Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00916/20.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/16/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:DERROGAÇÃO DE SIGILO BANCÁRIO; ERRO DE JULGAMENTO DE JULGAMENTO; PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I- Decorre do n.º 1 do art.º 63.º e da alínea b) do art.º 63.º-B da LGT, que a Administração Tributária, tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras, quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível.

II- Decorre da interpretação conjunta dos artigos 55.º da LGT, art.º 7.º do RCPIT, 63.º e 63.º-B da LGT, para que seja permitido a derrogação do sigilo bancário é que essa medida se mostre adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária visado na inspeção.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:A. E OUTRA
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
1. RELATÓRIO

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Braga que julgou procedente, o recurso interposto ao abrigo dos artigos 146.º-A e 146.º-B do CPPT, por A., NIF (...), e E., o processo especial de derrogação do sigilo bancário proferida pela Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que permitiu o acesso às suas contas e documentos bancários, relativamente aos anos de 2016 e 2017.

Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formularam as conclusões que se reproduzem:
“(…)
a) O presente recurso vem apresentado contra a sentença proferida nos autos em referência, a 30/06/2021, a qual julgou o recurso procedente anulando a decisão de derrogação do sigilo bancário proferida pela Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo al. b) do nº 1 do art.º 63º-B da Lei Geral Tributária, com referência aos anos de 2016 e de 2017.

b) A AT, ora Recorrente, entende que a sentença sob recurso enferma de erro de julgamento quanto aos factos e quanto ao direito, devendo, como tal, ser anulada e substituída por outra que mantenha na ordem jurídica aquela decisão de derrogação do sigilo bancário.

c) Em síntese, apesar da sentença recorrida ter concluído que a AT apurou indícios de que os Recorridos desenvolviam uma actividade económica não declarada, ainda assim entendeu não existir necessidade de proceder à derrogação do sigilo bancário em virtude de a AT dispor de toda a informação relevante.

d) Em causa está, por conseguinte, a subsunção ao direito dos factos que a sentença entendeu provados, mais concretamente se em face das circunstâncias concretas da acção inspectiva em curso se afigura que a decisão controvertida é ilegal por violar o princípio da proporcionalidade.

e) A AT entende que o acesso a informação bancária protegida configura, em face das circunstâncias apuradas e que não são minimamente controvertidas, uma diligência necessária à análise da situação jurídico-tributária dos ora Recorridos nos anos em crise.

f) Tal como consta a fls. 1 da sentença, a AT fundamentou a decisão de derrogação de sigilo bancário na al. b) do nº 1 do art.º 63º-B da Lei Geral Tributária (LGT), por ter recolhido “no decurso da acção inspectiva, indícios sérios de que os recorrentes exerceram uma actividade económica para a qual não se encontram registados nem declararam quaisquer rendimentos derivados do exercício da mesma".

g) A sentença confirma as conclusões da AT, embora considere que apenas parte dos factos recolhidos pela AT consubstanciam indícios susceptíveis de preencher a previsão legal da al. b) do nº 1 do art.º 63º-B da Lei Geral Tributária (LGT).

h) Todavia, não obstante a existência de indícios sérios susceptíveis de preencher aquele dispositivo legal, concluiu a sentença que a derrogação em crise não se afigurava necessária à confirmação dos indícios apurados sendo, por conseguinte, violadora do princípio da proporcionalidade.

i) A AT, por sua vez, em face daqueles indícios, entende necessário o acesso a informação bancária sob sigilo como forma de poder revelar os montantes efectivamente envolvidos no exercício de uma actividade económica não declarada, actividade esta que poderá não se esgotar nas operações comerciais já indiciadas e envolver outros montantes a título de rendimentos não declarados.

j) Em face da matéria de facto provada e não provada, devidamente discriminada no probatório e para a qual se remete, a sentença concluiu como se transcreve:

Em face do exposto afigura-se-nos que, pelo menos com referência às viaturas XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX e XX-XX-XX, a administração tributária logrou provar a existência de indícios suficientemente sólidos que permitem afirmar que, com elevado grau de probabilidade, os recorrentes as adquiriram com a intenção de as revenderem o que, como apontado, constitui uma actividade comercial sujeita a tributação em sede de IRS e IVA por se tratar de uma actividade de mediação entre a oferta e a procura e que tem por fim objectivo um lucro.

k) Em sede de subsunção dos factos ao direito, quanto aos pressupostos para aplicação da alínea b) do nº 1 do art. 63ºB da LGT, cujo ónus compete à AT de acordo com o estatuído no art. 74, nº 1 da LGT, a ora Recorrente acompanha o entendimento da sentença sob recurso, concordando que os mesmos consistem no seguinte:
a) decorra um procedimento de inspecção tributária (art.º 63º, nº 3 da LGT);
b) no âmbito desse procedimento de inspecção tributária se recolham indícios de incumprimento dos deveres de colaboração do sujeito passivo que decorrem das circunstâncias mencionadas nas diversas alíneas do nº 1 do art.º 63º-B da LGT;
c) a derrogação do sigilo bancário seja necessária, adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária do visado na inspecção (art.°s 63º, nº 1 e 55º da LGT e 7º do RCPITA).

l) Assente a matéria de facto supra referida, e o preenchimento, quanto à mesma, dos pressupostos da derrogação do sigilo bancário supra elencados sob as alíneas a) e b), passou a sentença à apreciação da proporcionalidade da medida em apreço.

m) Justamente, é aqui que a AT entende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir que a decisão de derrogação de sigilo bancário viola o princípio da proporcionalidade por não se afigurar necessária à verificação da situação tributária dos ora Recorridos.

n) Mais concretamente, a sentença entende que a decisão controvertida não se afigura necessária a conhecer a identidade dos vendedores e compradores das viaturas em causa.

o) Vejamos os moldes em que a sentença recorrida conclui, culminando no que, para a AT, se afigura um erro de julgamento na subsunção dos factos ao direito:
Ora, no que se reporta à necessidade da medida, a administração tributária apenas refere que a mesma seria necessária à “recolha de prova que possibilite aferir a real dimensão do anteriormente descrito e dos reais montantes envolvidos”. No entanto, nada alega no sentido de demonstrar que não existe outra forma de suplantar a (alegada) falta de colaboração do contribuinte, nomeadamente, não alega não lhe ser possível obter as informações pretendidas junto dos vendedores/compradores das viaturas em causa, resultando dos autos precisamente o contrário. De facto, quanto às viaturas XX-XX-XX, XX-XX-XX e XX-XX-XX, os recorrentes apresentaram as respectivas DAV, das quais constavam as facturas de compra (cfr. factos provados 1), 8), 10) e 15)); quanto à viatura XX-XX-XX, consta do PA a informação de que a mesma foi dada em retoma (cfr. facto provado 25)); e, quanto à viatura XX-XX-XX, existe também no PA uma declaração do seu anterior proprietário informando que a vendeu ao recorrente marido por 5.000,00 € (cfr. facto provado 23)).
No que se refere aos preços de venda das viaturas, constam ainda do PA documentos relativos à venda da viatura XX-XX-XX apresentados por A., dos quais se retira que este adquiriu tal viatura junto da sociedade L., LDA. com recurso ao crédito (cfr. facto provado 17)); um e-mail subscrito por D. declarando que comprou a viatura XX-XX-XX pelo preço de 13.000,00 € (cfr. facto provado 21)) e ainda um e-mail de T. informando que comprou a viatura XX-XX-XX por 750,00 € (cfr. facto provado 19)).
Assim, sendo possível conhecer a identidade dos vendedores e compradores das viaturas em causa por simples consulta ao registo automóvel, e dado que a derrogação do sigilo bancário deverá constituir uma medida excepcional a utilizar apenas quando não for possível obter a informação pretendida por nenhuma outra via, impunha-se à administração tributária que tivesse alegado e provado que não lhe era possível obter as informações pretendidas junto dos vendedores/compradores das viaturas, o que não só não foi feito como, pelo contrário, resulta até do PA que a administração tributária dispunha de, pelo menos, parte das informações pretendidas, nada tendo sido avançado quanto à impossibilidade de obter as restantes informações junto dos compradores/vendedores das viaturas ou quanto à eventual falta de credibilidade da informação obtida e constante do PA.
Em face do exposto, apenas nos resta concluir que a decisão ora impugnada incorreu em violação do princípio da proporcionalidade devendo, por esse motivo, ser anulada o que, em conformidade, a final se decidirá.

p) Em suma, a sentença entendeu que “sendo possível conhecer a identidade dos vendedores e compradores das viaturas em causa por simples consulta ao registo automóvel, e dado que a derrogação do sigilo bancário deverá constituir uma medida excepcional a utilizar apenas quando não for possível obter a informação pretendida por nenhuma outra via, impunha-se à administração tributária que tivesse alegado e provado que não lhe era possível obter as informações pretendidas junto dos vendedores/compradores das viaturas.

q) Sucede, todavia, que estando em causa, na acção inspectiva em curso, a recolha de “prova que possibilite aferir a real dimensão do anteriormente descrito e dos reais montantes envolvidos”, a informação pretendida não respeita apenas às aludidas viaturas mas a tudo o que possa estar compreendido no exercício de uma actividade económica para a qual não se encontram registados nem declaram quaisquer rendimentos derivados do exercício da mesma.

r) Afinal, conforme resulta da informação que sustenta a decisão de derrogação do sigilo bancário, a mesma não se destina apenas a conhecer os vendedores e compradores das aludidas viaturas, e os valores efectivamente transacionados quanto às mesmas, mas a analisar a situação jurídico-tributária dos Recorrentes na sua globalidade, com referencia aos anos de 2016 e 2017, por se terem apurado em sede inspectiva, indícios sérios quer do exercício de uma actividade económica não declarada, quer da obtenção de rendimentos não declarados no exercício da mesma.

s) Uma vez recolhidos “no decurso da acção inspectiva, indícios sérios de que os recorrentes exerceram uma actividade económica para a qual não se encontram registados nem declararam quaisquer rendimentos derivados do exercício da mesma", entende a AT que o acesso a informação protegida pelo segredo bancário se afigura necessária ao apuramento dos rendimentos obtidos através do exercício dessa actividade, estando a sentença recorrida ferida de erro de julgamento quando conclui em sentido contrário.

t) À luz da factualidade concreta apurada e do estatuído na al. b) do nº 1 do art. 63ºB da LGT, o acesso a informação bancária afigura-se necessário ao apuramento dos rendimentos efectivamente obtidos (em face dos indícios de falta de veracidade do declarado) e à confirmação do exercício de uma actividade económica não declarada (indícios de que esteja em falta declaração legalmente exigível).
u) Nos termos supra expostos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a manutenção na ordem jurídica da decisão administrativa de derrogação de sigilo bancário.

Nos termos supra expostos, e nos demais de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente. (…)”

Os Recorridos contra-alegaram não tendo produzido conclusões, no entanto, pugnam pela manutenção da sentença recorrida.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, uma vez que, a situação se enquadra na alínea b) do n.º 1 do art.º 63.º-B da LGT sendo necessária para verificar a verdadeira situação fiscal declarada pelos contribuintes.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n. º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pelos Recorrentes, nos termos dos artigos 608.º, nº 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT, a questão que importa conhecer é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada subsunção dos factos ao direito ao concluir que a decisão de derrogação de sigilo bancário viola o princípio da proporcionalidade por não se afigurar necessária à verificação da situação tributária dos Recorridos.

3. JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)
1) A viatura XX-XX-XX foi comprada a uma sociedade francesa no dia 05-06-2015, pelo preço de 8.900,00 €, tendo o correspondente ISV, no montante de 2.743,68 €, sido pago em 19-08-2015 (cfr. fls. 54-56 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2) A propriedade da viatura referida na alínea anterior foi registada em nome do recorrente marido no dia 21-01-2016 e de seguida em nome de D. no dia 01-09-2016 (cfr. fls. 58 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3) A viatura XX-XX-XX foi dada de retoma, em Janeiro de 2016, à sociedade V. LDA. (cfr. fls. 96 do PA e prova testemunhal);
4) A propriedade da viatura referida na alínea anterior foi registada em nome do recorrente marido no dia 18-02-2016 e de seguida em nome de T. no dia 10-03-2016 (cfr. fls. 59 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5) A propriedade da viatura XX-XX-XX foi registada em nome do recorrente marido no dia 06-10-2016 e de seguida em nome de M. no dia 31-07-2017 (cfr. fls. 45 e 47 do PA e doc. 11 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6) A propriedade da viatura XX-XX-XX foi registada em nome do recorrente marido no dia 06-12-2016 e de seguida em nome de A. no dia 07-09-2017 (cfr. fls. 49 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7) A viatura referida na alínea anterior foi colocada à venda pelo preço de 5.500,00 € mediante contrato de consignação, datado de 08-05-2017, celebrado com a sociedade V. LDA. (cfr. fls. 50-51 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8) A viatura XX-XX-XX foi comprada a uma sociedade francesa no dia 29-12-2016 pelo preço de 8.058,00 €, tendo o correspondente ISV, no montante de 2.2289,43, sido pago em 31-03-2017 (cfr. fls. 40-42 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9) A propriedade da viatura referida na alínea anterior foi registada em nome do recorrente marido no dia 11-09-2017 e de seguida em nome de A. no dia 15-09-2017 (cfr. fls. 44 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10) A viatura XX-XX-XX foi comprada a uma sociedade francesa no dia 19-01-2017 pelo preço de 4.609,92 €, tendo o correspondente ISV, no montante de 4.306,43 €, sido pago em 18-04-2017 (cfr. fls. 62-64 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
11) A viatura referida na alínea anterior foi colocada à venda pelo preço de 10.750,00 € mediante contrato de consignação, datado de 05-02-2017, celebrado com a sociedade V. LDA. (cfr. fls. 66-67 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12) A propriedade da viatura referida na alínea 10) foi registada em nome da recorrente mulher no dia 30-08-2017 e de seguida, na mesma data, em nome de M. (cfr. fls. 68 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
13) Os recorrentes foram submetidos, ao abrigo das ordens de serviço nºs OI201902378 e OI201902379, a um procedimento inspectivo relativo aos exercícios de 2016 e 2017 (cfr. fls. 8 do PA);
14) Através do ofício nº 536, de 24-01-2020, foram os recorrentes notificados para, no prazo de 10 dias e com referência ao procedimento inspectivo referido na alínea anterior, apresentarem informação/documentação relativa à aquisição das viaturas (valor de aquisição, cópia do documento de aquisição, cópia dos meios de pagamento utilizados) com as matrículas XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX e XX-XX-XX e relativa à venda das viaturas (valor de venda, cópia do documento de venda, cópia dos meios de pagamento utilizados e, no caso de pagamentos efectuados em numerário, indicação dos valores que foram alvo de depósito bancário, juntando comprovativo dos mesmos) com as matrículas XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX e XX-XX-XX (cfr. fls. 18-19 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
15) Os recorrentes responderam à comunicação referida na alínea anterior, através de uma mensagem de correio electrónico remetida para a Direcção de Finanças de Braga no dia 06-02-2020, à qual anexaram dezassete documentos (contratos de consignação, declarações aduaneiras de veículos, facturas de compra, documentos únicos automóvel e comprovativos do registo automóvel) (cfr. fls. 22-76 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
16) Através do ofício nº 1173, de 20-02-2020, foi A. notificado para, com referência ao procedimento inspectivo referido na alínea 13), apresentar informação/documentação relativa à compra da viatura XX-XX-XX (cfr. fls. 77 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
17) A. respondeu à comunicação referida na alínea anterior, através de um requerimento entrado na Direcção de Finanças de Braga no dia 27-02-2020, ao qual anexou os seguintes documentos: dois documentos emitidos pela sociedade L., LDA., intitulados “autorização de circulação” e “termo de garantia”, a DAV relativa à viatura, um documento emitido pela sociedade COFIDIS relativo ao financiamento para aquisição da viatura e o Documento Único Automóvel da viatura em causa (cfr. fls. 78-84 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
18) Através do ofício nº 1175, de 20-02-2020, foi T. notificado para, com referência ao procedimento inspectivo referido na alínea 13), apresentar informação/documentação relativa à compra da viatura XX-XX-XX (cfr. fls. 99 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
19) T. respondeu à comunicação referida na alínea anterior, através de duas mensagens de correio electrónico de 24-02-2020, informando que comprou a viatura no stand “V. Automóveis” pelo preço de 750,00 €, pago em numerário, e que o antigo dono da viatura era A. (cfr. fls. 100-103 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
20) Através do ofício nº 1177, de 20-02-2020, foi D. notificada para, com referência ao procedimento inspectivo referido na alínea 13), apresentar informação/documentação relativa à compra da viatura XX-XX-XX (cfr. fls. 85 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
21) D. respondeu à comunicação referida na alínea anterior, através de uma mensagem de correio electrónico de 26-02-2020, informando que comprou a viatura “a um sr. A.” pelo preço de 13.000,00 €, pago em numerário (cfr. fls. 86 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
22) Através do ofício nº 1179, de 20-02-2020, foi J. notificado para, com referência ao procedimento inspectivo referido na alínea 13), apresentar informação/documentação relativa à venda da viatura XX-XX-XX (cfr. fls. 89 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
23) J. respondeu à comunicação referida na alínea anterior, através de uma mensagem de correio electrónico de 27-02-2020, informando que vendeu a viatura a A. pelo preço de 5.000,00 €, o qual recebeu em dinheiro (cfr. fls. 90 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
24) Através do ofício nº 1180, de 20-02-2020, foi R. notificado para, com referência ao procedimento inspectivo referido na alínea 13), apresentar informação/documentação relativa à venda da viatura XX-XX-XX (cfr. fls. 95 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
25) R. respondeu à comunicação referida na alínea anterior, através de um requerimento entrado na Direcção de Finanças de Braga no dia 02-03-2020, ao qual anexou dois documentos intitulados “declaração” emitidos pela sociedade V. LDA. com datas de 07-01-2016 e 13-02-2016, informando que em Janeiro de 2016 comprou a viatura 08-QU-13 ao stand V. LDA. tendo dado em troca a viatura XX-XX-XX (cfr. fls. 96-98 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
26) Através do ofício nº 1181, de 20-02-2020, foi a sociedade V. LDA. notificada para, com referência ao procedimento inspectivo referido na alínea 13), apresentar documentos comprovativos das entregas efectuadas aos recorrentes em resultado dos contratos de consignação relativos às viaturas com as matrículas XX-XX-XX, XX-XX-XX e número de quadro (…) (cfr. fls. 104 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
27) A sociedade V. LDA. respondeu à comunicação referida na alínea anterior, através de uma mensagem de correio electrónico de 26-02-2020, informando que todos os pagamentos foram efectuados em numerário (cfr. fls. 105 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
28) Através do ofício nº 1217, de 24-02-2020, foram os recorrentes notificados para, no prazo de 10 dias, e com referência ao procedimento inspectivo referido na alínea 13), apresentarem cópia dos meios de pagamento utilizados na aquisição das viaturas com as matrículas XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX e XX-XX-XX e cópia dos meios de pagamento utilizados na venda das viaturas (e, no caso de pagamentos efectuados em numerário, indicação dos valores que foram alvo de depósito bancário, juntando comprovativo dos mesmos) com as matrículas XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX e XX-XX-XX (cfr. fls. 13-14 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
29) Os recorrentes responderam à comunicação referida na alínea anterior, através de uma mensagem de correio electrónico remetida para a Direcção de Finanças de Braga no dia 12-03-2020, informando que todos os pagamentos e recebimentos foram feitos em numerário e que por esse motivo não dispunham de comprovativos do respectivo meio de pagamento (cfr. fls. 15-17 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
30) No âmbito do procedimento inspectivo referido na alínea 13) foi elaborada, pelos serviços de inspecção tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Braga, com data de 23-04-2020, uma informação de cujo teor se destaca o seguinte:

Enquadramento
2. No âmbito de procedimentos internos, com recurso a instrumentos de revisão analítica, apurou-se que, nos anos de 2016 e 2017, em nome dos sujeitos passivos constam as seguintes aquisições/alienações de viaturas ligeiras de passageiros, constatando-se igualmente que em dois casos as datas de início e fim de propriedade diferem em apenas dias, e, num caso, as datas de início e fim de propriedade ocorrem no mesmo dia:
Sujeito Matrícula Viatura Data de Início Data de Fim
Passivo de Propriedade de Propriedade
A. XX-XX-XX Nissan 19-08-2015 01-09-2016
A. XX-XX-XX Opel 18-02-2016 10-03-2016
A. XX-XX-XX Mercedes 06-10-2016 31-07-2017
A. XX-XX-XX Citroen 06-12-2016 07-09-2017
A. XX-XX-XX Renault 11-09-2017 15-09-2017
E. XX-XX-XX Peugeot 30-08-2017 30-08-2017
Constatando-se que a viatura identificada pela matrícula:
• XX-XX-XX: teve antes matrícula BYXXXXX de França (1ª matrícula de 8/12/2011);
• XX-XX-XX: teve antes matrícula XXXXBNF de Espanha (1ª matrícula de 8/03/2001);
• XX-XX-XX: teve antes matrícula DGXXXXX de França (1ª matrícula de 20/6/2014);
• XX-XX-XX: teve antes matrícula ACXXXXX de França (1ª matrícula de 29/7/2009) e encontram-se registadas várias alterações de propriedade para o dia 2017.08.30, data de início de propriedade para o sujeito passivo “E. Cruz”.
Mais se retira que apenas uma viatura foi adquirida no mercado nacional (XX-XX-XX) e que, com exceção da viatura Mercedes (XX-XX-XX), adquirida em Espanha, as demais respeitam a viaturas adquiridas em França.

3. Confrontados os dados declarados pelos contribuintes em referência com aqueles que estão disponíveis nas bases de dados da AT mais se apurou que nenhum dos visados se encontra inscrito para o exercício de qualquer atividade económica, entregando em conjunto a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, na qual constam apenas rendimentos de trabalho dependente.
4. No dia 6 de dezembro de 2019, no Serviço de Finanças de Guimarães 1, ao abrigo do Despacho externo nº DI201906205, foi ouvido “A.”, tendo este referido que:
• Adquirem (o próprio e o cônjuge) as viaturas para uso próprio;
• Para evitar a desvalorização das viaturas procedem à sua venda caso surjam bons negócios, o que acaba por ser facilitado pois trabalha no ramo (é vendedor de automóveis na empresa V. LDA, NIPC (…));
• Adquire normalmente as viaturas no mercado francês, território onde residem familiares e amigos;
• Normalmente a venda das viaturas é efetuada em numerário.
5. Face à informação recolhida foi encerrado o referido Despacho e iniciados procedimentos inspetivos externos aos sujeitos passivos para os anos de 2016 e 2017, ao abrigo das Ordens de Serviço nº OI201902378 e nº OI201902379, respetivamente.
Diligências efetuadas
6. Em 15.01.2020 o sujeito passivo “A. ” compareceu no Serviço de Finanças de Guimarães 1, fazendo-se acompanhar de advogado, tendo aí assinado as Ordens de Serviço nº OI201902378 e nº OI201902379.
No essencial “A. ” limitou-se a confirmar o já relatado no ponto 4 desta informação, pelo que foi colocada perante o contribuinte a possibilidade de, com autorização deste, se aceder à sua informação bancária, possibilidade que o contribuinte, verbalmente, considerou desnecessária e que, portanto, não mereceu a sua concordância.
7. Pelo ofício nº 536 de 24.01.2020 foram os sujeitos passivos notificados para apresentarem informação/documentação relativa à aquisição das viaturas (valor de aquisição, cópia do documento de aquisição, cópia dos meios de pagamento utilizados) e à venda das viaturas (valor de venda, cópia do documento de venda, cópia dos meios de pagamento utilizados e, no caso de pagamentos efetuados em numerário, indicação dos valores que foram alvo de depósito bancário, juntando comprovativo dos mesmos).
A resposta efetuada pelos sujeitos passivos (entrada na Direção de Finanças de Braga nº 2020E000505702 de 10.02.2020) pode ser resumida da seguinte forma:
• Relativamente à aquisição de viaturas:
o Quanto às viaturas adquiridas em território comunitário juntaram declarações aduaneiras e faturas de compra, constatando-se que os vendedores são operadores económicos e não particulares. Apesar de solicitado não juntaram qualquer comprovativo dos meios de pagamento utilizados;
o Quanto à aquisição da viatura em território nacional referiram não possuir quaisquer documentos por se tratar de negócios entre particulares. Apesar de solicitado não juntaram qualquer comprovativo dos meios de pagamento utilizados.
• Relativamente à venda de viaturas:
o Não se recordam do valor de venda de uma viatura (XX-XX-XX);
o Desconhecem a viatura com matricula XX-XX-XX;
o Não juntaram qualquer comprovativo de venda (documento e meios de pagamento) relativamente às viaturas XX-XX-XX e XX-XX-XX;
o Relativamente às viaturas XX-XX-XX e XX-XX-XX apresentaram contratos de consignação celebrados com a entidade V. LDA, NIPC (...) (a qual se verifica ser a entidade patronal do sujeito passivo “A. ” e se dedica ao comércio automóvel).
Apesar de solicitado não juntaram qualquer comprovativo dos meios de pagamento utilizados.
A entidade V. LDA foi notificada (ofício 1181 de 20.02.2020) para juntar cópias das entregas efetuadas aos sujeitos passivos, tendo referido que os pagamentos foram efetuados em numerário. (…)
9. Pelo ofício nº 1217 de 24.02.2020 foram os sujeitos passivos novamente notificados para apresentarem i) cópia dos meios de pagamento utilizados na aquisição de viaturas; ii) no que respeita às vendas de viaturas, cópia dos meios de pagamento utilizados e, no caso de pagamentos efetuados em numerário, indicação dos valores que foram alvo de depósito bancário, juntando comprovativo dos mesmos.
Tendo sido referido pelos mesmos que os pagamentos/recebimentos foram efetuados em numerário, pelo que não dispõem de qualquer comprovativo.
10. Das bases de dados da AT, e com relevância para o caso em apreço, consta a seguinte informação relativa aos sujeitos passivos:
Rendimentos declarados
Nos anos de 2016 e 2017 os sujeitos passivos declararam os seguintes rendimentos (rendimentos da Categoria A - trabalho dependente):
Rendimentos 2016 2017
A. 9.100,00 € 9.100,00 €
E. 27.006,55 € 26.095,81 €
total 36.106,55 € 35.195,81 €
Ambos constam como proprietários de imóvel construído em 2018 com valor patrimonial tributário (VPT) de 174.740,00 EUR (identificação matricial 030804/U-3014), o qual corresponde ao seu domicílio fiscal atual.
11. Face às diligências efetuadas, foram apurados indícios sólidos que permitem concluir que os sujeitos passivos exercem, de facto, uma atividade económica para a qual não se encontram registados, nem declaram quaisquer rendimentos derivados do exercício dessa atividade, porquanto:
• Do lote de viaturas identificadas no ponto 2 da presente informação, é revelador o facto da viatura XX-XX-XX ter sido objeto de várias alterações de propriedade registadas no mesmo dia, incompatíveis com uma transação pontual entre particulares; a viatura XX-XX-XX se ter mantido na propriedade dos sujeitos passivos durante escassos quatro (4) dias; bem como as características das viaturas supramencionadas (exceto uma) as colocar no segmento das viaturas ligeiras diesel de passageiros;
• O facto de o sujeito passivo justificar as alienações com a realização de “bons negócios”, remete, necessariamente, para a prossecução de uma atividade económica habitual, facilitada pela atividade profissional desenvolvida pelo sujeito passivo “A. ”, a qual permite o conhecimento do tipo de viaturas adequadas ao mercado local;
• A celebração de contratos de consignação com a entidade V. LDA, NIPC (...), entidade patronal de “A. ”, pressupõe uma intenção de venda, um comportamento ativo na promoção da alienação das viaturas;
• O facto de os sujeitos passivos realizarem todas as operações em numerário, não possuindo ou exibindo qualquer comprovativo dos recebimentos obtidos ou dos pagamentos efetuados, inclusive das operações que envolvem operadores intracomunitários registados, facto que consideramos, no mínimo, singular;
• Por último, os rendimentos declarados pelos sujeitos passivos e a sua capacidade aquisitiva (ver VPT do imóvel correspondente ao atual domicílio fiscal), indiciam a existência de recursos financeiros adicionais aos rendimentos declarados.
12. Tendo-se concluído pelo efetivo exercício de uma atividade económica por parte dos sujeitos passivos, importa quantificá-la para efeitos de correta tributação dos rendimentos sujeitos a imposto, situação prejudicada pelo facto dos sujeitos passivos declararem que todas as compras e vendas de viaturas são efectuadas em numerário, inclusivamente não juntando, apesar de solicitado, quaisquer comprovativos bancários de quantias levantadas ou depositadas, inviabilizando assim a recolha e validação de prova de auditoria.
13. Mediante o exposto, a fim de permitir a recolha de prova que possibilite aferir a real dimensão do anteriormente descrito e dos reais montantes envolvidos, no sentido do apuramento da verdade material e consequente tributação devida, solicitamos:
A Derrogação do Sigilo Bancário para os sujeitos passivos A., NIF (...), e E., NIF (…), para os períodos de 2016 e 2017, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT) que determina: (…)
O recurso sistemático a meios de pagamento em numerário, mesmo quando respeitantes a operações envolvendo operadores económicos (nacionais e intracomunitários) justifica, no nosso entendimento, a derrogação do sigilo bancário para os períodos de 2016 e 2017, tanto que estão preenchidos os requisitos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT, pelo forte indício de omissões de rendimentos sujeitos a impostos (IRS e IVA) provenientes do exercício de uma atividade económica não registada, estando assim em falta declarações de rendimentos para efeitos de tributação.
(cfr. fls. 7-11 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
31) A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira proferiu, em 29-05-2020, com base na informação referida na alínea anterior, decisão de autorização de acesso à informação bancária em nome dos ora recorrentes para os anos de 2016 e 2017, de cujo teor se destaca o seguinte:
1. Nos termos e com os fundamentos constantes da Informação da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Braga, prestada no âmbito das Ordens de Serviço n.ºs OI201902378 e OI201902379, bem como com os pareceres e despacho nela exarados, verificando-se o condicionalismo previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo n.º 4 do mesmo preceito legal, autorizo que funcionários da Inspeção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder diretamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas, de que sejam titulares os sujeitos passivos “A.” e “E.”, com os número de identificação fiscal 223.219.983 e 225.313.286, respetivamente, com referência ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2016 e 31 de dezembro de 2017.
(cfr. fls. 6 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
32) Os recorrentes não se encontram inscritos para o exercício de qualquer actividade económica, entregando em conjunto a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, na qual constam apenas rendimentos de trabalho dependente (facto não controvertido);
33) Nos anos de 2016 e 2017 os recorrentes declararam os seguintes rendimentos da categoria A (trabalho dependente):
20162017
A.9.100,00 €9.100,00 €
E.27.006,55 €26.095,81 €
Total36.106,55 €35.195,81 €
(facto não controvertido);
34) O recorrente marido é funcionário do stand V., LDA. (facto não controvertido);
35) Os recorrentes compraram, em Novembro de 2009, um prédio urbano pelo preço de 105.000,00 € o qual venderam, em Novembro de 2017, por 136.000,00 €, sendo que a quantia de 78.808,40 € se destinou a pagar o empréstimo obtido para compra do prédio em causa (cfr. doc. 4 juntos aos autos com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
36) Os recorrentes compraram, em 20-06-2016, um lote de terreno para construção pelo preço de 20.000,00 € (cfr. doc. 5 juntos aos autos com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
37) Os recorrentes celebraram, em 19-12-2016, um contrato de mútuo com hipoteca com o banco BANKINTER, S.A. através do qual este se comprometeu a entregar-lhes, a título de empréstimo, a quantia de 150.000,00 € para construção de habitação própria e permanente no terreno referido na alínea anterior (cfr. doc. 6 juntos aos autos com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Consideram-se não provados os seguintes factos:
A) A viatura XX-XX-XX foi comprada para utilização pessoal do recorrente marido;
B) A viatura XX-XX-XX foi comprada para utilização pessoal da recorrente mulher;
C) A viatura XX-XX-XX foi comprada para utilização pessoal da recorrente mulher;
D) A recorrente mulher não gostou da viatura XX-XX-XX;
E) A viatura XX-XX-XX foi comprada para utilização pessoal do recorrente marido;
F) A recorrente mulher não gostou da viatura XX-XX-XX;
G) A viatura XX-XX-XX foi vendida por ter problemas mecânicos.
*
MOTIVAÇÃO
A matéria de facto dada como provada foi a considerada relevante para a decisão da causa e resultou das posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados e da análise crítica do teor dos documentos juntos aos autos e constantes do PA, conforme discriminado em cada alínea do probatório.
A matéria de facto dado como não provada ficou a dever-se à ausência de prova a seu respeito, pois a prova testemunhal produzida nos autos não logrou convencer o Tribunal do alegado, como se passa a explicar.
O Tribunal ouviu V., sócio-gerente da sociedade V., LDA. desde 2011 e amigo de longa data do recorrente marido.
O depoimento desta testemunha, além de vago e genérico, incorreu ainda em contradições que colocam em causa a sua credibilidade como um todo. De facto, a testemunha referiu que aconselhou o recorrente marido a comprar a viatura XX-XX-XX por lhe ter parecido que a mesma estava em boas condições o que não se veio a confirmar, pois a viatura terá apresentado vários problemas mecânicos. Assim, como forma de “compensar” o recorrente marido pelo mau negócio realizado com a compra de tal viatura, a testemunha ter-lhe-ia dado a viatura XX-XX-XX que tinha recebido de retoma e na qual não tinha interesse, por ser um veículo demasiado antigo. A testemunha referiu ainda que pediu ao recorrente marido que este registasse de imediato a viatura em seu nome. Ora, os documentos juntos aos autos corroboram esta versão dos factos, pois resulta dos mesmos que a viatura XX-XX-XX foi registada em nome do recorrente marido em 18-02-2016 e que o seu anterior proprietário a entregou no stand V., LDA. em Janeiro de 2016, no contexto da compra de uma outra viatura. Sucede, no entanto, que os recorrentes alegaram, o que é corroborado pelo registo de propriedade junto aos autos, que a viatura XX-XX-XX foi comprada em 06-10-2016, ou seja, muito depois da viatura XX-XX-XX ter sido entregue no stand V., LDA. e registada em nome do recorrente marido, o que abala a credibilidade da versão apresentada pela testemunha, pois a viatura XX-XX-XX não poderia ter sido entregue em Fevereiro de 2016 como forma de compensar um mau negócio realizado apenas em Outubro de 2016. O que se acaba de dizer, conjugado com as relações de proximidade existentes entre a testemunha e o recorrente marido (a testemunha chegou a referir que considerava o recorrente marido como se fosse seu irmão) e a natureza vaga e pouco circunstanciada do depoimento prestado, não permitiu ao Tribunal formar uma convicção segura quanto à veracidade do declarado. Assim sendo, e dado que a dúvida sobre a realidade de um facto tem que ser resolvida contra a parte a quem o facto aproveita (art.º 414º do CPC), foram os factos A) a G) dados como não provados.
A restante matéria alegada não foi julgada provada ou não provada por não ter relevância para a decisão da causa ou por não ser susceptível de prova, por se tratar de considerações pessoais ou de conclusões de facto ou de direito. (…)

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A questão a decidir no presente recurso é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada subsunção dos factos ao direito ao concluir que a decisão de derrogação de sigilo bancário viola o princípio da proporcionalidade por não se afigurar necessária à verificação da situação tributária dos Recorridos.

Vejamos:
Preceitua o n.º 1 do art.º 63.º da LGT que “1 - Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente:
a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais;
b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária;
c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, programação e execução;
d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas;
e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais;
f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da acção inspectiva. (…)”


Por força do n.º 1 do art.º 63.º-B da LGT, a Administração Tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de junho, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 317/2009, de 30 de outubro, e 242/2012, de 7 de novembro, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos.

O art.º 63.º-B, nas suas várias alíneas – a) a f) - identifica as situações em que Administração Tributária pode aceder a todas as informações ou documentos bancários, nomeadamente, prevê a alínea b) quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível.

Decorre do n.º 1 do art.º 63.º e da alínea b) do art.º 63.º-B da LGT, que a Administração Tributária, tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras, quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível.

A sentença recorrida entendeu que se encontrava verificados os pressupostos para a derrogação de sigilo bancário, previsto na alínea b) do art.º 63.º-B da LGT, referindo que “(...) Descendo agora ao caso concreto dos autos, a administração tributária considera ter apurado indícios que lhe permitem concluir que os recorrentes exerceram uma actividade económica não declarada, consistindo tais indícios, essencialmente, na compra e venda, durante um período de tempo de cerca de dois anos, das seis viaturas identificadas na informação que serviu de suporte fundamentador ao despacho impugnado. Para além da compra e venda destas viaturas, a administração tributária considera ainda ser demonstrativo de que está em causa a prossecução de uma actividade económica/comercial a circunstância de o recorrente marido ter referido, em declarações prestadas no Serviço de Finanças, que “para evitar a desvalorização das viaturas procedem à sua venda caso surjam bons negócios”, que os contratos de consignação demonstram um “comportamento activo na promoção da alienação das viaturas”, que a realização de operações em numerário é um “facto singular” e ainda que a “capacidade aquisitiva” dos recorrentes indicia a existência de recursos financeiros não declarados.(…)”
E concluiu que “Em face do exposto, afigura-se-nos que, pelo menos com referência às viaturas XX-XX-XX, XX-XX-XX, XX-XX-XX e XX-XX-XX, a administração tributária logrou provar a existência de indícios suficientemente sólidos que permitem afirmar que, com elevado grau de probabilidade, os recorrentes as adquiriram com a intenção de as revenderem o que, como apontado, constitui uma actividade comercial sujeita a tributação em sede de IRS e IVA por se tratar de uma actividade de mediação entre a oferta e a procura e que tem por fim objectivo um lucro.(…)”
Julgamento que não merece censura e com o qual as partes se conformaram.

De seguida a sentença recorrida apreciou se a derrogação sigilo constitui uma medida proporcional, entendendo que: “(…) Assim, sendo possível conhecer a identidade dos vendedores e compradores das viaturas em causa por simples consulta ao registo automóvel, e dado que a derrogação do sigilo bancário deverá constituir uma medida excepcional a utilizar apenas quando não for possível obter a informação pretendida por nenhuma outra via, impunha-se à administração tributária que tivesse alegado e provado que não lhe era possível obter as informações pretendidas junto dos vendedores/compradores das viaturas, o que não só não foi feito como, pelo contrário, resulta até do PA que a administração tributária dispunha de, pelo menos, parte das informações pretendidas, nada tendo sido avançado quanto à impossibilidade de obter as restantes informações junto dos compradores/vendedores das viaturas ou quanto à eventual falta de credibilidade da informação obtida e constante do PA.(…)”
Concluindo que a decisão de derrogação de sigilo bancário incorria em violação do princípio da proporcionalidade, julgamento com o qual desde já se diga que não nos revemos.

Decorre do art.º 55.º da LGT que “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.”

Prevê o art.º 7.º do RCPIT que. “As ações integradas no procedimento de inspeção tributária devem ser adequadas e proporcionais aos objetivos de inspeção tributária.”

Decorre da interpretação conjunta dos artigos 55.º da LGT, art.º 7.º do RCPIT, 63.º e 63.º-B da LGT, para que seja permitido a derrogação do sigilo bancário é que essa medida se mostre adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária visado na inspeção.

Tem a jurisprudência entendido que, o recurso à derrogação do sigilo é necessário, quando não exista outra forma de ultrapassar a falta de colaboração do contribuinte; é adequado, no sentido de que a informação em falta pode ser obtida com recurso a essa informação bancária, e proporcional quando se pretende o levantamento do sigilo bancário relativamente aos períodos nos quais foi verificada a falta de colaboração.

Como decorre da jurisprudência deste TCAN, no acórdão de 00380/12.5 BEBRG de 27.09.2012, citada na sentença recorrida,: “II - Da necessidade de subordinar o levantamento do sigilo bancário a critérios de proporcionalidade decorre que o levantamento do sigilo bancário só constituirá um instrumento lícito do apuramento da situação tributária do sujeito passivo quando, em concreto, se revelar necessário (no sentido de que não existe outra forma de suplantar a falta de colaboração do contribuinte); adequado (no sentido de que a informação em falta pode ser obtida com recurso a essa informação bancária), e proporcionada em sentido estrito (no sentido de que só pode ser pretendido o levantamento do sigilo bancário quanto aos elementos e aos períodos relativamente aos quais foi verificada a falta de colaboração.” Cfr. ainda acórdãos n.ºs 215/19.BEPRT de 22.10.2020 e 3102/18.3BEPRT de 02.07.2020.
Resulta da matéria de facto provada, e não impugnada que os Recorridos não se encontravam inscritos para o exercício de qualquer atividade económica, entregando em conjunto a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, na qual constam apenas rendimentos de trabalho dependente, tendo nos anos de 2016 e 2017 declararam os seguintes rendimentos da categoria A (trabalho dependente):
20162017
A.9.100,00 €9.100,00 €
E.27.006,55 €26.095,81 €
Total36.106,55 €35.195,81 €

Ficou ainda provado – factos 1) a 12) – que nos anos de 2016 e 2017, os Recorridos praticaram atos de comércio que evidenciavam, o exercício de uma atividade económica, nomeadamente a aquisição e venda de vários veículos em território comunitário, comprovado por declarações aduaneiras e por faturas cujos vendedores são operadores económicos e não pessoas particulares, para além de aquisições nacionais.
Tendo ficado provado que em todas as transações (aquisições, vendas e revendas), os pagamentos foram efetuados em numerário, permite concluir pela existência de indícios da inveracidade das declarações de rendimentos, bem como pela necessidade do uso da derrogação do sigilo bancário.
Os Recorridos não autorizaram o acesso às suas contas bancárias, escudando-se que todos os pagamentos foram efetuados em numerário, sendo que tal comportamento não é compaginável com pagamentos a operadores económicos comunitários, bem como despesas de legalização dos veículos e os montantes em causa.
Compulsada a matéria de facto provada nas alíneas 1) a 37) e mesmo a não provada nas alíneas A) a G) a Administração logrou provar a existência de indícios suficientemente sólidos que permitam com elevado grau de probabilidade que os Recorridos compram veículos com a intenção de revender, com o objetivo de obter lucro, o que configura uma atividade comercial sujeita a tributação em sede de IRS.
Como refere a Recorrente (AT) a sentença recorrida incorre em erro de julgamento quando entende que “sendo possível conhecer a identidade dos vendedores e compradores das viaturas em causa por simples consulta ao registo automóvel, e dado que a derrogação do sigilo bancário deverá constituir uma medida excepcional a utilizar apenas quando não for possível obter a informação pretendida por nenhuma outra via, impunha-se à administração tributária que tivesse alegado e provado que não lhe era possível obter as informações pretendidas junto dos vendedores/compradores das viaturas.(…)”.

Refira-se que o facto de ser possível conhecer a identidade dos vendedores e compradores das viaturas em causa e identificados nos autos, por simples consulta ao registo automóvel, não permite obter nem apurar os movimentos e a verdadeira situação tributária dos Recorridos.

Como se resulta da matéria de facto provada e do teor da decisão constante na alínea 30), não está em causa as operações concretas, relativas aos veículos identificados, mas a recolha de prova que possibilite aferir a real dimensão da atividade dos Recorridos e dos reais montantes envolvidos, nomeadamente se enquadra no exercício de uma atividade económica para a qual não se encontram registados.

Face ao exposto, a derrogação de sigilo, mostra-se necessária, proporcional e adequada ao apuramento da situação tributária dos Recorrentes pelo que sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.

Destarte procede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença, no segmento recorrido.

4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões:

I. Decorre do n.º 1 do art.º 63.º e da alínea b) do art.º 63.º-B da LGT, que a Administração Tributária, tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras, quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível.

II. Decorre da interpretação conjunta dos artigos 55.º da LGT, art.º 7.º do RCPIT, 63.º e 63.º-B da LGT, para que seja permitido a derrogação do sigilo bancário é que essa medida se mostre adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária visado na inspeção.

4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogando-se a decisão judicial recorrida, no segmento impugnado, e em consequência manter a decisão de derrogação sigilo bancário.
*
Custas pelos Recorridos, em ambas as instâncias, nos termos do art.º 527.º do CPC.
*
Porto, 16 de setembro de 2021

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes