Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00076/17.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/15/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:FGS; PRAZO DE CADUCIDADE; ARTº 319º Nº 3 LEI Nº 35/2004, DE 29/07
Sumário:
1 – O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja: a) Proferida sentença de declaração de insolvência do empregador; b) Proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização; c) Proferido despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.
2 - Perante um prazo longo de caducidade ao abrigo da lei antiga e um prazo mais curto de caducidade ao abrigo da nova lei, impõe-se o recurso ao artigo 297º do Código Civil para determinar a contagem desse prazo.
3 - Sendo de 20 anos – prazo ordinário de prescrição dos direitos – o prazo para reclamar créditos salariais junto do Fundo de Garantia Salarial que foram reconhecidos por sentença judicial, face ao disposto nos artigos 309º e 311º, n.º1, do Código Civil e no artigo 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07, e faltando assim anos para a caducidade do direito de reclamar o pagamento dos referidos créditos, o prazo de caducidade de um ano a contar da cessação do contrato de trabalho que resulta da aplicação do artigo 2º, nº 8, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, só começa a contar-se a partir da entrada em vigor deste último diploma legal, 4 de Maio de 2015, face ao disposto no 297º do Código Civil. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fundo de Garantia Salarial
Recorrido 1:BFA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever "ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida"
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Fundo de Garantia Salarial no âmbito da Ação Administrativa intentada por BFA, tendente, em síntese, a impugnar o ato de indeferimento do pedido de pagamento de créditos laborais, mais peticionando o pagamento de 10.026€, inconformado com a Sentença proferida no TAF do Porto em 8 de março de 2018, que julgou a “a Ação totalmente procedente anulando-se o ato impugnado”, veio interpor recurso jurisdicional da mesma.
Assim, no referido Recurso jurisdicional interposto pelo FGS em 3 de março de 2018, para este TCAN, foram formuladas as seguintes conclusões:
A. O requerimento da A. foi apresentado ao FGS em 09.10.2015, altura em que se encontrava em vigor o novo diploma legal regulador do FGS, DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015.
B. Assim, o referido requerimento da A. foi apreciado à luz deste diploma legal.
C. Este diploma previa um prazo de 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho para que seja apresentado junto dos serviços da Segurança Social o requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho.
D. De resto, já o anterior regime legal, previsto na Lei 35/2004, de 29/07, estabelecia no seu art.° 319.° 3, um prazo para a apresentação do requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho, que era de 3 meses antes do termo do prazo de prescrição, ou seja 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho.
E. Deste modo se verifica que sempre existiu um prazo para apresentação dos requerimentos ao FGS, sendo que o atual regime prevê um prazo de caducidade findo o qual cessa o direito de os ex-trabalhadores das EE insolventes requererem o pagamento dos créditos ao FGS.
F. Prazo este que, na situação concreta, também está ultrapassado à luz do anterior diploma legal Lei 3512004, de 29/07.
G. Não tendo aqui aplicação o art.° 297.° do CC, uma vez que à luz dos dois diplomas já se encontra terminado o prazo para apresentação do requerimento ao FGS, pois só cabe chamar à colação o disposto neste artigo quando estamos perante situações em que os prazos se iniciem ou já se encontrem em curso à data da entrada em vigor da lei nova.
H. Sendo aplicável o novo regime, de acordo com o art.° 3.° do DL 59/2015, de 21.04, e consequentemente o prazo de caducidade nele previsto, temos de considerar como estando legalmente esgotado o prazo para a apresentação dos requerimentos ao FGS, à luz do diploma DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015,
I. É nosso entendimento que a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não andou bem ao ordenar ao anular o ato impugnado.
Termos em que, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que mantenha a decisão de indeferimento proferida pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial.”
*
A Recorrida BFA, veio a apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 3 de maio de 2018, nas quais concluiu:
1. A delimitação objetiva do recurso é feita nas conclusões da alegação do recorrente, restringindo-se o poder cognitivo do tribunal superior aos fundamentos aí indicados (art. 635, n. 4 do CPC, ex vi art. 1º do CPTA).
2. O Recorrente, em nenhuma parte do seu recurso (alegação ou conclusões), abordou ou impugnou o fundamento principal da decisão recorrida, ou seja, as normas do art. 12º do Código Civil e a sua aplicabilidade ao caso concreto, não tendo, de nenhuma forma, indicado o sentido com que essas normas deviam ter sido diferentemente interpretadas e aplicadas ou sequer invocado que houve erro na determinação dessas normas como aplicáveis (art. 639, n. 2 do CPC).
3. Nessa medida e por força do disposto no n. 5 do art. 635 do CPC (ex vi art. 1º do CPTA), terá de concluir-se que a questão da aplicabilidade ou inaplicabilidade e das normas do art. 12º ao caso concreto e sua interpretação está definitivamente julgada e os efeitos que decorreram desse julgamento – a anulação do ato administrativo impugnado, por inaplicabilidade da norma do n. 8 do art. 2 do NRFGS, constante do anexo ao DL 59/2015, que constituiu o seu único fundamento – não poderão ser prejudicados pelo presente recurso, verificando-se por isso, caso julgado e impossibilidade de conhecimento do recurso.
Ainda que assim não fosse e por cautela de patrocínio,
4. Por serem relevantes para a decisão das questões a decidir, para além dos factos dados como provados na sentença recorrida, devem ser dos como provados os seguintes, o que se requer, a título subsidiário e nos termos e ao abrigo do disposto no n. 2 do art. 636º do CPC, para mera a hipótese de procedência das questões suscitadas pelo Recorrente:
a) A sentença mencionada no facto provado B) da sentença recorrida foi proferida em 22.11.2013 e transitou em julgado (facto alegado nos art. 5º e 7º da pi e não contestado, que também resulta do doc. 2 junto com a pi);
b) Na sequência e face ao incumprimento da referida AAH, Lda., a Autora interpôs contra esta, em 29.01.2014, ação executiva para pagamento de quantia certa, que correu nos próprios autos da ação identificada em 4. deste articulado (facto alegado no art. 8º da pi e não contestado, que também resulta do doc. 3 junto com a pi).
c) Por sentença proferida em 02-07-2015 no âmbito da ação de insolvência identificada no ponto D) dos factos provados, a AAH, Lda. foi declarada foi declarada insolvente (cf. art. 13 da pi e respetivo doc. 6).
d) Na sequência, a Autora, através de requerimento dirigido ao Senhor Administrador de Insolvência em 28-07-2015, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 128 do CIRE, reclamou a verificação de créditos laborais no valor global de 15.301,30€, nos termos e com os fundamentos que constam do documento 7 junto com a petição inicial.
5. Deverá também ser retificado o facto provado B) da sentença recorrida, uma vez que, por mero lapso, o tribunal recorrido deu como assente que a ação declarativa aí identificada foi interposta em 28 de março de 2013, quando na verdade tal aconteceu em 28 de agosto de 2013, conforme resulta do documento 1/27, junto com a petição inicial.
6. Tal facto deverá passar a ter a seguinte redação:
“A Autora intentou em 28 de agosto de 2013 ação declarativa de condenação emergente de contrato de trabalho, como processo de declarativo comum, que correu termos no Tribunal do Trabalho do Porto, sob o nº 1147/13.9TTPRT, no âmbito do qual foi proferida Sentença que condenou a «AAH, Lda.» a pagar à Autora a quantia global de € 9.593,21, acrescida de juros de mora; assim como condenou o Réu naquela ação a pagar uma compensação, a determinar em liquidação de sentença, para indemnizar a Autora de todos os prejuízos patrimoniais presentes e futuros da não entrega dos descontos e contribuições para a segurança social, na medida em que o ali Réu não regularizasse a situação no prazo de 90 dias após o trânsito em julgado da sentença. Decisão que transitou em julgado.”
7. Nada há a reparar na fundamentação jurídica explanada na sentença recorrida.
8. As normas previstas no art. 3º do DL 59/2015 não excluem a aplicação das normas gerais previstas no art. 12º do Código Civil, devendo ser interpretadas de forma restritiva sob pena de levarem a resultados ou soluções absurdas e que, certamente, o legislador, não quis.
9. Efetivamente, a nova lei, se interpretada e aplicada como defende o Recorrente (a todos os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor, sem mais), faria extinguir, de forma automática e só por entrar em vigor, o direito de acesso à garantia do FGS a todos os trabalhadores cujos contratos de trabalho tivessem cessado mais de 1 ano antes, podendo até, como no caso da Recorrida, significar a negação total desse direito.
10. Nessa medida e para além do mais, uma tal interpretação e aplicação da lei nova consubstanciaria grave ofensa a princípios fundamentais constitucionais da segurança jurídica, da proteção da confiança, da irretroatividade das leis e até da igualdade, sendo também por essa razão o ato administrativo impugnado nulo (art. 161, n. 2, al. d/ do CPA).
11. Por outro lado, também não tem razão o Recorrido ao defender a inaplicabilidade do art. 297º do Código Civil ao caso concreto, por já não se encontrar em curso o prazo para a recorrida reclamar o pagamento de créditos laborais ao Réu à data da entrada em vigor da lei nova.
i) Efetivamente, com a interposição da ação laboral identificada em A) da sentença recorrida, em 28-08-2013, o prazo prescricional previsto no art. 337, n. 1 do Código do Trabalho interrompeu-se por força do disposto no art. 323º, n. 1 do CC, tendo-se mantido interrompido até ao trânsito em julgado da sentença proferida nessa ação (art. 327, n. 2 do CC);
12. E, como bem se decidiu na sentença recorrida, com o trânsito em julgado daquela sentença proferida em 22.11.2013, o prazo de prescrição dos créditos laborais da Recorrida passou a ser de 20 anos, por força do disponho no art. 311º do CC, em vez do previsto no art. 337º, n. 1 do Código do Trabalho.
13. Isto significa que, á data de entrada em vigor da nova lei (04-05-2015) os créditos laborais da Recorrida o prazo para a reclamação dos créditos ao Fundo de Garantia Salarial (FGS) previsto no anterior regime (art. 319º, n. 3 da Lei 35/2004) ainda estava em curso.
14. À mesma conclusão se chegaria, aliás, se o prazo de prescrição dos créditos laborais da Recorrida tivesse continuado a ser de 1 ano (nos termos do art. 337 do Código do Trabalho), considerando que tal prazo se interrompeu:
a. em 29-01-2014, com a interposição da ação executiva acima referida em 4-b), nos termos e ao abrigo do citado art. 323, n. 1 do CC;
b. em 21.10.2014 com a interposição da ação de insolvência referida no ponto C) dos factos provados elencados na sentença recorrida, reiniciando-se, na pior das hipóteses, em 22-10-2014, dia seguinte ao ato interruptivo.
15. Assim, considerando que o prazo de reclamação de créditos laborais ao FGS previsto na lei nova (1 ano a partir do dia seguinte à data da cessação do contrato de trabalho – art. 2, n. 8 do NRFGS) é indiscutivelmente mais curto que o prazo previsto na lei antiga e considerando que, à data da entrada em vigor da nova lei, o prazo antigo ainda estava em curso, verificam-se os pressupostos de aplicação do art. 297, n. 1 do Código Civil, pelo que que o novo prazo previsto no NRFGS (de 1 ano) só se começou a contar a partir da data de entrada em vigor da nova lei, ou seja, 04-05-2015.
16. Do antedito resulta que o prazo de reclamação aos FGS do pagamento dos créditos laborais da Recorrida só terminava em 04-05-2016 e, consequentemente, o requerimento por esta dirigido ao Recorrente em 09-10-2015 foi tempestivo.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente Fazendo, desse modo, V. Exas., a já habitual JUSTIÇA.”
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Em 8 de maio de 2018 foi proferido Despacho a admitir o Recurso.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 12 de junho de 2018, veio a emitir Parecer no mesmo dia, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever “ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida”.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente/FGS, designadamente, verificando a suscitada Caducidade de Direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
A) A Autora foi trabalhadora da empresa « AAH, Lda.», desde o dia 10 de julho de 2012 até ao dia 3 de maio de 2013.
B) A Autora intentou em 28 de março de 2013 ação declarativa de condenação emergente de contrato de trabalho, com processo declarativo comum, que correu termos no Tribunal do Trabalho do Porto, sob o n.º 1147/13.9TTPRT, no âmbito do qual foi proferida Sentença que condenou a «AAH, Lda.», a pagar à Autora a quantia global de € 9.593,21, acrescida de juros de mora; assim como condenou o Réu naquela ação a pagar uma compensação, a determinar em liquidação de sentença, para indemnizar a Autora de todos os prejuízos patrimoniais presentes e futuros da não entrega dos descontos e contribuições para a segurança social, na medida em que o ali Réu não regularizasse a situação no prazo de 90 dias após o trânsito em julgado da sentença. Decisão que transitou em julgado.
C) Em 21/10/2014, a Autora instaurou ação de insolvência «AAH, Lda.», a qual foi declarada por sentença proferida em 02/07/2015, no processo n.º 1051/14.3T8VNG.
D) Em 09/10/2015, a Autora requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, mencionando auferir a retribuição mensal líquida de € 550,00 e requerendo o pagamento dos créditos relativos a retribuição de março (parte) e abril e trabalho suplementar de 2013; subsídio de férias de 2013 e proporcionais e descanso compensatório; subsídio de Natal de 2012 e 2013; crédito emergente da violação do contrato de trabalho; perfazendo o total a quantia de € 15.301,30.
E) O Fundo de Garantia Salarial indeferiu o pedido da Autora, com o seguinte fundamento:
«O(s) fundamentos(s) para o indeferimento é (são) o(s) seguinte(s):
- O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art. 2.º do Dec.-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.”
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IV – Do Direito
Inconformado com sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a presente ação administrativa, veio o FGS interpor recurso jurisdicional da mesma.
No que aqui releva, e no que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª instância:
“(…) Conforme o disposto no art.º 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015, ficavam sujeitos ao novo regime os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.
Nos termos do artigo 2.º, n.º 8 do Regime material do Fundo de Garantia Salarial: «O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».
Este prazo de caducidade não existia anteriormente, pelo que o legislador passou a prever um novo prazo para impulsionar o exercício de um direito, ou seja, estabeleceu pela primeira vez um prazo por correspondência à data da cessação do contrato de trabalho.
O anterior regime não continha situação idêntica, sendo que nem sequer a existência da referência ao prazo de prescrição dos créditos laborais é equiparável, uma vez que se tratam de situações distintas, pois que agora se trata de um prazo de caducidade estabelecido para o exercício de um direito (artigos 298.º, n.º 2 e 40.º do Código Civil).
(...)
Considerando que o n.º 8 do artigo 2.º, vem inovadoramente dispor sobre as condições de validade formal do pedido de pagamento de créditos laborais, deve entender-se que só visa os factos novos. Ou seja, só pode aplicar-se às situações que ocorram após a sua entrada em vigor. Por outras palavras, o prazo de um ano apenas se aplica aos contratos de trabalho que cessem após o dia 4 de Maio de 2015.
Isto porque, se trata efetivamente de um facto novo, conforme, aliás, ressalta do preâmbulo do Decreto-Lei 59/2015, de 21 de abril, que a dado passo refere: «passando-se agora, no entanto, a prever que o pagamento dos créditos requeridos é assegurado até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.»
(...)
Ora, o n.º 8 do artigo 2.º, do Regime material do Fundo de Garantia Salarial, não cria, nem extingue direitos, limitando-se a estabelecer o facto impeditivo do acionamento do direito: um ano após a cessação do contrato de trabalho. Facto este que é novo no regime jurídico em apreço. Desta forma, a introdução de um facto novo impeditivo do pagamento de créditos salariais, corresponde a uma retroatividade da lei nova, uma vez que trata inovadoramente de facto não anteriormente previsto como fundamento para o não pagamento dos referidos créditos. Daí que, o período de tempo que tivesse decorrido antes da entrada em vigor da nova lei, não continha qualquer efeito jurídico, por isso nunca pode ser levado em consideração para efeitos de aplicação do novo prazo estabelecido, no n.º 8 do artigo 2.º do Regime material do Fundo de Garantia Salarial.
Significa isto, que somente para os contratos de trabalho cessados após o dia 4 de Maio de 2015, é que pode funcionar o regime do n.º 8 do artigo 8.º do dito Regime.
Mas ainda que se entenda ter ocorrido uma alteração de prazo, conforme defende o Réu, então deve aplicar-se o regime do artigo 297.º do Código Civil.
O anterior regime não previa um prazo de caducidade, mas fazia depender o pagamento dos créditos ao facto de serem requeridos ao Fundo de Garantia Salarial até três meses antes da respetiva prescrição, conforme resultava do artigo 319.º, n.º 3 Lei n.º 35/2004, de 29/07 (Regulamentação do Código do Trabalho)
(...)
Ora, a Autora intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, a qual teve Sentença proferida em proferida em 10/07/2011, que reconheceu os créditos laborais indicados na alínea B) supra da matéria de facto.
Significa isto, que o prazo de prescrição dos créditos laborais se havia interrompido (artigo 323.º do Código Civil). Novo prazo de prescrição inicia-se com a prolação de sentença ou com o termo do processo, como foi o caso. Assim, em 10/07/2011, iniciou-se novo prazo de prescrição, agora de vinte anos, uma vez que havendo decisão judicial, o prazo de prescrição passa a ser o prazo ordinário (artigo 311.º, n.º 1 do Código Civil) e não o de um ano previsto para os créditos laborais.
Resulta, então que, em face do regime anterior, o pedido da Autora tinha de ser assegurado ou pelo menos apreciado, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 319.º da Lei n.º 35/2004.
Assim, caso se entenda que está apenas em discussão uma alteração de prazos, como o novo regime ainda não estava em vigor há um ano, não podia ser aplicado, conforme determina o n.º 1 do artigo 297.º do Código Civil.
Aliás, é esse o entendimento da jurisprudência sobre a interpretação a dar ao novo prazo de caducidade sobre os pedidos efetuados ao Fundo de Garantia Salarial.
Veja-se o Acórdão do TCA Norte de 28/04/2017, proferido no processo n.º 00840/16.4BEPRT (que pode ser lido em www.dgsi.pt), cujo sumário é o seguinte:
1. Perante um prazo longo de caducidade ao abrigo da lei antiga e um prazo mais curto de caducidade ao abrigo da nova lei, impõe-se o recurso ao artigo 297º do Código Civil para determinar a contagem desse prazo.
2. Sendo de 20 anos – prazo ordinário de prescrição dos direitos – o prazo para reclamar créditos salariais junto do Fundo de Garantia Salarial que foram reconhecidos por sentença judicial, face ao disposto nos artigos 309º e 311º, n.º 1, do Código Civil e no artigo 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07, e faltando assim anos para a caducidade do direito de reclamar o pagamento dos referidos créditos, o prazo de caducidade de um ano a contar da cessação do contrato de trabalho que resulta da aplicação do artigo 2º, nº 8, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, só começa a contar-se a partir da entrada em vigor deste último diploma legal, 4 de Maio de 2015, face ao disposto no 297º do Código Civil.
Face ao exposto, a decisão enferma de vício de violação de lei, pelo que deve ser anulada.
Não obstante o regime do artigo 71.º do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, refira que o Tribunal deve pronunciar-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do ato devido, se for caso disso; entende-se que na presente situação, não existem condições para fazer essa apreciação. Isto porque, os pressupostos em que assentou a decisão impugnada foram apenas o da invocada caducidade do pedido, sendo que expurgada essa situação, compete analisar os demais pressupostos para atribuição da compensação.
Ou seja, compete ao Fundo de Garantia Salarial apreciar o requerimento da Autora, ainda que nos termos do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, diploma que aprovou o Regime Material do Fundo de Garantia Salarial (RMFGS), uma vez que não difere em substância do anterior regime. Assim, é designadamente necessário que sejam analisados pressupostos que não entraram em consideração na decisão impugnada, como o valor máximo a conceder e o período de referência. Para além disso, é necessário saber qual a retribuição base ilíquida da autora, sendo que essa não foi mencionada no requerimento efetuado junto do Fundo de Garantia Salarial, porquanto é sobre a remuneração ilíquida que se calcula o valor máximo a receber, bem assim como os respetivos descontos legais (IRS e contribuição para a Segurança Social).
Face ao exposto, conclui-se que o ato impugnado deve ser anulado e o requerimento da Autora novamente apreciado pelo fundo de Garantia Salarial, nem que para o efeito tenha de convidar a Autora a informar qual era a sua retribuição base ilíquida.”
Vejamos:
Da caducidade do Direito
Analisemos o suscitado, em função da factualidade dada como provada, seguindo-se no aspeto em apreciação, mutatis mutandis, nomeadamente o entendimento adotado nos Acórdãos deste TCAN nº 00840/16.9BEPRT 28-04-2017 e nº 868/16BEPRT de 02-04-2018.
Por despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial de 10.08.2016, o requerimento da Recorrente foi indeferido, com o fundamento de que a pretensão não terá sido apresentada no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do no n.º 8 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04.
É certo que o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04 - lei reguladora do Fundo de Garantia Salarial - fixa no artigo 2.º, nº 8, um prazo de caducidade de um ano contado a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Determina, por outro lado, o artigo 3º do mesmo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04 que ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao diploma, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.
O requerimento do Autor foi apresentado em 09/10/2015, ou seja, depois de 4 de Maio de 2015, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04 – artigo 5º do mesmo diploma legal, pelo que, por força do artigo 3º do mesmo, é-lhe aplicável o prazo de caducidade do novo diploma legal.
No entanto, já a anterior legislação regulamentadora do Fundo de Garantia Salarial estabelecia requisitos temporais para apresentação do requerimento junto do Fundo de Garantia Salarial, dispondo o artigo 319.º da Lei 35/2004, de 29.07, no seu n.º 3, que o Fundo de Garantia Salarial só assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até 3 meses da respetiva prescrição.
A prescrição está prevista no artigo 337º nº 1 do anexo da Lei nº 7/2009, de 12.02, que aprovou a revisão do Código do Trabalho que dispõe:
“O crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
O contrato de trabalho do Autor cessou a 3 de maio de 2013, pelo que prescreveria, se não se verificasse interrupção, seguida de alteração do prazo, em 4 de maio de 2014.
Mas a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito – artigo 323º, nº 1, do Código Civil.
A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte – artigo 326º nº 1 do Código Civil.
A nova prescrição está sujeita ao prazo de prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311º, nos termos do disposto no artigo 326º, nº 2, ambos do Código Civil.
Estabelece o artigo 311º, nº 1, do Código Civil que o direito para cuja prescrição, ainda que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença transitada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
Provou-se que a Autora intentou em 28 de março de 2013 ação declarativa de condenação emergente de contrato de trabalho, com processo declarativo comum, que correu termos no Tribunal do Trabalho do Porto, sob o n.º 1147/13.9TTPRT, pelo que a citação do Réu nessa ação interrompeu o prazo de prescrição, o que determinou que a mesma só viria a ocorrer passados vinte anos, como resulta do artigo 311º nº 1, conjugado com o artigo 309º, ambos do Código Civil.
É assim notório que à face da lei antiga faltava muito tempo para ocorrer a prescrição dos créditos cujo pagamento é requerido ao Réu e, consequentemente, sendo o prazo de caducidade da reclamação desses direitos ao Fundo de Garantia Salarial, de três meses antes da respetiva prescrição, faltariam muitos anos para ocorrer essa caducidade.
Em qualquer caso, a nova lei estabelece um prazo mais curto de caducidade – um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho - artigo 2.º nº 8 do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04.
Perante um prazo mais longo de caducidade ao abrigo da lei antiga e um prazo mais curto de caducidade ao abrigo da nova lei, impõe-se o recurso ao artigo 297º CC para determinar a contagem desse prazo.
Determina este artigo que a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Já vimos que segundo o artigo 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07, faltavam anos para a caducidade do direito de reclamar o pagamento dos créditos dos Autores e que segundo o artigo 2º, nº 8, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, o prazo de um ano de caducidade só começou a contar a partir da entrada em vigor desse diploma legal – 4 de Maio de 2015, caducando em 4 de Maio de 2016.
Tendo o controvertido requerimento dado entrada no FGS em 09/10/2015, é patente que não se verificou a caducidade do direito do Autor, aqui Recorrido.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Entidade Recorrente, sem prejuízo da isenção de que goza.
Porto, 15 de fevereiro de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa