Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00932/20.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/19/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACIDENTE DE VIAÇÃO; COMPANHIA DE SEGUROS/AUTO- ESTRADAS SOCIEDADE CONCESSIONÁRIA;
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL; ENTUPIMENTO DA CAIXA DE SUMIDOURO;
PRESUNÇÃO DE CULPA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

COMPANHIA DE SEGUROS [SCom01...], S.A., pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., ... ..., instaurou acção administrativa, contra [SCom02...], S.A., pessoa colectiva n.º ..., com sede na Av. ... ... ..., com vista à efectivação da responsabilidade civil extracontratual desta última entidade, pretendendo obter a sua condenação no pagamento da quantia de € 5.992,20 (cinco mil e novecentos e noventa e dois euros e vinte cêntimos) - acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento -, a título de indemnização, pelos danos patrimoniais por si sofridos, decorrentes do sinistro rodoviário ocorrido, na A...7, ao Km 21,100, sentido .../..., atento o despiste do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-TS-.. [segurado pela Autora], provocado por um “lençol de água” localizado na hemi-faixa de rodagem esquerda por onde o referido veículo circulava.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada procedente a acção e
condenada a Ré a pagar à Autora a quantia de €5.992,20 (cinco mil novecentos e noventa e dois euros e vinte cêntimos) - acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos contados desde a citação da Ré e até efectivo e integral pagamento -, a título de indemnização, pelos danos patrimoniais por si sofridos, decorrentes do sinistro rodoviário ocorrido, na A...7, ao Km 21,100, sentido Oeste/Este, em que foi interveniente o veículo de matrícula ..-TS-.. [segurado pela Autora].
Desta vem interposto recurso.
Alegando a Ré formulou as seguintes conclusões:
1.ª A Recorrente entende ter ocorrido lapso de análise dos factos julgados provados e que são determinantes para a decisão da causa e a conclusão jurídica deles retirada;

2.ª Ao Tribunal incumbe sindicar a responsabilidade civil extracontratual da R. na produção do sinistro atrás relacionado, designadamente, se omitiu, ou não, os deveres de fiscalização, monotorização do tráfego e segurança da via para a circulação automóvel em auto-estrada;
3.ª Andou mal o Tribunal na análise critica da prova produzida em conformidade com a matéria alegada;
4.ª A apreciação da prova produzida radica em erro, salvo respeito por opinião diversa, não considerando, por um lado o que resulta da análise e confronto das testemunhas com a documentação junta aos autos, e, por outro lado, do depoimento das próprias testemunhas que acorreram ao local, nomeadamente o Agente elaborou a participação do sinistro junta à Petição Inicial sob o n.º 5, nem os funcionários da Ré que depuseram relativamente ao que viram no local por intervenção directa e confirmaram a informação vertida nos relatórios apresentados e fotografias juntas, viram ou registaram a existência do lençol de água no pavimento
5.ª Foram juntos aos autos documentos como os registos fotográficos do local e ainda a própria participação do sinistro e certidão do IPMA;
6.ª O Tribunal “a quo” não podia ter dado como provados a factualidade inserta sob os pontos 5, 10, 11, 14, bem como deveria, outrossim, ter dado como provada matéria inserta nas alíneas (i), (ii), pois, salvo melhor opinião, é o que parece resultar da conjugação dos depoimentos e dos documentos juntos aos autos;
7.ª No ponto 5. da matéria de facto provada, o Tribunal “a quo” não pode responder que a faixa de rodagem esquerda estava tapada, apenas podendo dizer que a faixa de rodagem esquerda, por onde circulava o veículo ..-TS-.., cuja largura se cifra em 3,80 metros se encontrava livre na largura de 2,50metros uma vez que se encontrava com água numa largura de 1,30metros, é o que resulta do documento e da fotografia, e que se requer a este Tribunal que retifique tal resposta no sentido que agora se aponta;
8.ª No ponto 10., da matéria de facto provada, não se compreende, assim, como pôde o Tribunal “a quo” afirmar que a faixa de rodagem esquerda estava tapada, apenas podendo dizer que a faixa de rodagem esquerda, por onde circulava o veículo ..-TS-.., cuja largura se cifra em 3,80 metros se encontrava livre na largura de 2,50 metros uma vez que se encontrava com água numa largura de 1,30 metros;
9.ª No ponto 10., da matéria de facto provada, este Tribunal que retifique tal resposta no sentido que agora se aponta, isto é, que a faixa de rodagem esquerda apenas se encontrava parcialmente obstruída por água numa largura de 1,30metros encontrando-se disponível numa largura de 2,50 metros;
10.ª No ponto 14., da matéria de facto provada, a Recorrida não despendeu na regularização do sinistro a quantia de € 5.992,23, uma vez que o valor de € 78,60 resulta de despesa de averiguação, a qual não é consequência do sinistro, logo, não devida – cfr., documento n.º ..., junto com a petição inicial a fls., ..., e artigo 21º do mesmo articulado;
11.ª Relativamente à matéria não provada, e salvo o devido respeito, mal esteve o Tribunal “a quo”, fazendo tábua rasa não só dos documentos juntos aos autos mas, e também, da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento;
12.ª (i) Na data referida em 4) [No dia 09 de Novembro de 2019], a Ré tudo fez para evitar a formação do lençol de água existente na hemi-faixa da esquerda, da A...7, ao km 21,100, antes da eclosão do sinistro descrito em 4) a 6) [cf. nenhuma prova minimamente consistente e congruente foi produzida quanto a tal factualidade];
13.ª Dos depoimentos das testemunhas, juntamento com o confronto dos documentos juntos pela Recorrente na sua contestação, nomeadamente os documentos ..., de fls..., verifica-se que a Recorrente procedeu, em toda a extensão da concessão, em ambos os sentidos, à limpeza de todas as caixas de escoamento;
14.ª Resulta dos documentos – Parte de Mantenimiento -, os quais identificam os períodos em que tais trabalhos de limpeza foram efectuados, a saber entre os períodos de 20-10-2019 a 01-11-2019 e 01-11-2019 a 30-11-2019, sendo certo que o sinistro ocorreu a 09-11-2019;
15.ª O mesmo resulta dos depoimentos das testemunhas supra, donde, tal facto deveria constar da matéria de facto assente, o que se requer a este Tribunal;
16.ª (ii) No dia 09 de Novembro de 2019, pelas 09h25, na A...7, ao km 21,100, chovia intensamente, de forma anormal, para a altura do ano [cf. nenhuma prova minimamente consistente e congruente foi produzida quanto a tal factualidade; cf. Ofício do IPMA junto aos autos em 25-02-2021 e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; sendo que da leitura do mesmo, resulta que não ocorreu uma precipitação anormal, mantendo-se nos níveis de normalidade];
17.ª Tal facto deverá elencar, também ele, a matéria de facto assente, já que todas as testemunhas foram unânimes a afirmar que, na data do sinistro, e à hora em que o mesmo ocorreu, chovia de forma intensa;

18.ª O relatório do IPMA junto aos autos a fls..., que atestam que na data do sinistro chovia de forma intensa, atingindo a precipitação valores na ordem dos 15 milímetros;
19.ª A classificação efectuada pelo próprio IPMA disponível em www.ipma.pt, atesta que na data do sinistro a chuva era forte;
20.ª Na data do sinistro chovia intensamente, pelo que o ponto (ii) deverá, à semelhança do ponto (i) passar para matéria de facto assente, o que se requer a este Tribunal.
21.ª Salvaguardado todo o respeito pelas decisões emanadas pelo poder judicial, não pode o Recorrente deixar de referir que a sentença sob sindicância traduz erro manifesto na apreciação da prova e, nessa medida enferma de erro de julgamento;
22.ª Por isso, a tarefa que se pede ao tribunal de recurso nesta matéria é a de controlar a razoabilidade da convicção do tribunal de primeira instância sobre o julgamento dos factos dados como provados e não provados, sem com isto se pretender pôr em causa o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 607 º nº 5 do CPC;
23.ª A impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não visa contender com o princípio da livre apreciação da prova, mas, também tem a noção que esse princípio não tem natureza absoluta, pois que a livre apreciação da prova não significa uma apreciação discricionária ou arbitrária por parte do julgador, pelo contrário, tem de reconduzir-se a critérios objetivos através da motivação.
24.ª Considerando-se que de todo o acervo probatório carreado para os autos, andou mal o Tribunal “a quo” ao julgar verificada a causa do sinistro como alegada na Petição Inicial, com fundamento único e exclusivo;
25.ª Não poderia assim, ter concluído como concluiu que: “Em suma, certo é que a Ré não demonstrou, como devia, o cumprimento das obrigações de segurança da A...7 (ao km 21,100, no sentido Oeste/Este), imposto pelo n.º 1, do art. 12.º da Lei 24/2007, de 18 de Julho, daí se concluindo sempre pela sua culpa, ao menos a título de negligência, geradora de responsabilidade civil.”;
26.ª Para a Ré, é impossível monitorizar a cada segundo todas as acções que ocorrem na via concessionada, assim como todas as acções cometidas pelos próprios condutores que nela circulam, nem tal incumbência lhe é exigida pelo contrato de concessão nem pela lei, por se tratar de uma obrigação impossível;
27.ª A Ré fez tudo o quanto tecnológica e humanamente lhe pode ser exigível para prevenir qualquer dano que pudesse resultar de factores externos ao normal funcionamento da via concessionada;

28.ª Nomeadamente através dos meios humanos e técnicos postos ao serviço das referidas obrigações de segurança, o modo como foram concretamente aplicados, a previsibilidade dos fenómenos causadores de risco para a circulação, as cautelas adoptadas tendo em conta a maior ou menor previsibilidade ou os alertas que tenham sido dados;
29.ª É virtualmente impossível a qualquer concessionário assegurar que em cada momento, não há sinistros, deverá atender-se a um critério de razoabilidade e equidade sobre que concretas obrigações de diligência de uma concessionária são exigíveis em ordem a evitar este tipo de eventos;
30.ª De um ponto de vista do referido critério de razoabilidade, será forçoso concluir que as obrigações de segurança que impendem sobre a Ré foram cumpridas e são idóneas na finalidade de evitar a ocorrência de sinistros;
31.ª No caso dos presentes autos verifica-se que, nem a Ré nem ninguém poderia ter detectado e limpo o local do acidente antes da passagem da viatura da Autora, porque é falsa a existência de lençol de água que tapasse a faixa esquerda na sua totalidade, o que resulta desde logo da prova carreada para os autos, para fundar tal convicção;
32.ª O condutor da viatura segura na Autora, aqui Recorrida, tinha meios para adaptar a condução às circunstâncias climatéricas (chuva intensa), às características da via;
33.ª Não não obstante todas as cautelas e cuidados preventivos levados a cabo pela Ré, verificou-se uma situação excepcional, tornando-se evidente que nenhuma estrada pode ser mantida em condições de total imunidade;
34.ª A Recorrente preencheu o ónus probatório que lhe incumbia e demonstrou claramente o cumprimento das obrigações de segurança a que estava obrigada, nada poderia fazer que pudesse antecipar o aparecimento água na via como sucede nos presentes autos;
35.ª Dos procedimentos instituídos, das passagens dos funcionários da Ré e dos restantes elementos recolhidos, resulta claro que na situação em concreto a Ré tudo fez para garantir a permanência da via desobstruída, com as condições necessárias à circulação ilidindo a presunção de incumprimento das regras de segurança que sobre si impendiam;
36.ª É que mesmo que a Recorrente dispusesse de sistema de vigilância absoluto, permanente e infalível nunca conseguiria evitar ocorrências danosas;
37.ª Do acervo probatório constante do processo resulta claro que a Recorrente não se limita ao cumprimento de obrigações genéricas de segurança que, de resto, nunca foram definidas nem se poderá dizer que é genérico tudo o que não evita o acidente;
38.ª A idoneidade e adequação dos meios utilizados pela Recorrente em matéria de vigilância e prevenção de acidentes afigura-se evidente tendo em conta a matéria provada nos autos, além de ultrapassar o que lhe é contratualmente exigido pelo contrato de concessão;
39.ª A conduta da concessionária preenche cabalmente a exigência da obrigação de meios, sendo a matéria de facto provada absolutamente idónea e adequada à prova do cumprimento dessa mesma obrigação de meios, devendo ser alterada a decisão recorrida em conformidade;
40.ª Resulta claro da sentença em crise que o Tribunal procurou justificar a condenação da Ré com recurso a fundamentos e conclusões não suportadas, que são contrariados pela factualidade que julgou provada e da qual deveria ter concluído pela sua absolvição;
41.ª Entende a Recorrente que a conjugação de tais fundamentos e factos provados, via documental e testemunhal, é suscetível de alterar a decisão proferida;
42.º Relativamente aos meios e procedimentos de segurança que a Recorrente alegou e demonstrou ter cumprido, o Tribunal “a quo” incorreu em vicio suscetível de gerar a nulidade da sentença, previsto na alínea c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por oposição entre os factos provados e os fundamentos da decisão proferida;
43.ª A sentença proferida desconsiderou factores essenciais para avaliar a verificação dos pressupostos relativos à ilicitude e culpa Ré, que se prendem com a causa para o aparecimento da água na via;
44.ª Tais factos são, no entendimento da Recorrente, essenciais para a formação da convicção relativamente à responsabilidade em causa nos presentes autos, independentemente da presunção estabelecida no artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 24/2007, de 18/07;
45.ª A douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do artigo 12º da Lei nº 24/2007;
46.ª A conduta da concessionária preenche cabalmente a exigência da obrigação de meios, sendo a matéria de facto provada absolutamente idónea e adequada à prova do cumprimento dessa mesma obrigação de meios, devendo ser alterada a decisão recorrida em conformidade;
47.ªA douta sentença recorrida violou as normas legais supra citadas.
Termos em que,
nos melhores de Direito,
Deve ser dado provimento ao recurso interposto, alterando-se a decisão
recorrida, absolvendo o Apelante do pedido, fazendo-se
JUSTIÇA!
A Autora juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:

Ressalvado o devido respeito por opinião contrária, sempre se dirá que a douta sentença não merece qualquer reparo, estando devidamente fundamentada e aplicando a lei com total acerto.

Como tal, devem ser julgadas totalmente improcedentes todas as conclusões do recurso de apelação.

Termos em que,

Deve o recurso interposto ser julgado integralmente improcedente, com as demais consequências legais.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. A empresa “COMPANHIA DE SEGUROS [SCom01...], S.A.”, ora Autora, dedica-se à actividade seguradora; tendo celebrado com a sociedade “[SCom03...], LDA.” um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º ...70, nos termos do qual, segurou a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de mercadorias de marca Ford, modelo Transit, matrícula ..-TS-.., bem como, entre outros, os danos próprios sofridos pelo mesmo em virtude de choque, colisão, e capotamento - contrato, esse, cujo teor aqui se tem presente [cf. documentos (docs.) n.º 1 a n.º 3 juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
2. A empresa “[SCom02...], S.A.”, ora Ré, é uma entidade concessionária, tendo celebrado um contrato de concessão com o Estado Português, quanto à manutenção da A...7 [cf. Bases da Concessão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 234/2001, de 28 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 44¬B/2010, de 05 de Maio e pelo Decreto-Lei n.º 214-B/2015, de 30 de Setembro].
3. A Ré é concessionária do Estado Português para a concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação, com cobrança de portagem aos urentes, da A...7, nos termos das Bases de Concessão Norte Litoral, a saber: “...

Base III - Natureza da Concessão
A Concessão é de obra pública e é estabelecida em regime de exclusivo relativamente à Auto--estrada que integra o seu objecto.
Base IV - Serviço Público
1 - A Concessionária deve desempenhar as atividades concessionadas de acordo com as exigências de um regular, contínuo e eficiente funcionamento do serviço público e adotar, para o efeito, os melhores padrões de qualidade disponíveis em cada momento, nos termos previstos nas presentes bases e no Contrato de Concessão.
2 - A Concessionária não pode, em qualquer circunstância, recusar a utilização da Autoestrada a qualquer pessoa ou entidade, nem discriminar ou estabelecer diferenças de tratamento entre utentes.
Base V - Delimitação física da Concessão
1 - Os limites da Concessão, definidos em relação à Autoestrada que a integra pelos perfis transversais extremos da mesma, em conformidade com os traçados definitivos constantes dos projetos oficialmente aprovados, são os constantes em anexo ao Contrato de Concessão.
2 - O traçado da Autoestrada é o que figurar nos projetos aprovados nos termos da base XXXI.
3 - Os nós de ligação fazem parte da Concessão, nela se incluindo, para efeitos de exploração e de conservação, os troços de estradas que os completem, considerados entre os pontos extremos de intervenção da Concessionária nessas estradas ou, quando não seja possível essa definição, entre os pontos extremos do enlace dos ramos dos nós, bem como os troços de ligação em que o tráfego seja exclusivamente de acesso à Autoestrada.
4 - Nos nós de ligação em que seja estabelecido enlace com outra concessão de autoestradas, o limite entre concessões é estabelecido pelo perfil transversal de entrada (ponto de convergência) dos ramos de ligação com a plena via, exceto para a iluminação, cuja manutenção é assegurada na totalidade, incluindo a zona de via de aceleração, pela concessionária que detenha o ramo de ligação.
5 - As obras de arte integradas nos nós de enlace entre concessões, quer em secção corrente, quer em ramos, ficam afetas à concessão cujo tráfego utilize o tabuleiro da estrutura.
[...]
[...]
Base VIII - Manutenção dos bens que integram e que estão afetos à Concessão
A Concessionária obriga-se a manter em bom estado de funcionamento, conservação e segurança, a expensas suas, nos termos e condições estabelecidos nas disposições aplicáveis do Contrato de Concessão, os bens que integram e que estão afetos à Concessão, durante a vigência do Contrato de Concessão, efetuando para tanto as reparações, renovações e adaptações que, de acordo com as referidas disposições, para o efeito se tornem necessárias ao bom desempenho do serviço público.
[...]
Base XXXVII - Responsabilidade da Concessionária pela qualidade da Autoestrada
1 - A Concessionária garante ao Concedente a qualidade da conceção, do projeto e da execução das obras de construção e conservação dos Lanços previstos no n.° 1 da base II, bem como a qualidade da conservação dos Lanços referidos no n.° 2 da base II, responsabilizando-se, na medida das obrigações para si resultantes do Contrato de Concessão, do Plano de Controlo de Qualidade e do Manual de Operação e Manutenção, pela sua durabilidade, em permanentes e plenas condições de funcionamento e operacionalidade, ao longo de todo o período da Concessão.
2 - A Concessionária responde perante o Concedente e perante terceiros, nos termos gerais da lei e do Contrato de Concessão, por quaisquer danos emergentes ou lucros cessantes resultantes de deficiências ou omissões na conceção, no projeto, na execução das obras de construção e na conservação da Autoestrada, devendo esta responsabilidade ser coberta por seguro nos termos da base LXIX.
3 - A Concessionária não responde nos termos dos números anteriores sempre que, tendo sido determinada, nos termos da base XXXIV-A, a necessidade de proceder a uma Grande Reparação de Pavimento cujos encargos sejam da responsabilidade do Concedente, a mesma não se realize até à data prevista para a sua conclusão por facto imputável a este.
[...]
Base XLV - Manutenção da Autoestrada
1 - Constitui estrita obrigação da Concessionária a manutenção em funcionamento ininterrupto e permanente dos Lanços, após a sua abertura ao tráfego, em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização e segurança, em tudo devendo diligenciar para que os mesmos satisfaçam plenamente os fins a que se destinam.
2 - A Concessionária é responsável pela manutenção, em bom estado de conservação e funcionamento, do equipamento de monitorização ambiental, dos dispositivos de conservação da natureza e dos sistemas de proteção contra o ruído, de acordo com o estabelecido no Plano de Controlo de Qualidade e no Manual de Operação e Manutenção.
3 - Constitui ainda responsabilidade da Concessionária a conservação e manutenção dos sistemas de contagem e de classificação de tráfego identificados em anexo ao Contrato de Concessão, incluindo o respetivo centro de controlo e ainda os sistemas de iluminação, de sinalização e de segurança nos troços das vias nacionais ou urbanas que contactam com os nós de ligação até aos limites estabelecidos na base V.
4 - Sem prejuízo do disposto base XXXIV-A, a Concessionária deve respeitar os padrões de qualidade, designadamente para a regularidade e aderência do pavimento, para a conservação da sinalização e do equipamento de segurança e para apoio aos utentes, fixados no Manual de Operação e Manutenção e no Plano de Controlo de Qualidade.
5 - O estado de conservação e as condições de exploração da Autoestrada e demais bens que integram ou estejam afetos à Concessão são verificados pelo Concedente, competindo à Concessionária proceder, nos prazos que razoavelmente lhe sejam fixados, às reparações e às beneficiações necessárias à manutenção dos padrões de qualidade previstos no Contrato de Concessão e no Plano de Controlo de Qualidade, salvo na medida do diversamente estipulado na base XXXIV-A e sem prejuízo do aí exposto.
6 - O Plano de Controlo de Qualidade estabelece os critérios a verificar, a respetiva periodicidade de verificação, os padrões mínimos a respeitar e o tipo de operação de reposição, designadamente nos seguintes componentes: a) Pavimentos (flexível, rígido e semirrígido); b) Obras de arte correntes; c) Obras de arte especiais; d) Túneis; e) Drenagem; f) Equipamentos de segurança; g) Sinalização; h) Integração paisagística e ambiental; i) Iluminação; j) Telecomunicações; l) Sistemas de controlo e gestão de tráfego (telemática).
7 - O Plano de Controlo de Qualidade pode ser alterado por acordo escrito entre a Concessionária e o Concedente, caso em que o Plano de Controlo de Qualidade, tal como assim alterado, passa a integrar, para todos os efeitos, o respetivo anexo ao Contrato de Concessão.
8 - Caso a necessidade de alterar o Plano de Controlo de Qualidade decorra de alteração das disposições normativas e ou da legislação em vigor aplicáveis, o acordo previsto no número anterior deve ser obtido, na sequência de proposta da Concessionária, no prazo de 90 dias após a entrada em vigor das alterações, sem prejuízo de prazo diferente previsto na lei e sem prejuízo do eventual direito da Concessionária à reposição do equilíbrio financeiro nos termos da base LXXXIV.
[...]
Base LIII - Disciplina de tráfego
1 - A circulação pela Autoestrada obedece ao determinado no Código da Estrada e demais disposições legais ou regulamentares aplicáveis.
2 - A Concessionária deve estudar e implementar os mecanismos necessários para garantir a monitorização do tráfego, a identificação de condições climatéricas adversas à circulação, a deteção de acidentes e a consequente e sistemática informação de alerta ao utente, no âmbito da Concessão, em articulação com as ações a levar a cabo na restante rede nacional.
3 - A Concessionária fica ainda obrigada, sem direito a qualquer indemnização ou à reposição do equilíbrio financeiro, a respeitar e a transmitir aos utentes todas as medidas adotadas pelas autoridades com poderes de disciplina de tráfego, em ocasiões de tráfego excecionalmente intenso, com o fim de obter o melhor aproveitamento do conjunto da rede viária nacional.
Base LIV - Assistência aos utentes
1 - A Concessionária é obrigada a assegurar assistência aos utentes da Autoestrada, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua fiscalização e à prevenção de acidentes, nos termos e condições previstos no Contrato de Concessão.
2 - A assistência a prestar aos utentes nos termos do número anterior consiste também no auxílio sanitário e mecânico, devendo a Concessionária instalar para o efeito uma rede de telecomunicações ao longo de todo o traçado da Autoestrada, organizar um serviço destinado a chamar do exterior os meios de socorro sanitário em caso de acidente e promover a prestação de assistência mecânica, nos termos definidos no Contrato de Concessão, no Plano de Controlo de Qualidade e no Manual de Operação e Manutenção.
3 - O serviço referido no anterior número funciona nos centros de assistência e de manutenção que a Concessionária deve criar, e que compreendem também as instalações necessárias aos serviços de conservação, exploração e policiamento da Autoestrada.
4 - Pela prestação do serviço de assistência e de auxílio sanitário e mecânico, a Concessionária pode cobrar aos respetivos utentes taxas cujo montante deve constar do Manual de Operação e Manutenção.
[...]
Base LXXIII - Pela culpa e pelo risco
A Concessionária responde, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das atividades que constituem o objeto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito...” [cf. Alteração às Bases da Concessão Norte Litoral aprovada pelo Decreto-Lei n.º 214-B/2015, de 30 de Setembro, publicado na I Série do Diário da República, n.º 191, de 30 de Setembro de 2015 (1º Suplemento)].
4. No dia 09 de Novembro de 2019, cerca das 09h25m, num dia chuvoso, o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-TS-.. - propriedade da empresa “[SCom03...], LDA.” - circulava na A...7, ao km 21,100, no sentido Oeste/Este [cf. depoimento prestado pelas testemunhas «AA» e «BB»; cf. documento (doc.) n.º 5 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. Ofício do IPMA junto aos autos em 25-02-2021 e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
5. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 4), o veículo de matrícula ..-TS-.. era conduzido por «AA» que, quando se encontrava a realizar, de forma atenta, uma manobra de ultrapassagem - em relação a um camião que circulava à sua frente, na mesma hemi-faixa da direita, tendo para tal efeito, accionado o sinal luminoso indicador de mudança de direcção à esquerda, transposto a linha descontínua delimitadora das vias de circulação, e entrado na hemi-faixa da esquerda -, circulando pela hemi-faixa da esquerda delineando uma curva, dentro do limite de velocidade previsto para o local, foi surpreendido, atento o seu sentido de marcha, pela existência de uma camada de água proveniente da chuva (“lençol de água”) que “tapava” a faixa de rodagem esquerda (atento o seu sentido de marcha), não tendo conseguido desviar-se da mesma, atenta a manobra de ultrapassagem que tinha iniciado [cf. depoimento prestado pelas testemunhas «AA» e «BB»; cf. documento (doc.) n.º 5 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
6. Ao passar sobre a camada de água (“lençol de água”) referida em 5), os pneus do rodado do veículo de matrícula ..-TS-.. deixaram de ter contacto directo com o asfalto, passando o mesmo a circular com os quatro rodados sobre a água existente na via, entrando em hidroplanagem, despiste e subsequente embate do mesmo no separador central [cf. depoimento prestado pelas testemunhas «AA» e «BB»; cf. documento (doc.) n.º 5 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
7. Após ter imobilizado o veículo de matrícula ..-TS-.. na berma da direita, o condutor participou o ocorrido em 5) e em 6) à Guarda Nacional Republicana (GNR) que compareceu no local do sinistro, tomou as suas declarações e elaborou a respectiva participação de acidente de viação [cf. depoimento prestado pelas testemunhas «AA» e «BB»; cf. documento (doc.) n.º 5 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
8. Da Participação de Acidente de Viação referida em 7) consta o seguinte, a saber: “...
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

..." [cf. documento (doc.) n.° 5 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pela testemunha «BB»].
9. No dia 09 de Novembro de 2019, cerca das 09h40m, a Ré recebeu, no seu Centro de Controlo de Tráfego, uma chamada por parte da Brigada de Trânsito a comunicar um sinistro na A...7, ao Km 21,100, tendo após tal comunicação accionado os respectivos painéis de mensagem variável com aviso de perigo [cf. depoimento prestado pela testemunha «CC»; cf. documentos (docs.) n.° 1 junto com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
10. Na sequência de ter sido alertado pelo Operador do Centro de Controlo de Tráfego da Ré, um funcionário da Ré («DD») que se encontrava em período de descanso e que tinha residência mais próxima do local do sinistro deslocou-se até ao Km 21,100 da A...7 e procedeu à limpeza da caixa sumidoura lateral localizada na berma da faixa de rodagem, tendo retirado uns plásticos que se encontravam a obstruir o normal escoamento das águas pluviais [cf. depoimento prestado pelas testemunhas «CC» e «DD»].
11. Na data do sinistro descrito em 4) a 6), o local onde o mesmo ocorreu configurava uma curva, com piso asfaltado coberto por uma camada de água da chuva ( “lençol de água”) que “tapava” a faixa de rodagem esquerda (atento sentido de marcha da viatura de matrícula ..-TS-..), sendo o limite máximo de velocidade de 120 km/hora - lençol, esse, visível ainda na seguinte fotografia: “...
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
..." [cf. documentos (docs.) n.° 4 e n.° 5 juntos com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pelas testemunhas «AA» e «DD»].
12. Aquando das circunstâncias de tempo e lugar referidas em 4) a 6), não existia qualquer sinalização que alertasse o condutor do veículo automóvel de matrícula ..-TS-.. para a existência de qualquer lençol de água na faixa de rodagem [cf. depoimento prestado pela «CC»; cf. documentos (docs.) n.º 1 a n.º 3 juntos com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
13. Em consequência directa e necessária do despiste provocado pela passagem do veículo automóvel de matrícula ..-TS-.. pela camada de água da chuva (“lençol de água”) descrito em 5) e em 6), tal viatura sofreu estragos (designadamente, no pára-choques dianteiro, no guarda-lamas dianteiro, nos faróis, et cetera) [cf. depoimento prestado pelas testemunhas «AA» e «EE»; cf. documentos (doc.) n.º 6 a n.º 7 juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
14. Em consequência directa e necessária do sinistro em que foi interveniente o veículo de matrícula ..-TS-.. - descrito em 4) a 5), e em 13) -, a Autora despendeu na regularização do mesmo, o montante total de € 5.992,20 (cinco mil e novecentos e noventa e dois euros e vinte cêntimos), respeitante à reparação da viatura de matrícula ..-TS-.. e a despesas associadas à mesma [cf. documentos (docs.) n.º 7 a n.º 9 juntos com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pelas testemunhas «AA» e «EE»].
15. A Ré dispõe, na A...7, de postos SOS, de dois em dois quilómetros, de número de telefone azul em funcionamento 24 horas por dia (publicitado ao longo da auto-estrada), e de painéis de mensagem variável distribuídos em toda a extensão da A...7, bem como de um circuito fechado de TV controlado pelos seus Operadores no Centro de Controlo [cf. depoimento prestado pelas testemunhas «CC» e «FF»].
16. A Ré dispõe de equipas especialmente vocacionadas para a limpeza da via, respectivas bermas e órgãos de drenagem; sendo que os trabalhos de limpeza e conservação do ramal de acesso à A...7 são realizados durante todo o ano, abrangendo toda a área concessionada, havendo particular atenção à limpeza de caixas e sarjetas para evitar entupimentos sempre que se verificam condições atmosféricas adversas [cf. depoimento prestado pela testemunha «FF»; cf. documentos (docs.) n.º 2 e seguintes juntos com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
17. A última limpeza ao “órgão de drenagem” (caixa de drenagem) que se encontrava entupida, na data e local do sinistro descrito em 4) a 6), efectuou-se antes do aludido sinistro, em data não concretamente apurada [cf. depoimento prestado pela testemunha «FF»; cf. documentos (docs.) n.º 2 e seguintes juntos com a contestação e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
18. Os funcionários da Ré realizam patrulhamentos diários, a uma velocidade entre os 70km/h a 80km/h, percorrendo toda a A...7; não tendo sido possível apurar o momento em que ocorreram os últimos patrulhamentos realizados pela Ré antes da eclosão do sinistro descrito em 4) a 6) [cf. depoimento prestado pela testemunha «FF»; cf. nenhuma prova foi realizada quanto ao momento em que os últimos patrulhamentos passaram no KM 21,100, da A...7, sentido Oeste/Este, antes da eclosão do sinistro referido em 4) a 5); cf. documentos (docs.) n.º 1 e seguintes, a contrario, juntos com a contestação].

O Tribunal consignou:
III.II. Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga não provada a seguinte factualidade [essencial e instrumental e por ordem lógica e cronológica]:
(i) Na data referida em 4) [No dia 09 de Novembro de 2019], a Ré tudo fez para evitar a formação do lençol de água existente na hemi-faixa da esquerda, da A...7, ao km 21,100, antes da eclosão do sinistro descrito em 4) a 6) [cf. nenhuma prova minimamente consistente e congruente foi produzida quanto a tal factualidade].
(ii) No dia 09 de Novembro de 2019, pelas 09h25, na A...7, ao km 21,100, chovia intensamente, de forma anormal, para a altura do ano [cf. nenhuma prova minimamente consistente e congruente foi produzida quanto a tal factualidade; cf. Ofício do IPMA junto aos autos em 25-02-2021 e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; sendo que da leitura do mesmo, resulta que não ocorreu uma precipitação anormal, mantendo-se nos níveis de normalidade].

E continuou:
Inexistem outros factos provados ou não provados para além dos supra elencados com relevo para a apreciação da causa; sendo que a restante matéria não foi considerada por não ser relevante, por respeitar a conceitos de direito, por consistir em alegações de facto ou de direito, ou por encerrar opiniões ou juízos conclusivos.
X
DE DIREITO
Está posta em causa a sentença que julgou procedente a acção.
Atente-se no seu discurso fundamentador:
Como atrás já se referiu, a questão decidenda a apreciar, nestes autos, consiste, desde logo, em saber se estão verificados ou não, os pressupostos para a efectivação da responsabilidade civil extracontratual da Ré.
Vejamos.
Como é sabido, a Constituição da República Portuguesa (CRP) estipula, no seu art. 22.º, um princípio geral de responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas, consignando que “...são civilmente responsáveis (...) por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem...”.
E, em termos de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas é aplicável, in casu, a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, dispondo os n.os 1 e 2, do seu art. 1.º (Âmbito de aplicação), que “...1 - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial. 2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da função administrativa as acções ou omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo...”.
Assim, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, o referido diploma versa sobre (i) a que decorre do exercício da função administrativa (responsabilidade por facto ilício [cf. arts. 7.º a 10.º] e responsabilidade pelo risco [cf. art. 11.º]), (ii) a que decorre do exercício da função jurisdicional [cf. arts. 12.º a 14.º], (iii) a que decorre do exercício da função político-legislativa [cf. art. 15.º], e (iv) a indemnização pelo sacrifício [cf. art. 16.º].
§ Desde logo, preceitua o n.º 1, do art. 7.º do referido diploma legal que “...o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício...”. E, segundo o n.º 1, do art. 8.º do mesmo diploma legal, “...os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, por eles cometidas, com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles que estavam obrigados em razão do cargo...”, dispondo o n.º 2 do normativo em apreço que “...o Estado e demais pessoas colectivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respectivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as acções ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício...”.
Por seu turno, nos termos do art. 9.º do diploma em apreço, “...consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos...”. Acresce que, o art. 10.º da mencionada lei preceitua, no seu n.º 1, que “...a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor...”, sendo que, de acordo com o seu n.º 2, “...sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos...”, prevendo o n.º 3 do mesmo preceito legal que “...para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sem que tenha havido incumprimento dos deveres de vigilância...”.
Por conseguinte, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos e culposos, pressupõe a existência de um facto ilícito, imputável a um órgão ou agente e a existência de danos que tenham resultado como consequência directa e necessária daquele. Ou seja, há, então, que indagar se, no caso em análise, ocorre a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
• Quanto ao facto ilícito, cumpre esclarecer que há lugar apenas à responsabilidade civil por danos resultantes de factos humanos domináveis pela vontade, podendo tais actos consistir em acções ou omissões. Faz-se notar que - como bem lembram MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS [Direito Administrativo Geral, Tomo III (Actividade administrativa), 2.ª edição, Publicações Dom Quixote, Alfragide, 2009, p. 486] - consubstanciam acções, entre o mais, as simples actuações administrativas e os actos reais, incluindo todas as omissões juridicamente relevantes. E, na senda do douto entendimento do VENERANDO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE (TCAN), o facto ilícito engloba “...o facto do órgão ou agente constituído por um comportamento voluntário, que tanto pode revestir a forma de acção como de omissão, advindo a ilicitude da ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais emitidas com vista à protecção de interesses alheios...” [cf. o douto Acórdão do VENERANDO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE, de 19 de Junho de 2008, proferido no âmbito do Processo n.º 0113/06.5BEPNF – disponível para consulta online em www.dgsi.pt]. Ou seja, a ilicitude é sinónimo de anti-juridicidade que se pode expressar num juízo negativo ou de desvalor formulado pela ordem jurídica e incidente sobre o facto ou sobre o seu resultado. Sendo assim, será tida por ilícita toda e qualquer conduta que viole o bloco de legalidade (isto é, que viole princípios ou normas constitucionais, legais, regulamentares, internacionais, comunitários), infrinja regras de ordem técnica e de prudência comum, ou deveres objectivos de cuidado ou que viole os parâmetros pelos quais se deve reger o normal funcionamento dos serviços [cf. MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, op. cit., pp. 486-487].
• No tocante à culpa, sempre se diga que, segundo a melhor doutrina e jurisprudência, a culpa traduzir-se-á, fundamentalmente, num juízo de censura sobre o comportamento (acção ou omissão) do titular de órgão ou de agente, por tal conduta não corresponder à que é exigível e esperada de um funcionário típico, normal, zeloso e cumpridor, nas circunstâncias do caso concreto. Trata-se, essencialmente, de apreciar a culpa num plano funcional, no plano de exercício de funções - ou seja, no plano de um comportamento que se traduza numa normal, diligente e zelosa aplicação de regras (ou, numa anormal e negligente aplicação dessas mesmas normas). Ante o exposto, a ilicitude e a culpa são conceitos preenchidos pela omissão ou deficiente cumprimento de deveres funcionais, já que os funcionários e agentes administrativos encontram-se sujeitos a normas que os obrigam a possuir os conhecimentos jurídicos, técnicos ou outros, necessários ao exercício da sua profissão. Mais, a fronteira entre o ilícito e a culpa é de tal forma ténue, que a nossa jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que uma vez provada a omissão do dever funcional, sem que o Estado e demais entes públicos tenham provado qualquer facto justificativo dessa omissão (ou que esta não se verificou), provada se deve ter a culpa da entidade lesante. Constata-se, assim, que, nas acções de responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por factos ilícitos, funciona a presunção de culpa in vigilando estabelecida no n.º 1, do art. 493.º do Código Civil (CC) [vide, inter alia, o douto Acórdão do COLENDO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, de 25 de Março de 1999, proferido no âmbito do Processo n.º 041297].
• No que respeita ao dano, é sabido que o dano ou prejuízo pode ser definido como a diminuição ou extinção de uma vantagem que é objecto de tutela jurídica. Trata--se, assim, de um conceito polissémico que envolve toda uma pluralidade de situações, a saber: (i) danos emergentes ou imediatos que respeitam à privação de vantagens que já existiam na esfera jurídica do lesado no momento da lesão; (ii) lucros cessantes que se reportam aos benefícios que o lesado deixou de auferir por causa da lesão (mas devendo ser certos e não apenas meramente possíveis) [cf. art. 564.º, n.º 1, do CC]; (iii) danos presentes são aqueles que já ocorreram no momento da fixação da indemnização; (iv) danos futuros são aqueles que ainda não ocorreram no momento da fixação da indemnização [cf. art. 564.º, n.º 2, do CC]; (v) danos patrimoniais denominam-se todos os danos susceptíveis de avaliação pecuniária; e, (vi) danos morais ou não patrimoniais designam-se todos os outros danos que são insusceptíveis de uma tal avaliação [cf. MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, op. cit., pp. 495-496].
• Finalmente, quanto ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, explicita-se que a existência de um tal nexo de causalidade implica que o comportamento do funcionário ou agente deva ser causa adequada do dano, isto é, dos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão [cf. art. 563.º do CC]. Como tal, o facto será causa adequada do dano, sempre que este constitua sua consequência normal ou típica (ou, noutra formulação da teoria da causalidade adequada: o comportamento só deixa de ser causa adequada do dano se, dada a sua natureza geral, for indiferente para a verificação do dano, tendo-o causado por virtude de circunstâncias excepcionais que ocorreram no caso concreto) [vide, inter alia, o douto Acórdão do COLENDO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO (STA), de 18 de Maio de 1993, Rec. N.º 31.867, in ACD, n.º 390, p. 629]. Ante o exposto, dever-se-ão considerar abrangidos, no âmbito da causa adequada, os comportamentos que não produzindo, eles mesmos, o dano, desencadeiam outro(s) que leva(m) à sua existência.
Por conseguinte, subsiste o nexo de causalidade adequada quando o facto ilícito não produz ele mesmo o dano, mas é causa adequada de outro facto que o produz, na medida em que este facto posterior tiver sido especialmente favorecido por aquele primeiro facto ou seja provável, segundo o curso normal dos acontecimentos. Ficam, assim, excluídos os danos que só se produziram em virtude de circunstâncias extraordinárias, bem como os provenientes de conduta que, tendo em conta a sua natureza geral e o seu curso normal, não seria apta a produzi-los.
Acresce que, decorre do Decreto-Lei n.º 234/2001, de 28 de Agosto [alterado pelo Decreto-Lei n.º 214-B/2015, de 30 de Setembro] - que aprovou as Bases da Concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação dos lanços de auto-estradas e conjuntos associados na zona norte litoral de Portugal, onde se inclui a A...7 -, mormente, no n.º 1, da Base XLV daquele diploma legal, estabelece-se que “...constitui estrita obrigação da Concessionária a manutenção em funcionamento ininterrupto e permanente dos Lanços, após a sua abertura ao tráfego, em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização e segurança, em tudo devendo diligenciar para que os mesmos satisfaçam plenamente os fins a que se destinam”. Por sua vez, preceitua-se na Base LXXIII que “a Concessionária responde, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito...”. Encontra-se, assim, a Ré obrigada a especiais deveres de diligência, vigilância e fiscalização; encontrando-se obrigada a realizar os trabalhos necessários para assegurar o bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização das vias concessionadas, por forma a satisfazerem o fim a que se destinam.
Estando tais obrigações consubstanciadas no dever de assegurar um controlo permanente e regular das vias concessionadas, assegurando que a circulação rodoviária se efectua de forma segura e regular [cf. Bases da Concessão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 234/2001, de 28 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 214-B/2015, de 30 de Setembro].
E, compulsada a factualidade supra julgada provada em 1) a 18), constata-se que, no caso em apreço, ocorre, efectivamente, a verificação cumulativa dos pressupostos determinantes da responsabilidade civil extracontratual da Ré por actos ilícitos e culposos.
Com efeito, ficou provado, nos autos que, em consequência directa e necessária da insuficiente e negligente vigilância, fiscalização e manutenção da A...7, ao km 21,100, por parte da Ré [de notar que, aquando das circunstâncias de tempo e lugar do sinistro em causa nos autos, (i) não existia qualquer sinalização que alertasse o condutor do veículo automóvel de matrícula ..-TS-.. (segurado pela Autora) para a existência de qualquer camada de água (“lençol de água”), no local; (ii) não se tendo lograr apurar o momento em que ocorreu o último patrulhamento efectuado pela Ré, na A...7, sentido Oeste/Este (ao km 21,100), antes da ocorrência da eclosão do sinistro em questão nos autos; (iii) não se tendo lograr apurar a data da última limpeza ao “órgão de drenagem” (caixa de drenagem) que se encontrava entupida - cf. factualidade julgada provada em 9) a 10) e em 17) a 18)], ocorreu um despiste do veículo automóvel de matrícula ..-TS-.. decorrente da existência de uma camada de água da chuva (“lençol de água”) que se encontrava na hemi-faixa da esquerda da A...7, por onde o veículo circulava, tendo tal viatura sofrido estragos (designadamente, no pára-choques dianteiro, no guarda-lamas dianteiro, nos faróis, et cetera). Pelo que, em virtude do contrato de seguro celebrado entre a Autora e o proprietário de tal viatura [cf. factualidade julgada provada em 1)] e em consequência necessária e directa do sinistro descrito nos autos, a Autora despendeu na regularização de tal sinistro, o montante total de € 5.992,20 (cinco mil e novecentos e noventa e dois euros e vinte cêntimos), respeitante à reparação da viatura de matrícula ..-TS-.. e a despesas associadas à mesma. Pelo que, no dia do sinistro, a Ré não cumpriu com o dever especial de fiscalização que sobre si impendia quanto à segurança na circulação da A...7 - caracterizando-se a conduta da Ré como ilícita e culposa (negligente). Também não ficou provado que, no dia do sinistro, a Ré tudo fez para evitar a formação do “lençol de água” existente na hemi-faixa da esquerda, da A...7, ao km 21,100, antes da eclosão do sinistro, nem que nesse dia chovia intensamente de forma anormal para a época do ano [cf. factualidade julgada não provada em (i) e em (ii)].
Em suma, compulsada a factualidade julgada provada supra em 4) a 12) e em 17), constata-se que a Autora logrou provar que a existência da camada de água (“lençol de água”), na A...7, ao km 21,100 deveu-se a uma deficiente fiscalização e manutenção por parte da Ré relativamente a tal via e suas caixas de drenagem (já que a caixa de drenagem nesse local se encontrava obstruída/entupida por uns plásticos) - fiscalização, essa, que se revelou insuficiente e deficiente, não tendo a Ré logrado prevenir a existência de tal “lençol de água” na via, nem logrou proceder ao seu escoamento antes da ocorrência do sinistro. Ou seja, não tendo a Ré ilidido a presunção de culpa que sobre si recaía nos termos do art. 493.º, n.º 1, do CC - porquanto não demonstrou que o sinistro em questão nos autos se ficou a dever ao comportamento do condutor do veículo nem de terceiros, e nem a caso fortuito ou de força maior - o requisito inerente à culpa encontra-se verificado nos autos, pelo que a verificação cumulativa dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, implica que a Ré incorra na obrigação de indemnizar a Autora.
*
Todavia, ainda que assim se não entendesse, a Ré sempre incorreria na obrigação de indemnizar, em virtude de, no caso em apreço, ter aplicação o disposto na Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, que define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares.
De facto, nos termos do n.º 1, do art. 12.º, do referido diploma legal, preceitua-se que, “...nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: [...] c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais...”. Assim, subjacente ao ónus da prova do cumprimento consubstanciada neste normativo legal transcrito, encontra-se o facto de apenas a concessionária ter os conhecimentos e os meios técnicos e humanos aptos à prossecução dos deveres e obrigações que lhe são impostas, sendo a única que pode, de facto, controlar e atenuar as fontes de perigo; cabendo à concessionária o ónus de provar que cumpriu todos os deveres e procedimentos fulcrais para garantir a circulação normal e segura na referida via.
Ante o exposto, conclui-se, inequivocamente, que o sinistro em causa nos autos é exclusivamente imputável ao incumprimento, por parte da Ré, dos deveres a que se encontrava adstrita. Com efeito, caso a Ré tivesse vigiado, fiscalizado e cuidado do adequado desentupimento da caixa de drenagem existente ao km 21,100, da A...7, no dia do sinistro, o mesmo não se teria verificado.
Com efeito, no caso em apreço, quando circulava na A...7 - concessionada à Ré - , no sentido Oeste/Este, o condutor do veículo automóvel de matrícula ..-TS-.., no momento em que se encontrava a realizar uma manobra de ultrapassagem - em relação a um camião que circulava à sua frente, na mesma hemi-faixa da direita (tendo para tal efeito, accionado o sinal luminoso indicador de mudança de direcção à esquerda, transposto a linha descontínua delimitadora das vias de circulação, e entrado na hemi-faixa da esquerda) -, circulando pela hemi-faixa da esquerda que configurava uma curva, dentro do limite máximo de velocidade previsto para o local, foi surpreendido pela existência de uma camada de água da chuva (“lençol de água”) - que tapava toda a hemi-faixa por onde circulava -, passando o veículo em questão a circular com os quatro rodados sobre a água existente na via, entrando em hidroplanagem, despiste e subsequente embate do mesmo no separador central [cf. factualidade julgada provada em 4) a 6)]. Faz-se notar que para se eximir da responsabilidade que lhe é assacada, a Ré pretende que se considere ter cumprido com todas as obrigações que lhe são contratual e legalmente impostas - as quais passariam, na sua óptica, pela comprovação que os patrulhamentos e vistorias são efectuados pelos funcionários da Ré, nos termos estipulados no Contrato de Concessão, e pelo alegado bom estado do sistema de drenagem da A...7. Todavia, certo é que não é irrelevante a actuação dos condutores dos veículos que optam por circular em vias submetidas a especiais condições de segurança, como as auto-estradas. Estas, diferentemente do que ocorre com as outras estradas, são vocacionadas para uma utilização massiva e de mais elevada velocidade, apresentando-se a segurança como determinante para que um grande número de utentes opte pela sua utilização. Por isso, tais vias são concebidas, construídas, mantidas e exploradas segundo elevados níveis de exigência. Ora, da factualidade supra julgada provada em 9) a 10), e em 15) a 18) resultou o seguinte: (i) no dia do sinistro (09 de Novembro de 2019), cerca das 09h40m, a Ré recebeu, no seu Centro de Controlo de Tráfego, uma chamada por parte da Brigada de Trânsito a comunicar um sinistro na A...7, ao Km 21,100, tendo após tal comunicação accionado os respectivos painéis de mensagem variável com aviso de perigo; (ii) na sequência de ter sido alertado pelo Operador do Centro de Controlo de Tráfego da Ré, um funcionário da Ré («DD») que se encontrava em período de descanso e que tinha residência mais próxima do local do sinistro deslocou-se até ao Km 21,100 da A...7 e procedeu à limpeza da caixa sumidoura lateral localizada na berma da faixa de rodagem, tendo retirado uns plásticos que se encontravam a bloquear o escoamento cabal das águas pluviais; (iii) a Ré dispõe, na A...7, de postos SOS, de dois em dois quilómetros, de número de telefone azul em funcionamento 24 horas por dia (publicitado ao longo da auto-estrada), e de painéis de mensagem variável distribuídos em toda a extensão da A...7, bem como de um circuito fechado de TV controlado pelos seus Operadores no Centro de Controlo; (iv) a Ré dispõe de equipas especialmente vocacionadas para a limpeza da via, respectivas bermas e órgãos de drenagem; sendo que os trabalhos de limpeza e conservação do ramal de acesso à A...7 são realizados durante todo o ano, abrangendo toda a área concessionada, havendo particular atenção à limpeza de caixas e sarjetas; (v) a última limpeza ao “órgão de drenagem” (caixa de drenagem) que se encontrava entupida, na data e local do sinistro, efectuou-se antes do aludido mesmo em data não concretamente apurada; e, (vi) os funcionários da Ré realizam patrulhamentos diários, a uma velocidade entre os 70km/h a 80km/h, percorrendo toda a A...7; não tendo sido possível apurar o momento em que ocorreram os últimos patrulhamentos realizados pela Ré antes da eclosão do sinistro descrito.
Por conseguinte, parece legítimo afirmar a existência de diligências de carácter genérico, na medida em que, embora a Ré tenha demonstrado, genericamente, que observa e adopta determinados comportamentos de vigilância e manutenção da via, certo que é que, ao Km 21,100, da A...7, sentido Oeste/Este, na data do sinistro, existia uma caixa sumidoura lateral localizada na berma da faixa de rodagem obstruída por uns plásticos que se encontravam a bloquear o escoamento normal das águas pluviais. Verifica-se, assim, um incumprimento concreto por parte da concessionária, porquanto, nos termos do contrato que celebrou com o Estado, ela se comprometeu, além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas. Em suma, certo é que a Ré não demonstrou, como devia, o cumprimento das obrigações de segurança da A...7 (ao km 21,100, no sentido Oeste/Este), imposto pelo n.º 1, do art. 12.º da Lei 24/2007, de 18 de Julho, daí se concluindo sempre pela sua culpa, ao menos a título de negligência, geradora de responsabilidade civil.
*
Mais, sempre se diga, que, ao contrário do defendido pela Ré, é jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores - cristalizada, inter alia, no recente douto Acórdão do VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, de 05 de Junho de 2018 (proferido no âmbito do Processo n.º 339/16.3T8SXL.L1-7) [disponível para consulta online em www.dgsi.pt] -, o entendimento, que com a devida vénia se transcreve, a saber:
“...a Lei n.° 24/2007 veio reforçar a proteção a conceder aos utentes de auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, determinando que, na ausência da prova da culpa do condutor na produção de acidente, recaísse sobre a concessionária o ónus de demonstrar o cumprimento das inerentes obrigações de segurança, sob pena de, não o fazendo, assumir a responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos assim provocados em pessoas e bens.
A necessidade de, por esta forma, se atribuir às empresas concessionárias o ónus da prova prende-se, principalmente, com a circunstância de ser para elas mais fácil demonstrar o cumprimento de um dever próprio do que ao lesado provar uma conduta omissiva daquela. São aquelas entidades que, por terem a seu cargo a atividade de operação e manutenção das vias respetivas e disporem dos meios técnicos e logísticos necessários, pessoais e materiais, melhor conseguirão identificar os perigos ou o apuramento das circunstâncias que rodeiam acidentes devidos a obstáculos existentes nas mesmas vias, tarefa especialmente dificultada aos utentes ou a terceiros.
A norma do n° 1 do referido art. 12 constitui, por isso, um comando de natureza excecional, à semelhança do art. 493, n° 1, do C.C., criado por razões de equidade na distribuição do ónus da prova e apenas para as situações ali previstas, obstando aos efeitos negativos que resultavam da qualificação das mesmas no âmbito da responsabilidade aquiliana. A questão está em saber como deve tal entidade ilidir a presunção de incumprimento que sobre si recai, de acordo com o referido art. 12, n° 1, da Lei n° 24/2007.
Concordamos que nessa avaliação não podem ignorar-se as inevitáveis limitações da entidade concessionária na execução da sua tarefa, compreendendo-se que esta não poderá assegurar em absoluto as condições de segurança e reduzir simplesmente a zero o risco de acidente rodoviário nas condições referidas no n° 1 do art. 12. Mas tal não deve traduzir-se na condescendência com uma atuação que não seja claramente diligente e esforçada no sentido de garantir a segurança da circulação em vias onde se espera uma manutenção e vigilância adequadas.
Tanto mais que, tratando-se de auto-estradas, a velocidade de referência será a de 120 km/h a 140 km/h (cfr. Base XXII, n° 9, anexa ao DL n° 294/97).
Dito de outro modo, não podemos prescindir, nessa apreciação, de critérios de elevada exigência no cumprimento das obrigações da entidade responsável.
Como se disse no Ac. do STJ de 14.3.2013(): “(...) Não se ignoram as dificuldades inerentes à boa execução de uma tal tarefa por parte da concessionária. Com as considerações anteriores também não se pretende elevar a exigência a um tal patamar que torne inexequível o cumprimento das suas obrigações ou que implique a perda da rentabilidade da exploração. No entanto, a mera constatação da impossibilidade de se garantir a infalibilidade de um sistema apto a evitar a entrada, detectar a existência ou determinar a retirada de animais ou de outros objectos da faixa de rodagem que, pelas suas dimensões, possam constituir efectiva fonte de perigo, não pode redundar no abrandamento do grau de diligência a um ponto em que a liberação da responsabilidade da concessionária acabe por penalizar os condutores ou terceiros que, sem qualquer responsabilidade e fiados na existência de condições de segurança, sofram danos. Atenta a natureza da via concessionada, o elevado grau de sofisticação da actividade e a experiência acumulada pela concessionária, a apreciação do cumprimento do dever de diligência, segundo o padrão do “bom pai de família”, a que alude o art. 487°, n° 2, do CC, deve guindar-nos a um plano de elevada exigência, tendo em conta, além do mais, que a mesma exerce uma actividade lucrativa, devendo, por isso, mobilizar meios humanos, materiais e financeiros ajustados a evitar incidentes semelhantes. Por isso, apenas poderia considerar-se elidida a presunção de incumprimento em face de um conjunto de factos que revelassem uma acrescida preocupação pela vigilância daquele troço da auto-estrada. (...).”
Em suma, caberá à entidade responsável, em cumprimento do ónus de prova que sobre si impende nos termos do n° 1 do art. 12 da Lei n° 24/2007, demonstrar que encetou todos os procedimentos adequados e se rodeou de todas as cautelas necessárias ao seu alcance tendentes a evitar o concreto perigo a que ali se alude para os utentes da via.
Vasta jurisprudência vem, por isso, defendendo que para ilidir a referida presunção de incumprimento não basta a prova genérica de que houve passagens da equipa de assistência e/ou de que não foi detetada ou comunicada a presença do objeto, do animal ou do líquido na via.
Com efeito, dispõe o art. 350, n° 2, do C.C., que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, o que significa que para ilidir a presunção o onerado com a mesma terá de demonstrar que o facto presumido não ocorreu, não sendo suficiente colocar em dúvida a verificação desse facto.
[...]
Assim, mesmo não reivindicando aqui uma específica demonstração da culpa de terceiro na ocorrência, pensamos que a apelante/Ré não logrou fazer concreta prova, como lhe competia, da adequada utilização de meios de que dispunha por referência aos elevados padrões de exigência que lhe estão impostos. Bastar-nos com a demonstração de que a indicada via é patrulhada regularmente e que tal sucedeu nesse mesmo dia cerca de duas horas antes do sinistro, seria abrir “a porta” para que uma mera aparência de vigilância e controlo fosse suficiente para libertar a concessionária de responsabilidade.
[...] Não logrou, em suma, a apelante/Ré fazer prova do efetivo e adequado cumprimento das obrigações de segurança que sobre si impendiam e lhe são exigíveis, pelo que não cumpriu o ónus a que alude o art. 12, n° 1, da mencionada Lei n° 24/2007, como se entendeu em 1ª instância. Assim sendo, é a mesma responsável pelos prejuízos decorrentes do sinistro perante a A., sub-rogada no direito da lesada, conforme decidido...”.
Douto aresto, este, que contém, em si, a solução já dada ao caso em apreço, considerando a factualidade julgada provada e não provada nos autos e a cuja argumentação se adere na íntegra.
*
Em suma, verificados os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil, a Ré incorre na obrigação de indemnizar. Sendo que, ao abrigo das Condições Gerais da Apólice do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil, a Autora tem direito de sub-rogação sobre a Ré, quanto à quantia de € 5.992,20 (cinco mil e novecentos e noventa e dois euros e vinte cêntimos), por si despendida.
E, a respeito da obrigação de indemnizar, preceitua o art. 562.º do Código Civil (CC) [na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 43/2017, de 14 de Junho] que “...quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação...”, resultando do disposto no n.º 1, do art. 564.º que o “... dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão ...”. Ademais, nos termos do n.º 1, do art. 566.º do CC, “...a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor...”. Verifica-se, assim, que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso [cf. arts. 562.º, 563.º e 566.º do CC]. Todavia, como advertia VAZ SERRA [in BMJ, n.º 84, p. 132], “...a reposição natural não supõe necessariamente que as coisas são repostas com exactidão na situação anterior: é suficiente que se dê a reposição de um estado que tenha para o credor valor igual e natureza igual aos do que existia antes do acontecimento que causou o dano. Com isto, fica satisfeito o seu interesse ...”.
Pelo que deverá a Ré proceder ao pagamento à Autora do montante de € 5.992,20 (cinco mil e novecentos e noventa e dois euros e vinte cêntimos) acrescido dos respectivos juros de mora contados desde a citação da Ré e até efectivo e integral pagamento. A respeito dos juros, efectivamente, os mesmos são devidos, no âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito (como é o caso dos autos), a partir da data da citação do devedor (momento, a partir do qual, o devedor se constitui em mora) - cf. art. 805.º, n.os 1 e 3, do Código Civil (CC).
Procede, assim, in totum, a pretensão da Autora.
X
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim, vejamos,
Do erro de julgamento de facto -
Conforme tem sido sistematicamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, o Tribunal de recurso só deve intervir quando a convicção desse julgador não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se, assim, a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto - acórdão do STA, de 19/10/2005, proc. 0394/05. Aí se refere, no que aqui releva, que “o art. 690º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655° do CPC que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância de o tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. (É pacífico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. Abrantes Geraldes “Temas da Reforma do processo Civil, II vol., 4ª edição, 2004, págs. 266 e 267
Este entendimento tem sido seguido pela generalidade da jurisprudência (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13/10/2001, em Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”.
Na verdade, decorre do regime legal vertido nos arts. 140º e 149º do CPTA que este Tribunal ad quem conhece de facto e de direito sendo que na apreciação do objeto de recurso jurisdicional que se prende com a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo se aplica ou deve reger-se, na ausência de regime legal especial, pelo regime que se mostra fixado em sede da legislação processual civil nesta sede. Ora com a revisão do CPC operada pelo DL 329-A/95, de 12/12, e pelo DL 180/96, de 25/09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto. Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal a quo não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto, sendo certo que da situação elencada (impugnação jurisdicional da decisão de facto - artº 690º-A do CPC) se distinguem os poderes previstos no n.º 2 do artº 149º do CPTA que consagram solução diversa e de maior amplitude da que se mostra consagrada nos artº 712º e 715º do CPC. Assim, pese embora tal regime e situações diversas temos, todavia, que referir que os poderes conferidos no artº 149º/2 do CPTA não afastam os poderes de modificação da decisão de facto por parte deste Tribunal ao abrigo do artº 712º do CPC por força da remissão operada pelos arts. 1º e 140º do CPTA porquanto o TCA mantém os poderes que assistem ao tribunal de apelação no âmbito da fixação da matéria de facto quando esta constitui objeto ou fundamento de recurso jurisdicional. Daí que sobre o Recorrente impenda um especial ónus de alegação quando pretenda efetuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artº 690º-A do CPC. É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal a quo desde que ocorram os pressupostos vertidos no artº 712º/1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
A este propósito e tal como sustentado pelo Prof. Mário Aroso e pelo Cons. Fernandes Cadilha “(…) é entendimento pacífico que o tribunal de apelação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica (…). Por analogia de situação, o tribunal de recurso pode igualmente sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância pelo que respeita a saber se tais ilações alteram ou não os factos provados e se são ou não consequência lógica dos factos apurados. (…) ” (em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pág. 743).
Retomando o que supra fomos referindo sobre a amplitude dos poderes de cognição do tribunal de recurso sobre a matéria de facto temos que os mesmos não implicam um novo julgamento de facto, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o Recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artº 690º-A n.ºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
Os poderes de modificabilidade da decisão de facto que o artigo 712º do CPC atribui ao tribunal superior envolvem apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento e não uma reapreciação sistemática e global de toda a matéria de facto.” “Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida “salte à vista” do Tribunal de recurso um erro grosseiro da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada”.
E como ressalta ainda do sumário do proc. nº 00242/05.2BEMDL, de 22/02/2013, acolhido por este TCAN em 22/05/2015 no âmbito do proc. 840/05.4BEVIS I.“Como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (art. 655º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio.
II. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal «a quo», aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “
ad quem”.
Refere Lebre de Freitas, em Introdução ao Processo Civil, 3.ª ed., pág. 196: “(...) o princípio da livre apreciação da prova significa que o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto com os vários meios de prova. Compreende-se como este princípio se situa na linha lógica dos anteriores: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que lhe forem aplicáveis.”
Sendo certo que, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do Código de Processo Civil, a decisão do Tribunal de Primeira Instância sobre a matéria de facto pode - e deve - ser alterada pela Relação “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão inversa”.
Conforme o Acórdão proferido neste TCAN em 28/10/2022 no Processo nº 00619/20.3BEPRT: “No entanto, uma vez realizado esse novo julgamento, para que seja possível ao tribunal ad quem alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, não basta que a prova indicada pela Apelante, conectada com a restante prova constante dos autos, a que o tribunal de recurso, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta esse julgamento diverso que vem propugnado pelo mesmo, mas antes que o imponha.
Com efeito, o n.° 1 do art. 662°, n.° 1 do CPC é expresso ao estatuir que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, não bastando, por isso, que a prova produzida consinta ou admita o julgamento de facto diverso que vem propugnado pelo recorrente, mas antes que o imponha.
Voltando ao caso concreto, a Recorrente pretende impugnar a matéria de facto dada como provada e não provada.
Sucede que o Tribunal a quo fundamentou, exaustivamente, quer a matéria de facto provada como a não assente, explicando ao detalhe como formou a sua convicção.
Como sobressai da sentença, a prova produzida em julgamento foi valorada em função da convicção adquirida pelo Tribunal acerca da sua correspondência com a realidade.
A convicção do Tribunal encontra-se devidamente fundamentada, as provas foram criticamente analisadas e criteriosamente valoradas, designadamente através dos depoimentos prestados.
Como exarado, a convicção do Tribunal quanto à factualidade julgada provada assentou na análise crítica (i) do teor dos documentos que constam dos presentes autos, (ii) da posição assumida pelas partes nos seus articulados [tendo-se aplicado o princípio cominatório semi-pleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo e por confissão, compatibilizando-se toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência, tendo o Tribunal tido em atenção os factos para cuja prova era exigível documento], (iii) da prova produzida em sede de audiência final e por escrito [tendo todas as testemunhas inquiridas, de uma forma geral, prestado os seus depoimentos de maneira coerente, consistente e congruente e sem inconsistências de relevo - merecendo, assim, pela sua razão de ciência, credibilidade por parte deste Tribunal], (iv) em articulação com as regras de distribuição do ónus probandi - tudo conforme referido a propósito de cada ponto da matéria de facto provada.
Quanto à factualidade julgada não provada, a mesma resultou de nenhuma prova minimamente consistente e congruente ter sido produzida nesse sentido - tudo conforme aí referido.
X
Atente-se:

Da largura do lençol de água -

Quanto à matéria em epígrafe defende a Apelante que o lençol de água em causa nos autos não ocupava toda a via de trânsito esquerda, mas apenas 1,30 metros da mesma.

Note-se que a Apelante não põe em causa o nexo de causalidade entre o acidente de viação e o lençol de água, tanto que não são impugnados no recurso interposto os factos provados 6 e 13, razão pela qual a alteração peticionada sempre seria irrelevante para a boa decisão da causa.

Não obstante, cumpre referir que não assiste razão à Recorrente. Isto porque:

Alega a Recorrente que “É o que resulta do documento e da fotografia, bem como do depoimento, e que se requer a este Tribunal que retifique tal resposta no sentido que agora se aponta, isto é, que a faixa de rodagem esquerda apenas se encontrava parcialmente obstruída por água numa largura de 1,30metros encontrando-se disponível numa largura de 2,5 metros.”

Efetivamente, da participação de acidente de viação elaborada pela GNR resulta que, quando as autoridades chegaram ao local, a berma esquerda encontrava-se coberta de água e que a via de trânsito mais à esquerda encontrava-se coberta numa extensão de 1,30 metros.

Note-se, porém, que não resulta do recurso interposto ou da matéria de facto dada como provada quando é que as autoridades chegaram ao local, resultando apenas do auto de participação que o participante não presenciou o acidente de viação.

Por outro lado, os trechos do depoimento testemunhal transcrito, correspondem a depoimentos de testemunhas que se deslocaram ao local após a ocorrência do mesmo, em hora não concretamente apurada.

Sucede que, o facto 5 da sentença recorrida foi dado como provado considerando “cf. depoimento prestado pelas testemunhas «AA» e «BB»; cf. documento (doc.) n.º 5 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido”. Ou seja, tal facto foi dado como provado considerando o condutor do veículo em causa nos autos no momento do acidente de viação sub judice.

Pelo exposto, é manifesto que a prova indicada pela Recorrente não impõe a alteração da matéria de facto no sentido pretendido, nem abala a apreciação da prova pelo Tribunal a quo.

Acresce que, se da participação de acidente de viação elaborada pela GNR resulta que no momento da medição do croqui a via de trânsito mais à esquerda encontrava-se coberta numa extensão de 1,30 metros e encontrava-se livre 2,50 metros (ou seja, encontrava-se coberta cerca de um terço da via de trânsito), já na fotografia constante do facto provado 11 é manifesto concluir que a via de trânsito mais à esquerda encontrava-se coberta em mais de um terço - cerca de dois terços - por um lençol de água.

Assim, não só a prova indicada não contradiz a fundamentação da sentença proferida e a sua apreciação do depoimento prestado pelo condutor do veículo, como os elementos indicados não são susceptíveis de concluir que a via de trânsito se encontrava coberta em 1,30 metros (sem prejuízo de tal questão ser irrelevante para o nexo de causalidade entre o lençol de água e o acidente de viação em causa nos autos, como resulta dos factos provados 6 e 13).

Do entupimento da caixa sumidoura -

Note-se que, apesar de a Recorrente tecer considerações quanto à existência ou não de plásticos na caixa sumidoura central, a verdade é que, analisadas as conclusões apresentadas, é manifesto que não consta da mesma qualquer alteração à matéria de facto a esse título.

Na verdade, a única alteração peticionada quanto ao facto provado 10 é referente à existência de um lençol de água na via de trânsito - vide conclusões 8.ª e 9.ª.

Como é consabido, o objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos Recorrentes, conforme se retira do vertido nos artigos 635.°/4 e 639.°/1 do Código de Processo Civil.

Sucede que, no caso concreto, apesar da Recorrente efetuar referências e comentários quanto à inexistência de plásticos na caixa sumidoura central, não impugna a existência de tais plásticos nas suas conclusões de recurso.

Assim, atendendo ao princípio do dispositivo e à delimitação objetiva do recurso das partes através das suas conclusões de recurso, sempre se dirá que não se encontra dentro do objeto do recurso a existência de plásticos na caixa sumidoura central, conforme facto provado 10 da sentença recorrida.

No entanto, isso mostra-se irrelevante, porquanto estamos perante um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação da impugnação que tem subsistido perante vária legislação sem alterações relevantes, constando actualmente do n.° 1 do art.° 640.° do CPC e mantendo-se a sua interpretação pela larga maioria da jurisprudência.

A tolerância na verificação do cumprimento dos ónus ali impostos não pode ir ao ponto de exigir ao Tribunal da Relação que ande a descortinar ou a intuir na motivação qual a resposta que o apelante considerava correcta e que pretendia fosse dada em alternativa.

A resposta pretendida deve constar de forma inequívoca na motivação e preferentemente também nas conclusões, já que são estas que delimitam o objecto do recurso.

Destarte, uma vez que não consta nas conclusões de recurso a impugnação do facto não provado quanto à existência de plásticos na caixa sumidoura central, sempre terá a impugnação de tal matéria ser rejeitada, nos termos do disposto no artigo 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil.

Ademais, no corpo das suas alegações de recurso a Recorrente não põe em causa o entupimento, pelo menos parcial, da caixa sumidoura, apenas pondo em causa que existiam plásticos a obstruir o normal escoamento das águas.

Efetivamente, analisados os trechos transcritos, é manifesto que a caixa sumidoura central se encontrava obstruída.

Conforme transcreveu a Recorrente:

“Depoimento da testemunha «GG» (declarações gravadas no sistema de gravação Sitaf, tempo de registo 56m33s a 01h05m07s)

Início: 1:03:02

Advogado Ré - olhe, já não estava lá o veículo e esteve a limpar a água que estava lá acumulada, essa água desapareceu logo?

Testemunha - sim, desapareceu logo”

Mais transcreveu a Recorrente que:

“Depoimento da testemunha «GG»

(declarações gravadas no sistema de gravação Sitaf, tempo de registo 56m33s a 01h05m07s)

Advogado Ré - olhe, teve que limpar destroços?

Testemunha - limpei alguns plásticos pequenos que estavam na via e tinha um bocado de água e desentupi melhor uma sarjeta para o resto da água que existia lá se esgotar, mas não vi nada assim de especial, de grande porte.”

Assim, resulta claro que a mesma desentupiu a caixa sumidoura central, tendo nesse seguimento a água desaparecido “logo”.

Mais referiu a indicada testemunha que existiam pequenos plásticos na via no local onde a caixa sumidoura teve de ser desentupida.

Do exposto resulta manifesto, mesmo dos trechos transcritos pela Recorrente, que bem andou o Tribunal a quo ao dar como provado o facto provado 10 nos termos vertidos na sentença, sendo indiscutível que a caixa sumidoura encontrava-se obstruída, apenas tendo sido possível constatar como vestígios a existência de plásticos.

Dos danos - facto provado 14

Alega a Recorrente que no ponto 14., da matéria de facto provada, a Recorrida não despendeu na regularização do sinistro a quantia de € 5.992,23, uma vez que o valor de €78,60 resulta de despesa de averiguação, a qual não é consequência do sinistro, logo, não devida - cfr., documento n.º ..., junto com a petição inicial e artigo 21º do mesmo articulado. Ou seja, a Ré não põe em causa que a quantia foi efetivamente paga, mas apenas o seu nexo de causalidade para com o acidente de viação em causa nos autos, remetendo para o alegado no artigo 21.º da petição inicial e documento n.º ....

Relembre-se o alegado em 21.º da petição inicial (teor que a Recorrente não põe em causa) “Teve ainda a A. que suportar a quantia de €78,60 com despesas relativas à averiguação da dinâmica do acidente e peritagem aos danos do veículo seguro”.

Assim, é manifesto que o montante de €78,60 é uma quantia despendida pela Recorrida respeitante à reparação da viatura de matrícula ..-TS-.., uma vez que o apuramento dos danos na viatura foi um factor essencial para o pagamento dos mesmos.

Na verdade, não é expectável que, sem qualquer averiguação dos danos causados ao veículo, a Recorrida indemnizasse o proprietário do TS, por valor e causa indeterminada.

Por outro lado, a Recorrida apenas teve necessidade de despender o montante devido à existência do acidente de viação em causa nos autos, pelo que é notório que a despesa é uma consequência do mesmo.

Assim, sempre se dirá que existe nexo de causalidade entre a despesa de €78,60 e o acidente de viação sub judice, razão pela qual tem de ser julgada improcedente a conclusão 10.ª do recurso.

Do facto não provado i

Foi dado como não provado que “(i) Na data referida em 4) [No dia 09 de Novembro de 2019], a Ré tudo fez para evitar a formação do lençol de água existente na hemi-faixa da esquerda, da A...7, ao km 21,100, antes da eclosão do sinistro descrito em 4) a 6)”.

Porém, considera a Recorrente que considerando a prova produzida, deve o mesmo ser julgado como integralmente provado.

Note-se que, como resulta do tranche transcrito pela Recorrente:

“Início: 1:01:34

Advogado Ré - sabe se é feita com regularidade a limpeza das caixas?

Testemunha - sim, sim e quando há pessoal, não sou eu, eu ando como disse com a máquina nas limpezas, mas anda pessoal, pessoal que anda a fazer limpezas de caixas, principalmente quando chove muito andam sempre a rodar”. Isto é, a testemunha «GG» não faz a limpeza das caixas de escoamento, alegando apenas um conhecimento indireto de que a mesma é efetuada, jamais tendo alegado que efetuou a limpeza da caixa sumidoura em causa nos autos.

Já dos trechos transcritos quanto à testemunha «FF» não resulta, igualmente, que a testemunha tenha limpo a caixa sumidoura em causa nos autos.

Na verdade, dos depoimentos efetuados ocorre uma mera interpretação de documentos, sem qualquer concretização no caso concreto.

Note-se que, foi exatamente com base nas afirmações genéricas das testemunhas que apenas foi possível dar como provados os pontos 16 a 18 da matéria de facto dada como provada.

Sucede que de tais factos genéricos não resulta qualquer comportamento concreto quanto à hemi-faixa da esquerda, da A...7, ao km 21,100, muito menos quanto à efectiva e cabal limpeza da caixa sumidoura existente no local.

Sempre se dirá que os depoimentos testemunhais e documentos indicados pela Recorrente não permitem dar como provada qualquer matéria de facto para além da vertida nos pontos 16 a 18 da matéria de facto dada como provada, razão pela qual se desatendem as conclusões 11.ª a 15.ª.

Do facto não provado ii
Na sentença recorrida foi dado como não provado que “(ii) No dia 09 de Novembro de 2019, pelas 09h25, na A...7, ao km 21,100, chovia intensamente, de forma anormal, para a altura do ano [cf nenhuma prova minimamente consistente e congruente foi produzida quanto a tal factualidade; cf Ofício do IPMA junto aos autos em 25-02-2021 e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; sendo que da leitura do mesmo, resulta que não ocorreu uma precipitação anormal, mantendo-se nos níveis de normalidade];”

Note-se que, conforme resulta do facto provado 4, foi dado como provado que o dia 09 de novembro de 2019 foi um dia chuvoso.

Assim, neste ponto ii apenas está em causa se no dia 09 de novembro de 2019, às 09h25, na A...7, concretamente ao km 21,100, chovia intensamente e de forma anormal para a altura do ano.

Note-se que dos elementos probatórios indicados Recorrente não resulta dos mesmos qualquer conhecimento direto das condições climatéricas em tal momento concreto - local e hora.

Por outro lado, não corresponde à verdade que do ofício do IPMA resulte que no dia 09 de novembro de 2019, às 09h25, na A...7, concretamente ao km 21,100, a precipitação atingiu valores na ordem dos 15 milímetros.

Na verdade, da leitura do ofício resulta apenas que às 09h00 existia precipitação, e que entre as 09h00 e as 10h00 tenham ocorrido períodos de precipitação na ordem dos 7 milímetros.

Cumpre salientar que a precipitação de 7 mm identificada no ofício do IPMA corresponde a uma precipitação máxima no período compreendido entre as 09:00 e as 10:00 em toda a zona de ..., e mesmo assim, de acordo com a classificação elencada na página 15 do recurso, tal quantidade máxima apenas seria enquadrável como aguaceiros moderados, o que é por mais demonstrativo que não estamos perante uma quantidade de pluviosidade anormal.

Pelo exposto, bem andou o Tribunal a quo quando considerou como não provado o ponto ii dos factos dados como não provados, tendo considerado que: “nenhuma prova minimamente consistente e congruente foi produzida quanto a tal factualidade; cf. Oficio do IPMA junto aos autos em 25-02-2021 e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido, sendo que da leitura do mesmo, resulta que não ocorreu uma precipitação anormal, mantendo-se nos níveis de normalidade”.
Em suma:
-Os poderes dados à Relação sobre a alteração da matéria de facto provada em 1ª instância têm que se cingir a casos de flagrante desconformidade entre o que foi produzido em termos de prova e aquilo que foi dado como assente;
-Só em casos extremos é que a Relação poderá alterar a matéria de facto dada como provada pelo julgador da 1ª instância e apenas quando se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou que estão totalmente desapoiadas do que se produziu em audiência de julgamento;
-No presente recurso, a Recorrente pretendia ver alterada a resposta dada
aos factos 5, 10, 11 e 14 e aos factos não provados i e ii;
-Ora, como sentenciado, a prova produzida em julgamento foi valorada em função da convicção adquirida pelo Tribunal acerca da sua correspondência com a realidade;
-Tal equivale a dizer que a senhora Juíza cumpriu a obrigação que sobre si impendia: discriminou na sentença, os factos que considerou provados e não provados, analisou (de forma clara e especificada) criticamente a prova e expôs os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção em relação a cada facto (artigo 607º/3, 4 e 5 do CPC), explicitando, desse modo, não só a respectiva decisão como, também, os motivos que a determinaram.
-Reexaminada a prova - no uso pelo tribunal de recurso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto - não se pode concluir, face à prova produzida, com a necessária segurança, pela existência de um efetivo erro na apreciação da prova relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnados pelo recorrente;
-Na dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” - Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609;
Da nulidade da sentença -
Vejamos,

Segundo o artigo 615º do NCPC (artigo 668º CPC 1961), ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.

Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº 1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.

Já a nulidade da alínea c) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
Ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica esta nulidade, porquanto ela reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência, em termos tais, que os fundamentos invocados pelo tribunal devessem, naturalmente, conduzir a resultado oposto ao que chegou.
Já a omissão de pronúncia está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia verificar-se-á quando exista (apenas quando exista) uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Este vício relaciona-se com o comando ínsito na 1ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras - cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra 1984 (reimpressão) e os Acórdãos do STA de 03/07/2007, proc. 043/07, de 11/9/2007, proc. 059/07, de 10/09/2008, proc. 0812/07, de 28/10/2009, proc. 098/09 e de 17/03/2010, proc. 0964/09, entre tantos outros.

Por seu turno, ocorre excesso de pronúncia quando o tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, conhecer em quantidade superior ou objecto diverso do pedido - Na jurisprudência, sobre o excesso de pronúncia, vide, entre outros, os Acórdãos deste TCANorte, de 30/03/2006, Proc. n.º 00676/00, de 23/04/2009, Proc. n.º 01892/06.5BEPRT-A e de 13/01/2011, Proc. n.º 01885/10.8BEPRT.

Questões, para este efeito, são, pois, as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes - v. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, pág. 112 e Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220/221.


In casu, quanto à decisão proferida quanto à matéria de direito, considera a Recorrente que a sentença é nula nos termos do disposto no artigo 615.° n.° 1 als. c) e d) do Código de Processo Civil por “oposição entre os factos provados e os fundamentos da decisão proferida”.

No seguimento da alteração da matéria de facto peticionada, sustenta que a Apelante cumpriu com a sua obrigação, devendo a mesma ser absolvida do pleito.

Todavia, sem razão.

A decisão proferida mostra-se correta e conforme a prova efetivamente produzida.

Conforme resulta da conclusão 42.ª, alegou a Recorrente que “Relativamente aos meios e procedimentos de segurança que a Recorrente alegou e demonstrou ter cumprido, o Tribunal “a quo” incorreu em vício suscetível de gerar a nulidade da sentença, previsto nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por oposição entre os factos provados e os fundamentos da decisão proferida.”.

Ora, encontra-se vertido no artigo 615.º n.º 1 do CPC que: “1 - É nula a sentença quando: (...) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”

Desde logo, quanto à nulidade prevista na supra citada alínea d), apenas a título de lapso se compreende a referida invocação, uma vez que em nenhum momento do seu recurso, seja nas alegações seja nas conclusões, a Recorrente invoca que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado ou que tenha conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento.

Pelo exposto, e dada a clareza da questão, tem a nulidade invocada e prevista no artigo 615.° n.° 1 al. d) de improceder.

Mas, alega a Recorrente que existe uma oposição entre os factos provados e os fundamentos da decisão proferida relativamente aos meios e procedimentos de segurança que a Recorrente alegou e demonstrou. Cumpre apreciar:

Relembre-se que a nulidade prevista no artigo 615.° n.° 1 al. c) pressupõe que os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

A Recorrente não alega que os fundamentos estão em oposição com a decisão, nem alega que a decisão é ininteligível; o que a Apelante alega é que os factos estão em contradição com os fundamentos da sentença, razão pela qual a Recorrente não invocou os pressupostos necessários para que a nulidade invocada seja procedente; o que a parte contesta é a factualidade (parte da factualidade) levada e não levada ao probatório.

Acresce que a Recorrente não concretiza quais são os factos dados como provados na sentença que estão em contradição com os fundamentos da mesma, aludindo somente à matéria de facto dada como provada e à decisão da sentença, ou seja, a Recorrente não concorda com a decisão em face da matéria de facto dada como provada, mas tal discórdia por parte da Recorrente não implica a existência de uma contradição entre os factos tidos por assentes e os fundamentos da decisão, razão pela qual, se desatende a apontada nulidade.
A nulidade da decisão judicial por oposição dos fundamentos com o decidido, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 615.º CPC, é um vício que afecta a estrutura lógica da decisão, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, motivo por que não lhe são subsumíveis meras discordâncias do recorrente com que o foi decidido - Acórdão do STA de 29/9/2022 no proc. 0128/20.0BALSB.
Não ocorre nulidade da sentença recorrida se esta é coerente entre os fundamentos e a decisão, sem prejuízo da eventual ocorrência de erro de julgamento quanto às questões a apreciar - Acórdão do STA de 11/7/2012, no proc. 0235/12.
Na situação vertente inexiste, de todo, a arguida nulidade.
Do erro de julgamento de direito -
Quanto ao direito aplicável
O enquadramento de direito da Apelante funda-se, essencialmente, na alteração da matéria de facto reclamada. Porém, sendo inequívoco que tal alteração tem de ser julgada improcedente, conforme supra analisado, tem igualmente, e, por conseguinte, de manter-se inalterada a condenação integral da Ré/Recorrente.
Alega a Recorrente que “A conduta da concessionária preenche cabalmente a exigência da obrigação de meios, sendo a matéria de facto provada absolutamente idónea e adequada à prova do cumprimento dessa mesma obrigação de meios, devendo ser alterada a decisão recorrida em conformidade;”.
Não secundamos esse entendimento uma vez que o Tribunal a quo interpretou corretamente o direito aplicável à matéria de facto apurada - concretamente a vertida no facto provado 3, bem como o artigo 493.° do Código Civil e artigo 12.° n.° 1 da Lei 24/2007, de 18/7, (das quais resulta uma presunção de culpa e de incumprimento das obrigações a que a Recorrente está adstrita).
Como resulta da sentença recorrida, a Recorrente limitou-se a alegar e provar obrigações genéricas, sem qualquer aplicação ao caso concreto.
Como sentenciado: “Por conseguinte, parece legítimo afirmar a existência de diligências de carácter genérico, na medida em que, embora a Ré tenha demonstrado, genericamente, que observa e adopta determinados comportamentos de vigilância e manutenção da via, certo que é que, ao Km 21,100, da A...7, sentido Oeste/Este, na data do sinistro, existia uma caixa sumidoura lateral localizada na berma da faixa de rodagem obstruída por uns plásticos que se encontravam a bloquear o escoamento normal das águas pluviais.

Verifica-se, assim, um incumprimento concreto por parte da concessionária, porquanto, nos termos do contrato que celebrou com o Estado, ela se comprometeu, além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas. Em suma, certo é que a Ré não demonstrou, como devia, o cumprimento das obrigações de segurança da A...7 (ao km 21,100, no sentido Oeste/Este), imposto pelo n.º 1, do art. 12.º da Lei 24/2007, de 18 de julho, daí se concluindo sempre pela sua culpa, ao menos a título de negligência, geradora de responsabilidade civil.”

Efetivamente, da prova proferida nos presentes autos apenas resultaram medidas genéricas de vigilância e manutenção não tendo sido demonstrado em qualquer momento atos concretos de vigilância e manutenção quanto ao local do acidente de viação, nem sequer tendo sido possível apurar a razão pela qual no referido troço ocorreu o lençol de água causador do acidente de viação em causa nos autos.

A sentença socorreu-se de jurisprudência que aceitamos, da qual resulta que para afastar a presunção prevista no artigo 12.°/1 da Lei 24/2007, jamais será suficiente uma aparência de vigilância e controlo, sendo necessária uma demonstração concretizada quanto ao concreto troço da autoestrada em apreço.

Considerando o exposto, sempre se dirá que, perante a matéria de facto dada como provada tem a responsabilidade pelo acidente de viação em causa nos autos de ser imputada à Ré, nos termos da legislação vertida no facto provado 3, do artigo 493.° do Código Civil e do artigo 12.° n.° 1 da Lei 24/2007, de 18/7.
Daí que, por falta de fundamento, tenham de improceder as Conclusões da alegação.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Notifique e DN.

Porto, 19/5/2023

Fernanda Brandão
Conceição Silvestre (em substituição)
Isabel Jovita (em substituição)