.º do CPC.
7 - A violação daquele dispositivo legal é suscetível de consubstanciar a prática de uma nulidade processual, já que se mostra capaz de influir no exame ou decisão da causa.
8 - O juiz não pode fundar a decisão em factos que repute de relevantes, de surpresa, isto é, sem informar previamente as partes, in casu o A., dos novos factos que pretende aditar e das razões que o levam a fazer esse aditamento, e sem lhes dar oportunidade de produzir sobre esses factos as respetivas provas.
9 - É sabido que no direito processual civil prevalece o princípio da autonomia da vontade, compatibilizado com o princípio dispositivo, sendo vedado que a sentença condene em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir, sob pena de a mesma ser nula (cfr. artigo 609º, nº 1 e 615º, nº 1, alínea e), ambos do Código de Processo Civil).
10 - No âmbito do processo laboral, a especial natureza das normas, reportadas a direitos tutelados como de interesse e ordem pública e tuteladoras da paz social, torna-as imperativas e indisponíveis, não podendo ser afastadas pela vontade das partes - art.º 74º do Código de Processo do Trabalho, que sob a epígrafe “Condenação extra vel ultra petitum”.
11 - No entanto, a jurisprudência tem vindo a defender nestes casos de condenação "extra vel ultra petitum" que se deve dar cumprimento ao princípio do contraditório, sob pena de nulidade processual - Neste sentido, acórdãos: STJ de 03.12.2015, Proc.º 210/12.8TTFAR.E1.S1; RP de 24.09.2018, Proc.º 625/11.9TUMTS.P1; de 23.09.2013, Proc.º 430/11.2TTMTS.P1; de 10.01.2011, Procº 376/08.1TTVNG.P1, todos em www.dgsi.pt.
12 - No caso concreto, a Mº Juiz a quo não concedeu ao A. a possibilidade de se pronunciar sobre o nexo de causalidade entre as lesões de que padece e o acidente, tendo praticado, portanto, uma nulidade processual, em violação do disposto no art.º 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
13 - Em parte alguma da pi, ou em qualquer documento do pa, constam factos que possam levar à conclusão ínsita na página 13, 2º parágrafo, da sentença de “O A. entende que as “lesões de condropatia grave na faceta lateral da tróclea com adelgaçamento condral, associado a quistos subcondrais” são consequentes do acidente de viação sofrido no dia 1 de janeiro de 2017”.
14 - O A. limitou-se a participar o acidente e a referir as lesões que lhe haviam sido diagnosticadas – vide pontos 8) e 9) dos factos provados, bem como o facto de ter passado a sentir dores apenas após o evento e imediatamente a seguir ao mesmo.
15 - O A. não afirmou em parte alguma do pa que a lesão relatada na RM era, em exclusivo, consequência do acidente. Limitou-se a referi-la, sendo que a definição do papel do acidente no desencadear da lesão, ou apenas dos sintomas daquela, como agravamento, caberia à Junta Médica a que viesse a ser submetido.
16 - A definição de acidente em serviço consta nos art.ºs 3.º, n.º 1, alínea b) e 7º, n.º 1 do DL 503/99, de 20 de novembro, e art.ºs 8.º e 9.º da Lei 98/2009, de 04 de setembro.
17 - Em tal conceito não entram considerações sobre nexo causal. As consequências do acidente enquadram-se já noutra dimensão, que não a da qualificação jurídica de um acidente como acidente em serviço. Neste sentido, acórdão do TCAS de 19.04.2018, proc.º 961/12.7BELSB, in www.dgsi.pt.
18 - A sentença de que se recorre, ao fazer depender a qualificação do acidente como ocorrido em serviço da causa das lesões que o A. apresenta atualmente, viola do disposto art.ºs 3.º, n.º 1, alínea b) e 7º, n.º 1 do DL 503/99, de 20 de novembro, e art.ºs 8.º e 9.º da Lei 98/2009, de 04 de setembro
19 - Não pode concordar-se com a conclusão da sentença, na página 13, que dos elementos clínicos juntos aos autos não se pode concluir com o grau de segurança exigível, que as lesões resultaram do acidente de viação, pois os relatórios dos exames complementares de diagnóstico referem “natureza degenerativa inicial”, pois que:
i - A doença pré existente pode ter sido agravada, e não será a Mª Juiz a quo, que não possui conhecimentos técnicos para tal, que deverá decidir se sim ou não;
ii -A predisposição patológica ou a incapacidade anterior ao acidente não implica a sua descaracterização, nem prejudica o direito à reparação, salvo quando tiverem sido ocultadas e/ou esteja a ser recebida pensão ou tenha recebido capital de remição de anterior acidente de trabalho (cf. o artigo 7º/5 do DL 503/99, e art.º 11.º da Lei 98/2009). E essa ocultação não ocorreu aqui, nem o A. alguma vez sofreu acidente de trabalho anterior; aliás, nem tal foi alegado! Neste sentido: Acs. do TCAS de 14.04.2018, Proc.º 961/12.7BELSB; de 28.06.2018, Proc.º 191/15.6BEBJA; Acs. STJ de 12.09.2013, Proc.º 118/10.1TTLMG.P1.S1; de 07.05.2008, Proc.º 0850148, todos em www.dgsi.pt.
20 - Ainda que o A. tivesse lesões no joelho atingido e na coluna cervical, desconhecia a existência/extensão das mesmas, já que nunca haviam sido diagnosticadas nem se manifestaram, nomeadamente através de algias.
21 - As lesões manifestadas na ressonância magnética de 2010 e as relatadas na de 2017 são totalmente distintas, sendo que as últimas se manifestaram apenas após o acidente, existindo nexo de causalidade entre este evento e as ditas lesões.
22 - Ao considerar que a existência de doença degenerativa prévia ao acidente o descaracteriza, a Mª Juiz a quo está a violar o disposto no art.º 7.º, n.º 5 do DL 503/99, bem como o disposto no art.º 11.º, da Lei 98/2009, de 04 de setembro, aplicável por força do art.º 3.º, n.º 1, a) daquele 1º diplomo legal.
TERMOS EM QUE REVOGANDO-SE A SENTENÇA DE QUE SE RECORRE E MANDANDO-SE BAIXAR O PROCESSO À PRIMEIRA INSTÂNCIA PARA DAR O DIREITO DO CONTRADITÓRIO AO AUTOR, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO N.º 3 DO ART. 3.º DO CPC, E/OU REVOGANDO-SE A SENTENÇA POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ART.ºS 3.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 7º, N.º 1 DO DL 503/99, DE 20 DE NOVEMBRO, E ART.ºS 8.º E 9.º DA LEI 98/2009, DE 04 DE SETEMBRO, E ART.º 11.º, DA LEI 98/2009, DE 04 DE SETEMBRO, APLICÁVEL POR FORÇA DO ART.º 3.º, N.º 1, A) DAQUELE 1º DIPLOMO LEGAL, SE FARÁ INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.
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II –Matéria de facto.
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
1) O A. é agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) com a matrícula NM/14xxx0, exercendo funções na Divisão de Trânsito da PSP do Porto (fl. 2 do p.a.).
2) Em 01-01-2017, entre as 08H30 e as 08H40, estando o A., imobilizado à sinalização semafórica ao comando da sua viatura particular, marca Volkswagen, modelo Passat, matrícula xx-AA-xx, na zona de saída da Ponte do Infante para a Rua das Fontainhas, no Porto, foi embatido na retaguarda pela viatura de marca Volkswagen, modelo Golf, matrícula xx-xx-BL (fls. 14 e 15 do p.a.).
3) Ao local do acidente deslocou-se a Brigada de Trânsito da PSP da Esquadra de Vila Nova de Gaia, que elaborou a participação do acidente com registo n.º 736/2017 (fls. 14 e 15 do p.a.).
4) Da participação de acidente elaborada pela PSP, de acordo com a versão presencial do agente participante, consta que apenas resultaram danos físicos ligeiros na condutora do BL, veículo que embateu no conduzido pelo A. (fls. 14 e 15 do p.a.).
5) No dia 06-01-2017 o A. deslocou-se à Esquadra de Trânsito da PSP de Vila Nova de Gaia, comunicando que nesse dia se tinha deslocado ao Hospital da Luz Arrábida, unidade privada de saúde, para receber tratamento porque segundo o mesmo, tinham resultado danos físicos do acidente em que foi interveniente no dia 01-01-2017 (fl. 16 do p.a.).
6) No dia 18-01-2017, o A. efetuou ressonância magnética ao joelho direito (fl. 8 do suporte físico do processo).
7) No dia 24-01-2017, o A. foi observado em consulta de ortopedia, onde foi informado que o exame de diagnóstico havia revelado lesões de condropatia grave na faceta lateral da tróclea com adelgaçamento condral, associado a quistos subcondrais e que devia realizar fisioterapia (fls. 9 do suporte físico do processo e acordo).
8) No dia 25-01-2017 o A. apresentou ao R. o formulário relativo a “participação e qualificação do acidente de trabalho” que consta de fls. 3 do p.a. referindo, nas “circunstâncias da ocorrência” o seguinte: “No dia 01/01/2017, pelas 08h30m no percurso da minha residência para o trabalho, fui vítima de um acidente de viação na qualidade de condutor do veículo de matrícula xx-AA-xx, onde foi interveniente também o veiculo xx-xx-BL. No dia em questão não recebi tratamento hospitalar, contudo devido a dores no joelho e cervical, desloquei-me ao Hospital onde me foi diagnosticada em erosão cartilagínea no joelho direito e outras lesões constantes no boletim de acompanhamento médico, não tendo contudo dado parte doente. (…)”.
9) No mesmo dia o A. apresentou ao R. a participação de fls. 4 do p.a. na qual se refere: “(…) Do acidente resultaram ferimentos em ambos os condutores, bem como danos materiais nos veículos. No dia em questão não fui receber tratamento hospitalar por julgar que as dores do joelho direito e cervical seriam ocasionais, contudo, devido à persistência das mesmas desloquei-me posteriormente ao Hospital da Luz (Arrábida), onde me foi diagnosticado uma erosão cartilagínea no joelho direito e outras lesões constantes do boletim de acompanhamento médico, não tendo dado parte doente” (…).
10) O A. procedeu à junção do “boletim de acompanhamento médico” (fls. 8 do p.a.) referente ao seu atendimento médico no dia 6 de janeiro de 2017 no Hospital da Arrábida sendo aí descritas como “circunstâncias da ocorrência”: “Traumatismo no joelho direito após acidente de viação” (fl. 8 e 45 do p.a.).
11) Por despacho do Exmo. Sr. Comandante do Comando Metropolitano de Polícia do Porto, datado de 09-02-2017, foi ordenada a instauração do processo administrativo NUP 2017PRTO0024SAN (fl. 2 do p.a.).
12) Na pendência da instrução, com data 09-03-2019, o A., veio juntar uma folha timbrada do Hospital da Luz- Arrábida com o seguinte teor: "Para os devidos efeitos declara-se que o doente em epígrafe esteve presente na consulta de ortopedia em 6-01-2017, tendo efetuado RX joelho D. RX coluna cervical após acidente de viação de serviço" (fls. 21 do p.a.).
13) O A. juntou o relatório de RX à coluna e joelho direito, datado de 06-01-2017 com o seguinte teor: A coluna cervical mostra redução da lordose fisiológica e alterações de espondilouncodiscartrose em C5-C6, com espondilose em C6-C7. Os joelhos em carga não mostram estreitamento das interlinhas articulares femorotibiais ou outros sinais radiológicos de gonartrose. No joelho Direito identifica-se um ossículo infracentrimétrico junto ao bordo súpero-lateral da rótula que se admite em relação com rótula bipartida. No joelho esquerdo nota-se aspecto proeminente do pólo inferior da rótula com uma discreta irregularidade cortical que pode estar relacionada com sequela de antiga doença de Sinding-Larsen-Johansson” (fl. 22 do p.a.)
14) O A. juntou os relatórios de ressonância magnética do joelho direito e da coluna cervical realizadas no dia 18 de janeiro de 2017 constante de fl. 23 e 25 do p.a. cujo teor se considera aqui reproduzido.
15) O A. prestou as declarações que se encontram documentadas a fls. 26 e 43 do p.a..
16) O A. foi notificado para se pronunciar sobre o projeto de decisão no sentido de ter ocorrido “caducidade do prazo de participação” tendo exercido o seu direito de audiência prévia (fls. 28 a 36 do p.a.).
17) O A. foi já reembolsado pela A… Seguros dos prejuízos decorrentes do sinistro (fls. 43 e 46 do p.a.)
18) Por despacho do Superintendente-Chefe do Comando Metropolitano do Porto da PSP de 16 de janeiro de 2018 foi decidido não qualificar o acidente como acidente de trabalho porquanto o facto que lhe deu origem não foi participado tempestivamente, nos termos constantes de fls. 49 a 52 do p.a.
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III - Enquadramento jurídico.
1. A violação do princípio do contraditório.
Determina o artigo 3º, n.º3, do Código de Processo Civil, que:
“O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
O que já vinha explicado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 1212., que aprovou o Código de Processo Civil de 1995, com norma idêntica:
“Afirmam-se como princípios fundamentais, estruturantes de todo o processo civil, os princípios do contraditório, da igualdade das partes e da cooperação e procuram deles extrair-se consequências concretas, ao nível da regulamentação dos diferentes regimes adjectivos. Assim, prescreve-se, como dimensão do princípio do contraditório, que ele envolve a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, e aplicando-se tal regra não apenas na 1ª instância mas também na regulamentação de diferentes aspectos atinentes à tramitação e julgamento dos recursos”.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.03.2010, proferido no processo nº 063/10:
“(…) nenhuma decisão deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade à parte contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, com vista a evitar decisões surpresa. E a inobservância deste contraditório consubstanciará, fatalmente, uma nulidade processual se a omissão do convite à parte para tomar posição sobre qualquer questão que a possa afectar e que ainda não tenha tido possibilidade de contraditar, for susceptível de influir no exame ou decisão da causa.”
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 22.06.2011, no processo nº 00369/07.6BEPRT-B:
“O princípio do contraditório é estrutural no processo judicial, já que emana do respeito pela própria dignidade da pessoa humana, sendo, assim indispensável ao Estado de Direito democrático que qualifica a nossa República (artºs 1º e 2º da CRP)”.
Tal como o acórdão o deste Tribunal Central Administrativo Norte de 06.11.2015, no processo 00406/13.5 VIS.
Assiste no caso concreto razão ao Recorrente quando afirma que a decisão recorrida constitui uma decisão surpresa, sem qualquer prévio debate nos autos, da questão que foi decisiva para a improcedência da acção.
Com efeito, a questão da preexistência de lesões relativamente ao acidente e a descaracterização do acidente aqui em apreço como acidente de serviço com base nesse facto foi questão apenas suscitada na contestação e nem sequer serve de fundamento ao acto de indeferimento impugnado que se baseia apenas na caducidade do direito.
Não tendo sido assegurada na acção, previamente à sentença recorrida, a resposta a esta matéria, nova.
O que determina, sendo uma omissão susceptível de influir na decisão da causa, a anulação de todo o processado a partir do momento em que se verificou, ou seja, imediatamente antes da decisão recorrida, incluindo a própria decisão – artigo 201º do Código de Processo Civil.
Isto sendo certo que no caso, sem assegurar na acção a resposta a esta matéria e eventual instrução do processo com base nos factos invocados por cada uma das partes, designadamente a produção de prova pericial, não é possível antecipar que assista razão ao Autor, ou o contrário.
2. Restantes questões suscitadas.
Procedendo o recurso pela primeira questão suscitada que impõe a repetição do processado a partir da contestação, exclusive, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
A) Revogam a decisão recorrida.
B) Ordenam a baixa dos autos para, depois de assegurado o contraditório, o processo seguir os seus normais termos.
Não é devida tributação por não terem sido apresentadas contra-alegações.
Porto, 19.07.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. João Beato
Ass. Fernanda Esteves