Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00934/21.9BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/17/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DE ATOS DE EXECUÇÃO INDEVIDA
Sumário:I- O incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida não tem como escopo a apreciação da ilegalidade da resolução fundamentada, mas antes a declaração de ineficácia de execução indevida, o que significa que o mesmo apenas pode ser suscitado após a prática dos atos de execução indevida, que devem estar devidamente identificados, cabendo ao requerente demonstrar a sua verificação.

II- Resultando inequívoca a insubsistência da atuação desenvolvida por parte da Entidade Requerida - bem patente na razões aduzidas na resolução fundamentada - como susceptível de relevar em termos da definição de eventuais atos de execução da deliberação suspendenda, carece de fundamento a arguição do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, não sendo, por isso, o mesmo de admitir.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MUNICÍPIO (...)
Recorrido 1:Águas de (...), S.A
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
MUNICÍPIO (...), devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, em 20.09.2021,“(…) julgo[u] procedente o presente incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, e consequentemente declaro[u] ineficazes os atos de execução indevida que hajam sido praticados (…)”.
Em alegações, o Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…)
1. O requerente da providência cautelar apenas pode deitar mão ao incidente de declaração de ineficácia de atos de execução, mas não pode impugnar diretamente a resolução fundamentada apresentada;
2. O direito de reagir contra aqueles atos de execução, requerendo a declaração da sua ineficácia, tem como pressuposto legal que o requerente da suspensão seja afetado nos seus interesses por atos de execução do ato administrativo impugnado, o que não sucede no caso “sub judice”;
3. No presente incidente a Requerente pretende impugnar a própria resolução fundamentada e não atos concretos de execução indevida das deliberações suspendendas;
4. A Requerente não identifica no requerimento do presente incidente qualquer ato de execução das deliberações suspendendas, porquanto aquilo que a Requerente apelida de “atos de execução contidos na Resolução Fundamentada” são na realidade as razões ou os fundamentos dessa Resolução;
5. É manifesto que os fundamentos (razões) da resolução fundamentada, elencados nos art°s. 15° e 16° do requerimento da Requerente, não consubstanciam a natureza de atos administrativos de execução das deliberações suspendendas, nem lesam os interesses e direitos da Requerente;
6. A Requerente não articula quaisquer factos que demonstrem que aqueles fundamentos (a que chama de atos) têm a virtualidade de lesarem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, pelo que carece de legitimidade para os atacar (cfr. art° 55° n° 1 CPTA);
7. Admitindo, por mera hipótese, que as razões/fundamentos da Resolução Fundamentada pudessem consubstanciar atos de execução, como entendeu a sentença “sub judice”, esses “atos” não são atos de execução indevida das deliberações suspendendas, suscetíveis de ser atacados por via da presente iniciativa;
8. Só poderia ser objeto do presente incidente a execução indevida dos atos suspendendos, isto é, atos indevidos de execução do resgate da concessão;
9. As razões/fundamentos da resolução fundamentada, que o Tribunal “a quo” classificou como atos de execução (preparatórios), não são abrangidos pela impugnação nem pela providência cautelar, dado que são atos novos, objeto de diferentes deliberações dos órgãos autárquicos competentes, e que teriam de ser impugnados autonomamente com novo meio processual e outras providências;
10. Exclui-se da previsão do art° 128° CPTA, os atos de execução que não executam o ato suspendendo, ainda que se trate de atos consequentes ou com ele relacionados.;
11. Ao assim não entender, a sentença “a quo” faz um errado julgamento da matéria de facto apurada nos autos, e uma errada interpretação e aplicação dos art°s. 55° n° 1 e 128° n° 2, 4 e 6 CPTA, na medida em que o presente incidente não é legalmente admissível;
Sem prescindir,
12. A resolução fundamentada objeto do presente incidente contém em si a motivação suficiente que sustenta de forma sucinta, clara, concreta, congruente e contextual a necessidade imperiosa de prosseguir com a execução das deliberações suspendendas a ponto de não ser possível, sob pena do grave prejuízo para o interesse público, esperar pela decisão judicial cautelar;
13. A resolução fundamentada “sub judice” contém os fundamentos factuais e de direito bastantes que explicitam as razões pelas quais a entidade requerida pretendeu prosseguir com a execução das deliberações do resgate da concessão;
14. As concretas razões apresentadas para a emissão da resolução são manifestamente procedentes e válidas, considerando os graves prejuízos para o interesse público que urge acautelar, interesse público que se consubstancia na defesa da qualidade da saúde, da qualidade ambiental e da qualidade de vida dos habitantes do concelho de (...);
15. É manifesta a urgência em garantir que os procedimentos que asseguram a implementação do novo modelo de gestão direta dos sistemas de abastecimento de água e de recolha e tratamento de efluentes prossigam os sue termos, de forma a entrar em funcionamento na data da efetivação do resgate da concessão, isto é, 31-12-2021;
16. Lida a resolução fundamentada que se mostra junta aos autos, a enunciação das razões/fundamentos aí elencados permite concluir que nela se mostram contidos fundamentos factuais, perfeitamente claros e congruentes, e de direito, bastantes que permitem aos seus destinatários, e por maioria de razão, ao Tribunal, perceber por que motivos a Administração pretende prosseguir com a execução do ato de resgate da concessão e o grave prejuízo para o interesse público que decorre da sua suspensão;
17. Essas razões/fundamentos são dotadas de substrato e credibilidade, e demonstram a grave ofensa para o interesse público decorrente da manutenção do efeito suspensivo decorrente da admissão da providência cautelar deduzida até à sua decisão;
18. O interesse público que levou os órgãos autárquicos do concelho de (...) a deliberar o resgate da concessão, fica efetivamente afetado com a suspensão dos efeitos da decisão, que visa garantir o acesso ao sistema de abastecimento de água e saneamento a toda a população do concelho de (...), em condições que garanta a universalidade desse acesso, que hoje, decorridos mais de 20 anos de concessão, não se verifica;
19. Embora a gestão delegada do serviço possa garantir o funcionamento do sistema, o certo é que esse funcionamento é defeituoso e não respeita o interesse público legitimamente definido pelos órgãos democráticos eleitos, ao abrigo das competências que legalmente lhes estão atribuídas;
20. Estão em causa interesses notoriamente públicos que não podem estar sujeitos às vicissitudes contratuais ou a incertezas de continuidades em condições que não garantam os interesses das populações, designadamente o acesso universal a um bem público essencial como a água, bem como a manutenção da saúde e higiene pública assegurada pelo funcionamento do sistema de saneamento básico;
21. Como é invocado na resolução fundamentada, é urgente avançar de imediato com o desenvolvimento dos investimentos públicos financiados por fundos europeus, que o Município vai utilizar para garantir os objetivos da universalidade da rede de abastecimento de água e da rede de saneamento em todo o concelho de (...);
22. É também urgente garantir os investimentos necessários para a construção das infraestruturas de abastecimento de água e saneamento básico daquele território, de forma que a possa ser incluído como solo urbano no PDM do concelho;
23. É manifesto que os procedimentos de constituição dos SMAS (...) são imprescindíveis para garantir o funcionamento sem interrupção dos sistemas de abastecimento de água e de saneamento básico do concelho, a partir de 31-12-2021, data da reversão dos sistemas para a gestão direta do Município;
24. A urgente a prossecução do procedimento legal de contratação do empréstimo bancário que financia o pagamento do preço do resgate da concessão, permitindo a concretização do resgate na data aprazada (31-12-2021), com o pagamento do respetivo preço à Recorrida;
25. Como resulta da fundamentação das deliberações suspendendas, é imprescindível devolver de imediato à esfera pública a gestão e exploração dos serviços concessionados;
26. A continuidade do atual modelo de gestão delegado é altamente prejudicial para o interesse público, e para os interesses e direitos fundamentais das populações do concelho de (...) que hoje não têm acesso ao sistema de abastecimento de água e de saneamento básico;
27. A resolução fundamentada, remetendo para a fundamentação das deliberações suspendendas, concretiza os prejuízos decorrentes da suspensão dos efeitos de resgate, com a continuidade do funcionamento de um modelo de gestão delegado de serviços essenciais que não está a cumprir as suas finalidades básicas, situação que não pode prolongar-se para além da data da produção de efeitos do resgate, isto é, 31-12-2021;
28. Incorre assim em manifesta errada interpretação e aplicação do direito aos factos dados como assentes nos autos, a douta sentença “a quo” que considerou que dos fundamentos da resolução fundamentada não resulta de forma concreta, factual, clara e congruente a existência de graves prejuízos para o interesse público definido nas deliberações suspendendas que decidiram o resgate, em resultado da suspensão dos efeitos destas deliberações.
29. Ao assim decidir, a sentença “a quo” viola o disposto no art° 128° CPTA, e como tal deve ser revogada (…)”.
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Notificada que foram para o efeito, a Recorrida Águas de (...), S.A. produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…)
A. Por sentença de 20-09-2021, o Tribunal a quo admitiu o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida contidos na Resolução Fundamentada e julgou-o procedente, na medida em que as razões de urgência apresentadas na Resolução Fundamentada não demonstram a existência de uma urgência imperiosa na execução imediata das Deliberações Suspendendas (Decisão de Resgate);
B. Em sede de recurso, o Recorrente vem alegar que a sentença recorrida, ao decidir-se pela admissibilidade do incidente, incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto apurada, e fez uma errada interpretação e aplicação dos art°s. 55°, n° 1 e 128° n°s 1, 2, 4 e 6 do CPTA, devendo ser revogada;
C. Não procede o argumento do Recorrente de que o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida não podia ser admitido, por não existirem atos de execução, nos termos e para os efeitos do art.° 128.° do CPTA.
D. Isto porque:
1) A Recorrida, por via do incidente, reagiu contra os atos de execução das Deliberações Suspendendas contidos na própria resolução fundamentada (a saber: a realização de investimentos públicos, financiados por fundos europeus nacionais e a construção das respetivas infraestruturas de sistema; a apresentação de candidaturas a outros fundos europeus; a constituição e implementação dos SMAS; a inscrição no planos de atividades e orçamentos municipais dos investimentos a realizar através dos SMAS e a candidatura a fundos para a realização dos referidos investimentos; e a contratação do empréstimo bancário de médio e longo prazo para o pagamento do preço do resgate da concessão) e não impugnou diretamente a Resolução Fundamentada;
2) Trata-se de verdadeiros atos de execução, como, aliás, acaba por ser confessado pelo próprio Recorrente, quando na Resolução Fundamentada refere expressamente já ter dado início à prática dos atos de execução da Decisão de Resgate, cuja declaração de ineficácia foi requerida pela Recorrida, estando os mesmos perfeitamente individualizados na Resolução Fundamentada e tendo nela sido afirmado que o Recorrente ia reatar imediatamente a sua execução a coberto da Resolução Fundamentada;
3) A ratio subjacente ao incidente de execução indevida é reconhecer aos administrados o direito de reagir contra todos e quaisquer atos de execução das deliberações suspendendas, estribados em fundamentos improcedentes invocados na Resolução Fundamentada, que possam lesar seus direitos e interesses legalmente protegidos, sobretudo, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, que evite a verificação de situações de facto consumado, como reconhecido pelo Tribunal a quo;
4) O facto de esses atos estarem identificados na própria Resolução Fundamentada não impede que os administrados os ataquem imediatamente através do incidente de execução indevida, como foi já reconhecido pela jurisprudência (cf. a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 7 de maio de 2017 (Proc. n.° 1960/16.5BEPRT);
5) É manifesto que os atos de execução, nos termos e para os efeitos do art.° 128.° do CPTA, abrangem também os atos materiais de execução do ato impugnado, independentemente de serem atos jurídicos (atos administrativos) ou meras operações de execução;
6) É inequívoco que o âmbito de aplicação do artigo 128.° do CPTA abarca também todos os atos de execução da Decisão de Resgate, incluindo os atos preparatórios da sua efetivação a 31 de dezembro de 2021 e não apenas, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, os atos que venham a concretizar “a reversão imediata dos meios e equipamentos afetos aos serviços concessionados”;
7) Improcede a tese mirabolante do Recorrente de que os atos objeto do incidente “não são atos de execução da decisão de resgate”, porque “não são abrangidos pela impugnação nem pela providência cautelar, dado que são atos novos, objeto de diferentes deliberações dos órgãos autárquicos competentes, e que teriam de ser impugnados autonomamente com novo meio processual e outras medidas cautelares”; e
8) É inequívoco que os atos de execução, cuja declaração de ineficácia foi requerida são lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrida, desde logo, do direito a uma tutela jurisdicional efetiva materializada no direito a garantir o efeito útil da decisão a proferir na providência cautelar e a evitar situações de facto consumado da Decisão de Resgate.
E. Não merece também reparos a sentença recorrida na parte em que julgou improcedentes as razões invocadas na Resolução Fundamentada para a imediata execução da Decisão de Resgate, não tendo a mesma feito uma errada apreciação da matéria de facto apurada nos autos e uma errada interpretação e aplicação do artigo 128°, n° 1 do CPTA, porque:
1) A Jurisprudência dos Tribunais Administrativos tem considerado unanimemente que a proibição de execução de ato por força da instauração de uma providência cautelar de suspensão visa salvaguardar o efeito útil da decisão a proferir no âmbito do processo, só podendo ser levantada em casos excecionais, quando ficar provada a urgência grave para o interesse público decorrente da imediata suspensão da execução do ato;
2) Os fundamentos invocados no Ponto (A) da Resolução Fundamentada são manifestamente improcedentes, uma vez que:
2.1. As candidaturas realizada pelo Recorrente são referentes a subsistemas de abastecimento de água e de recolha e tratamento de efluentes localizados em freguesias que, embora se incluam no objeto da Concessão e devessem ter sido entregues até 1 de janeiro de 2012, nunca chegaram a ser entregues à Recorrida, continuando os mesmos a ser geridos por terceiros, situação exclusivamente imputável ao Recorrente;
2.2. A atuação passiva de décadas do Recorrente na entrega dos referidos subsistemas, para que a sua gestão passasse a ser feita pela Recorrida, assim como executados os investimentos previstos, é totalmente contraditória com uma alegada urgência na realização de investimentos, que nunca existiu para o ora Recorrente;
2.3. O interesse público referido na Resolução Fundamentada no que toca à necessidade de dotar aquelas freguesias das respetivas redes de abastecimento e de saneamento está acautelado pelo próprio contrato de concessão, na redação dada pelo 1.° Aditamento, sem que isso implique a contração de quaisquer financiamentos pelo Recorrente.;
2.4. A realização desses investimentos suportados por fundos europeus não é inviabilizada pela manutenção do modelo de gestão concessionada e pela suspensão da execução da Decisão de Resgate até ao proferimento de decisão no processo cautelar, porque. como se disse, a Recorrida não tem a posse das áreas onde esses investimentos parecem estar previstos;
2.5. Os investimentos já aprovados pelos fundos a que o Recorrente se candidatou são em montante muito inferior àquele que a ora Recorrida tem de efetuar nos termos do Contrato de Concessão;
2.6. O Recorrente deliberou proceder ao Resgate da Concessão e vir a assumir a gestão direta dos sistemas de abastecimento de água e de recolha e tratamento de efluentes através dos constituendos SMAS (...), sem que, à data, dispusesse dos financiamentos aprovados pelos fundos nacionais ou europeus que agora invoca, o que quer dizer que os mesmos não podem ser vistos como necessários e essenciais à realização dos investimentos por parte do ora Recorrente, através dos SMAS, sob pena de invalidade da própria Decisão de Resgate, não advindo do seu diferimento qualquer grave prejuízo para o interesse público;
2.7. O Recorrente limitou-se a referir na Resolução Fundamentada, de forma genérica e vaga, que se encontrava a preparar a apresentação de futuras candidaturas, as quais terão de seguir um procedimento de avaliação, podendo, ou não, ser aprovadas, e no caso de o virem a ser, será igualmente dado um prazo razoável para a sua realização, pelo que inexiste qualquer urgência imperiosa na prossecução da execução da Decisão de Resgate a qual terá de ser atual ou iminente.
3) Os fundamentos invocados no Ponto (B) da Resolução Fundamentada são manifestamente improcedentes, uma vez que:
3.1. O Recorrente não cumpriu na Resolução Fundamentada com o ónus de invocar factos concretos que justifiquem a urgência imperiosa na execução imediata da Decisão de Resgate e a existência de prejuízos graves, reais, para o interesse público decorrentes do diferimento da execução até ao proferimento de uma decisão no processo cautelar, não discriminando quais os solos (freguesias) classificados como urbanos que careceriam da criação de infraestruturas, nem que tipo de investimentos terão de ser realizados, por forma a demonstrar a urgência imperiosa, atual e iminente de iniciar de imediato a sua realização;
3.2. Não é verdadeira a afirmação do Recorrente tenha sido incapaz de levar a cabo os investimentos, havendo hoje a necessidade imperiosa de os executar, sob pena de graves prejuízos para o interesse público, para além de o Recorrente não identificar quais os solos (freguesias) classificados como urbanos que carecem da criação dessas infraestruturas nem que tipo de investimentos terão de ser realizados e que são incompatíveis com o modelo de gestão concessão;
3.3. Os solos atrás referidos pertencem às freguesias, que nunca foram entregues à Recorrida e cuja gestão dos subsistemas está a ser feita por terceiros (lugar de (...) da freguesia de (…)), pelo que a realização dos investimentos não é inviabilizada pela manutenção do modelo de gestão concessionada e pela suspensão da execução da Decisão de Resgate até ao proferimento de decisão no processo cautelar, o que por si só comprova que os mesmos não constituem fundamentos procedentes para a imediata execução da Decisão de Resgate;
3.4. Não decorre do Decreto-Lei n.° 80/2015, de 14 de maio, nem de qualquer outra lei, qualquer obrigação de realização dos investimentos antes da classificação dos solos como urbanos ou rurais. Para a classificação dos solos como urbanos, não será necessária a prévia realização de investimentos nos sistemas de abastecimento de água e de saneamento, mas antes a mera provisão nos planos municipais da realização desses investimento.
3.5. É falso, portanto, o alegado pelo Recorrente, no sentido de que, até 3112-2022 terão de ser realizados investimentos “sob pena de uma grande parte do território do concelho ser reclassificado como solo rural”;
3.6. O Recorrente apenas terá de inscrever, até 31-12-2022, nos planos municipais e intermunicipais, os investimentos que pretende realizar nos solos classificados como urbanos, sem que tenha que realizar esses investimentos previamente à referida classificação;
3.7. O Recorrente limita-se a alegar, de forma genérica e vaga, que os investimentos só poderão ser realizados através do financiamento concedido por fundos nacionais e europeus, mas não indica quais são esses fundos, se os procedimentos foram ou não iniciados e, mais importante, se os mesmos foram ou não aprovados, pelo que não se encontra demonstrada a urgência imperiosa na imediata execução da Decisão de Resgate.
4) Os fundamentos invocados no Ponto (C) da Resolução Fundamentada são também manifestamente improcedentes, uma vez que:
4.1 O putativo interesse público subjacente à gestão direta dos sistemas de abastecimento de água e de recolha e tratamento de efluentes pelo ora Recorrente através dos SMAS, por contraposição, ao putativo grave prejuízo para o interesse público decorrente da manutenção do sistema concessionado até ao proferimento da providência cautelar, não está demonstrado nem justificado, como decorre com clareza do Parecer da ERSAR (desfavorável ao resgate) e só foi referido de forma vaga e genérica. O mérito do Resgate e a sua eventual legalidade estão a ser perfunctoriamente analisados no processo cautelar, no contexto do fumus boni iuris, não consubstanciando, de per se, qualquer situação de dano grave para o específico interesse público que imponha a continuação imediata da execução do ato, com paralisação justificada do efeito suspensivo previsto no n.° 1, do art.° 128.°, do CPTA;
4.2. A agilização do processo de constituição dos SMAS é uma mera conveniência administrativa para o Recorrente e meramente hipotética, uma vez que, até à referida data, será com elevada probabilidade produzida uma decisão na providência cautelar de suspensão da Decisão de Resgate, que no caso de procedência como se espera, suspenderá a Decisão de Resgate até decisão no processo principal;
4.3. No presente caso, o interesse público reclama precisamente a suspensão da Decisão de Resgate, até ao proferimento de uma decisão no processo cautelar.
5) Os fundamentos invocados no Ponto (D) da Resolução Fundamentada são manifestamente improcedentes, uma vez que:
5.1. O Recorrente não demonstrou na Resolução Fundamentada nem agora demonstra, que o processo de contratação de empréstimo será inviabilizado pela suspensão da prossecução da execução da Decisão de Resgate até ao proferimento da providência cautelar, pelo que falha o ónus de alegação e de prova da urgência imperiosa na imediata execução da Decisão de Resgate e da ocorrência de graves prejuízos para o interesse público, no caso de a execução da referida Decisão ficar suspensa até ao proferimento de decisão no processo cautelar, o que é bastante para negar provimento ao recurso e se manter a Decisão Recorrida.
5.2. Como referido quanto ao Ponto (C) da Resolução Fundamentada, o putativo prejuízo alegado pelo Recorrente, decorrente da suspensão do processo de contratação do empréstimo ali referido, que não está provado antes está a ser perfunctoriamente analisado no processo cautelar, no contexto do fumus boni iuris, não consubstancia, de per se, qualquer situação de dano grave para o específico interesse público, que imponha a continuação imediata da execução da Decisão de Resgate e justifique a paralisação do efeito suspensivo previsto no n.° 1, do art.° 128.°, do CPTA;
5.3. É o próprio interesse público que reclama a suspensão da Decisão de Resgate até ao proferimento de uma decisão, pelo menos, no processo cautelar.
6. Finalmente, os fundamentos invocados no Ponto (E) da Resolução Fundamentada são também manifestamente improcedentes, uma vez que:
6.1. O Recorrente limitou-se a apresentar argumentos vagos e genéricos
- sem apresentar factos concretos que demonstrem a urgência imperiosa na execução imediata da Decisão de Resgate;
6.2. O interesse público que o Recorrente alega de forma vaga e genérica
- "prossecução das políticas públicas em defesa da qualidade da saúde, da qualidade ambiental e da qualidade de vida dos habitantes do concelho de (...) não podem ser suspensas por tempo que não é determinável, sendo imperioso que os procedimentos de implementação do novo modelo de gestão direta dos sistemas de abastecimento de água e de recolha e tratamento de efluentes prossigam os seus termos, por forma a poder entrar em funcionamento em 31-12-2021” - está dependente do próprio mérito do Resgate e da eventual legalidade do ato suspendendo, a apreciar perfunctoriamente na providência cautelar, no contexto do fumus bonis iuris, não consubstanciando, por si, qualquer situação de dano grave para o específico interesse público, que imponha a continuação imediata da execução do ato, com paralisação justificada do efeito suspensivo previsto no n.° 1, do art.° 128.°, do CPTA, sendo relevante notar que a ERSAR veio emitir um parecer desfavorável ao resgate, por concluir exatamente que o mérito do resgate - "a mais-valia da alteração do modelo de gestão concessionada para o modelo de gestão direta através de serviços municipalizados" - não se encontra verificado;
6.3. A alegada inexistência de universalidade do acesso aos sistemas em todo o território de (...), “que tem 50% do seu território sem acesso àqueles serviços”, verifica-se precisamente nas freguesias que nunca foram entregues à Recorrida e que se encontram cobertas por subsistemas sobre a gestão de terceiros, sendo que a realização de investimentos necessários nessas mesmas freguesias não é inviabilizada pela manutenção do modelo de gestão concessionada e pela suspensão da execução da Decisão de Resgate até ao proferimento de decisão no processo cautelar, por a Recorrida não ter a posse dessas áreas, isto para além de mesmo no caso de ter essa posse, esse facto não seria impeditivo, como bem o demonstra o caso da ETAR de Campo; e
6.4. Face à natureza, complexidade e importância, desde logo, financeira, do Resgate da Concessão - que implica a transferência, para o ora Recorrente de todas as instalações e equipamentos do conjunto em operação e de todos os bens de propriedade da concessionária afetos à prestação dos serviços concessionados pelo ora Recorrente - é o próprio interesse público que reclama que a Decisão de Resgate não seja executada até ao proferimento, pelo menos, da decisão no processo cautelar, interesse público esse que se prende, desde logo, com a necessidade de assegurar uma gestão eficaz e sustentável dos dinheiros públicos e evitar a sobrecarga desnecessária do erário público, uma vez que a efetivação do resgate a 31-122021 implicará a assunção de avultadas obrigações financeiras, e não só, para o Recorrente, que poderá ser em vão, uma vez que a decisão a proferir no processo cautelar poderá, como se espera, decretar a suspensão da Decisão de Resgate até decisão a proferir no processo principal, implicando o retorno da gestão e exploração dos sistemas de água e saneamento para a ora Recorrida, se essa decisão vier a ser tomada depois de 30 de dezembro de 2021.
F. Face a quanto alegado e concluído deve ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se o despacho saneador-sentença recorrido, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito.
Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O Tribunal a quo não fixou factos, em face do que aqui se impõe estabelecer a matéria de facto, rectius, ocorrências processuais, mais relevante à decisão a proferir:
A. Em 05.04.2021, Águas de (...) intentou no TAF do Porto a presente providência cautelar de suspensão da eficácia da deliberação de 21 de dezembro de 2020 da Câmara Municipal de (...) e da deliberação de 28 de dezembro de 2020 da Assembleia Municipal de (...), que determinaram o regaste da concessão da exploração e gestão dos sistemas de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do concelho de (...) [cfr. fls. 7 e seguintes dos autos – suporte digital – cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
B. Em 28.04.2021, a Entidade Requerida – MUNICÍPIO (...) - deduziu oposição, tendo junto resolução fundamentada [cfr. fls. 344 e seguintes dos autos – suporte digital – cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
C. Em 28.10.2021, a Requerente, aqui Recorrida, suscitou o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida [cfr. fls. 407 e seguintes dos autos – suporte digital – cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
D. Tal incidente logrou obter decisão judicial de deferimento que faz fls. 472 dos autos – suporte digital, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
E. Sobre esta decisão judicial sobreveio, em 28.10.2021, o presente recurso jurisdicional [cfr. fls. 490 e seguintes do SITAF - , cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
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III.2 - DO DIREITO
Cumpre apreciar se o Tribunal a quo, ao julgar procedente o presente incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, e consequentemente, a declarar ineficazes os atos de execução indevida que hajam sido praticados, incorreu em erro de julgamento de direito.
Para facilidade de análise, convoquemos, no que ao direito concerne, o que de mais essencial se discorreu na 1ª instância: “(…)
Com relevo, para a apreciação do presente incidente, dispõe o artigo 128° do CPTA estatui que:
“1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
2 - Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a entidade citada impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.
3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.° 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.
4 - O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.
5 - O incidente é processado nos autos do processo de suspensão da eficácia.
6 - Requerida a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, o juiz ou relator ouve a entidade administrativa e os contrainteressados no prazo de cinco dias, tomando de imediato a decisão.”
A declaração de ineficácia dos atos de execução praticados é processada como incidente nos autos do processo cautelar de suspensão de eficácia de atos ou normas e visa assegurar a proibição de execução do acto suspendendo, salvo se a entidade requerida, mediante resolução fundamentada, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
O seu deferimento depende da verificação dos seguintes requisitos: (i) que o acto cuja declaração de ineficácia se pede seja um acto de execução do acto objeto do pedido de suspensão e que (ii) essa execução seja indevida.
Assim, considera-se a execução do acto, ou a sua continuação, como indevida, desde que o acto seja praticado, ou continue em execução nos atos de execução continuada, depois de notificado o requerido do requerimento do pedido de suspensão de eficácia e não tenha sido proferida a resolução fundamentada a que se refere o n.1 do artigo 128° do CPTA.
Vigora tal proibição para a prática ou continuação de atos de execução desde a citação, competindo à “entidade citada impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.”.
Sobre esta matéria, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, afirmando: “(...) II. Resulta do art. 128.° do CPTA, sob a epígrafe de “proibição de executar o ato administrativo”, a proibição da Administração executar um ato administrativo uma vez interposta que seja contra ele uma providência cautelar de suspensão de eficácia.
III. Pretende-se com o mesmo assegurar que, uma vez interposta uma providência cautelar com aquele alcance, a autoridade administrativa a partir do momento em que receba o duplicado do pedido de suspensão fique impedida de iniciar ou prosseguir a execução desse ato, estando obrigada a impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados levem a cabo tal execução, a menos que, no prazo de 15 dias, mediante resolução fundamentada afirme que a execução é urgente porque o seu diferimento “seria gravemente prejudicial para o interesse público”.
IV. Para a legalidade e eficácia da emissão duma resolução fundamentada exige-se que a mesma seja proferida ou emitida tempestivamente [cfr. prazo de 15 dias referido no n.0 1 do art. 128.° do CPTA], por órgão administrativo competente e que na mesma sejam enunciadas as razões ou motivos integradores do preenchimento em concreto do pressupostos/requisitos do diferimento da execução ser gravemente prejudicial para o interesse público a ponto de não poder sustar-se tal execução até à prolação da decisão judicial cautelar.
V. Quanto a este último requisito ou pressuposto temos que na explicitação motivadora não devem aceitar-se como válidas referências de tal modo genéricas e conclusivas que não habilitem os interessados e, por último, o próprio Tribunal, a entenderem e a aperceberem-se das razões que terão motivado a emissão da resolução fundamentada em questão.
VI. Deriva, por conseguinte, do exposto que a emissão por parte da Administração duma resolução fundamentada faz impender sobre a mesma especiais deveremos de deveremos da concreta situação e de deveremos daquela sua decisão, das premissas e razões concretas que justificam o prossecução da execução do ato suspendendo por a sua sustação gerar grave prejuízo para o interesse público prosseguido, tanto para mais que só assim se permite e se possibilita a sua adequada impugnação pelo requerente cautelar e o seu controle jurisdicional.
VII. O tribunal, no momento em que decide sobre a eficácia ou ineficácia dos atos de execução praticados ao abrigo da resolução fundamentada não tem de tomar em consideração o periculum in mora, o fumus boni iuris, nem sequer tem de proceder a uma ponderação dos interesses em questão, mas, apenas, deve verificar se aquela resolução existe, se a mesma foi emitida dentro do prazo legal e se está fundamentada no sentido de demonstrar e provar que o diferimento da execução [que é a regra geral] seria gravemente prejudicial [e não apenas maçador, inconveniente ou até simplesmente prejudicial] para o interesse público.
VIII. Toda a suspensão da eficácia de ato administrativo prejudica, por definição, o interesse público que ele prossegue já que a paralisação provisória dos efeitos do ato afeta inevitavelmente, ao menos «ratione temporais», os resultados a que ele se incline.
IX. Nessa medida, a emissão da resolução fundamentada por parte da Administração constitui o exercício duma prerrogativa que apenas faz sentido ser utilizada na medida em que seja indispensável para dar resposta a situações de especial urgência, sendo que estribada na mesma a Administração pode, dessa forma, prosseguir com a execução do ato, possibilidade que a mesma goza até que venha a ser proferida decisão judicial de procedência no âmbito do incidente de declaração de ineficácia dos atos praticados ao abrigo daquela resolução ou no âmbito do processo cautelar de suspensão de eficácia, situação que gera a automática caducidade da resolução fundamentada [cfr. Ac. do Sample de 05.06.2012 - Proc. n.0 0900/11 consultável: «www.dgsi.pt/jsta»].
X. Frise-se que a permissão de execução do ato administrativo não obstante a propositura duma providência cautelar constitui um mecanismo excecional, pontual, apenas admissível e legítimo para aquelas situações em que se verifique grave prejuízo para o interesse público com a imediata suspensão da execução do ato e que reclamam urgência naquele prosseguimento, tanto mais que, por vezes, é o próprio interesse público que pode conduzir à suspensão de molde a evitar a consolidação de situações irreversíveis, a lesão de liberdades públicas ou direitos fundamentais do requerente e/ou de contrainteressados.
XI. É que com a proibição de execução do ato suspendendo decorrente da propositura da ação cautelar visa-se assegurar a manutenção do efeito útil à própria tutela cautelar de molde a evitar que quando o julgador tome posição sobre aquele litígio essa sua decisão ainda faça sentido ou tenha utilidade à luz mormente dos direitos e interesses que o requerente queria ver acautelados.
XII. Importa ter presente que a resolução fundamentada não é objeto de impugnação autónoma desligada da existência de atos concretos de execução.
(...)
XIV. Explicitando as razões deste juízo de improcedência do incidente temos, desde logo, que tal resolução não é passível de ser objeto de impugnação autónoma no quadro deste incidente de modo desgarrado e sem que seja por referência a atos concretos de execução, porquanto, de acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal [cfr., entre outros, o acórdão de 24.09.2009 (Proc. n.° 0821/09) - acolhido e reiterado pelos acórdãos deste Supremo de 09.07.2014 (Proc. n.° 0561/14) e de 25.09.2014 (Proc. n.° 0799/14) - todos consultáveis no mesmo sítio], a “circunstância de a Administração emitir uma resolução fundamentada nos termos do art. 128.°, n.01, do CPTA não possibilita, «ipso facto», a dedução do incidente que a acometa; e compreende-se que assim seja, pois o que fere os interesses do requerente da suspensão não é a mera presença dessa pronúncia administrativa, mas os atos de execução que porventura se lhe sigam. Aliás, é óbvio que importa distinguir o pedido incidental dos seus fundamentos: à luz do art. 128.°, o único alvo a atacar pelo requerente da suspensão consiste em «atos de execução»; já os fundamentos desse ataque consistem numa «execução indevida» - e «indevida» porque os atos não foram precedidos de uma resolução qualquer ou, tendo-o embora sido, porque ela não foi capazmente fundamentada”.
(...)
XXI. Ao apreciar as razões vertidas na resolução fundamentada não pode o Tribunal, por um lado, entrar na análise da bondade e legalidade substancial do ato suspendendo, nem, por outro lado, invadir aquilo que são as margens da decisão política, das suas opções e critérios que a norteiam, e, bem assim, invadir aquilo que é margem de livre decisão da Administração, os poderes discricionários de que a mesma dispõe para valorar a melhor forma de prosseguir o interesse público e a oportunidade da decisão suspendenda no seu contexto e tempo. (...)
XXIII. Resulta, por outro lado, que não é este juízo um juízo de valoração ou de ponderação relativamente às razões invocadas na resolução fundamentada, mas da constatação da sua existência no seu confronto com a realidade a ponto desta não as desmentir, pelo que, tal como considerou este Supremo no seu acórdão de 25.08.2010 [Proc. n.° 0637/10 consultável no mesmo sítio], “a «resolução fundamentada» só é justificável quando a referida lesão for grave” e “as «razões» demonstrativas dessa gravidade hão de constar da «resolução»”, na certeza de que “esta não deverá operar os seus efeitos típicos se as «razões» absolutamente faltarem, forem irreais ou não se concatenarem logicamente à conclusão afirmativa do grave prejuízo para o interesse público”. (...)”- cfr. Acórdão proferido no âmbito do Processo n.° 0858/14, de 06.11.2014.
Da admissibilidade do presente incidente
A questão da inadmissibilidade deste incidente vem suscitada pelo Requerido com o argumento de que os fundamentos em que se estriba a resolução emitida não constituem atos de execução da deliberação suspendenda; que as ações ali enunciadas são meramente preparatórias da futura execução daquela deliberação, e que, em última análise, estas não são atos administrativos nos termos do disposto no artigo 148° do Código de Procedimento Administrativo, pois que não são sequer aptos a provocar qualquer lesão nos direitos ou interesses legalmente protegidos da Requerente.
Em contraditório, a Requerente pugna pela natureza de atos de execução e respectiva lesividade, do conjunto de ações enunciadas em sede de resolução fundamentada - “fazendo um paralelo com o regime de impugnação dos atos ineficazes”, sempre seriam impugnáveis, à luz do disposto no artigo 54° n.2 do CPTA e também, pelo “(...) carácter imediatamente iminente da prática dos atos de execução da Decisão de Resgate resultante da própria natureza e propósito da emissão da Resolução Fundamentada - (...)”.
Vejamos.
Considerando que da resolução fundamentada apresentada [cfr. fls. 4405 e ss. dos autos «SITAF», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido] consta, além do mais, que: “(...)
As razões da necessidade imperiosa de prosseguir com a execução das identificadas deliberações são as seguintes:
A) A necessidade urgente de avançar de imediato com o desenvolvimento dos investimentos públicos, financiados por fundos europeus, que o Município vai utilizar para garantir os objetivos da universalidade da disponibilidade da rede de abastecimento de água e da rede de saneamento em todo o concelho de (...).
Com efeito estes sistemas são imprescindíveis para garantir o acesso a serviços públicos essenciais à qualidade de vida, salubridade, saúde e proteção do ambiente das populações residentes no território do concelho, ainda sem aquela ligação.
Para avançar de imediato com a construção das infraestruturas de sistema o Município apresentou em 12-12-2020, uma candidatura ao Programa POSEUR, no valor de € 1.497.635,54, para financiar o investimento nas infraestruturas do saneamento de águas residuais na freguesia de (...), candidatura que foi já aprovada.
E na mesma data o Município apresentou outra candidatura ao Programa POSEUR, no valor de € 1.483.079,97, para financiar o investimento nas infraestruturas de saneamento de águas residuais na freguesia de (...), candidatura que também já foi aprovada. Estes investimentos aprovados devem estar concluídos até 2023.
E para que possam ser financiados, o Município tem de ser a entidade titular da posse, gestão e exploração do sistema de abastecimento de água e saneamento no concelho.
O Município tem já em curso a preparação de outras candidaturas a fundos públicos nacionais e europeus para garantir o imediato investimento nos sistemas de abastecimento de água e saneamento nas restantes freguesias do concelho que hoje estão carenciadas desses serviços públicos essenciais.
O diferimento da execução das deliberações suspendendas teria como consequência direta que todos estes financiamentos seriam perdidos, porquanto a concessionária manter-se-ia na gestão e exploração do sistema, impedindo a concretização dos investimentos aprovados, e afetando irremediavelmente o interesse público e os interesses da população na proteção da saúde pública, do ambiente e da qualidade de vida, valores e direitos naturais do estado de direito social.
B) O Município está obrigada, por força do disposto no art° 7° n° 3 alínea c) do Decreto Regulamentar n° 15/2015, de 19-8, a assegurar a criação de infraestruturas urbanas e de prestação de serviços associados, designadamente o sistema de abastecimento de água e saneamento nos solos do território do concelho de (...) classificados como urbanos, até 31-12-2022 (cfr. art° 199° n° 2 do D.L. n° 80/2015, de 14-5, na redação do D.L. n° 25/2021, de 29-3)).
Para isso o Município tem de garantir a sua previsão, no horizonte do plano territorial, mediante inscrição do respetivo programa de execução nos planos de atividades e orçamentos municipais, razão pela qual é um dos interesses público integrado nos fundamentos das deliberações que decidiram o resgaste da concessão.
Com efeito, se assim não suceder, os solos do território do concelho hoje classificados como urbanos passarão a ser classificados como solos rurais, não aptos para construção, com os irremediáveis prejuízos causados aos proprietários desses solos e ao interesse público no aproveitamento do solo, bem como da garantia da sustentabilidade socioeconómica e financeira e da qualidade ambiental do concelho de (...) (cfr. art°s 69° e 71° do D.L. n° 80/2015, de 14-5)
A urgência desses investimentos só pode ser assegurada e concretizada através do acesso a fundos públicos nacionais e europeus, fundos a que só a entidade requerida poderá recorrer, se for a entidade titular da gestão e exploração dos sistemas de infraestruturas de água e saneamento.
Ora a suspensão dos efeitos das deliberações, ainda que de forma temporária, impediria a realização daqueles investimentos até 31-12-2022, e por via disso condenado uma grande parte do território do concelho a ser reclassificado como solo rural.
C) O Município tem em curso os procedimentos necessários à constituição dos SMAS (...), de forma garantir a sua entrada em funcionamento em 31-12-2021, data da produção de efeitos da decisão de resgate.
Concretamente, o Município tem em curso os procedimentos legais para a criação da estrutura orgânica e funcional dos novos serviços municipalizados de água e saneamento, que vão assumir a gestão direta dos sistemas, e que em 31-12-2021, data da concretização dos efeitos do resgate, têm de estar em condições de entrar em funcionamento.
Sendo certo que, a suspensão destes procedimentos inviabilizaria a capacidade dos SMAS (...) poderem assumir a gestão dos sistemas na data fixada para a entrada em vigor no novo modelo de gestão direta dos serviços.
D) O Município concluiu o procedimento legal para a contratação de empréstimo bancário de médio e longo prazo para o pagamento do preço do resgate da concessão.
Se a execução das deliberações for diferida, esse procedimento legal terá de ser anulado e impedirá o Município de liquidar a indemnização do resgate à Requerente, impossibilitando assim a concretização efetiva da decisão de resgate da concessão.
E) Como resulta da fundamentação das deliberações requeridas, é imprescindível devolver de imediato à esfera pública a gestão e exploração dos serviços concessionados.
A existência de um contrato de concessão não pode impedir o Município de pôr em prática a sua nova conceção do interesse público ou de conveniência administrativa na defesa do interesse público e dos legítimos direitos e interesses das populações - essa a razão da previsão legal e contratual do resgate.
A prossecução das políticas públicas em defesa da qualidade da saúde, da qualidade ambiental e da qualidade de vida dos habitantes do concelho de (...) não podem ser suspensas por tempo que não é determinável, sendo imperioso que os procedimentos de implementação do novo modelo de gestão direta dos sistemas de abastecimento de água e de recolha e tratamento de efluentes prossigam os seus termos, de forma a poder entrar em funcionamento em 31-12-2021.
(…)”
Em face do enquadramento legal e jurisprudencial exposto, o Tribunal julga que os conjunto de ações enumeradas como razões justificativas da imperiosa urgência no levantamento do efeito suspensivo decorrente do disposto no artigo 128° nº.1 do CPTA, encerram em si mesmo um conjunto de atuações destinadas a viabilizar a imediata execução da deliberação suspendenda na data de 31.12.2021.
Ora, sendo certo que as referidas ações não são atos administrativos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 148° do Código de Procedimento Administrativo; é, todavia, evidente que as mesmas constituem atos de execução, preparatórios, da referida deliberação suspendenda. De facto, se desconsiderarmos estes atos preparatórios como sendo atos de execução da deliberação em apreço, a execução da mesma haveria de, a final, reconduzir-se a uma mera formalidade. Aliás, a relevância destes atos de preparatórios - de execução - para a execução da deliberação suspendenda retira-se das próprias razões invocadas pelo Requerido em sede de resolução fundamentada.
Destarte, uma vez que o presente incidente versa sobre “a declaração de ineficácia de atos de execução indevida” (cfr. artigo 128° n.4 do CPTA), é o mesmo admissível.
*

Invoca a Requerente, quanto ao “desenvolvimento dos investimentos públicos”, que a deliberação de resgate em apreço foi tomada sem que existisse, à data, “financiamento aprovado pelos fundos nacionais ou europeus”, donde retira, por isso, a sua não essencialidade para a execução dos investimentos por parte do Requerido; acrescentando que o facto de não ser titular dos sistemas de gestão e exploração não a impediu de se candidatar a fundos europeus para as freguesias de (...) e (...).
Relativamente à alegação do Requerido de que está obrigado à classificação dos solos como urbanos, a Requerente sustenta que “(...) não decorre do Decreto-Lei n.° 80/2015, de 14 de maio, nem de qualquer outra lei, qualquer obrigação de realização dos investimentos antes da classificação dos solos como urbanos ou rurais. (...)”, bastando, para que se preencham as condições de classificação do solo como urbano que se garanta a provisão, no horizonte do plano territorial, mediante inscrição no respetivo programa de execução,
Em relação à urgência para a constituição dos «SMAS (...)» para fazer face à necessidade de assumir a gestão dos sistemas na data fixada para o efeito, a Requerente invoca tratar-se de “(...) de uma mera conveniência administrativa para o Requerido na agilização dos procedimentos internos de constituição dos SMAS, e não numa qualquer urgência imperiosa que justifique a execução imediata da Decisão de Resgate, até porque a exploração dos sistemas de abastecimento de água e de saneamento não sofrerão qualquer interrupção, por a Requerente continuar obrigada a assegurá-los, nos termos do Contrato de Concessão, não havendo assim qualquer prejuízo para o interesse público. (.)”.
Por outro lado, clama a Requerente ser do interesse público a efetiva suspensão da deliberação suspendenda, uma vez que, em caso de procedência da sua pretensão cautelar, o Requerido seria obrigado a repor todos os atos de execução já efetuados.
No tocante à urgência associada ao procedimento legal para contratação do empréstimo bancário de médio e longo prazo para o pagamento do preço do resgate da concessão, a Requerente defende que o Requerido, a este respeito, se quedou por uma alegação genérica, não concretizando “qualquer interesse público específico” susceptível de ser prejudicado, ou sequer alegando e/ou demonstrando, a impossibilidade de “obter novamente o financiamento”; o mesmo afirmando quanto à afirmação do Requerido de que “(.) [a] prossecução das políticas públicas em defesa da qualidade da saúde, da qualidade ambiental e da qualidade de vida dos habitantes do concelho de (...) não podem ser suspensas por tempo que não é determinável, sendo imperioso que os procedimentos de implementação do novo modelo de gestão direta dos sistemas de abastecimento de água e de recolha e tratamento de efluentes prossigam os seus termos, por forma a poder entrar em funcionamento em 31-12-2021” (...)”.
Em resposta, o Requerido reiterou as razões já aduzidas em sede de resolução fundamentada, clamando pela complexidade dos procedimentos legais para implementação do “novo modelo de gestão direta dos sistemas de abastecimento de água e de recolha e tratamento de efluentes”, o qual reclama a intervenção de diversas entidades. Mais declara que cabendo ao Município assegurar que os serviços essenciais prestados não são interrompidos, tem de garantir a sua plena implementação no dia de concretização da deliberação de resgate da concessão.
Para sustentar a urgência na assunção direta da gestão e exploração destes serviços, invoca o incumprimento do contrato de concessão pela Requerente, e a necessidade de “(…) garantir a universalidade do acesso aqueles sistemas em todo o território do concelho. (....)”; e, bem assim, a urgência de proceder à classificação do solo até 31.12.2022, por força do estipulado no artigo 199° nº.s 2 e 5 do RJIGT.
Por fim clama que as ações levadas a cabo não constituem atos de execução da deliberação suspendenda e que, em todo o caso, estas não contendem com “(...) qualquer dos interesses e direitos peticionados pela Requerente na ação principal, (.)”. Ao invés, sustenta, que a “prossecução das políticas públicas” do concelho “(…) não pode ser suspensa por tempo que não é determinável, sendo imperioso, em face dos interesses públicos que fundamentam o resgate, que os procedimentos de implementação do novo modelo de gestão direta dos sistemas de abastecimento de água e saneamento básico prossigam os seus termos. (...)”.
Apreciemos.
Tendo presente o enquadramento jurisprudencial quanto ao objeto de apreciação do presente incidente - e, como tal, afastando, desde logo as razões inerentes à “bondade e legalidade substancial do ato suspendendo” e, “aquilo que é margem de livre decisão da Administração” - o Tribunal julga que as razões de urgência invocadas carecem de suporte factual; não no sentido de carecerem de prova, mas antes no sentido de que não revestem a urgência que o Requerido pretende assacar-lhes.
Com efeito, vejamos:
- a deliberação de resgate [com data de 21.12.2020 da Câmara Municipal, e de 28.12.2020, da Assembleia Municipal] não está dependente da obtenção de fundos comunitários, visto que a candidatura a tais fundos para a freguesia de (...) e (...) foi apresentada em 12.12.2020; e, em face da sua aprovação, os investimentos a que se destinam devem estar conclusos até 2023. Os demais fundos que se afigurem necessários à implementação do modelo de gestão e exploração direta não foram, ainda, objeto de candidatura;
- “(...) os planos municipais ou intermunicipais devem, até 31 de dezembro de 2022, incluir as regras de classificação e qualificação previstas no presente decreto-lei, abrangendo a totalidade do território do município.” (cfr. artigo 199° n.2 do RJIGT);
- a necessidade de constituição do SMAS de (...) para viabilizar “(...) a gestão dos sistemas na data fixada para a entrada em vigor no novo modelo de gestão direta dos serviços. (.)” (cfr. resolução fundamentada), não acarreta a interrupção da prestação do serviço aos seus utentes, mas apenas que o mesmo não seja prestado no novo modelo ora determinado, mas no modelo actualmente em vigor;
- o prejuízo decorrente da anulação do procedimento bancário para pagamento do preço do resgate da concessão, tal como vem alegado, é, de facto, uma alegação vaga e genérica que não permite ao Tribunal aferir qual o grave prejuízo para o interesse público decorrente da suspensão do seu procedimento negocial, pelo menos, até à data de prolação a decisão cautelar;
- a imprescindibilidade de “(...) devolver de imediato à esfera pública a gestão e exploração dos serviços concessionados (…)” com vista à “(.) prossecução das políticas públicas em defesa da qualidade da saúde, da qualidade ambiental e da qualidade de vida dos habitantes do concelho (...)” (cfr. resolução fundamentada) constitui, igualmente, uma alegação genérica e conclusiva não decorrendo da mesma, a urgência imperiosa, que justificaria a emissão de uma resolução fundamentada.
Assim sendo analisadas as razões que serviram de fundamento para a emissão da resolução fundamentada pelo Requerido Município, na medida em que destas não resulta que não se compadeçam com a suspensão da execução da deliberação de resgate até à decisão da presente lide cautelar, não permitindo concluir pela existência de um grave prejuízo para o interesse público, o Tribunal julga as mesmas improcedentes.
Em face do exposto, julgo procedente o presente incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, e consequentemente declaro ineficazes os atos de execução indevida que hajam sido praticados. (…)”.
Discordando desta decisão judicial, a ora Recorrente imputa-lhe erro[s] de julgamento de direito, que substancia, no mais essencial, no entendimento aqui sintetizado de que:
(i) O requerente da providência cautelar apenas pode deitar mão ao incidente de declaração de ineficácia de atos de execução, mas não pode impugnar diretamente a resolução fundamentada apresentada, como sucede no caso dos autos;
(ii) A Requerente não articula quaisquer factos que demonstrem que aqueles fundamentos (a que chama de atos) têm a virtualidade de lesarem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, pelo que carece de legitimidade para os atacar (cfr. artº 55º nº 1 CPTA);
(iii) Só poderia ser objeto do presente incidente a execução indevida dos atos suspendendos, isto é, atos indevidos de execução do resgate da concessão, o que não sucede no caso dos autos, pois as razões/fundamentos da resolução fundamentada, que o Tribunal “a quo” classificou como atos de execução [preparatórios], não são abrangidos pela impugnação nem pela providência cautelar, dado que são atos novos, objeto de diferentes deliberações dos órgãos autárquicos competentes, e que teriam de ser impugnados autonomamente com novo meio processual e outras providências;
(iv) A resolução fundamentada “sub judice” contém os fundamentos factuais e de direito bastantes que explicitam as razões pelas quais a entidade requerida pretendeu prosseguir com a execução das deliberações do resgate da concessão.
Vejamos se lhe assiste razão, convocando, desde já, o quadro legal e doutrinal pertinente.
Assim, reza o artigo 128º do CPTA o seguinte:
” 1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
2 - Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a entidade citada impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.
3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.
4 - O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.
5 - O incidente é processado nos autos do processo de suspensão da eficácia.
6 - Requerida a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, o juiz ou relator ouve a entidade administrativa e os contrainteressados no prazo de cinco dias, tomando de imediato a decisão.”
A leitura dos preceitos de lei ordinária ora transcritos revela-nos, desde logo, que, quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a autoridade administrativa fica impedida de iniciar ou prosseguir a execução desse ato a partir do momento em que receba o duplicado do pedido de suspensão, a menos que, no prazo de 15 dias, assuma, em resolução fundamentada, que a execução é urgente porque o seu diferimento seria gravemente prejudicial para o interesse público [cfr. nº.1].
Efetivamente, a segunda parte do n.º 1 prevê a possibilidade da emissão, pela autoridade requerida, de uma resolução fundamentada, mediante a qual ela é autorizada a assumir a necessidade de levantar a proibição de executar que resulta da primeira pane do mesmo preceito, procedendo à imediata execução do ato.
Contudo, o interessado, aqui, a Requerente, pode requerer ao Tribunal a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida do ato suspendendo e que sejam praticados desde o momento descrito no nº 1 até à decisão final produzida em sede de providência cautelar [cfr. nº. 4].
Este incidente, todavia, não tem como escopo a apreciação da ilegalidade da resolução fundamentada, mas antes a declaração de ineficácia de execução indevida, o que significa que o mesmo apenas pode ser suscitado após a prática dos atos de execução indevida, que devem estar devidamente identificados, cabendo ao requerente demonstrar a sua verificação.
Neste sentido, ressalte-se o teor da jurisprudência firmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul promanado no processo nº. 283/16.4BELLE-A, datado de 16.02.2017, porque esclarecedora desta temática: “O incidente que se encontra previsto no art. 128º n.ºs 3 a 6, do CPTA, não visa a declaração de ilegalidade da resolução fundamentação, mas antes a declaração de ineficácia de actos de execução indevida, a qual só pode ser pedida após a prática desses actos, devendo os mesmos ser concretamente identificados (isto é, com indicação da data, do autor e do sentido e fundamentos da decisão), sendo no âmbito desse incidente que são apreciadas – a título incidental - as razões em que assentou a resolução fundamentada.”
Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10.12.2019, proc. n.º 539/19.4BELSB-S1: “I. O foco do incidente previsto nos nºs. 3 a 6 do artigo 128.º do CPTA centra-se nos atos de execução indevida, sendo certo que o seu julgamento implica a apreciação incidental das razões em que se fundamenta a resolução fundamentada. II. Por se tratar, antes do mais, de uma pronúncia sobre os atos de execução, o incidente apenas pode ser suscitado após a prática dos mesmos, que devem estar devidamente identificados, cabendo ao requerente demonstrar a sua verificação.”
Derradeiramente, saliente-se o pensamento de Mário Aroso de Almeida in Manual de Processo Administrativo, 2016, p. 438, “o juiz procede, no âmbito do incidente, à apreciação incidental da resolução fundamentada emitida, em ordem a pronunciar-se sobre os atos de execução praticados (…) Mesmo que seja emitida uma resolução fundamentada manifestamente infundada, o interessado, tem, pois, de aguardar pacientemente que ela seja objeto de execução (…) para poder reagir”.
Tem-se, portanto, por assente, que o presente incidente comporta a apreciação dos atos de execução indevida, ou seja, os atos que visem dar execução ao ato suspendendo praticados após o despoletamento do efeito suspensivo automático emergente da aplicação do artigo 128º do C.P.T.A.
Isto posto, e descendo ao caso dos autos, verifica-se que ficou atravessado na decisão judicial recorrida ab initio o entendimento de que as ações enumeradas na resolução fundamentada encerram um conjunto de atos de execução, preparatórios, destinadas a viabilizar a imediata execução da deliberação suspendenda na data de 31.12.2021, sendo, assim, de admitir a dedução do presente incidente no curso do presente pleito.
Ora, salvo o devido respeito, não acompanhamos minimamente esta posição.
De facto, examinando os termos em que a entidade Requerida alavanca a resolução fundamentada junta aos autos, facilmente se apreende que o que ali se enumera é o conjunto de razões justificativas da necessidade de levantar o efeito suspensivo automático emergente da aplicação do artigo 128º do C.P.T.A, como sejam, (i) a necessidade urgente de avançar de imediato com o desenvolvimento dos investimentos públicos, financiados por fundos europeus, que o Município vai utilizar para garantir os objetivos da universalidade da disponibilidade da rede de abastecimento de água e da rede de saneamento em todo o concelho de (...); (ii) a obrigação legal do MUNICÍPIO (...) de assegurar a criação de infraestruturas urbanas e de prestação de serviços associados, designadamente o sistema de abastecimento de água e saneamento nos solos do território do concelho de (...) classificados como urbanos, até 31-12-2022; (iii) o decurso dos procedimentos necessários à constituição dos SMAS (...), de forma garantir a sua entrada em funcionamento em 31-12-2021, data da produção de efeitos da decisão de resgate; e (iv) a conclusão do procedimento legal para a contratação de empréstimo bancário de médio e longo prazo para o pagamento do preço do resgate da concessão.
Ora, as razões que se vêm de expor em nada não se confundem e/ou integram eventuais atos de execução das deliberações suspendendas, note-se, para efeitos de arguição do presente incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida.

Realmente, não se ignora que as ditas razões envolvem a descrição de determinada atuação desenvolvida por parte da Entidade Requerida com vista ao resgate da concessão da exploração e gestão dos sistemas de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do concelho de (...).
Porém, não se descortina – nem a Recorrida o invoca - que tal atuação seja posterior ao despoletamento do efeito suspensivo automático emergente da aplicação do artigo 128º do C.P.T.A, que, como é sabido, constitui a condição nuclear de acionamento do incidente em análise.
Realmente, a entidade administrativa só fica impedida de iniciar ou prosseguir na execução após a citação, e assim não deve declarar-se a ineficácia de actos de execução praticados antes.
Neste enquadramento, resulta inequívoca a insubsistência da atuação desenvolvida por parte da Entidade Requerida - bem patente nas razões aduzidas na resolução fundamentada - como susceptível de relevar em termos da definição de eventuais atos de execução das deliberações aqui suspendendas nos termos e para os efeitos supra explicitados.
Efetivamente, e em bom rigor, é contra os atos da resolução fundamentada proferidos ao abrigo do art.º 128º, n.º 1, do CPTA que vem deduzido o incidente.
Tal, porém, não integra o “objeto confesso” do incidente ora análise, pois, como se viu, este comporta apenas a apreciação de atos que visem dar execução ao ato suspendendo praticados após o despoletamento do efeito suspensivo automático emergente da aplicação do artigo 128º do C.P.T.A.
Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir que esta é merecedora da censura que a Recorrente lhe dirige, que, assim, se não pode manter, sendo que, em face do julgamento que se vem de efetuar, fica, naturalmente, prejudicado o conhecimento dos demais argumentos aduzidos no presente recurso jurisdicional [cfr. artigo 95º, nº. 1 in fine do C.P.T.A. e 608º nº.2 do CPC].
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, impõe-se conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente o incidente o presente incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.
Ao que se provirá no dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “ sub judice”, revogar a decisão judicial recorrida e julgado improcedente o presente incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.
Custas pela parte vencida a final.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 19 de dezembro de 2021,

Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Luís Migueis Garcia