Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02248/06.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/14/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Rebelo
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO.
Sumário:1. Segundo dispõe o artigo 613.º/1 do CPC, aplicável "ex vi" do art.º 666º/1 do mesmo diploma, proferido o acórdão fica esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa.
2. Contudo, nos termos das disposições combinadas dos artigos 613.º/2, 615.º, 666.º/1, todos do CPC e 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), é lícito a qualquer das partes arguir a nulidade do acórdão quando faltar a assinatura de juiz, não se mostrem especificados os fundamentos de facto e de direito da decisão, ocorra oposição dos fundamentos da decisão, falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva conhecer ou pronúncia sobre questões que não deva conhecer.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública e S..., S.A.
Recorrido 1:S..., S.A: e Fazenda Pública
Decisão:Indeferida a arguição de nulidade do acórdão
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

S…, SA notificada do acórdão deste TCA junto a fls. 812 e segs. arguiu a nulidade do mesmo “na parte em que julgou improcedente o seu recurso sobre a questão da (i)legalidade da tributação das perdas nas aguardentes preparadas” alegando em síntese que em sede de recurso da sentença proferida em 1ª instância a recorrente insurgiu-se contra a não anulação da liquidação de IABA sobre as perdas detetadas pela AT no Entreposto Fiscal n.º 39960577 no valor de € 156.807,54 e respetivos juros compensatórios, visto tal imposto ter ido liquidado ao abrigo do artigo 39º do CIEC então vigente, no pressuposto de que tal Entreposto Fiscal era de armazenamento e não de produção.
Contudo, este TCA aditou nos termos do art. 712º do CPC a seguinte matéria de facto: ”43. O Entreposto n.º 39960577 de que é titular a impugnante é um entreposto de produção (fls. 5 do Relatório da Inspeção)” e eliminou do probatório da sentença de 1ª instância a parte em que a MMª juiz considerou que tal Entreposto é um entreposto de armazenamento.
O IABA impugnado foi liquidado ao abrigo do artigo 39º do CIEC. A falta de 22.064,41 L.P. decorrente da diferença entre o registo contabilístico e o varejo foi considerada como perda de armazém, e após descontada a percentagem de 1,5% prevista no art. 39º do CIEC, implicou a tributação sobre 17.117,23 L.P. cujo IABA foi liquidado no valor impugnado de € 156.807,54.
Consistindo a impugnação num contencioso de anulação, a mera ilegalidade do apuramento do IABA ao abrigo do artigo 39º do CIEC e das franquias aí previstas, seria bastante para anulação da liquidação impugnada.
Não obstante a manifesta ilegalidade da aplicação do art. 39º do CIEC que este TCA reconhece de forma expressa ao afirmar que o Entreposto da Recorrente é de produção e que a norma que lhe seria aplicável é o art. 38º do mesmo diploma, acaba por manter a liquidação efetuada pela AT única e exclusivamente no pressuposto de que se tratava de um entreposto de armazenagem e ao abrigo e nos termos daquele artigo 39º com base na diferença entre os registos contabilísticos e o varejo.
O acórdão também é nulo por não justificar o porquê da manutenção em 17.117,23 LP das perdas tributáveis encontradas pela AT ao abrigo do art.º 39º do CIEC, máxime a aplicação da percentagem de 1,5% nele prevista e apenas aplicável a entrepostos de armazenagem, depois de afirmar que a norma aplicável é a preceituada no artigo 38º do CIEC.
É ainda nulo porquanto não obstante considerar expressamente que estamos perante um entreposto fiscal de produção aceita que as perdas tributáveis sejam apuradas nos termos de ume entreposto fiscal de armazenagem. O art.º 38º do CIEC não estabelece nenhuma percentagem de franquia, nem a percentagem de 1,5% prevista no art.º 39º é de aplicação discricionária por parte da AT, não podendo os tribunais substituir-se à AF na liquidação dos impostos, sua reforma ou revisão, determinação das franquias ou perdas, ou na revisão dos pressupostos da liquidação.

Notificada do teor do requerimento de nulidade, a Requerida não se pronunciou.

A Exma. PGA emitiu parecer no sentido de não se verificar a arguida nulidade sendo por isso de indeferir a reclamação.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à Conferência para julgamento, nos termos do disposto no artigo 666.º/2 do CPC.

II - Segundo o disposto no artigo 613.º/1 do CPC, aplicável "ex vi" do art.º 666º/1 do mesmo diploma, proferido o acórdão fica esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa.

Mas resulta das disposições combinadas dos artigos 613.º/2, 615.º, 666.º/1, todos do CPC e 125.º/1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que é lícito a qualquer das partes arguir a nulidade do acórdão quando faltar a assinatura de juiz, não se mostrem especificados os fundamentos de facto e de direito da decisão, ocorra oposição dos fundamentos da decisão, falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva conhecer ou pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

A presente arguição de nulidade baseia-se nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 615º do CPC, "ex vi" do art.º 666º do mesmo diploma.

Segundo a alínea b), é nulo o acórdão quando não justifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

E por força da alínea c) do mesmo preceito, está ferido de nulidade o acórdão cujos fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

A primeira nulidade apenas ocorre quando falte totalmente a indicação dos fundamentos de facto ou de direito da decisão. A falta tem de ser absoluta, porque se a fundamentação for medíocre ou insuficiente afecta o valor doutrinal do acórdão mas não o fere de nulidade Ac. do STA n.º 1340/14 de 06-05-2015 Relator: ARAGÃO SEIA
Sumário: III - É jurisprudência assente que a nulidade decorrente da falta de fundamentação só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
Ac. do STA n.º 050/15 de 20-05-2015 Relator: PEDRO DELGADO
«Com efeito, como é jurisprudência assente, a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
Já por outro lado a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, que afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140, bem como os Acórdãos desta secção do Supremo Tribunal Administrativo de 1/09/2010, recurso 653/10, 07.12.2010, recurso 1075/09 e de 02.03.2011, recurso 881/10, in www.dgsi.pt».

Mas não há qualquer falta de fundamentação no acórdão. Aliás, a Reclamante só identifica esta falta – de que o tribunal não justificou o porquê da manutenção em 17.117,23 L.P. das perdas tributáveis encontradas pela AT ao abrigo do artigo 39º do CIEC- porque deliberadamente ignorou que nas páginas 70 e 71 do acórdão (fls. 846 verso e 847 do processo) esclarecem-se as razões pelas quais as perdas detetadas estão sujeitas a tributação.

A Reclamante poderá não concordar com tal decisão, mas a discordância – se é que existe - não constitui fundamento de nulidade do acórdão.

A segunda nulidade ocorre quando há uma contradição lógica entre os fundamentos e a decisão. Isto é, se na fundamentação o julgador seguiu determinada linha de raciocínio, apontando determinada conclusão, mas decide em sentido oposto ou divergente, o acórdão está ferido de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.

Nos termos da segunda parte do art. 615º/1-c) do CPC, também padece de nulidade o acórdão que contenha alguma ambiguidade ou obscuridade que torne ininteligível a decisão. Cfr. Ac. do STJ n.º 01P3821 de 11-04-2002 Relator: SIMAS SANTOS
Sumário : 2 - Uma sentença é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado, traduzindo-se a obscuridade na ininteligibilidade e a ambiguidade na possibilidade de à decisão serem razoavelmente atribuídos dois ou mais sentidos diferentes.


Mas também nenhuma destas nulidades se verifica. Aliás, a Reclamante não aponta ao acórdão qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, nem esclarece qual a ininteligibilidade do acórdão nem que ambiguidade ou obscuridade permeia o seu conteúdo.

A reclamante não só não tem razão, como a reclamação que deduziu não é sequer séria, como veremos de seguida.

Com efeito, no que respeita às diferenças para menos preparadas no EF n.º 39960577 a ora Reclamante foi notificada do projeto de conclusões elaborado pela Alfândega no qual, a propósito das diferenças encontradas, a dado passo se diz no ponto 1.13 referente às faltas verificadas no varejo, que “esta falta, relativamente às quantidades apuradas nos varejos, traduz-se por uma diferença percentual de 6,69% (8351.508,01-329.443,6) /329.443.6*100)”.
E no ponto 1.14 do mesmo projecto, diz-se o seguinte: “Contudo, considerando que, por um lado, no processo produtivo surgem perdas inerentes ao manuseamento dos produtos, e por outro, devido à própria natureza das aguardentes, estes produtos estão sujeitos a evaporações, deverá ser subtraída a percentagem de 1,5%”. (sublinhado nosso)

No exercício do direito de audição, a impugnante não suscitou qualquer questão relativa à perda de 1,5% no processo produtivo, referindo apenas a existência de “lapso administrativo” quanto ao teor do grau alcoólico indicado para o Lote 70.339 contido nos balseiros 1MA e 2MA que tinham um grau de álcool superior (36,98%) ao indicado (29,40%) – fls. 57 dos autos.
A AF não aceitou esta justificação e manteve, nesta parte, a liquidação.

Deduziu então Reclamação Graciosa contra a liquidação. Repetiu no artigo 4º do seu articulado (fls. 143 do PA) o parágrafo do relatório segundo o qual “Considerando que no processo produtivo surgem perdas inerentes ao manuseamento dos produtos e à própria natureza das aguardentes foram aceites perdas na ordem dos 1,5%, o que conduz a uma diferença efetiva de 17.117,23 litros de álcool puro...”, e reiterou que, por lapso, fora indicado um grau alcoólico inferior ao que era real.
A Reclamação Graciosa foi indeferida na totalidade por despacho de 24/7/2006.

Apresentou então impugnação judicial onde, depois de mais uma vez transcrever no art.º 18º o parágrafo do Relatório relativo à aceitação de 1,5% de perdas no processo produtivo, continua a defender que existia uma diferença entre o teor alcoólico declarado (29,40%) e o real (36,98%).

Em sede de alegações facultativas, a Impugnante que na petição inicial se insurgia contra a falta de fundamentação de facto por não especificar como chegou ao resultado de 22.064,41 litros sem ter tido em conta as cabais explicações da impugnante (artigos 94º e 95º da petição inicial), acrescentou a falta de fundamentação do direito à liquidação,
“...ou no limite, fundamentou-a parcial, insuficiente e erradamente.
Na verdade,
Nem da notificação, nem da liquidação (parecer anexo à liquidação), consta qual a norma ou normas jurídicas violadas pela Impugnante.
E do Relatório Final da Inspeção, apenas na penúltima folha deste de pode ler: “Legislação violada: art. 37º, 2 do CIEC”

E acrescentou (no capítulo C- Apreciação) não ter indicado, por esquecimento, à Alfândega de Controlo as taxas de rendimento do EF de produção censurando, no mesmo passo, a equipa inspectiva por não a ter informado desse facto, como era seu dever: “Ora, a equipa inspectiva apercebendo-se, naturalmente, de tal circunstância – totalmente fora de comum, pois nenhum entreposto fiscal de produção de bebidas alcoólicas (nem outros) trabalham com a taxa de perdas dos entrepostos fiscais de armazenamento (1,5%)- deveria ter informado a Impugnante (era o seu dever) de que poderia e deveria actuar a faculdade dada pelo art. 38º 1, do CIEC, com efeitos retroactivos, uma vez que se estava na presença de um entreposto fiscal de produção, ou mesmo observar a percentagem regra de perdas deste tipo de entrepostos fiscais de produção (que anda sempre em torno dos 5%), pois detém um vasto conhecimento destas situações devido às intervenções que vem realizando há já largos anos em todas as empresas similares do Douro e do Porto”.

Todavia, a sentença considerou que a liquidação tinha sido efetuada tendo em conta que as perdas ocorreram num EF de armazenagem.

Mas nas alegações de recurso, a Recorrente defendeu que a sentença errou no julgamento da matéria de facto por ter dado como provado que o EF n.º 39960577 é um entreposto fiscal de armazenagem quando o próprio relatório de inspeção diz logo no seu início que é um EF de produção.

Esta parte do recurso da ora Reclamante mereceu provimento e por isso se aditou o facto provado n.º 43 que carateriza o entreposto fiscal n.º 39960577 como um entreposto de produção.

Mas também se decidiu no acórdão, para além do mais, que embora as perdas para os Entrepostos de Produção sejam superiores às previstas para os entrepostos de armazenagem, o direito a essas taxas de rendimento pressupõe um conjunto de requisitos que não foi observado pela Recorrente, concluindo-se que “Por não estarem registadas, as perdas detetadas estão sujeitas a tributação (na parte em causa, ou seja, 17.117,23LP, excedente ao desconto aceite pela AT), pelo que improcede a conclusão 2ª” (fls. 71 do acórdão)

Notificada, a Recorrente arguiu a nulidade do acórdão alegando, no essencial, como vimos, que o IABA foi liquidado pela AT ao abrigo do art. 39º do CIEC e que a falta de 22.064,41LP foi considerada como perda na armazenagem. Porém, o acórdão considerou que era um interposto de produção, ao qual se aplicaria o disposto no art. 38º CIEC, mas manteve a liquidação com base no disposto no art. 39º CIEC.

Ora, como resulta de tudo o que deixámos referido supra, a Requerente sabe muito bem que os fundamentos invocados para a reclamação não são verdadeiros. De igual modo sabe muito bem não corresponder à verdade que resulte do acórdão que o IABA impugnado foi liquidado pela AT ao abrigo do art.º 39º do CIEC, e nem sequer pode inferir isso do Relatório (e nunca inferiu, como demonstram as passagens dos diferentes articulados que assinalámos).

Assim como também sabe ser falso que o acórdão não justifique “...o porquê da manutenção em 17.117,23 LP das perdas tributáveis encontradas pela AT ao abrigo do artigo 39º do CIEC”.

Assim, a arguição de nulidade para além de não ter qualquer pertinência, é uma arguição destituída de seriedade, razão por que se indefere na totalidade.

III – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em conferência, indeferir a requerida nulidade do acórdão.

Custas pela Requerente, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 (três) UCs – cfr. Tabela II referenciada no artigo 7.º/4 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 14 de setembro de 2017
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira