Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01634/12.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/13/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:- ILÍCITO DISCIPLINAR
- DEVER DE OBEDIÊNCIA/DIREITO À GREVE
Sumário:I- Inexiste no nosso ordenamento jurídico o direito a “meia-greve”, o que significa que os trabalhadores que decidam aderir a uma greve convocada, devem abster-se de comparecer ao serviço, ou, ao menos, revelar uma vontade expressa de aderirem à greve;
I.1- o exercício do direito à greve deve ser inequívoco e exteriorizado pelos trabalhadores que o desejarem exercer, não podendo estes limitar-se a escolher quais as tarefas que pretendem cumprir das que estão previamente previstas para essa jornada de trabalho.
II- No caso em apreço, os associados do recorrente compareceram ao serviço e jamais manifestaram qualquer intenção de exercer o seu direito à greve; limitaram-se a optar por não realizar algumas das tarefas que estavam previstas para esse dia, o que constitui uma clara violação dos seus deveres de obediência, por implicar o não cumprimento de ordens dadas sem que haja justificação para esse incumprimento;
II.1- foram os próprios trabalhadores, associados do recorrente, que referiram que não estavam de greve no dia 6 de Novembro de 2010, mais adiantando que nessa altura ninguém falou em greve ou em serviços mínimos, e que nem sabem como funcionam os serviços mínimos em caso de greve;
II.2- não estando eles a agir naquele dia ao abrigo do exercício legítimo do direito o à greve, tinham que acatar e cumprir as ordens dos seus superiores hierárquicos;
II.3- tendo iniciado normalmente a execução das tarefas que lhes eram atribuídas na Ordem de Serviço n.º 209/2010 e depois decidido abandoná-las, sem nada que o justificasse, tal constitui uma violação do dever do dever de obediência que os vinculava perante o aqui recorrido.
III- Para que se verifique a circunstância atenuante prevista no artigo 22º/al. a) do ED, não basta o trabalhador obter boas classificações de serviço, pois isso é o que normalmente se espera de qualquer funcionário, sendo necessário que este revele uma atitude excepcional e modelar ao nível do seu comportamento e zelo, o que não ficou demonstrado;
III.1- uma vez que todos os associados do recorrente abandonaram o desempenho das suas funções no mesmo dia e à mesma hora, após terem acordado entre si a prática dessa conduta, tendo também todos eles recusado continuar a execução das suas tarefas quando confrontados pelos seus superiores hierárquicos com esse abandono, na formatura, impõe-se concluir que agiram em comparticipação na prática da infracção disciplinar em causa, estando por isso preenchidos os pressupostos de que depende a existência da circunstância agravante especial prevista no artº 24º/1/ al. d) do E.D.*
* Sumário elaborado pelo relator.
Recorrente:O S.N.B.P. - Sindicato Nacional de Bombeiros Profissionais
Recorrido 1:Município do Porto
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
O S.N.B.P. - Sindicato Nacional de Bombeiros Profissionais, em representação dos seus associados PMPA..., JPPB......, JFMR... e PMOF..., instaurou contra o Município do Porto, todos já melhor identificados nos autos, acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos de impugnação da decisão que aplicou a cada um dos seus representados uma pena de suspensão graduada em vinte dias.
Por acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi julgada improcedente a acção.
Deste vem interposto recurso.
Em alegação o Autor concluiu assim:
140.º - O que o relatório final revela não é mais do que uma análise deturpada dos factos ocorridos no dia 6 de Novembro de 2010 e que não tem a mínima correspondência com a realidade.
141.º - Ao contrário do que ficou vertido na decisão punitiva, os representados demonstram uma elevada formação moral e intelectual, creditícia da confiança neles depositada pelas funções que exercem, como é disso ilustrativo o facto de no relatório final o réu ter entendido que não houve qualquer violação de zelo.
142.º - Antes pelo contrário, dever-se-á sublinhar a postura dos representados quanto aos seus deveres profissionais, essenciais à população, no sentido de cumprirem e fazerem cumprir os serviços mínimos.
143.º - Ao invés, não curou o réu no sentido de antecipadamente estabelecer e informar quem de direito para o seu cumprimento.
144.º - Além disso, as condutas dos representados em nada atentaram contra a dignidade e o prestígio do Município réu nem contra a dignidade e prestígio das funções por eles exercidas.
145.º - Como ficou demonstrado, os representados não violaram os deveres de obediência de que vêm acusados, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.
146.º - Os factos de que os representados vêm acusados não se enquadram como ilícitos disciplinares, não resultaram de actos culposos nem têm como objecto a violação dum dever consagrado e exigido aos funcionários no exercício das suas actividades.
147.º - Os representados agiram sempre na exclusiva defesa dos interesses do B.S.B. e do Município e, concomitantemente, na defesa do interesse público.
148.º - Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre se dirá que estamos perante uma ilegalidade da sanção aplicada por violação do disposto nos artigos 20.º, 22.º e 24.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.
149.º - O relatório final e, consequentemente, a sanção disciplinar aplicada não fez relevar nem o tempo de serviço, nem a inexistência de antecedentes disciplinares relevantes, nem as boas classificações de desempenho – o que, tudo conjugado, determinaria a atenuação extraordinária prevista no artigo 22.º do E. D.
150.º - Resultam assim violados os descritos normativos.
NESTES TERMOS, E COM O SUPRIMENTO QUE SEMPRE SE ESPERA, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO À PRESENTE ACÇÃO E, CONSEQUENTEMENTE, JULGAR-SE PROCEDENTE O PETICIONADO PELOS AUTORES.
ASSIM SE PROMOVENDO O DIREITO E REALIZANDO A JUSTIÇA!
O Réu/Município ofereceu contra-alegação concluindo o seguinte:
(a) Não existe no nosso ordenamento jurídico a direito a “meia-greve”, o que significa que os trabalhadores que decidam aderir a uma greve convocada, devem abster-se de comparecer ao serviço, ou, ao menos, revelar uma vontade expressa de aderirem à greve;
(b) O exercício do direito à greve deve ser inequívoco e exteriorizado pelos trabalhadores que o desejarem exercer, não podendo estes limitar-se a escolher quais as tarefas que pretendem cumprir das que estão previamente previstas para essa jornada de trabalho;
(c) No caso em apreço, os Associados do Recorrente, compareceram ao serviço e jamais manifestaram qualquer intenção de exercer o seu direito à greve – apesar de tal lhes ter sido questionado pelos seus superiores hierárquicos – tendo aqueles simplesmente optado por não realizar algumas das tarefas que estavam previstas para esse dia, o que constitui uma clara violação dos seus deveres de obediência, por implicar o não cumprimento de ordens dadas sem que haja qualquer justificação para esse incumprimento;
(d) Foram os próprios trabalhadores – inclusivamente os Associados do Recorrente – que, perante o instrutor disciplinar nomeado, referiram que não estavam de greve no dia 6 de novembro de 2010, mais referindo que nessa altura ninguém falou em greve ou em serviços mínimos, e que nem sabem como funcionam os serviços mínimos em caso de greve – cfr. fls. 10, 19, 21, 27, 28, 131, 322, 332, 339 e 340, 363 e 364 do processo disciplinar;
(e) Para a greve de dia 5 de novembro de 2010 não estavam fixados serviços mínimos, pelo que não faz qualquer sentido a alegação do Recorrente no sentido dos seus Associados comparecerem ao serviço para cumprir serviços mínimos que não haviam sido fixados pelos sindicatos que convocaram a greve;
(f) Não existia no BSB qualquer prática no sentido de definição de serviços mínimos, uma vez que poucas foram as greves que afetaram estes serviços, sendo ainda certo que o procedimento adotado em 2006 se circunscreveu, evidentemente, ao caso desse ano, pelo que nenhum abuso de direito pode aqui ser invocado ao Recorrente;
(g) Não tendo os Associados do Recorrente aderido à greve, ou sequer anunciado essa intenção, a lei impunha que o R. cumprisse o dever de lhes pagar o vencimento desse dia, como de facto aconteceu, não podendo logicamente este último ser censurado por esse facto;
(h) Tendo os trabalhadores representados pelo Recorrente comparecido no seu local de trabalho para exercer as suas funções, sem alguma vez terem declaro aderir à greve marcada para esse dia, que não pressupunha a prestação de serviços mínimos, e iniciado normalmente a execução das tarefas que lhes eram atribuídas na Ordem de Serviço n.º 209/2010, decidindo abandoná-las sem nada que o justificasse, nunca referindo que estavam em greve quando confrontados com tal situação por parte dos seus superiores hierárquicos, tal constitui uma violação do dever do dever de obediência que os vinculava e vincula perante o R.;
(i) Para que se verifique a circunstância atenuante prevista no artigo 22.º, alínea a) do ED, não basta o trabalhador obter boas classificações de serviço, pois isso é o que normalmente se espera de qualquer funcionário, sendo necessário que este revele uma atitude excecional e modelar ao nível do seu comportamento e zelo, sendo ainda certo que as classificações de serviço que o Recorrente invoca não são excecionais nem se perpetuaram por mais de 10 anos;
(j) Todos os arguidos abandonaram o desempenho das suas funções no mesmo dia e à mesma hora, após terem acordado entre si a prática dessa conduta, tendo também todos eles recusado continuar a execução das suas tarefas quando confrontados pelos seus superiores hierárquicos com esse abandono, na formatura, pelo que os Associados do Recorrente agiram em comparticipação na prática da infração disciplinar em causa, estando por isso preenchidos os pressupostos dos quais depende a existência da circunstância agravante especial prevista no artigo 24.º n.º 1 al. d) do E.D.
Nestes termos, e nos que suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida, com o que se fará,
J U S T I Ç A !
O MP, notificado nos termos e para os efeitos contidos no artº 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) Os representados do Autor são bombeiros do Batalhão dos BSP....
B) Em 29/05/2006, foi emitida pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto a Ordem de Serviço n.º 24/2006, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
“Assunto: Alteração ao horário dos bombeiros sapadores.
(…)
DETERMINO QUE:
O horário de trabalho dos bombeiros sapadores do BSB vigore com carácter experimental e temporário, e poderá ser revisto anualmente, face aos resultados efectivos da sua aplicação e/ou à evolução da situação de meios materiais e humanos.
(…)
H) Quantitativo mínimo de pessoal para prestação do socorro e para todos os efeitos legais.
Considerando a especificidade da missão do BSB, o número de bombeiros por grupo de trabalho (turno) não deve, em caso algum, ser inferior a 35.
• Serviço de fogo:
a) Piquete de 22 elementos (13 no quartel da Constituição e 9 na Sé), dos quais 2 chefes de serviços, 5 motoristas e os restantes bombeiros;
b) Piquete reduzido – 3 bombeiros
• Serviço de ambulâncias – 2 bombeiros e 1 motorista
• Serviço de mergulhadores – 3 bombeiros (sendo 1 motorista e marinheiro)
• Serviço de telefonista – 2 bombeiros
• Plantão à Porta de Armas – 1 bombeiro
• Comandante da guarda – 1 subchefe
• Chefe de Prevenção – 1 chefe
(…)” – cfr. fls. 40/47 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
C) Em 22/06/2006, foi emitida pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto, a ordem de serviço n.º 30/06, onde se lê, entre o mais, o seguinte:
“(…)
DETERMINO QUE:
A alínea H) da Ordem de Serviço n.º 24/2006 passe a ter a seguinte redacção:
H) Quantitativo de pessoal para todos os efeitos legais
Considerando a especificidade da missão do BSB e garantindo os melhores níveis de operacionalidade e eficácia, o número de bombeiros por grupo de trabalho (turno), no qual se abrange o serviço de fogo, de ambulâncias, de mergulhadores, telefonista plantão à porta de armas, comandante de guarda e chefe de prevenção, será definido superiormente pelo Comandante do BSB” – cfr. fls. 39 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
D) Em 13/07/2006, na Direcção de Serviços para as Relações Profissionais nas Regiões Norte e Centro, realizou-se uma reunião entre os representantes do Município do Porto e do SNBP – Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais, da qual foi lavrada acta, cujo teor ora se transcreve parcialmente:
“(…)
A reunião tinha como objectivo a negociação de um acordo, quanto aos serviços mínimos e quanto aos meios necessários para os assegurar, durante a greve declarada por aquele sindicato a efectivar-se entre as 12h00 e as 16h00 do dia 24/07, entre as 09h00 e as 13h00 e entre as 20h00 e as 0h00 do dia 25/07, e entre as 12h00 e as 16h00 do dia 27/07.
(…)
4 – Depois de uma ampla discussão acerca das razões subjacentes à presente greve, foi possível chegar-se a um consenso nos seguintes termos:
4.1. O Sindicato aceita retirar ao quantitativo mínimo de pessoal, previsto na sua proposta, os 3 elementos afectos à abertura de portas e outros serviços, uma vez que tais serviços foram entretanto protocolados com as corporações de bombeiros voluntários da cidade, pelo que o número total de profissionais abrangido pela mesma será de 37.
4.2. Por sua vez, a Câmara atendendo a que a proposta do Sindicato é superior ao quantitativo resultante da posição da CMP, nada tem a opor a que os serviços mínimos sejam neste caso assegurados com o quantitativo proposto pelo Sindicato, desde que esse quantitativo seja traduzido no envio atempado da lista a que se refere o n.º 6 do art.º 599 do Código do Trabalho” – cfr. fls. 32/35 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
E) Em 24/07/2006 o Senhor Comandante do Batalhão de Sapadores Bombeiros emitiu a ordem de serviço n.º 141, da qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
8 – SERVIÇOS MÍNIMOS: - Atendendo a que foi apresentado pelo S.N.B.P. um pré-aviso de greve para os períodos das 09H00 às 13H00 e das 20H00 às 24H00 e, uma vez que este Sindicato não designou os elementos que vão cumprir os serviços mínimos, nos termos do n.º 6 do Art.º 599.º do Código do Trabalho, consideram-se requisitados para efeitos de cumprimento de serviços mínimos os elementos nomeados para o serviço normal nos períodos referidos”. (…) – cfr. fls. 36/38 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
F) Em 29/01/2007, o Senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto emitiu a ordem de serviço n.º 6/2007, donde se destaca o seguinte:
“(…)
H) Quantitativo mínimo de pessoal para prestação do socorro e para todos os efeitos legais
Considerando a especificidade da missão do BSB e garantindo os melhores níveis de operacionalidade e eficácia, o número de bombeiros por grupo de trabalho (turno), no qual se abrange o serviço de fogo, de ambulâncias, de mergulhadores, telefonista plantão à porta de armas, comandante de guarda e chefe de prevenção, será definido superiormente pelo Comandante do BSB” – cfr. fls. 48/56 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
G) Através do ofício n.º 1389, datado de 21/10/2010 o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local emitiu o aviso prévio de greve, onde se lê, entre o mais, o seguinte:
“(…)
Esta greve tem por objectivos lutar:
1. Contra as medidas de austeridade penalizadoras dos trabalhadores e insertas no Orçamento de Estado e nos PECs 1, 2 e 3.
2. Por aumentos salariais justos e efectivos pela Proposta Reivindicativa Comum.
3. Por uma política de progresso que combata a crise sem penalizar os trabalhadores, valorize os salários e garanta os direitos laborais, incluindo o direito a carreira, a justa avaliação e apresentação.
4. Pelo combate à evasão fiscal, contra os paraísos fiscais e pela taxação das mais – valias em Bolsa; por uma política fiscal que tenha em conta os lucros exorbitantes do sector financeiro e das empresas, como Galp, EDP, Águas de Portugal, Brisa, etc.
5. Por um Portugal mais justo, transparente a democrático, por direitos sociais e serviços públicos de qualidade; por uma política efectiva de investimento na produção e em serviços públicos de qualidade; por uma política efectiva de investimento na produção e em serviços públicos de qualidade prevendo inclusive a sua antecipação;
6. Contra a política governativa de ingerência no Poder Local, particularmente no que concerne à chantagem e às imposições ilegais para impedir a aplicação de medidas de opção gestionária e de condicionar os processos de contratação colectiva;
7. Pelo fim dos bloqueios do Governo à celebração de Acordos Colectivos de Entidade Empregadora Pública nas autarquias combater a adaptabilidade dos horários de trabalho e a discriminação de trabalhadores na contratação colectiva.
8. Pela contratação colectiva no universo empresarial da administração local, particularmente nas empresas municipais, intermunicipais e multimunicipais, de que se destacam, as que integram o Grupo águas de Portugal, bem como na generalidade das empresas privadas concessionárias de serviços públicos locais.
9. Pela negociação das carreiras dos bombeiros sapadores e municipais, de acordo com as reivindicações do STAL para o sector.
10. Pela contratação colectiva nas Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários e pela negociação de um regulamento de condições mínimas para todos os profissionais que trabalham nestas entidades.
Como atrás se referiu, o período de greve situa-se, em princípio, entre as 0 e as 24 horas do dia 6 de Novembro de 2010, pelo que a adesão dos trabalhadores independentemente da localização das entidades a que prestam serviço processar-se-á durante a totalidade desse período ou apenas durante o tempo que entenderem consoante a vontade que nesse sentido manifestarem.
Por razões ligadas à organização das jornadas de trabalho, esta greve abrange ainda os seguintes períodos:
• Para os trabalhadores cujo horário de trabalho se inicie antes das 0 horas do dia 6 de Novembro de 2010, o aviso prévio de greve começará a produzir efeitos a partir da hora em que tem início a jornada de trabalho;
(…)
Para efeitos do disposto no art.º 386.º, n.º 3 do RCTFP, bem como no art.º 534.º, n.º 3 do Código de Trabalho não se formula qualquer proposta de prestação de serviços mínimos, por não se vislumbrar que seja necessário, atento o curto período de duração da greve, a efectuar num sábado, o mesmo se concluindo relativamente à segurança e manutenção de instalações a que também se referem aqueles normativos.
Assim, informa-se os referidos trabalhadores que, independentemente do respectivo tipo de vínculo, se encontram em greve, tal como acima indicado, se outro motivo não declararem expressamente” – cfr. fls. 30/31 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
H) Na sequência da participação efectuada pelo Senhor Comandante do Batalhão de Sapadores Bombeiros do Município do Porto, por despacho do Senhor Vereador da Câmara Municipal do Porto, com Pelouro da Protecção Civil, Controlo Interno e Fiscalização, datado de 22/11/2010, foi determinada a instauração contra os representados do Autor de procedimento disciplinar – cfr. fls. 2/3 do processo administrativo apenso ao processo n.º 1540/12.4BEPRT.
I) No âmbito do referido processo disciplinar, em 25/05/2011, foi elaborada a nota de culpa de fls. 142/148 do PA apenso ao processo n.º 1540/12.4BEPRT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual se extrai o seguinte:
“(…)
Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 48.º, n.º 2 e n.º 3 do estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro (doravante, “ED”), deduzo contra os referidos colaboradores e arguidos nestes autos, a seguinte acusação:
ARTIGO 1.º
Os arguidos supra identificados, pelo menos em 6 de Novembro de 2010, exerciam a profissão de bombeiros no Batalhão de Sapadores Bombeiros do Município do Porto (BSB).
ARTIGO 2.º
Todos os mencionados trabalhadores, no dia 6 de Novembro estavam ao serviço.
ARTIGO 3.º
Tendo iniciado a respectiva jornada de trabalho às 8 horas, e o seu termo ocorreu às 20 horas.
ARTIGO 4.º
Pela Ordem de Serviço n.º 209/2010, de 29 de Outubro, do Comandante do BSB foi estipulado e divulgado nos termos devidos o “Plano de Instrução Semanal” referente à semana de 1 a 7 de Novembro de 2010, bem como o serviço a executar pelos colaboradores, referente ao turno C, no dia 6 de Novembro.
ARTIGO 5.º
Constava do Plano da Instrução Semanal, para execução por parte dos arguidos, para o dito dia 6 de Novembro, as tarefas de “limpeza/lavagem da sala de máquinas e viaturas. Verificação e organização dos carregamentos”, “verificação dos combustíveis e óleos BM/GE/Turbinas (C)” e “limpeza da casa dos óleos e verificação da pressão dos pneus das viaturas”.
ARTIGO 6.º
Competia aos arguidos executar as tarefas no facto anterior sem prejuízo do serviço de escala e piquete para os quais todos os arguidos estavam escalados, no mencionado dia 6 de Novembro.
ARTIGO 7.º
Os arguidos tinham conhecimento prévio do conteúdo da Ordem de Serviço supra mencionada, quando se apresentaram ao serviço às 8 horas de 6 de Novembro.
ARTIGO 8.º
Pelo que, nesse dia, os arguidos compareceram para executar as tarefas que lhes estavam designadas pela referida Ordem de Serviço.
ARTIGO 9.º
Assim, a partir das 8 horas os arguidos começaram a desempenhar as tarefas que lhes estavam incumbidas.
ARTIGO 10.º
Por comunicação do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), de 21 de Outubro antecedente, à Câmara Municipal do Porto, foi promovida greve para o dia 6 de Novembro de 2010, das 0 h às 24 h.
ARTIGO 11.º
Nessa comunicação o STAL comunicou que “para efeitos do disposto no artigo 396.º, n.º 3 do RCTFP, bem como no artigo 534.º, n.º 3 do Código de Trabalho, não se formula qualquer proposta de prestação de serviços mínimos, por não se vislumbrar que seja necessário, atento o curto período de duração da greve, a efectuar num sábado, o mesmo se concluindo relativamente à segurança e manutenção de instalações a que também se referem aqueles normativos. Assim, informa-se que os referidos trabalhadores, independentemente do respectivo título de vínculo, se encontram em greve, tal como acima indicado, se outro motivo não declararem expressamente”.
ARTIGO 12.º
Porém, os arguidos compareceram ao serviço, não fazendo greve.
ARTIGO 13.º
Nesse sentido, os arguidos começaram a desempenhar normalmente as suas funções a partir das 8 horas.
ARTIGO 14.º
Por outro lado, todos os arguidos receberam a respectiva remuneração diária referente ao dia 6 de Novembro de 2010.
ARTIGO 15.º
De acordo com o plano de instrução referido supra, os arguidos foram distribuídos em grupos de trabalho, uns para a limpeza da sala das máquinas, outros para a limpeza de viaturas na parada, os mergulhadores para a secção de limpeza dos mergulhadores, e outro grupo para limpeza dos vidros das viaturas que se encontravam na rampa do quartel.
ARTIGO 16.º
Iniciadas tais tarefas, sem nada que o justificasse, em prévio acordo e em conjugação de vontades, os arguidos abandonaram o desempenho das suas funções, não cumprindo com o que lhes estava designado para esse dia.
ARTIGO 17.º
Face à conduta dos arguidos, os superiores hierárquicos destes mandaram que todos os bombeiros se formassem na sala de máquinas.
ARTIGO 18.º
Aí os arguidos, igualmente de comum acordo e conjugação de vontades, criaram um ambiente hostil, proferindo palavrões e falando aos berros.
ARTIGO 19.º
Os superiores hierárquicos dos arguidos referiram então a todos os bombeiros que quem quisesse continuar a executar as tarefas desse dia deveria sair da formatura e quem não quisesse executar essas tarefas (previamente designadas) deveria permanecer na formatura.
ARTIGO 20.º
Os arguidos permaneceram na formatura.
ARTIGO 21.º
Os arguidos foram então advertidos que tal decisão significava uma recusa a ordens directas previamente dadas.
ARTIGO 22.º
Ainda assim, e mantendo a forma pactuada com que agiam, os arguidos permaneceram na formatura, recusando-se a continuar as tarefas que lhes estavam incumbidas, em clara colisão com o previamente estipulado na Ordem de Serviço supra referida, confirmada ao início da manhã de dia 6 de Novembro pelos seus superiores hierárquicos.
ARTIGO 23.º
Os arguidos tinham consciência da gravidade do seu comportamento e ainda assim quiseram consumá-lo, bem sabendo que o mesmo representava uma recusa ilegítima a ordens que lhes haviam sido dadas por superiores hierárquicos, proibida e punida por lei.
ARTIGO 24.º
Com o seu comportamento, os arguidos, enquanto elementos do corpo de bombeiros do BSB, atentaram contra a dignidade e prestígio da função que exercem.
ARTIGO 25.º
Perturbando o bom funcionado dos serviços.
ARTIGO 26.º
Os arguidos actuaram sempre conjuntamente e mediante acordo prévio com vista à prática da infracção disciplinar que ora vêm acusados.
ARTIGO 27.º
A conduta dos arguidos causou espanto, perturbação e discordância perante os demais colegas de trabalho, que não se reviam nem concordavam com a conduta adoptada pelos arguidos e, por isso, se sentiram envergonhados.
ARTIGO 28.º
Os arguidos, a trabalhar no BSB desde há anos, têm instrução, formação e experiência profissional mais do que bastante para configurar e representar tudo o que fizeram.
ARTIGO 29.º
Com o comportamento descrito, os arguidos revelaram um escandaloso descuido profissional, denegriram a função que exercem, foram desleais com os seus colegas de trabalho, com os seus superiores hierárquicos e com a Câmara Municipal do Porto.
ARTIGO 30.º
Sendo parte activa numa desobediência colectiva de ordens previamente conhecidas e divulgadas.
Face ao exposto, os factos descritos constituem a prática, pelos arguidos, de uma infracção disciplinar pois violaram alguns dos deveres gerais inerentes à função que exercem (artigo 3.º, n.º 1 do E.D.)
Os arguidos, com o comportamento descrito, incorreram na violação dos deveres de zelo e obediência, previstos nas alíneas e) e f) do n.º 2 do artigo 3.º do E.D., bem como dos n.ºs 7 e 8, respectivamente, do mesmo preceito legal.
A violação dos deveres de zelo e desobediência está punida com a pena de suspensão, nos termos do artigo 17.º, corpo da norma, e sua alínea g).
A pena de suspensão está prevista no artigo 9.º, n.º 1, alínea c) do E.D., a sua caracterização e efeitos estão estatuídos nos artigos 10.º e 11.º do E.D.
Agravam a responsabilidade disciplinar dos arguidos o facto de os mesmos terem agido em comparticipação para a prática da infracção disciplinar (artigo 24.º, n.º 1, alínea d) do ED) (…)”.
J) A nota de culpa referida na alínea que antecede foi notificada pessoalmente aos representados do Autor, PMPA..., JPPB...... e JFMR..., em 01/06/2011 e ao associado PMOF..., em 10/06/2011 – cfr. fls. 149, 152, 153 1 59 do PA apenso ao processo n.º 1540/12.4BEPRT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
K) Os representados do Autor apresentaram defesa escrita, nos termos que constam de fls. 161/173, 174/186, 200/212 e 265/272 do PA apenso ao processo n.º 1540/12.4BEPRT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
L) Em 15/02/2012 foi elaborado o relatório final, constante de fls. 385/469 do PA apenso ao processo n.º 1540/12.4BEPRT, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
“(…)
4. Análise dos Casos em Concreto
(…)
4.1.1. Factos provados
Do confronto de toda a prova produzida antes e depois da defesa dos arguidos, bem como das suas declarações, resultam provados, em relação a cada um dos arguidos, e com relevância para a decisão, os seguintes factos:
1) Os arguidos supra identificados, pelo menos em 6 de Novembro de 2010, exerciam a profissão de bombeiros no Batalhão de Sapadores Bombeiros do Município do Porto (BSB);
2) No dia 6 de Novembro estavam ao serviço;
3) Tendo iniciado a respectiva jornada de trabalho às 8 horas, e o seu turno ocorreu às 20 horas;
4) Pela Ordem de Serviço n.º 209/2010, de 29 de Outubro, do Comandante do BSB foi estipulado e divulgado nos termos devidos o “Plano de Instrução Semanal” referente à semana de 1 a 7 de Novembro de 2010, bem como o serviço a executar pelos colaboradores, referente ao turno C, no dia 6 de Novembro;
5) Constava do Plano da Instrução Semanal, para execução por parte dos arguidos, para o dito dia 6 de Novembro, as tarefas de “limpeza/lavagem da sala de máquinas e viaturas. Verificação e organização dos carregamentos”, “verificação dos combustíveis e óleos BM/GE/Turbinas (C)” e “limpeza da casa dos óleos e verificação da pressão dos pneus das viaturas”;
6) Competia aos arguidos executar as tarefas no facto anterior sem prejuízo do serviço de escala e piquete para os quais todos os arguidos estavam escalados, no mencionado dia 6 de Novembro;
7) Os arguidos tinham conhecimento prévio do conteúdo da Ordem de Serviço supra mencionada, quando se apresentaram ao serviço às 8 horas de 6 de Novembro;
8) Pelo que, nesse dia, os arguidos compareceram para executar as tarefas que lhes estavam designadas pela referida Ordem de Serviço;
9) A partir das 8 horas os arguidos começaram a desempenhar as tarefas que lhes estavam incumbidas;
10) Por comunicação do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), de 21 de Outubro antecedente, à Câmara Municipal do Porto, foi promovida greve para o dia 6 de Novembro de 2010, das 0 h às 24 h;
11) Nessa comunicação o STAL comunicou que “para efeitos do disposto no artigo 396.º, n.º 3 do RCTFP, bem como no artigo 534.º, n.º 3 do Código de Trabalho, não se formula qualquer proposta de prestação de serviços mínimos, por não se vislumbrar que seja necessário, atento o curto período de duração da greve, a efectuar num sábado, o mesmo se concluindo relativamente à segurança e manutenção de instalações a que também se referem aqueles normativos. Assim, informa-se que os referidos trabalhadores, independentemente do respectivo título de vínculo, se encontram em greve, tal como acima indicado, se outro motivo não declararem expressamente”;
12) Porém, os arguidos compareceram ao serviço, não fazendo greve;
13) Nesse sentido, os arguidos começaram a desempenhar normalmente as suas funções a partir das 8 horas;
14) Os arguidos receberam a respectiva remuneração diária referente ao dia 6 de Novembro de 2010;
15) De acordo com o plano de instrução referido supra, os arguidos foram distribuídos em grupos de trabalho, uns para a limpeza da sala das máquinas, outros para a limpeza de viaturas na parada, os mergulhadores para a secção de limpeza dos mergulhadores, e outro grupo para limpeza dos vidros das viaturas que se encontravam na rampa do quartel;
16) Iniciadas tais tarefas, sem nada que o justificasse, em prévio acordo e em conjugação de vontades, os arguidos abandonaram o desempenho das suas funções, não cumprindo com o que lhes estava designado para esse dia;
17) Face à conduta dos arguidos, os superiores hierárquicos destes mandaram que todos os bombeiros se formassem na sala de máquinas;
18) Aí os arguidos, igualmente de comum acordo e conjugação de vontades, criaram um ambiente hostil;
19) Os superiores hierárquicos dos arguidos referiram então a todos os bombeiros que quem quisesse continuar a executar as tarefas desse dia deveria sair da formatura e quem não quisesse executar essas tarefas (previamente designadas) deveria permanecer na formatura;
20) Os arguidos permaneceram na formatura;
21) Os arguidos foram então advertidos que tal decisão significava uma recusa a ordens directas previamente dadas;
22) Ainda assim, e mantendo a forma pactuada com que agiam, os arguidos permaneceram na formatura, recusando-se a continuar as tarefas que lhes estavam incumbidas, em clara colisão com o previamente estipulado na Ordem de Serviço supra referida, confirmada ao início da manhã de dia 6 de Novembro pelos seus superiores hierárquicos;
23) Os arguidos tinham consciência da gravidade do seu comportamento e ainda assim quiseram consumá-lo, bem sabendo que o mesmo representava uma recusa ilegítima a ordens que lhes haviam sido dadas por superiores hierárquicos, proibida e punida por lei;
24) Com o seu comportamento, os arguidos, enquanto elementos do corpo de bombeiros do BSB, atentaram contra a dignidade e prestígio da função que exercem;
25) Perturbando o bom funcionado dos serviços;
26) Os arguidos actuaram sempre conjuntamente e mediante acordo prévio com vista à prática da infracção disciplinar que ora se dá como provada;
27) A conduta dos arguidos causou espanto, perturbação e discordância perante os demais colegas de trabalho, que não se reviam nem concordavam com a conduta adoptada pelos arguidos e, por isso, se sentiram envergonhados;
28) Os arguidos, a trabalhar no BSB desde há anos, têm instrução, formação e experiência profissional mais do que bastante para configurar e representar tudo o que fizeram;
29) Com o comportamento descrito, os arguidos revelaram um escandaloso descuido profissional, denegriram a função que exercem, foram desleais com os seus colegas de trabalho, com os seus superiores hierárquicos e com a Câmara Municipal do Porto;
30) Sendo parte activa numa desobediência colectiva de ordens previamente conhecidas e divulgadas;
31) O arguido JPB... é funcionário municipal desde 1997, exercendo as funções de bombeiro sapador (subchefe de 2.ª classe) no Batalhão de Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal do Porto;
32) O arguido PA... é funcionário municipal há mais de 10 anos exercendo as funções de bombeiro sapador (subchefe de 2.ª classe) no Batalhão de Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal do Porto;
33) O arguido JB... é funcionário municipal desde 2008 exercendo as funções de sapador bombeiro no Batalhão de Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal do Porto;
34) O arguido PF... é funcionário municipal desde 2000 exercendo as funções de bombeiro sapador (Subchefe de 2.ª classe) no Batalhão de Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal do Porto;
35) O arguido RM... é funcionário municipal desde 2000 exercendo as funções de bombeiro sapador (Subchefe de 2.ª classe) no Batalhão de Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal do Porto;
36) O arguido JC... é funcionário municipal desde 2000 exercendo as funções de bombeiro sapador (Subchefe de 2.ª classe) no Batalhão de Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal do Porto;
37) O arguido HS... é funcionário municipal há mais de 10 anos exercendo as funções de bombeiro sapador (Subchefe de 2.ª classe) no Batalhão de Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal do Porto;
38) O arguido PM... é funcionário municipal desde o ano de 2001 exercendo as funções de bombeiro sapador (Subchefe de 2.ª classe) no Batalhão de Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal do Porto;
39) O arguido JR... é funcionário municipal desde o ano de 2000 exercendo as funções de bombeiro sapador (Subchefe de 2.ª classe) no Batalhão de Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal do Porto;
40) O arguido LL... é funcionário municipal desde o ano de 2000 exercendo as funções de bombeiro sapador (Subchefe de 2.ª classe) no Batalhão de Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal do Porto;

4.1.2. Tipificação da Infracção Disciplinar e Eventuais Circunstâncias Agravantes e Atenuantes

Face aos factos dados como provados, todos acima descritos, eles constituem a prática, pelos arguidos, de uma infracção disciplinar pois violaram um dos deveres gerais inerentes à função que exercem (artigo 3.º, n.º 1 do E.D.).
Refira-se a este respeito, que, face à prova produzida em sede de defesa, não se pode considerar verificada a violação do dever de zelo.
Porém, os arguidos, com o comportamento descrito, incorreram na violação do dever de obediência, previsto na alínea f) do n.º 2 do artigo 3.º do E.D., bem como no n.º 8 do mesmo preceito legal.
A violação do dever de desobediência está punida com a pena de suspensão, nos termos do artigo 17.º, do corpo da norma, e sua alínea g).
A pena de suspensão está prevista no artigo 9.º, n.º 1 alínea c) do E.D., a sua caracterização e efeitos estão estatuídos nos artigos 10.º e 11.º do E.D.
Agrava a responsabilidade disciplinar dos arguidos o facto de os mesmos terem agido em comparticipação para a prática da infracção disciplinar (artigo 24.º, n.º 1, alínea d) do ED).

4.1.3. Gravidade, Culpa e Personalidade dos Arguidos

Tal como resulta dos factos dados como provados, os arguidos desobedeceram intencional e escandalosamente a ordens que lhes haviam sido fixadas, ao recusarem-se a realizar as tarefas que lhes foram incumbidas no dia 6 de Novembro de 2010, e criando, nessa manhã, um ambiente hostil.
Não existe qualquer motivo atendível para que os arguidos se tivessem recusado a exercer as funções que lhes estavam atribuídas.
Não pode aceitar-se o argumento alegado pelos arguidos no sentido de os mesmos estarem de greve nesse dia.
Desde logo, porque todos os arguidos efectivamente compareceram ao serviço no dia 6 de Novembro de 2010, tendo desempenhado algumas das funções que lhes estavam destinadas nesse dia.
Acresce que, nesse dia, em dia anterior ou sequer posterior (até à instauração do presente procedimento disciplinar) nenhum dos arguidos referiu que estava, estaria ou ia estar de greve no dia 6 de Novembro de 2010.
Ora, se algum dos arguidos estivesse de greve – ainda que fosse para o desempenho de serviços mínimos – natural seria que desse disso conhecimento aos seus superiores hierárquicos, se não com a antecedência devida, pelo menos no próprio dia da greve.
Porém, nada disso aconteceu.
Todos os arguidos compareceram ao serviço como em qualquer outro dia de trabalho, iniciando o desempenho das suas tarefas e recusando-se, a meio da manhã, a desempenhar as suas tarefas, sem invocar qualquer gozo de greve.
Assim, os arguidos recusaram-se a executar tarefas previstas para a manhã do dia 6 de Novembro de 2010, fazendo tábua rasa das ordens que lhes haviam sido fixadas.
Ora, como vem sendo pacificamente referido pela nossa jurisprudência e doutrina, não existe o conceito de “meia greve”, sendo que ou um trabalhador está de greve e não comparece ao serviço, ou não está de greve e, então, tem de desempenhar todas as funções que lhe sejam atribuídas nesse dia.
Acresce que, tal como resulta do comunicado de greve emitido pela central sindical CGTP e pelo Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), a fls. 35-36 do processo disciplinar, não foram fixados serviços mínimos para esse dia.
Com efeito, pode ler-se que “para efeitos do disposto no artigo 396.º, n.º 3 do RCTFP, bem como no artigo 534.º, n.º 3 do Código do Trabalho, não se formula qualquer proposta de prestação de serviços mínimos por não se vislumbrar que seja necessário, atento o curto período de duração da greve, a efectuar num sábado, o mesmo se concluindo relativamente à segurança e manutenção de instalações a que também se referem aqueles normativos” (sublinhado nosso).
No mesmo sentido, o Município do Porto ou o Batalhão de Sapadores Bombeiros não fixaram serviços mínimos para esse dia, sendo que inexiste obrigação legal ou regulamentar que impusesse essa conduta.
Refira-se também que a tese de que os arguidos estavam no exercício do seu direito de greve é ainda derrubada pelo facto de os mesmos terem recebido por inteiro o seu vencimento referente a esse dia, não havendo notícia ou prova no processo que aqueles alguma vez tenham devolvido esse valor.
Por fim, foram impressivos para o instrutor vários depoimentos prestados, seja em fase de instrução, seja em fase de defesa, que referiram, de uma forma espontânea, que nenhum arguido invocou no dia 6 de Novembro de 2010 estar de greve (cfr., por exemplo, fls. 10, 19, 21, 27, 28, 131, 322, 332, 339 e 340, 363 e 364 do processo disciplinar).
Assim, em resumo, face a ordens e instruções previamente emitidas pelos seus superiores hierárquicos, os arguidos pura e simplesmente ignoraram e não cumpriram parte delas.
Fizeram-no através de um encontro de vontades, comparticipando todos na infracção disciplinar.
Ao mesmo tempo os arguidos criaram um ambiente hostil, que levou a que este episódio tomasse proporções ainda maiores e agravasse assim a culpa dos mesmos e a gravidade do seu comportamento.
Acresce que se o dever de obediência é relevante para qualquer tipo de colaborador, é-o ainda mais no caso de colaboradores integrados numa estrutura para-militarizada como é o caso do BSB.
Com efeito, a noção de hierarquia e cumprimento de ordens é um tema especialmente sensível e relevante no desempenho deste tipo de funções, pelo que qualquer tipo de desobediência com os contornos da descrita – é especialmente gravoso e implica um superior grau de culpa dos agentes.
Houve assim uma desobediência clara e escandalosa de ordens dos seus superiores hierárquicos, conformando dessa forma a violação do dever de obediência.
Por outro lado, se o comportamento dos arguidos é, por si só, grave, o facto de os mesmos terem agido de forma comparticipada agrava ainda mais a responsabilidade dos mesmos.
Acresce que todos os arguidos tinham conhecimento de todas as ordens e instruções para o dia 6 de Novembro de 2010 e, ainda assim, consciente e deliberadamente optaram por não as cumprir, o que revela dolo nas suas condutas.
Para além disso, todos os arguidos trabalham há tempo suficiente no B.S.B. para já terem consolidado, em experiência, a exigência do cumprimento dos seus deveres funcionais, no exercício de funções públicas. Por outro lado, a natureza das funções por eles exercidas também lhes transmitiu um grau de conhecimento suficiente da necessidade e do dever de cumprimento do mencionado dever, cuja violação integra a prática de infracção disciplinar.

4.1.4. Pena Proposta

Orientado pelos princípios da justiça e da proporcionalidade, conforme exige o n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa, tendo em conta a gravidade objectiva, grau de culpa, a personalidade dos arguidos e as respectivas categorias profissionais, e bem assim, os acima especificados contornos concretos da infracção e sua expressão, há que ponderar a pena adequada, tendo sempre em conta a finalidade característica das medidas disciplinares.
Face ao enquadramento legal acima referido, propõe-se a aplicação da pena de suspensão por 20 dias, a cada um dos arguidos
(…)
▪ PMPA... – 64951
▪ JPPB... – 57218
(…)
▪ JFMR... – 65086
(…)
▪ PMOF... – 67814
(…)” .
M) Em 07/03/2012, foi elaborada pela Senhora Vereadora com o Pelouro dos Recursos Humanos, proposta com o seguinte teor:
“(…)
PROPONHO
1.º - Que a Câmara Municipal aprecie e delibere, por escrutínio secreto, a proposta do (a) Senhor (a) Instrutor (a), anexa.
2.º - Que os funcionários sejam notificados da presente deliberação nos termos do n.º 1, do art.º 57.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro” – cfr fls 470/471 do PA apenso ao processo n.º 1540/12.4BEPRT.
N) A proposta referida em M), foi objecto de aprovação, por escrutínio secreto, em reunião privada da Câmara Municipal do Porto, realizada em 13/03/2012 – cfr. fls. 472 do PA apenso ao processo n.º 1540/12.4BEPRT.
O) Os representados do Autor foram notificados pessoalmente da deliberação a que se alude em N), em 20/03/2012, tendo o seu mandatário sido notificado em 23/03/2012 – cfr. fls. 476/479, 488/489, 492/493 e 500 do PA apenso ao processo n.º 1540/12.4BEPRT.
X
No que à motivação da factualidade apurada diz respeito o Tribunal consignou que “resultou dos elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise dos documentos constantes dos autos, designadamente, o processo administrativo apenso aos autos que correm termos neste Tribunal sob o n.º 1540/12.4BEPRT, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, tendo-se ainda aplicado o princípio cominatório semi-pleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo pelas partes, assim como as regras gerais de distribuição do ónus da prova.”
DE DIREITO
Está posta em causa a decisão do TAF do Porto que julgou improcedente a acção.
Na óptica do recorrente, que não questionou a factualidade levada ao probatório, “os factos de que os seus representados vêm acusados não se enquadram como ilícitos disciplinares, não resultaram de actos culposos nem têm como objecto a violação dum dever consagrado e exigido aos funcionários no exercício das suas actividades.”
Conclui que os representados não violaram os deveres de obediência de que vêm acusados, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.
E, mesmo que assim não se entendesse, sempre se estaria perante uma ilegalidade da sanção aplicada por violação do disposto nos artigos 20.º, 22.º e 24.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local. É que o relatório final e, consequentemente, a sanção disciplinar aplicada não fez relevar nem o tempo de serviço, nem a inexistência de antecedentes disciplinares relevantes, nem as boas classificações de desempenho, o que, tudo conjugado, determinaria a atenuação extraordinária prevista no artigo 22.º do E. D.
Advoga que a decisão punitiva violou os apontados normativos.
Avança-se, desde já, que não lhe assiste qualquer razão.
Aliás o recorrente mais não faz do que repetir os argumentos que invocou na acção e que foram bem apreciados no acórdão.
Vejamos:
Consignou-se na decisão recorrida:
“i) Do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto – inexistência de infracção
Começa o Autor por referir que os seus representados não praticaram qualquer infracção disciplinar, susceptível de enquadrar a violação do dever de obediência, já que no dia 06/11/2010 se encontravam de greve e apenas compareceram ao serviço para a prestação de serviços mínimos.
Sustenta que era prática habitual do BSB a de na Ordem de Serviço que definia os serviços para uma determinada semana estabelecer os serviços mínimos no caso de haver alguma greve agendada para esse período, mas que apesar da greve de 06/11/2012 estar agendada, a Ordem de Serviço n.º 209/2010, de 29 de Outubro, contrariamente ao que era usual, omitiu qualquer informação sobre a prestação de serviços mínimos.
Refere que nos dias de greve, por norma, todos os elementos escalados para o serviço normal comparecem no início do turno e só aí, perante o superior hierárquico, lhes é perguntado quem está e quem não está de greve, ficando aqueles adstritos apenas aos serviços de emergência.
Sublinha que nos termos do artigo 538.º, n.º 7, in fine do Código de Trabalho e da mencionada Ordem de Serviço n.º 30/06 competia ao Município do Porto designar quais os trabalhadores que ficariam adstritos à prestação de serviços mínimos, o que não fez.
Argumenta que não se enquadram no conceito de serviços mínimos as tarefas que, sendo indispensáveis, não visam a satisfação de necessidades urgentes e inadiáveis da população, como será o caso da limpeza da sala de máquinas, limpeza de viaturas na parada, limpeza da secção de mergulhadores e limpeza dos vidros das viaturas.
E que, não tendo sido previamente definidos os serviços mínimos por parte da entidade demandada ou do BSB, os seus associados, confrontados com uma situação nova, foram levados, num primeiro momento a executar tarefas que constam do Plano de Instrução Semanal, mas logo de seguida comunicaram ao seu superior hierárquico que, não estando aquelas tarefas abrangidas pelos serviços mínimos, não seriam executadas.
Refuta que os seus associados tenham proferido quaisquer palavrões em ambiente hostil, mas apenas, por vezes, discussão em tom mais audível.
Advoga que a conduta dos seus associados não pode consubstanciar uma recusa ilegítima a ordens directas de um superior hierárquico, mas o exercício efectivo espontâneo do direito à greve, frisando que, ao invés, a entidade demandada não cumpriu os acordos estabelecidos com os Sindicatos, não respeitou a lei e, muito menos, respeitou a prática do BSB, pautando a sua conduta por evidente má fé.
Conclui, deste modo, que os seus associados não praticaram qualquer infracção disciplinar reconduzível à violação do dever de obediência, já que não violaram qualquer norma legal ou instrução do seu superior hierárquico, nem desempenharam as suas funções em desobediência aos objectivos do serviço e, muito menos, contra a prossecução do interesse público.
A entidade demandada, por seu turno, sustenta que os associados do Autor optaram por não aderir à greve, já que compareceram ao serviço e começaram a desempenhar as funções que lhes estavam previamente atribuídas, através do Plano de Instrução Semanal, divulgado pela Ordem de Serviço 209/2010, de 29 de Outubro.
Sustenta que só a meio da manhã alguns colaboradores se recusaram a desempenhar as tarefas que lhes estavam designadas para esse dia e que tendo-lhes sido perguntado pelas chefias do dia qual o motivo do abandono das tarefas, sem nunca invocarem que se encontravam em greve, apenas referiram que andavam descontentes com algumas situações relacionadas com o funcionamento do BSB, motivos em nada relacionados com os invocados pelo STAL no aviso de greve.
Afirma que na greve convocada o STAL não formulou qualquer proposta de serviços mínimos, por entender não haver necessidade, sendo que os trabalhadores não anunciaram a sua comparência ao serviço para o exclusivo desempenho de serviços mínimos.
Acrescenta que não competia à entidade demandada fixar os serviços mínimos para a greve de 6 de Novembro de 2010 e que as Ordens de Serviço que, segundo o Autor, fixam serviços mínimos, na verdade, apenas visam a organização dos turnos do BSB ao nível de recursos humanos.
Conclui, deste modo, que os associados do Autor não se encontravam de greve no dia 6 de Novembro de 2010, pelo que ao recusarem desempenhar as funções que lhes foram atribuídas, ignorando as ordens e instruções previamente emitidas, violaram o dever de obediência, dever que assume maior relevância tratando-se o BSB de uma estrutura para - militarizada.
Considerando os argumentos aduzidos pelas partes, a questão que nos incumbe decidir reconduz-se à de saber se os representados do Autor violaram o dever funcional de obediência, o que, por sua vez, coloca a questão de saber se, no dia 06/11/2010, aqueles estavam ou não de greve.
De facto, o ponto de discórdia radica, essencialmente, no facto de, no dia 06/11/2010, os associados do Autor se encontrarem ou não a exercer o seu direito à greve, pré-agendada pelo STAL para aquele dia.
Importa, pois, indagar se os associados do Autor aderiram ou não à greve agendada para o dia 06/11/2010 e se, consequentemente, incorreram ou não na violação do dever de obediência.
Vejamos.
O direito à greve é um direito fundamental garantido aos trabalhadores pelo artigo 57.º da CRP.
Estatui-se no citado comando constitucional:
“1 - É garantido o direito à greve.
2 - Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito.
3 - A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
4 - É proibido o lock-out”.
Como tem sido realçado pela jurisprudência, “(…) o direito à greve não é absoluto visto o seu n.º 3 introduzido no texto constitucional pela Revisão de 1997, autorizar que a lei ordinária defina “as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”, o que constitui uma limitação ao seu exercício irrestrito, como também o n.º 2 do seu art. 18º consente que esse exercício possa ser constrangido quando seja “necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. O que quer dizer que, apesar de fundamental, o direito à greve pode ser regulamentado e esta regulamentação pode constituir objectivamente, numa restrição ao seu exercício sem que tal possa ser considerado como uma violação inconstitucional do direito à greve. Ponto é que ela se destine a ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a promover a segurança e a manutenção de equipamentos e instalações e se limite ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (cfr., inter alia, o acórdão do STA de 26/06/2008, proferido no processo n.º 078/06).
Presentemente, o regime jurídico infraconstitucional da greve consta do RCTFP, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro (artigos 392.º a 405.º), aqui aplicável, e do Código de Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro (artigos 530.º a 543.º).
O artigo 393.º, n.º 1 do RCTFP estabelece que “o recurso à greve é decidido pelas associações sindicais”.
Por sua vez, o artigo 396.º do mesmo diploma legal preceitua o seguinte:
“1 – As entidades com legitimidade para decidirem um recurso à greve devem dirigir à entidade empregadora pública, ao membro do responsável pela Área da Administração Pública e aos restantes membros do Governo competentes, por meios idóneos, nomeadamente por escrito ou através dos meios de comunicação social, um aviso prévio, com o prazo mínimo de cinco dias úteis.
2 – Para os casos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 399.º, o prazo de aviso prévio é de 10 dias úteis.
3 – O aviso prévio deve conter uma proposta de definição dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, bem como, sempre que a greve se realize em órgão ou serviço que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, uma proposta de definição de serviços mínimos”.
Reportando-se aos efeitos da greve, o artigo 397.º do RCTFP reza o seguinte:
“1- A greve suspende, no que respeita aos trabalhadores que a ela aderirem, as relações emergentes do contrato, nomeadamente o direito à remuneração e, em consequência, desvincula-os dos deveres de subordinação e assiduidade.
2 - Relativamente aos vínculos laborais dos grevistas, mantêm-se durante a greve, os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho, assim como os direitos previstos na legislação sobre protecção social e as prestações devidas por acidentes de trabalho e doenças profissionais.
3 – O período de suspensão não pode prejudicar a antiguidade e os efeitos dela decorrentes, nomeadamente no que respeita à contagem de tempo de serviço”.
Decorre, por seu turno, do artigo 399.º do mesmo diploma legal que:
“1- Nos órgãos ou serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se órgãos ou serviços que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes sectores:
(…)
g) Bombeiros.
(…)”
E quanto à definição dos serviços mínimos, o artigo 400.º, n.º 6 do diploma legal em análise prevê que “os representantes dos trabalhadores a que se refere o artigo 394.º devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços referidos no artigo anterior, até vinte e quatro horas antes do início do período de greve e, se não o fizerem, deve a entidade empregadora proceder a essa designação”.
Finalmente, o artigo 401.º, n.º 1 prevê que “os trabalhadores afectos à prestação de serviços mínimos, mantêm-se na estrita medida necessária à prestação desses serviços, sob autoridade e direcção da entidade empregadora pública, tendo direito, nomeadamente, à remuneração”.
Ora, considerando que nem a Constituição, nem os mencionados textos legais, nos oferecem um conceito de greve, a questão que se nos coloca é, quando é que se está perante o exercício legítimo do direito à greve?
É uma questão delicada, bastante controversa.
Temos por certo, porém, que a greve importa uma abstenção total da actividade do trabalhador (pois o direito à greve não é um direito das associações sindicais, mas dos trabalhadores), com excepção da prestação dos serviços mínimos, já que apenas “mantêm-se durante a greve, os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho”.
Nesse sentido vem-se pronunciando a doutrina e jurisprudência maioritária, sendo de trazer à colação, por todos, o contributo esclarecido de Bernardo da Gama Lobo Xavier, segundo o qual, tendo a greve por efeito a suspensão do contrato não pode a mesma confundir-se com uma execução parcial ou imperfeita do contrato, tendo que constituir um pleno não cumprimento contratual. (in Iniciação ao Direito do Trabalho, Verbo, 3ª edição, pág. 120 e 138).
Na verdade, a propósito de modalidades de greve podemos falar em greves atípicas, algumas das quais podem ser qualificadas de ilícitas.
São normalmente ilícitas as situações de greve que impliquem um deficiente cumprimento da actividade laboral. (…) Será ilícita a realização da actividade de forma defeituosa, ou seja, as situações que impliquem a realização da actividade de modo a o empregador não a poder aproveitar no seu todo. (…)
Se o trabalhador está a desempenhar a sua actividade tem de receber ordens do empregador e, se não obedecer, ficará sujeito ao poder disciplinar, com as consequentes sanções, maxime o despedimento” (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, 3.ª edição, págs. 1215/1216).
“O conceito jurídico de greve requer que haja, por parte dos trabalhadores integrantes da concertação grevista, períodos (mais ou menos longos, simultâneos ou não) de efectiva e total abstenção de actividade. (…)
É o que não ocorre na “greve de zelo”, na “greve de rendimento” e, de um modo geral, nas formas de paralisação fraccionária. Trata-se de situações alheias ao direito à greve, susceptíveis do tratamento próprio do cumprimento defeituoso do contrato ou (na perspectiva da doutrina italiana) da chamada non collaborazione (…)” (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 13.ª edição, pág. 897 e 898).
Ora, como resulta do discurso fundamentador vertido no relatório final elaborado pelo instrutor do procedimento disciplinar, os associados do Autor compareceram ao serviço no dia 06/11/2010, tendo iniciado a execução das tarefas que lhe haviam sido atribuídas de acordo com a ordem de serviço n.º 209/2010, sendo que apenas a meio da manhã se recusaram a continuar a fazê-lo.
Com efeito, apurou-se, em face da prova documental e testemunhal coligida no procedimento disciplinar, a seguinte factualidade:
- No dia 6 de Novembro estavam ao serviço;
- Tendo iniciado a respectiva jornada de trabalho às 8 horas, e o seu turno ocorreu às 20 horas;
- Pela Ordem de Serviço n.º 209/2010, de 29 de Outubro, do Comandante do BSB foi estipulado e divulgado nos termos devidos o “Plano de Instrução Semanal” referente à semana de 1 a 7 de Novembro de 2010, bem como o serviço a executar pelos colaboradores, referente ao turno C, no dia 6 de Novembro;
- Constava do Plano da Instrução Semanal, para execução por parte dos arguidos, para o dito dia 6 de Novembro, as tarefas de “limpeza/lavagem da sala de máquinas e viaturas. Verificação e organização dos carregamentos”, “verificação dos combustíveis e óleos BM/GE/Turbinas (C)” e “limpeza da casa dos óleos e verificação da pressão dos pneus das viaturas”;
- Competia aos arguidos executar as tarefas no facto anterior sem prejuízo do serviço de escala e piquete para os quais todos os arguidos estavam escalados, no mencionado dia 6 de Novembro;
- Os arguidos tinham conhecimento prévio do conteúdo da Ordem de Serviço supra mencionada, quando se apresentaram ao serviço às 8 horas de 6 de Novembro;
- Porém, os arguidos compareceram ao serviço, não fazendo greve;
- Nesse sentido, os arguidos começaram a desempenhar normalmente as suas funções a partir das 8 horas;
- Os arguidos receberam a respectiva remuneração diária referente ao dia 6 de Novembro de 2010;
- De acordo com o plano de instrução referido supra, os arguidos foram distribuídos em grupos de trabalho, uns para a limpeza da sala das máquinas, outros para a limpeza de viaturas na parada, os mergulhadores para a secção de limpeza dos mergulhadores, e outro grupo para limpeza dos vidros das viaturas que se encontravam na rampa do quartel;
- Iniciadas tais tarefas, sem nada que o justificasse, em prévio acordo e em conjugação de vontades, os arguidos abandonaram o desempenho das suas funções, não cumprindo com o que lhes estava designado para esse dia;
- Face à conduta dos arguidos, os superiores hierárquicos destes mandaram que todos os bombeiros se formassem na sala de máquinas;
- Aí os arguidos, igualmente de comum acordo e conjugação de vontades, criaram um ambiente hostil;
- Os superiores hierárquicos dos arguidos referiram então a todos os bombeiros que quem quisesse continuar a executar as tarefas desse dia deveria sair da formatura e quem não quisesse executar essas tarefas (previamente designadas) deveria permanecer na formatura;
- Os arguidos permaneceram na formatura;
- Os arguidos foram então advertidos que tal decisão significava uma recusa a ordens directas previamente dadas;
- Ainda assim, e mantendo a forma pactuada com que agiam, os arguidos permaneceram na formatura, recusando-se a continuar as tarefas que lhes estavam incumbidas, em clara colisão com o previamente estipulado na Ordem de Serviço supra referida, confirmada ao início da manhã de dia 6 de Novembro pelos seus superiores hierárquicos (cfr. ponto 4.1.1 do relatório final).
É de notar que não cabe a este Tribunal substituir-se ao órgão instrutor/decisor na tarefa de apreciação e valoração da prova produzida no processo disciplinar.
O que não quer dizer, no entanto, que o Tribunal está vinculado à apreciação que esses órgãos tenham feito das provas carreadas para o processo disciplinar.
Como se refere no acórdão do TCA – Norte de 27/01/2011, proferido no processo n.º 00827/07.2 BEPRT “dada a natureza inquisitória do procedimento disciplinar e em conjugação com o princípio da verdade real (cfr. arts. 56º e 86º do CPA), em regra, nesta fase vigora o princípio da livre apreciação das provas, segundo o qual o órgão instrutor tem a liberdade de, em relação aos factos que hajam servir de base à aplicação do direito, os apurar e determinar como melhor entender, interpretando e avaliando as provas de harmonia com a sua própria convicção.
Todavia, esta “liberdade probatória” não é total e completa, pois evidentemente que está condicionada pela finalidade de se obter o mais elevado grau possível de aproximação à verdade. O instrutor não pode avaliar as provas simplesmente segundo as suas opiniões individuais, mas segundo as regras da verdade histórica e com fundamentação da decisão. A «livre convicção», sob pena de não ter qualquer conteúdo lógico, não significa ausência de motivos de convicção, mas apenas que o juízo em que se traduz a apreciação não decorre directamente de regras legalmente impostas.
O condicionamento da ampla zona de liberdade probatória pelo fim de se obter a verdade material, conduz necessariamente à revisibilidade jurisdicional do juízo efectuado pelo órgão instrutor ou decisor sobre a apreciação e valoração das provas. O tribunal não está vinculado à apreciação que esse órgão tenha feito das provas recolhidas. O juiz fará o seu próprio juízo a propósito dos factos e elementos que o processo forneça, certamente persuadido racionalmente por uma positiva convicção de que os factos ocorreram muito provavelmente de um certa maneira. (…)
É através da fundamentação da decisão que se deve averiguar se a valoração das provas está racionalmente justificada e se ela é capaz de gerar uma convicção de verdade sobre a prática dos ilícitos disciplinares imputados ao recorrente”.
In casu, sopesando toda a prova documental e testemunhal carreada para o processo disciplinar, não se nos afigura arbitrária ou desrazoável ou racionalmente indemonstrável a apreciação e valoração que o órgão instrutor fez da prova.
Pelo contrário, cremos que a prova produzida no procedimento disciplinar nos legitima a concluir que os representados do Autor não estavam a agir a coberto do exercício legítimo do direito à greve.
Há que frisar as declarações prestadas pelas testemunhas ouvidas nos autos disciplinares, maxime as constantes de fls. 322, 332, 339 e 340, 363 e 364 do processo disciplinar.
Citamos, a título meramente exemplificativo, o depoimento prestado pela testemunha João Carlos Aires Nogueira, ouvido na qualidade de testemunha arrolada pelos representados do Autor, que disse o seguinte:
“• No dia 6 de Novembro de 2010 compareceram todos ao serviço inicialmente;
• Nesse dia houve a formatura inicial para ver quem estava presente, às 8 horas da manhã, sendo que antes “picaram o ponto”, através do sistema biométrico;
• Posteriormente foram-se fardar;
• Depois, já às 8 horas, compareceram para formatura para receberem a passagem do serviço do turno anterior;
• Os serviços estão previamente definidos na escala de serviço, que está afixada num quadro;
• A formatura durou cerca de 10 minutos;
• Posteriormente destroçaram e cada um dirigiu-se para o seu serviço (…)” (cfr. fls. 322/324 do PA).
É de realçar ainda o depoimento prestado por PMOF..., aqui representado do Autor, ouvido na qualidade de testemunha arrolada pelo também arguido no procedimento disciplinar em questão, JMM..., do qual se extrai o seguinte:
“ • Nesse dia o arguido entrou, como depoente, às 8:00 e saiu às 20:00;
(…)
• Nesse dia ou noutro dia qualquer faz-se sempre a mesma coisa no turno das 8 da manhã, que é a verificação de materiais e outras coisas;
(…)
• Às 10 horas houve uma formatura, que é uma formatura que existe todos os sábados para distribuição de tarefas;
(…)
• Nessa formatura foram distribuídas tarefas;
• Os bombeiros tinham ido fazer as tarefas que lhe tinham sido incumbidas;
(…)
• Mais tarde voltou a haver uma nova formatura, convocada pelo sub-chefe S…, em que foram dadas novas tarefas de limpeza;
• Então os colaboradores disseram que não queriam limpar betas e folhas da sala das máquinas;
• Na altura ninguém falou em greve; (…)”.
Afigura-se-nos, pois, que os representados do Autor, ao comparecerem ao serviço no dia 06/11/2010, e tendo iniciado as tarefas que lhes estavam adstritas, optaram por não aderir à greve pré-agendada pelo STAL.
É que, contrariamente ao que parece supor o Autor, o exercício do direito à greve não se concretiza com a convocação da greve pelas associações sindicais, mas somente com a adesão inequívoca dos trabalhadores, mediante a abstenção total do trabalho.
Veja-se a este propósito o elucidativo parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º P00002620, de 27/10/2005 e a abundante doutrina aí citada:
“(…) Como salienta ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, «a greve implica, por definição, a perturbação no trabalho provocada pelos trabalhadores, maxime pela abstenção da prestação que lhes compete. Por isso, a greve efectiva-se sempre num nível individual visto que individual é o plano da prestação do trabalho»[61].
Do processo de greve, este AUTOR autonomiza o elemento traduzido na adesão do trabalhador à declaração de greve, adesão que caracteriza como um «acto jurídico unilateral que implica uma manifestação da vontade confluente com a declaração colectiva da greve»[62] que, nos termos gerais, poderá ser expresso ou tácito, resultando de uma declaração a tanto dirigida ou decorrendo de circunstâncias que, com toda a probabilidade, a revelem. A declaração tem o empregador por destinatário, devendo, por ele, ser cognoscível[63].
Sobre a questão da intenção grevista do trabalhador – a adesão à greve – pondera MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO:
«O posicionamento do trabalhador em face de uma greve manifesta-se pela sua adesão ou não adesão ao conflito colectivo de trabalho. Aderindo, voluntária e unilateralmente, à greve, o trabalhador manifesta o seu acordo com as pretensões subjacentes ao conflito e aceita os efeitos modificativos na sua situação laboral inerentes a essa adesão (-). Ou seja, ele demonstra a sua intenção grevista através do acto de adesão [normalmente revelado pela simples conduta abstensiva da prestação a que está obrigado (-)], e essa manifestação de vontade produz no seu contrato individual de trabalho um efeito suspensivo, nos termos do art. 7º, nº 1 da LG [actualmente, nos termos do artigo 597º do Código do Trabalho]»[64]
Nas hipóteses típicas – afirma-se no Parecer nº 22/89 – a adesão à greve e a constatação efectiva do exercício do direito por parte dos trabalhadores, resulta da própria abstenção ao trabalho e é material e directamente determinável.
(…)
«A greve constitui, por natureza, um comportamento abstencionista, concertado e colectivo na respectiva dimensão processual, global e externa; mas, fundamentalmente, e na dimensão intrínseca de processo, tem de exprimir-se através de comportamentos individuais, voluntários, determinados e responsáveis. Por isso, a boa-fé exige que deva ser devidamente conhecido o âmbito e o sentido do comportamento abstencionista ou da indisponibilidade de serviço relativamente a cada funcionário.
«A greve implica, por definição a perturbação no trabalho provocada pelos trabalhadores; introduz um elemento de patologia na relação laboral. Por isso, efectiva-se sempre a nível individual, visto que individual é o plano da prestação de trabalho.
Elemento relevante no processo de greve é, sublinha-se, a adesão do trabalhador que «não implica nenhuma declaração sujeita a particulares formas ou formalidades, antes podendo resultar de qualquer esquema que revele tal vontade. O mais simples é, naturalmente, a pura e simples abstenção de trabalhar»[65]”.
Assim sendo, e atenta a prova produzida nos autos disciplinares, afigura-se-nos legítima a conclusão extraída pelo órgão instrutor e acolhida pelo órgão decisor, segundo a qual os representados do Autor não se encontravam de greve, pois que o exercício legítimo desse direito, impunha, desde logo, a exteriorização perante a entidade empregadora pública de uma intenção, expressa ou tácita, mas, necessariamente inequívoca, de exercer tal direito.
Efectivamente, o comportamento dos representados do Autor, que, no dia da greve, compareceram ao serviço, tendo iniciado a execução das tarefas que lhes estavam atribuídas pela Ordem de Serviço n.º 209/2010, evidencia que os Autores não estavam de greve.
Sustenta o Autor que os seus representados apenas compareceram ao serviço no dia da greve, com vista à prestação de serviços mínimos, pois que, desde 25/07/2006, era prática habitual do BSB, antes do início da jornada de trabalho, o superior hierárquico perguntar aos trabalhadores quem estava de greve ou quem estaria adstrito à prestação de serviços mínimos, acrescentando que as tarefas que se recusaram a desempenhar não estavam compreendidas por tais serviços, chamando à colação as ordens de serviços n.ºs 30/2006 e 141/2006.
Porém, tal conclusão, para além de destituída de base factual, não tem qualquer suporte legal.
Com efeito, como resulta do quadro jurídico supra exposto, compete às associações sindicais dirigir às entidades empregadoras públicas um aviso prévio de greve, o qual deverá conter uma proposta de definição dos serviços mínimos, bem como designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação desses serviços, até vinte e quatro horas antes do início do período de greve (cfr. artigos 396.º, 399.º e 400.º do RCTFP).
Ora, extrai-se do pré-aviso de greve emitido pelo STAL, que “para efeitos do disposto no art.º 386.º, n.º 3 do RCTFP, bem como no art.º 534.º, n.º 3 do Código de Trabalho não se formula qualquer proposta de prestação de serviços mínimos, por não se vislumbrar que seja necessário, atento o curto período de duração da greve, a efectuar num sábado, o mesmo se concluindo relativamente à segurança e manutenção de instalações a que também se referem aqueles normativos.
Assim, informa-se os referidos trabalhadores que, independentemente do respectivo tipo de vínculo, se encontram em greve, tal como acima indicado, se outro motivo não declararem expressamente”. (sublinhado nosso).
Assim, atento o teor do pré-aviso de greve, não vemos como poderiam os representados do Autor comparecer ao serviço no dia 06/11/2010, para a prestação de serviços mínimos, quando é certo que o próprio Sindicato não formulou qualquer proposta para esse efeito.
De qualquer modo, ainda que assim fosse, o certo é que, como resulta da factualidade vertida no relatório final, os representados do Autor começaram a sua jornada de trabalho às 8 horas da manhã, tendo, num primeiro momento, começado a executar as tarefas que lhes estavam atribuídas pelo Plano de Instrução Semanal referente à semana de 1 a 7 de Novembro, ínsito na Ordem de Serviço n.º 209/2010, de 29 de Outubro, as quais se traduziam em “limpeza/lavagem da sala de máquinas e viaturas”, “verificação e organização dos carregamentos”, “verificação dos combustíveis e óleos BM/GE/Turbinas” e “limpeza da casa dos óleos e verificação da pressão dos pneus das viaturas”.
Ora, se os representados do Autor compareceram ao serviço apenas para assegurar a prestação de serviços mínimos, por que razão começaram a executar tarefas que, como o próprio refere, manifestamente não se enquadram no conceito de “necessidades sociais impreteríveis” a que se referem o artigo 399.º do RCTFP?
Como vimos, na tese do Autor, desde 25/07/2006, era prática habitual do BSB, antes do início dos turnos, o superior hierárquico perguntar aos trabalhadores quem estava de greve ou quem estaria adstrito à prestação de serviços mínimos.
Nesse sentido alega que, não obstante, na reunião realizada na Direcção de Serviços para as Relações Profissionais, em que estiveram presentes representantes do Sindicato Nacional de Bombeiros Profissionais (SNBP) e o Município do Porto, no âmbito da aludida greve, ter-se fixado em 37 elementos o quantitativo mínimo de pessoal para os dias de greve, a entidade demandada, estribando-se na deliberação n.º 30/2006, de 22/04/2006, através da deliberação n.º 141, de 25/06/2006, fixou em apenas 35 o número de elementos afectos aos serviços mínimos. E que, desde então, passou a ser usual, no BSB, todos os elementos escalados para o serviço normal comparecerem no início do turno e só aí, perante o superior hierárquico, lhes ser perguntado quem está e quem não está de greve, ficando aqueles apenas adstritos aos serviços de emergência.
Acontece que o Autor pretende demonstrar a existência da alegada “prática habitual” no BSB, com base em elementos que se reportam a uma greve convocada pelo próprio para os dias 24 e 25 de Julho de 2006.
Com efeito, resulta da mencionada ordem de serviço n.º 141, de 24/07/2006 seguinte: “Atendendo a que foi apresentado pelo S.N.B.P. um pré-aviso de greve para os períodos das 09H00 às 13H00 e das 20H00 às 24H00 e, uma vez que este Sindicato não designou os elementos que vão cumprir os serviços mínimos, nos termos do n.º 6 do Art.º 599.º do Código do Trabalho, consideram-se requisitados para efeitos de cumprimento de serviços mínimos os elementos nomeados para o serviço normal nos períodos referidos”.
É, pois, manifesto que a referida ordem de serviço apenas se refere à greve agendada pelo STAL para os dias 24 e 25 de Julho de 2006, não existindo nos autos qualquer lastro factual que nos permita concluir pela existência da alegada prática habitual.
Na verdade, desconhecendo-se a existência de quaisquer outras greves, para além da ocorrida em 2006, não vislumbramos em que medida se possa falar de uma “prática habitual” instituída no BSB, desde então, a qual, a existir, sempre seria uma prática contra legem.
De resto, como salienta a entidade demandada, a tese do Autor é, desde logo, infirmada pelas regras da experiência comum que nos dizem que não é a entidade empregadora pública que, no próprio dia da greve, pergunta aos trabalhadores se compareceram ao serviço para fazer greve ou para a prestação de serviços mínimos.
Finalmente, não é despiciendo referir que se os representados do Autor estavam de greve não podiam receber, como receberam, a remuneração diária, pois que, nos termos do artigo 397.º, n.º 1 do RCTFP “a greve suspende, no que respeita aos trabalhadores que a ela aderirem, as relações emergentes do contrato, nomeadamente o direito à remuneração”.
Posto isto, é chegado o momento de indagar se o órgão instrutor fez um correcto enquadramento fáctico - jurídico no que se refere à qualificação da conduta dos representados do Autor como violadora do dever de obediência.
Nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do ED “considera-se infracção disciplinar o comportamento do trabalhador, por acção ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce”.
De acordo com o mencionado preceito legal, integram os elementos essenciais da infracção disciplinar: i) um comportamento livre e consciente imputável ao trabalhador; ii) a ilicitude, entendida como a antijuridicidade decorrente da violação de deveres funcionais gerais inerentes ao exercício de funções; e (iii) a culpa, entendida como um juízo de censura dirigido a quem podia e devia ter actuado em conformidade com aqueles deveres gerais ou especiais e não o fez.
O dever de obediência, enunciado na alínea f) do n.º 2 do citado artigo 3.º, encontra-se definido no n.º 8 do mesmo preceito legal, como consistindo em “acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e com a forma legal”.
Segundo Paulo Veiga e Moura, “o primeiro requisito constitutivo do dever de obediência é a existência de uma ordem, o que pressupõe que seja transmitido um comando, perceptível e claro no seu conteúdo, de forma a que o trabalhador saiba exactamente o que os seus superiores hierárquicos querem que ele faça ou deixe de fazer. (…)
Não basta, porém, que se esteja perante uma ordem, exigindo-se ainda que tal ordem seja dada pelo legítimo superior hierárquico, o que desde logo implica que se apure quem é essa pessoa. (…)
Para que se esteja perante uma violação do dever de obediência é ainda necessário que a ordem dada pelo legítimo superior hierárquico tenha sido dada em “objecto de serviço”, devendo-se considerar como tal a ordem que reúna três requisitos de verificação cumulativa.
Em primeiro lugar, a ordem tem de se inserir no quadro de atribuições e competências do serviço, o que pressupõe que se destine a realizar uma finalidade que compita ao serviço prosseguir e que este possa efectivamente prosseguir.
Em segundo lugar, a ordem tem de ser dada em serviço, pelo que só durante o período de efectivo exercício de funções o trabalhador estará vinculado a obedecer às ordens que forem dadas pelo seu legítimo superior hierárquico. (…)
Em terceiro lugar, a ordem tem de estar em conformidade com as habilitações e as capacidades do trabalhador ou do posto de trabalho que detém, não havendo dever de obediência relativamente a ordens que ultrapassem o que o trabalhador é capaz e está habilitado a fazer (…)” (in Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, Coimbra Editora, 2.ª Edição, pág. 62/64).
Depreende-se, pois, que o dever de obediência consiste no dever de cumprimento e acatamento pelo trabalhador de ordens e determinações emanadas dos respectivos superiores hierárquicos.
Ora, tendo presente os considerandos supra expendidos, e tendo-se concluído, em face da factualidade apurada, que os arguidos não se encontravam de greve, nem comparecerem ao serviço para a prestação de serviços mínimos, impera concluir que os representados do Autor incorreram, efectivamente, na violação do dever de obediência, pois que se recusaram a cumprir as tarefas que lhes estavam adstritas de acordo com o Plano de Instrução Semanal, constante da ordem de serviço n.º 209/2010.
De facto, como resulta da factualidade vertida no probatório, os representados do Autor, tendo conhecimento prévio das tarefas que lhes estavam atribuídas pelo referido Plano de Instrução Semanal, a meio da manhã abandonaram o desempenho das suas funções, e tendo sido advertidos pelos seus superiores hierárquicos de que a sua conduta consubstanciava uma recusa a ordens directas previamente dadas, continuaram a recusar-se a cumpri-las.
Ora, se os representados do Autor compareceram ao serviço e iniciaram o desempenho das tarefas que lhes estavam incumbidas segundo o Plano de Instrução Semanal, vertido na ordem de serviço n.º 209/2010, emitida pelo Senhor Comandante do BSB, optando, assim, por não aderir à greve, os mesmos tinham de acatar e cumprir as ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos.
Afigura-se-nos, pois, que a qualificação fáctico – jurídica efectuada pelo órgão instrutor e acolhida pelo acto impugnado, a nosso ver, não merece qualquer censura, já que a factualidade apurada é suficientemente caracterizadora e demonstrativa da prática da infracção disciplinar pela qual os associados do Autor e demais arguidos no processo disciplinar foram sancionados.
Por tudo quanto ficou explanado, impera concluir que, com a sua conduta, os representados do Autor violaram o dever funcional de obediência, não se vislumbrando no acto punitivo o alegado erro sobre os pressupostos de facto.
ii) Do vício de violação de lei por falta de consideração da circunstância atenuante especial prevista no artigo 22.º, alínea a) do ED
Alega ainda o Autor que exercendo os seus representados as funções de bombeiro sapador no BSB há mais de 10 anos, com um currículo de comportamento exemplar, a entidade demandada devia ter considerado, para efeitos de aplicação da pena, a circunstância atenuante especial prevista na alínea a) do artigo 22.º do ED.
A entidade demandada, por sua vez, argumenta que não se verifica a mencionada circunstância atenuante especial, pois, embora os representados do Autor tenham antiguidade no serviço superior a 10 anos, não ficou demonstrado que venham desempenhando as suas funções “com exemplar comportamento e zelo”.
Vejamos.
Reportando-se às circunstâncias atenuantes especiais o artigo 22.º do E.D. dispõe o seguinte:
“São circunstâncias atenuantes especiais da infracção disciplinar:
A prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo;
A confissão espontânea da infracção;
A prestação de serviços relevantes ao povo português e a actuação com mérito na defesa da liberdade e da democracia;
a) A provocação;
b) O acatamento bem intencionado de ordem ou instrução de superior hierárquico, nos casos em que não fosse devida obediência”.
Acerca desta circunstância atenuante especial, Paulo Veiga e Mora, observa o seguinte: “a primeira dessas atenuantes é a prestação de mais de dez anos de serviço com exemplar comportamento e zelo, parecendo-nos que o período temporal referido deve começar a contar-se a partir do começo da relação de emprego público, em qualquer uma das suas modalidades e desde que não tenha havido quebra ou interrupção de funções (neste sentido aponta, aliás, o art. 84.º da lei 12 – A/2008, de 27 de Fevereiro). Para além disso, não basta ter um registo biográfico isento de qualquer censura para se poder considerar verificada esta atenuante sendo nossa opinião que o exemplar comportamento tem de estar traduzido em avaliações de desempenho que demonstrem esse mesmo exemplar comportamento e zelo, o que pressupõe que se tenha pelo menos dez anos de serviço avaliados com a menção máxima” (in Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, Coimbra Editora, 2.ª Edição, págs. 174/175).
Por seu turno, a jurisprudência dominante tem entendido que para que haja lugar à aplicação da circunstância atenuante especial prevista na alínea a) do artigo 24.º do E.D., não basta que o funcionário tenha um comportamento e zelo exemplar por mais de 10 anos, exigindo-se ainda que durante esse período, possa ser considerado um modelo para os demais funcionários.
Veja-se, inter alia, o acórdão do TCA- Norte de 05/05/2008, proferido no processo n.º 00679/05.7BEPRT, onde resulta sumariado o seguinte:
“(…) XV- Nos termos do disposto na alínea a) do artigo 29º do ED, constitui circunstância atenuante especial de infracção disciplinar a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo.
XVI- Para que haja a atenuante especial derivada de exemplar comportamento e zelo prevista na alínea a) do artigo 29º do E.D., é necessário não só que esse comportamento e zelo se prolonguem mais de 10 anos, mas também possam ser considerados um modelo para os restantes funcionários, o que supõe que sejam qualitativamente superiores aos deveres gerais destes, não bastando que o funcionário tenha obtido a classificação de Muito Bom num ano, a classificação de Bom em dois anos imediatos.
XVII- Exige-se, pois, para além das classificações de serviço, um comportamento modelar por parte do funcionário em causa por um período superior a 10 anos”.
Exige-se, pois, para além das classificações de serviço, um comportamento modelar por parte do funcionário em causa por um período superior a 10 anos.
Reportando-se a cada um dos seus representados o Autor alega que:
- O associado PMPA..., a exercer funções no BSB do Município do Porto há mais de 10 anos, teve nos últimos cinco anos anteriores ao processo disciplinar classificações de serviço de Muito Bom (2005), Bom (2006), Bom (2007), Muito Bom (2008) e Muito Bom (2009);
- O associado JPPB......, a exercer funções no BSB há mais de 15 anos, teve nos últimos cinco anos anteriores ao processo disciplinar classificações de serviço de Muito Bom (2005 – 2009);
- O associado JFMR..., a exercer funções no BSB desde 2000, teve, nos últimos cinco anos anteriores ao processo disciplinar, classificações de serviço de Bom (2005 – 2009);
- O associado PMOF..., a exercer funções no BSB desde 2000, teve, nos últimos cinco anos anteriores ao processo disciplinar, classificações de serviço de Bom (2005 – 2009).
Ora, não obstante resultar demonstrado que os representados do Autor tinham uma antiguidade no serviço superior a 10 anos (cfr. ponto 4.1.1. factos provados, 31) a 40) do relatório final constante do procedimento disciplinar) e que obtiveram boas classificações de serviço, pelo menos nos últimos cinco anos, não ficou demonstrado que os funcionários em causa tiveram um comportamento modelar para os demais funcionários.
Assim sendo, não nos merece qualquer censura a não consideração in casu da circunstância atenuante especial constante da alínea a) do artigo 22.º do E.D., mostrando-se a actuação da entidade demandada consentânea com o entendimento doutrinal e jurisprudencial supra expendida.
Soçobram, pelas razões expostas, as alegações do Autor quanto ao apontado vício de violação de lei.
iii) Do vício de violação de lei por aplicação errónea da circunstância agravante especial prevista no artigo 24.º, n.º 1, alínea d) do ED
Argumenta, finalmente, o Autor que não ficou demonstrado que os seus associados tivessem agido em comparticipação, pelo que não podia ser considerada a circunstância agravante especial prevista no artigo 24.º, n.º 1, alínea d) do ED.
A entidade demandada, por seu turno, aduz que verifica-se a circunstância agravante especial prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 24.º, uma vez que, como resulta da prova coligida para o processo disciplinar, os arguidos agiram de forma conjunta e concertada.
Vejamos.
Acerca das circunstâncias agravantes especiais o artigo 24.º do E.D. reza o seguinte:
“1 – São circunstâncias agravantes especiais da infracção disciplinar:
a) A vontade determinada de, pela conduta seguida, produzir resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, independentemente de estes se terem verificado;
b) A produção efectiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, nos casos em que o arguido pudesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta;
c) A premeditação;
d) A comparticipação com outros indivíduos para a sua prática;
e) O facto de ter sido cometida durante o cumprimento de pena disciplinar ou enquanto decorria o período de suspensão da pena;
f) A reincidência;
g) A acumulação de infracções
(…)”.
As circunstâncias agravantes especiais encontram-se taxativamente elencadas no referido artigo 24.º, não sendo admissível a aplicação de outras causas de agravamento das penas disciplinares que aí não se encontrem tipificadas.
A decisão punitiva considerou como circunstância agravante especial das infracções disciplinares imputadas aos representados do Autor a prevista na alínea d), do mencionado artigo 24.º do E.D. (cfr. ponto 4.1.3. do relatório final).
Tem-se entendido que a realização do comportamento ilícito pode resultar de uma acção individual (autoria singular) ou de uma acção colectiva, traduzida numa decisão conjunta de mais que uma pessoa ou execução igualmente conjunta (co-autoria).
Fazendo apelo ao conceito de autoria estabelecido para efeitos penais, é autor quem: (i) executa o facto por si mesmo; (ii) toma parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros; e (iii) convence dolosamente outrem à prática do facto ilícito (artigo 26.º do Código penal).
Temos, pois, por um lado, o autor singular, que executa o facto por si mesmo e, por outro, o co-autor que toma parte directa na sua execução – e fá-lo por acordo ou juntamente com outro ou outros.
Assim, existe comparticipação ou co-autoria sempre que exista conjugação de esforços de diversos agentes no sentido da consumação do facto típico, ou seja, quando mais do que um agente intervém no cometimento da infracção disciplinar.
Cavaleiro de Ferreira, reportando-se ao conceito de comparticipação para efeitos criminais, sustenta que na comparticipação a “actividade de todos os agentes deve dirigir-se objectivamente à realização de um facto previsto como crime, na forma de crime consumado ou tentado; quer dizer a comparticipação deve produzir, objectivamente, como resultado, a realização de um facto que, se fora cometido, por um só agente, seria punido” (Lições de Direito Penal I, pág. 453).
Desta feita na co-autoria ou comparticipação, o participante deve assumir o seu comportamento com a infracção, ou mediante acordo ou com consciência e a vontade de colaboração na sua realização, como parece decorrer da lei (“juntamente com outro ou outros” – cfr. artigo 26.º do Código Penal), devendo ainda, nesta última situação, haver consentimento ou pelo menos conhecimento da colaboração por parte de todos os intervenientes.
Na co-autoria o agente participa na execução do facto, por duas vias:
- por acordo entre todos os comparticipantes, acordo esse que “tanto pode ser expresso como tácito; mas sempre exigirá, como sempre parece ser de exigir, pelo menos uma consciência de colaboração (…), a qual, aliás, terá sempre de assumir carácter bilateral” (cfr. BMJ 144 – 43);
- por participação directa na execução do facto juntamente com outro ou outros isto é, necessidade de um exercício conjunto no domínio do facto, uma contribuição objectiva para a sua realização, que tem a ver com a causalidade, embora possa não fazer parte da execução.
Fala-se a este propósito de “cooperação consciente recíproca, expressa ou tácita, entre os agentes, resultante de acordo prévio ou de entendimento repentino, surgido durante a execução”, devendo ser bilateral a vontade de contribuir para o resultado comum.
Na mesma linha, Paulo Veiga e Moura refere observa que “constitui ainda circunstância agravante a co-autoria (ainda que moral) ou a cumplicidade na prática da infracção disciplinar justificando-se o agravamento da pena não pelo resultado produzido, mas pelo maior desvalor da conduta, seja por força do acordo prévio voltado para a prática da infracção, seja por força da instigação do autor imediato pelo autor mediato. (obra citada, pág. 182).
Transpondo estes considerandos para o caso concreto, temos para nós que o acto punitivo não incorre no erro sobre os pressupostos de facto e de direito que lhe vem assacado pelo Autor.
De facto, em face da prova produzida nos autos disciplinares, afigura-se-nos que a infracção pela qual os representados do Autor foram sancionados foi praticada em co-autoria, pois que cada um dos representados do Autor toma parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com os demais trabalhadores que se recusaram a executar as tarefas que lhes estavam atribuídas pelo Plano de Formação Semanal, constante da ordem de serviço n.º 209/2010.
Assim, a actuação ilícita é produto da concorrência de várias condutas praticadas por sujeitos distintos, realizada, portanto, por uma pluralidade de agentes em comparticipação.
Deste modo, dúvidas não existem de que cada um dos representados do Autor, tomando parte directa na execução, por acordo e juntamente com os demais arguidos, é co-autor.
Pelo que ficou dito, temos de concluir que não se verifica o apontado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito no que concerne à consideração da circunstância agravante especial prevista na alínea d) do E.D, pelo que improcedem, in totum, as alegações do Autor.”
X
Ora, como ressalta à evidência, todos os pontos aventados nesta sede de recurso foram já apreciados, e bem, pelo tribunal a quo.
Na verdade, os autos atestam que o acórdão que desatendeu a pretensão do recorrente e afastou qualquer juízo de censura na actuação da entidade demandada no decurso do processo disciplinar não merece o menor reparo.
Aliás o recorrente limita-se a atacar a decisão punitiva como se a decisão judicial não a tivesse dissecado já, bem como toda a tramitação que lhe subjaz.
Como é sabido, nestas situações, o tribunal apenas pode substituir-se ao juízo formado pela entidade administrativa, caso se esteja perante uma situação de erro grosseiro, o que manifestamente não se vislumbra.
O acórdão recorrido cuidou de considerar e valorar devidamente o quadro fáctico-legal enunciado na petição inicial.
A este tribunal não compete reapreciar a matéria de facto que o recorrente não impugnou.
Em suma e sem necessidade de quaisquer outros desenvolvimentos:
- como bem salienta o recorrido, não existe no nosso ordenamento jurídico o direito a “meia-greve”, o que significa que os trabalhadores que decidam aderir a uma greve convocada, devem abster-se de comparecer ao serviço, ou, ao menos, revelar uma vontade expressa de aderirem à greve;
- o exercício do direito à greve deve ser inequívoco e exteriorizado pelos trabalhadores que o desejarem exercer, não podendo estes limitar-se a escolher quais as tarefas que pretendem cumprir das que estão previamente previstas para essa jornada de trabalho;
- no caso em apreço, os associados do recorrente compareceram ao serviço e jamais manifestaram qualquer intenção de exercer o seu direito à greve - apesar de tal lhes ter sido questionado pelos seus superiores hierárquicos; limitaram-se simplesmente a optar por não realizar algumas das tarefas que estavam previstas para esse dia, o que constitui uma clara violação dos seus deveres de obediência, por implicar o não cumprimento de ordens dadas sem que haja justificação para esse incumprimento;
- foram os próprios trabalhadores, associados do recorrente - que, perante o instrutor disciplinar nomeado, referiram que não estavam de greve no dia 6 de Novembro de 2010, mais adiantando que nessa altura ninguém falou em greve ou em serviços mínimos, e que nem sabem como funcionam os serviços mínimos em caso de greve;
- para a greve desse dia não estavam fixados serviços mínimos, pelo que não faz qualquer sentido a alegação do recorrente no sentido de os seus associados comparecerem ao serviço para cumprirem serviços mínimos que não haviam sido fixados pelos sindicatos que convocaram a greve;
- não estando os associados do recorrente a agir naquele dia ao abrigo do exercício legítimo do direito o à greve, tinham que acatar e cumprir as ordens dos seus superiores hierárquicos;
- tendo iniciado normalmente a execução das tarefas que lhes eram atribuídas na Ordem de Serviço n.º 209/2010 e depois decidido abandoná-las sem nada que o justificasse, nunca referindo que estavam em greve quando confrontados com tal situação por parte dos seus superiores hierárquicos, tal constitui uma violação do dever do dever de obediência que os vinculava perante o aqui recorrido;
- para que se verifique a circunstância atenuante prevista no artigo 22º/al. a) do ED, não basta o trabalhador obter boas classificações de serviço, pois isso é o que normalmente se espera de qualquer funcionário, sendo necessário que este revele uma atitude excepcional e modelar ao nível do seu comportamento e zelo, o que não ficou demonstrado;
- uma vez que todos os associados do recorrente abandonaram o desempenho das suas funções no mesmo dia e à mesma hora, após terem acordado entre si a prática dessa conduta, tendo também todos eles recusado continuar a execução das suas tarefas quando confrontados pelos seus superiores hierárquicos com esse abandono, na formatura, impõe-se concluir que agiram em comparticipação na prática da infracção disciplinar em causa, estando por isso preenchidos os pressupostos de que depende a existência da circunstância agravante especial prevista no artº 24º/1/ al. d) do E.D.
Logo, o acórdão recorrido que versou sobre a decisão punitiva, contrariamente ao alegado, não ostenta qualquer erro de julgamento de direito. Tal equivale a dizer que se impõe a sua manutenção na ordem jurídica.
DECISÃO
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.
Sem custas, atenta a isenção de que beneficia o recorrente.
Notifique e D.N..
Porto, 13/06/2014
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Ana Paula Portela