Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02716/15.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE INTIMAÇÃO PARA UMA CONDUTA
HORÁRIO FLEXÍVEL; PERICULUM IN MORA.
Sumário:I-Está em causa o exercício do direito à prestação de trabalho em regime de flexibilidade de horário como condição de a Requerente poder acompanhar o filho, que actualmente tem 5 anos de idade, nas suas actividades quotidianas;
I.1-esse direito é apenas reconhecido aos trabalhadores com filhos menores de 12 anos;
I.2-assim sendo, se não fosse concedida a tutela antecipatória requerida, a demora inerente à decisão definitiva no processo principal impediria a Requerente de gozar ou tirar proveito, durante um determinado lapso temporal da infância do filho, das vantagens subjacentes à concessão da flexibilidade de horário;
I.3-trata-se, portanto, de prejuízos cuja reintegração ou reparação no plano dos factos não se revela integralmente viável, pois que não será mais possível “recuperar” ou “reconstituir” o período já decorrido e durante o qual a Requerente poderia ter beneficiado do direito em questão, se este lhe vier a ser reconhecido a final. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Centro Hospitalar de São João, E.P.E.
Recorrido 1:MSAMAL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Adopção duma Conduta (CPTA) - Rec. Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
MSAMAL, residente na Rua …, requereu contra o Centro Hospitalar de São João, E.P.E., com sede na Alameda …, o decretamento de providência cautelar de intimação para uma conduta, consubstanciada na atribuição à Requerente, até à decisão definitiva do processo principal, do horário flexível por si requerido e sobre o qual incidiu o parecer da CITE, ou seja, um horário compreendido entre as 8 horas e as 19 horas diárias, de segunda a sexta-feira, com expressa exclusão de trabalho ao sábado, domingo e dia feriado.
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgado procedente o pedido cautelar e intimado o Requerido a atribuir à Requerente, até à decisão definitiva do processo principal, o horário flexível por esta requerido, ou seja, um horário compreendido entre as 8 horas e as 19 horas diárias, de segunda a sexta-feira, com expressa exclusão de trabalho aos sábados, domingos e dias feriados.
Desta decisão vem interposto recurso.
Nas alegações o Centro Hospitalar de São João, E.P.E. concluiu assim:
1 – Em sentido contrário ao referido pelo Tribunal a quo, a ora Recorrida não alegou – com o mínimo de concretização – os factos relativos a eventuais prejuízos que possam vir a ocorrer no futuro face à demora inerente à decisão definitiva da ação principal.
2 – A Recorrida limitou-se a expor alegados prejuízos já ocorridos (cfr. arts. 79º a 86º da p.c.) na sequência da recusa do Recorrente em atribuir-lhe o horário flexível.
3 – A Recorrida, do pouco que alegou (cfr. arts. 87º e 89º da p.c.), não logrou concretizar os factos subjacentes ao periculum in mora, como sejam a impossibilidade de acompanhar a infância do filho, e de que modo é que essa impossibilidade se manifestará em concreto, no futuro, enquanto não terminar o processo principal – maxime, de que forma o presente horário de trabalho da Recorrida dificultará ou impossibilitará esse acompanhamento.
4 – Na sequência, o Tribunal a quo não poderia ter retirado conclusões sobre a verificação do periculum in mora sem qualquer suporte factual, incorrendo numa violação dos poderes de cognição, nos termos do art. 5º e 615º n.º1 d) do CPC.
5 – Mas ainda que se considerasse a suficiência de alegação dos referidos factos, então o Tribunal a quo teria que submeter tais factos à produção de prova testemunhal, pois do conjunto de documentos juntos aos autos e no processo administrativo, nada se extrai quanto à eventual impossibilidade ou dificuldade da Recorrida em acompanhar a infância do seu filho, e de que modo é que essa impossibilidade ou dificuldade se manifestará, no futuro, na pendência da ação principal.
6 – Por último, não foi dado como provado qualquer facto que seja pressuposto da verificação do requisito periculum in mora – maxime, factos que revelem que a “…demora inerente à decisão definitiva no processo principal impedirá a Requerente de gozar ou tirar proveito, durante um determinado lapso temporal da infância do filho, das vantagens subjacentes à concessão da flexibilidade de horário.” – citação da sentença em crise.
7 – Não se verifica, no caso concreto, o requisito do periculum in mora.
Termos em que deve revogar-se a sentença, ora recorrida, e declarar-se a improcedência da providência cautelar.

A Requerente juntou contra-alegações e concluiu que:

1 - Julga-se ser irrepreensível a sentença,

2 - Dado que, foi concretamente alegado pela requerente e resulta, ainda, da factualidade provada, factos, actuais e que, por força das contingências concretas da vida profissional e familiar da requerente, são futuros, subsumíveis ao preenchimento do requisito posto em causa pelo recorrente.

3 - Entende-se existir periculum in mora quando “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízo de difícil reparação para os interesses que o requerente “ visa assegurar (alínea b) ou pretende ver reconhecido (alínea c) no processo principal.

4 - Ora, ocorre uma situação de facto consumado previsto no artº120º nº1 al.b) do CPTA quando, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a acção quer influenciar fique inutilizada ex ante”,

5 - E danos de difícil reparação são aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspectiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.

6 - Ao nível do periculum in mora o que importa é o juízo que o Juiz deve fazer ao analisar este pressuposto.

7 - O juiz deve-se transportar para o futuro de forma a concluir se existem motivos para temer que a sentença proferida no âmbito do processo principal venha a ser inútil.

8 - Mas este não tem de ser um juízo de certeza mas apenas um juízo de probabilidade.

9 - Como dizia, o Prof Alberto dos Reis “(…) um conhecimento completo e profundo é incompatível com a urgência do processo cautelar.(…)”.

10 - Isto, claro está, sempre por respeito ao princípio da livre apreciação da prova – seja ela testemunha e ou documental, pelo qual o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

11 - Sabe-se, com Castanheira Neves, que o “objecto de uma determinada apreciação ou qualificação jurídica nunca é o facto puro, o acontecer fáctico em seu carácter imediato, mas uma imagem representativa já performada pela consciência, que se funda em percepções (do próprio julgador ou de outrem) mas que para além disso está já ordenada em categorias e interpretada em conformidade com a experiência. (…) Só é recolhido no relato, e afinal na situação de facto a julgar, aquilo que na opinião do julgador ou relator, apresenta alguma relação com o núcleo do acontecimento e está submetido a uma apreciação jurídica” - In “A Distinção entre a Questão-de-Facto e a Questão-de Direito e a Competência do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de revista, Digesta, vol. I, pp 483-530”.

12 - “O periculum in mora não é um perigo genérico de dano, pelo contrário, é o prejuízo de ulterior dano marginal que deriva do atraso da providência definitiva resultante da inevitável lentidão do processo ordinário.
Este periculum in mora é em regra qualificado pelo legislador e aferido numa perspectiva funcional: só tem – ou devem ter – relevância os prejuízos que coloquem em risco a efectividade da sentença proferida no processo principal.
O periculum in mora traduz, por conseguinte, um tipo de urgência.
É, portanto, uma urgência: somente se atende pela tutela cautelar à urgência referente à demora do processo principal.”- Isabel Fonseca, in “O Debate Universitário, pág.343.

13 - “O primeiro dos requisitos de que, segundo o disposto no nº1, alíneas b) e c) do artº120º, depende a atribuição das providências cautelares traduz-se no periculum in mora – isto é, no fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; seja, pelo menos, porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis…Se não falharem os demais pressupostos de que depende a concessão das providências, elas devem ser concedidas quando o fundado receio se reporte à ocorrência de um dos tipos de situações que se passam a enunciar: em primeiro lugar, quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à restauração natural, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade…; as providências cautelares também devem ser concedidas quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente” - Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, in CPTA, págs. 704 e 705).

14 - Escreve Miguel Prata Roque que “o fundado receio de reconstituição de facto consumado exigirá a adopção de uma providência cautelar, de forma a evitar a impossibilidade total de reintegração da situação jurídica conforma ao Direito (risco da improdutividade)” - Miguel Prata Roque, in “Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo, pág588”.

Termos em que deverá ser sindicada a sentença posta em crise,

Por assim ser de Justiça.


O Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
A este respondeu o Recorrente, concluindo nos mesmos termos do recurso interposto.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi dada como provada a seguinte factualidade:
1)A Requerente exerce funções, com a categoria profissional de Enfermeira e sob o n.º mecanográfico 9..., no Serviço de Obstetrícia do Requerido desde 01/06/2009, tendo por base um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado (cfr. doc. de fls. 36 do suporte físico do processo).

2)A Requerente tem uma carga horária semanal de 40 horas e aufere o rendimento mensal líquido de € 1.040,65 (cfr. docs. de fls. 36 e 37 do suporte físico do processo).

3)A Requerente exerce funções, desde 01/01/2014, nas unidades de Puerpério e Medicina Materno-Fetal e na Urgência de Obstetrícia e Ginecologia, cujos horários de funcionamento, por turnos, se compreendem dentro das 24 horas diárias, incluindo sábados, domingos e dias feriados.

4)O horário da Requerente dos meses de janeiro a setembro de 2015 foi composto pelos seguintes turnos rotativos:
- M (manhã), das 08h00 às 15h30;
- N (noite), das 22h00 às 08h30;
- MN (manhã noite), das 08h00 às 15h30 e das 22h00 às 08h30;
- T (tarde), das 15h00 às 22h30
(cfr. docs. de fls. 64 a 81 do suporte físico do processo).

5)A Requerente é mãe de TVAAL, nascido em 13/10/2010, e é casada com TVCAL, pai do menor (cfr. doc. de fls. 82 do suporte físico do processo).

6)O filho da Requerente frequenta o Colégio CCG, sito na Rua …, na cidade da Maia, de segunda a sexta-feira, no horário compreendido entre as 07h30 e as 17h30, com possibilidade de prolongamento de horário até às 19h30, e frequenta o Ginásio Mft... – Espaços Desportivos, S.A., na Maia, para a prática de natação para crianças, às terças e quintas-feiras, na aula das 18h00 (cfr. docs. de fls. 83 e 84 do suporte físico do processo).

7)O marido da Requerente é médico urologista e exerce funções no Serviço de Urologia do Requerido, com a categoria profissional de Assistente Hospitalar de Urologia, com base em contrato individual de trabalho sem termo (cfr. doc. de fls. 85 do suporte físico do processo).

8)O marido da Requerente tem uma carga horária semanal de 40 horas, distribuídas por cinco dias, compreendendo a semana de trabalho o período entre as 00h00 de segunda-feira e as 24h00 de domingo, e encontra-se de escala na Urgência Regional de Urologia e de prevenção ao Transplante Renal durante períodos que podem ascender a 72 horas seguidas, incluindo sábados e domingos (cfr. docs. de fls. 86 a 109 do suporte físico do processo).

9)O marido da Requerente exerce ainda funções na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, na qualidade de docente voluntário, e colabora com o IBMC – Instituto de Biologia Molecular e Celular, sito no Porto (cfr. docs. de fls. 110 e 111 do suporte físico do processo).

10)O agregado familiar da Requerente é composto pela própria, pelo marido e pelo filho menor (cfr. doc. de fls. 9 do processo administrativo apenso).

11)Em 11/02/2015 a Requerente solicitou, por escrito, ao Diretor da UAG da Clínica da Mulher a flexibilidade de horário, ao abrigo dos art. os 56.º e 57.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, pelo facto de ter um filho menor, o que impossibilita “o trabalho por turnos no período das 19h às 7h30, de segunda a sexta-feira, e fins-de-semana(cfr. doc. de fls. 112 do suporte físico do processo).

12)Em 12/02/2015 o Diretor do Serviço de Gestão de Recursos Humanos solicitou ao Conselho Diretivo da UAG da Clínica da Mulher uma “informação relativamente ao pedido, até ao próximo dia 25-02-2015(cfr. doc. de fls. 12 e 13 do processo administrativo apenso).

13)Em resposta datada de 25/02/2015, subscrita pela Enfermeira Supervisora e dirigida ao Diretor do Serviço de Gestão de Recursos Humanos, foi comunicada a intenção de recusar o pedido da Requerente de atribuição de horário flexível, concluindo-se nos seguintes termos:

O serviço de Obstetrícia tentará elaborar o horário salvaguardando a inexistência de incompatibilidades com o horário do cônjuge mas, perante o exposto, porque coloca em causa o interesse público e o direito dos outros colegas, e ainda o direito dos doentes, não é possível autorizar o horário flexível pretendido pela Senhora Enf.ª MSAMAL

(cfr. doc. de fls. 113 a 134 do suporte físico do processo).

14)A resposta anterior foi enviada à Requerente através de e-mail com data de 26/02/2015 (cfr. doc. de fls. 37 do processo administrativo apenso).

15)Em reunião da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) de 18/03/2015, foi aprovado por unanimidade o parecer n.º 126/CITE/2015, relativo à intenção de recusa do pedido da Requerente de autorização de trabalho em regime de horário flexível, do qual consta o seguinte:

(…)

3.13. Assim, conclui-se que a entidade empregadora não apresenta razões que possam indiciar a existência de exigências imperiosas do seu funcionamento, nem demonstra objetiva e inequivocamente que o horário requerido pelo trabalhador põe em causa o seu funcionamento, nem os períodos de tempo que, no seu entender, deixariam de ficar convenientemente assegurados, em face da aplicação do horário pretendido pelo mesmo trabalhador.

IV – Conclusão

4.1. Na sequência do exposto, a CITE emite parecer desfavorável à intenção de recusa do pedido de horário flexível da trabalhadora.

4.2. O empregador deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal, e, na elaboração dos horários de trabalho, deve facilitar à trabalhadora essa mesma conciliação, nos termos, respetivamente, do n.º 3 do artigo 127.º, da alínea b) do n.º 2 do artigo 212.º e n.º 2 do artigo 221.º, todos do Código do Trabalho, aplicáveis, também, aos/às trabalhadores/as em funções públicas, e em conformidade com o correspondente princípio, consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa

(cfr. doc. de fls. 139 a 170 do suporte físico do processo).

16) Por carta registada em 24/04/2015 e recebida pelo Requerido em 27/04/2015, a Requerente solicitou novamente que, atendendo ao teor do parecer da CITE, fosse dado provimento ao pedido de flexibilidade de horário por si formulado (cfr. docs. de fls. 82 a 86 do processo administrativo apenso e doc. de fls. 178 do suporte físico do processo).

17) Em 27/05/2015 foi emitida a seguinte informação pelo Serviço de Gestão de Recursos Humanos – Absentismo, na sequência de um pedido da Requerente de resposta à carta indicada no ponto anterior:

Como já foi informada anteriormente, o seu pedido encontra-se para apreciação pelo CD Clínica da Mulher. Logo que o GRH tenha conhecimento da informação/apreciação, a mesma será levada ao conhecimento de V. Ex.ª
(cfr. doc. de fls. 91 do processo administrativo apenso).

18) A Requerente continua, na presente data, a praticar horário de trabalho por turnos, nos quais se incluem sábados, domingos e feriados.

Em sede de factualidade não provada o Tribunal consignou o seguinte:
Não há factos que cumpra julgar não provados com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.”
E, no que à convicção do Tribunal diz respeito esclareceu: “Os factos que foram considerados provados resultaram do exame dos documentos identificados supra, conjugado com a vontade concordante das partes, nos termos expressamente referidos no final de cada facto.”

DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença proferida pelo TAF do Porto que, julgando procedente o pedido cautelar, intimou o Requerido a atribuir à Requerente, até à decisão definitiva do processo principal, o horário flexível por esta requerido, isto é, um horário compreendido entre as 8 horas e as 19 horas diárias, de segunda a sexta-feira, com expressa exclusão de trabalho aos sábados, domingos e dias feriados.
Na óptica do Recorrente não se verifica, no caso concreto, o requisito do periculum in mora, razão pela qual a providência cautelar requerida deve ser desatendida.
Cremos que não lhe assiste razão.
Antes, porém, deixa-se aqui parcialmente transcrito, e na parte que ora interessa, o discurso jurídico fundamentador da sentença sob censura:
Da caducidade do direito de intentar a ação principal:
(….)

Da concessão da providência ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA:

Dispõe a alínea a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA que as providências cautelares são adotadas “quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de ato manifestamente ilegal, de ato de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente”.

Trata-se de situações a que corresponde a existência de um fumus boni iuris qualificado, cuja intensidade dispensa, no caso concreto, a verificação autónoma do tradicional periculum in mora.

Uma situação de evidência apenas ocorre, pois, em situações notórias ou patentes, em que o ganho de causa na ação principal seja clara e inequivocamente perceptível mediante uma indagação perfunctória e superficial quer dos factos, quer do direito aplicável. Ou seja, “a evidência prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA (…) não é uma evidência resultante de demonstração, antes constatável a olho nu, de tal forma que o mero juízo célere e sumário do julgador cautelar possa levar a uma certeza com evidentes repercussões no julgamento da causa principal” (cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11/12/2008, proc. n.º 01038/08.5BEBRG, publicado em www.dgsi.pt).

Julgamos, porém, que este critério não se encontra, in casu, preenchido.

Com efeito, a Requerente arroga-se o direito à prestação de trabalho em regime de horário flexível por se tratar de trabalhadora com responsabilidades familiares e por ter a seu cargo um filho menor de 12 anos, nos termos do art.º 56.º, n.º 1, do Código do Trabalho. Note-se, todavia, que são invocados pelo Requerido, como fundamento da intenção de recusa do pedido da Requerente, argumentos relacionados com exigências imperiosas do funcionamento dos seus serviços e com a impossibilidade de substituir a trabalhadora. Tais argumentos são, em abstrato, atendíveis à luz do disposto no art.º 57.º, n.º 2, do Código do Trabalho, independentemente de um juízo de procedência ou improcedência que os mesmos mereçam no caso concreto.

Assim sendo, saber se a Requerente tem ou não direito a um horário de trabalho flexível é algo que extravasa do âmbito do presente processo cautelar, porquanto implica uma indagação, de facto e de direito, que não tem cabimento nesta sede e que só na ação principal caberá efetuar. Não é, pois, manifestamente “evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal”.

Pelo que se conclui que a providência requerida não poderá ser decretada ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA.
*
Da concessão da providência ao abrigo da alínea c) do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA:

A providência ora requerida de intimação para uma conduta, consubstanciada na atribuição à Requerente, até à decisão definitiva do processo principal, de um horário flexível, tem natureza antecipatória [cfr. art.º 112.º, n.º 2, alínea f), do CPTA] e o seu decretamento encontra-se, assim, igualmente sujeito aos critérios previstos na alínea c) do n.º 1 e no n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.

À luz dos referidos normativos, os requisitos para o decretamento de uma providência antecipatória são, cumulativamente, os seguintes:

i. que “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal” (requisito do periculum in mora);

ii. que “seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente” (requisito do fumus boni iuris); e

iii. que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença decorra que os danos resultantes da concessão da providência não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (requisito da proporcionalidade e adequação da providência).
*
Do periculum in mora - art.º 120.º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do CPTA

O critério para aferir do periculum in mora consiste na possibilidade e no grau de dificuldade em reintegrar a situação que existiria caso a conduta ilegal (ativa ou omissiva) não tivesse tido lugar. Ou seja, interessa aferir da existência de um perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal pela constituição de uma situação de facto consumado ou pela produção de prejuízos de difícil reparação.

Ocorre uma situação de facto consumado “quando se consolide, entretanto, situação factual impossível de reintegrar de acordo com a legalidade, surgindo a futura sentença de provimento da ação principal como absolutamente inútil”. Danos de difícil reparação são “aqueles cuja reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente” (cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12/03/2009, proc. n.º 00222/08.6BEVIS-A, e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2012, proc. n.º 0857/11, ambos publicados em www.dgsi.pt).

Conforme alegado pela Requerente e atenta a factualidade provada, julgamos que se encontra preenchido, in casu, o requisito do periculum in mora.

Com efeito, deve ter-se presente que, por um lado, está em causa o exercício do direito à prestação de trabalho em regime de flexibilidade de horário como condição de a Requerente poder acompanhar o filho, que atualmente tem 5 anos de idade (cfr. ponto 5 dos factos provados), nas suas atividades quotidianas, e que, por outro lado, esse direito é apenas reconhecido aos trabalhadores com filhos menores de 12 anos (art.º 56.º, n.º 1, do Código do Trabalho). Assim sendo, temos que, se não for concedida a tutela antecipatória requerida, a demora inerente à decisão definitiva no processo principal (a qual não é expectável que seja proferida em menos de dois anos) impedirá a Requerente de gozar ou tirar proveito, durante um determinado lapso temporal da infância do filho, das vantagens subjacentes à concessão da flexibilidade de horário.

Trata-se, portanto, de prejuízos cuja reintegração ou reparação no plano dos factos não se revela integralmente viável, pois que não será mais possível “recuperar” ou “reconstituir” o período já decorrido e durante o qual a Requerente poderia ter beneficiado do direito em questão, se este lhe vier a ser reconhecido a final .

Conclui-se, assim, pela verificação do requisito do periculum in mora.
*
Do fumus boni iuris - art.º 120.º, n.º 1, alínea c), segunda parte, do CPTA:
No âmbito das providências cautelares antecipatórias, o critério do fumus boni iuris inserto na alínea c) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA intervém na sua formulação positiva, tornando necessário, para o seu decretamento, um juízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal. Ou seja, exige-se uma avaliação da probabilidade de procedência da ação de que depende a providência requerida, no sentido da existência do direito invocado pelo requerente ou da ilegalidade que alegadamente ocorre (cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12/07/2013, proc. n.º 00904/12.8BEBRG, publicado em www.dgsi.pt).

No caso em apreço, e tendo presente uma apreciação meramente perfunctória e sumária do direito invocado pela Requerente, julgamos que se encontra demonstrado o caráter bem fundado da pretensão que esta pretende fazer valer no processo principal e, por conseguinte, a aparência do bom direito de que se arroga.

Os art.os 56.º e 57.º do Código do Trabalho (aplicáveis, como vimos supra e ao invés do alegado pelo Requerido, aos trabalhadores que exercem funções públicas, em conjugação com o disposto no art.º 111.º da LGTFP) conferem aos trabalhadores com filhos menores de 12 anos e que com eles vivam em comunhão de mesa e habitação o direito a trabalharem em regime de horário flexível, devendo, para tal, solicitá-lo aos respetivos empregadores, por escrito, com a antecedência mínima de 30 dias. A atribuição de horário flexível segue o procedimento especificamente previsto no citado art.º 57.º, sendo que o empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento do serviço ou na impossibilidade de substituir o trabalhador, se este for indispensável [cfr. também o art.º 111.º, n.º 2, alínea a), da LGTFP]. Sempre que o empregador pretenda recusar o pedido do trabalhador, é obrigatória a emissão de parecer da CITE, o qual, sendo desfavorável à intenção de recusa manifestada pelo empregador, determina que este só possa recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.

Este regime concretiza o direito dos trabalhadores à conciliação da actividade profissional com a vida familiar, direito que vem contemplado no art.º 59.º, n.º 1, alínea b), da CRP e, ainda, nos art.os 127.º, n.º 3 (deveres do empregador), e 212.º, n.º 2, alínea b) (elaboração do horário de trabalho pelo empregador), ambos do Código do Trabalho.

Ora, extrai-se da factualidade provada que a Requerente exerce funções, em regime de turnos rotativos (manhã, tarde e noite), nas unidades de Puerpério e Medicina Materno-Fetal e na Urgência de Obstetrícia e Ginecologia, cujos horários de funcionamento se compreendem dentro das 24 horas diárias, incluindo sábados, domingos e dias feriados (cfr. pontos 3 e 4 dos factos provados). Mais resulta que a Requerente tem a seu cargo um filho menor, atualmente com 5 anos de idade, que com ela vive em comunhão de mesa e habitação e cujas atividades escolares decorrem de segunda a sexta-feira, no horário compreendido entre as 07h30 e as 17h30, com possibilidade de prolongamento até às 19h30 (cfr. pontos 5, 6 e 10 dos factos provados).

Acresce que o marido da Requerente, pai do menor, exerce também funções como médico urologista nos serviços do Requerido, dispondo de uma carga horária semanal de 40 horas, distribuídas por cinco dias, entendendo-se por semana de trabalho o período compreendido entre as 00h00 de segunda-feira e as 24h00 de domingo. Encontra-se ainda, por diversas vezes, de escala na Urgência Regional de Urologia e de prevenção ao Transplante Renal durante períodos que podem ascender a 72 horas seguidas, incluindo sábados e domingos (cfr. pontos 7, 8 e 9 dos factos provados).

Sabe-se igualmente que, tendo requerido a atribuição de um horário flexível nos termos dos art.os 56.º e 57.º do Código de Trabalho, a mesma foi objeto de uma intenção de recusa por parte do Requerido, a qual veio a merecer um parecer desfavorável da CITE (cfr. pontos 13 e 15 dos factos provados). Cumpre, com efeito, sublinhar o teor do parecer emitido por esta entidade, segundo o qual o Requerido não apresentou razões capazes de fundamentar, nos termos legais, a recusa da concessão de um horário flexível, tendo ainda reiterado o dever que recai sobre o empregador de proporcionar à Requerente condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal, em especial na elaboração do respetivo horário de trabalho.

Em face dos factos acima descritos, conclui-se no sentido da probabilidade de procedência da pretensão da Requerente no processo principal, afigurando-se provável e possível, com base numa apreciação perfunctória da situação vertida nos autos, que a Requerente venha a obter êxito na ação principal e que lhe venha a ser reconhecido o direito à atribuição de um horário flexível, nos termos em que este foi requerido (um horário entre as 08h00 e as 19h00, de segunda a sexta-feira, excluindo fins-de-semana e feriados). Os factos dados como provados indiciam, de uma banda, que a Requerente preenche os pressupostos legais previstos para o efeito e, de outra banda, que o Requerido não invocou razões válidas suficientes para afastar essa pretensão.

Pelo exposto, julgamos verificado o requisito do fumus boni iuris.
*
Da ponderação de interesses - art.º 120.º, n.º 2, do CPTA:

Importa agora apreciar o requisito negativo (ou cláusula de salvaguarda) enunciado no n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.

O núcleo fundamental do critério da ponderação de interesses é avaliar se os prejuízos causados ao interesse público e aos outros interesses pela concessão da providência são ou não superiores aos prejuízos causados aos interesses do requerente em caso de recusa da sua adoção.

Atendendo, por um lado, às razões invocadas pelo Requerido na intenção de recusa do pedido – nomeadamente, a prossecução do interesse público assistencial, de saúde dos doentes, e a colisão com os direitos dos restantes trabalhadores do serviço – e, por outro lado, aos interesses que a Requerente pretende ver acautelados - que se prendem com os direitos constitucionalmente consagrados à conciliação da atividade profissional com a vida familiar e, por inerência, à proteção da família, da maternidade e da paternidade [cfr. art.os 59.º, n.º 1, alínea b) e 68.º da CRP] -, consideramos que os danos advenientes da concessão da presente providência não são superiores àqueles que podem resultar da sua recusa.

Note-se, aliás, que o Requerido não invocou, em juízo, nenhum interesse público qualificado, específico e concreto, que justificasse o não decretamento da providência. A Requerente, pelo contrário, alegou que a sua não concessão impedi-la-á de exercer um direito que lhe assiste pelo tempo necessário à obtenção de uma decisão no processo principal, com todos os prejuízos daí advenientes e acima explanados.

Veja-se, ainda, que o horário flexível que venha a ser atribuído apenas se destina a vigorar enquanto o filho da Requerente não perfizer os 12 anos de idade, não sendo, portanto, uma medida com vocação de definitividade ou de duração indeterminável.

Conclui-se, deste modo, que também o requisito da ponderação de interesses impõe o decretamento da providência em apreço.

Atento o exposto, encontram-se reunidos os pressupostos para o decretamento da providência antecipatória requerida, pelo que se impõe o deferimento do peticionado.”

X
Vejamos:
Dispõe o artº 112º, nº 1, do CPTA, que “Quem possua legitimidade para intentar um processo judicial junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”.
O conceito de medida cautelar, ao visar a garantia da utilidade da sentença, pressupõe a existência de um perigo de inutilidade, total ou parcial, resultante do decurso do tempo e, especialmente no direito administrativo, da adopção ou da abstenção (ou da execução ou da não execução) de uma pronúncia administrativa.
Ao contrário do que acontecia no regime previsto na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), na generalidade das providências cautelares em processo civil e de acordo com o previsto no CPTA, o deferimento do pedido de adopção de providências cautelares depende da existência do fumus boni iuris (a aparência do bom direito), na terminologia do artigo 384.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC): “prova sumária do direito ameaçado”, pelo que o grau de probabilidade de êxito do processo principal é relevante para o deferimento do pedido cautelar.
Os critérios de decisão da generalidade das providências cautelares previstas no CPTA encontram-se consagrados no artigo 120.º do CPTA, preceito que sob a epígrafe “Critérios de decisão”, regula as condições de procedência das providências cautelares.
Daí decorre que há que conjugar o periculum in mora com o fumus boni iuris, segundo os critérios definidos neste artigo, nº 1, alíneas a), b) e c).
-Artigo 120.º-
Critérios de decisão
1-“Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas:
a)Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente”;
b)“Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação da facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”;
c)“Quando, estando em causa a adopção de uma providência antecipatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.
Voltando ao caso em concreto temos que a providência peticionada é uma providência cautelar antecipatória prevista no art. 120º, nº 1, al. c), do CPTA.
Estas providências, quando decretadas, consomem, de certo modo, o pedido material, uma vez que o antecipam, embora a alteração do status quo criado pelo acto a impugnar, não deixe de ser provisória, pois fica sujeita ainda a confirmação na acção principal, isto é, à procedência da respectiva acção administrativa especial.
As providências cautelares antecipatórias, visando obstar ao prejuízo decorrente do retardamento na satisfação do direito ameaçado, através de uma provisória antecipação dos efeitos da decisão a proferir sobre o mérito da causa, antecipam a realização do direito que previsivelmente será reconhecido na acção principal, excedendo a natureza simplesmente cautelar que caracteriza a generalidade das providências.
Em tais providências, demonstrado que esteja o periculum in mora, como considerou a sentença recorrida, a providência será concedida quando seja de admitir que a pretensão formulada ou a formular no processo principal pode vir a ser julgada procedente (ponderados os interesses público e privado, nos termos do nº 2 do artº 120º).
Assim, assume aqui relevo fundamental o fumus boni iuris.
O juiz tem o poder e o dever de, ainda que em termos sumários/perfunctórios, avaliar a probabilidade da procedência da acção principal, isto é, em regra, de avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz existir, ainda que esteja em causa um verdadeiro acto administrativo.
O papel que é dado ao fumus boni iuris (ou “aparência de direito”) é decisivo, desde logo porque parece ser o único factor relevante para a decisão de adopção da providência cautelar,(...)” - cfr. o Prof. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa (Lições)”, 4ª ed., pág. 299.
Segundo o Prof. Mário Aroso “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2ª ed., Almedina, págs. 286/288, o “fumus boni iuris” desempenha um papel determinante, “como óbvio factor de racionalidade”, sendo que se adopta neste domínio “um critério gradualista”, de tal modo que deva ser de indagação mais exigente quando esteja em causa a adopção de uma providência antecipatória do que a adopção de uma providência conservatória.
Nas providências antecipatórias o fumus (que mais não é do que a ponderação perfunctória acerca do carácter bem fundado da pretensão principal) tem de ser analisado na sua vertente positiva - é preciso acreditar na probabilidade de êxito da pretensão principal - (seja provável que a pretensão formulada no processo principal seja procedente). Tal é perfeitamente compreensível na medida em que não se pode beneficiar quem parece não ter razão.
À luz dos referidos normativos, os requisitos para o decretamento de uma providência antecipatória são, cumulativamente, os seguintes:
-que “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal” (periculum in mora);
-que “seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente” (fumus boni iuris);
-que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença decorra que os danos resultantes da concessão da providência não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (proporcionalidade e adequação da providência).
O critério para aferir do periculum in mora (pressuposto ora em causa) consiste na possibilidade e no grau de dificuldade em reintegrar a situação que existiria caso a conduta ilegal (activa ou omissiva) não tivesse tido lugar. Ou seja, interessa aferir da existência de um perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal pela constituição de uma situação de facto consumado ou pela produção de prejuízos de difícil reparação.
Por seu turno, ocorre uma situação de facto consumado “quando se consolide, entretanto, situação factual impossível de reintegrar de acordo com a legalidade, surgindo a futura sentença de provimento da acção principal como absolutamente inútil”.

Já danos de difícil reparação são “aqueles cuja reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente” (acórdão do STA de 12/01/2012, no proc. n.º 0857/11).

Conforme resulta da sentença, mostra-se preenchido, in casu, o requisito do periculum in mora.

Com efeito, deve ter-se presente que, por um lado, está em causa o exercício do direito à prestação de trabalho em regime de flexibilidade de horário como condição de a Requerente poder acompanhar o filho, que actualmente tem 5 anos de idade (ponto 5 do probatório), nas suas actividades quotidianas, e que, por outro lado, esse direito é apenas reconhecido aos trabalhadores com filhos menores de 12 anos (artº 56.º, n.º 1, do Código do Trabalho).

Assim sendo, se não fosse concedida a tutela antecipatória requerida, a demora inerente à decisão definitiva no processo principal impediria a Requerente de gozar ou tirar proveito, durante um determinado lapso temporal da infância do filho, das vantagens subjacentes à concessão da flexibilidade de horário.

Trata-se, portanto, de prejuízos cuja reintegração ou reparação no plano dos factos não se revela integralmente viável, pois que não será mais possível “recuperar” ou “reconstituir” o período já decorrido e durante o qual a Requerente poderia ter beneficiado do direito em questão, se este lhe vier a ser reconhecido a final.
Conclui-se, assim, tal como na decisão sob recurso, pela verificação do pressuposto do periculum in mora.

Em suma:

-o periculum in mora vem previsto no artº 120, nº 1, alíneas b) e c) do CPTA.

-da conjugação deste preceito, alíneas b) e c), entende-se existir periculum in mora quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízo de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar (alínea b) ou pretende ver reconhecido (alínea c) no processo principal.

-por sua vez, ocorre uma situação de facto consumado previsto no artº120º, nº 1, al. b) quando, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a acção quer influenciar fique inutilizada ex ante;

-e danos de difícil reparação são aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspectiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.

-ao nível do periculum in mora o que importa é o juízo que o Juiz deve fazer ao analisar este pressuposto.

-como advoga a Recorrida, o juiz deve-se transportar para o futuro de forma a aferir se existem motivos para temer que a sentença proferida no âmbito do processo principal venha a ser inútil;

-mas este não tem de ser um juízo de certeza mas apenas um juízo de probabilidade;

-como já ensinava o Prof Alberto dos Reis um conhecimento completo e profundo é incompatível com a urgência do processo cautelar;

-O periculum in mora não é um perigo genérico de dano; pelo contrário, é o prejuízo de ulterior dano marginal que deriva do atraso da providência definitiva resultante da inevitável lentidão do processo ordinário;

-este periculum in mora é em regra qualificado pelo legislador e aferido numa perspectiva funcional: só têm - ou devem ter - relevância os prejuízos que coloquem em risco a efectividade da sentença proferida no processo principal;

-o periculum in mora traduz, por conseguinte, um tipo de urgência; é, portanto, uma urgência: somente se atende pela tutela cautelar à urgência referente à demora do processo principal.”- neste sentido, cfr. Isabel Fonseca, “O Debate Universitário, pág. 343;

-“O primeiro dos requisitos de que, segundo o disposto no nº 1, alíneas b) e c) do artº 120º, depende a atribuição das providências cautelares traduz-se no periculum in mora - isto é, no fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; seja, pelo menos, porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis… Se não falharem os demais pressupostos de que depende a concessão das providências, elas devem ser concedidas quando o fundado receio se reporte à ocorrência de um dos tipos de situações que se passam a enunciar: em primeiro lugar, quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à restauração natural, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade…; as providências cautelares também devem ser concedidas quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente” - vide Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, CPTA, págs. 704/705;

-no caso posto, e pese embora o fumus, repete-se, assente sempre num juízo sumário e, por isso, sempre falível, o que aponta para a relativização do seu papel, temos que a situação relatada nos autos nos conduz à mesma conclusão extraída pelo tribunal a quo;

-com efeito, deve ter-se presente que, por um lado, está em causa o exercício do direito à prestação de trabalho em regime de flexibilidade de horário como condição de a Requerente poder acompanhar o filho, que actualmente tem 5 anos de idade (cfr. ponto 5 dos factos provados), nas suas actividades quotidianas, e que, por outro lado, esse direito é apenas conhecido aos trabalhadores com filhos menores de 12 anos (art° 56.º, n.º 1, do Código do Trabalho). Assim sendo, temos que, se não for concedida a tutela antecipatória requerida, a demora inerente à decisão definitiva no processo principal impedirá a Requerente de gozar ou tirar proveito, durante um determinado lapso de tempo da infância do filho e das vantagens subjacentes à concessão da flexibilidade de horário; é que o tempo não volta para trás;

-trata-se, portanto, de prejuízos cuja reintegração ou reparação no plano dos factos não se revela integralmente viável, pois que não será mais possível recuperar ou reconstituir o período já decorrido e durante o qual a Requerente poderia ter beneficiado do direito em questão, se este lhe vier a ser reconhecido a final;
-ao contrário do apontado pelo Recorrente, a Requerente, aqui Recorrida alegou e demonstrou os concretos prejuízos que a não concessão da providência lhe virá a acarretar;
-alegou que a sua não concessão impedi-la-á de exercer um direito que lhe assiste pelo tempo necessário à obtenção de uma decisão no processo principal, com todos os prejuízos daí advenientes e acima explanados.
-já o Requerido, ora Recorrente não invocou nenhum interesse público qualificado, específico e concreto, que justifique o não decretamento da providência;
-nem logrou concretizar que danos podem advir da concessão da providência que se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa.
Improcedem, pois, as conclusões da alegação.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 20/05/2016
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro