Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00389/12.9BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/05/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IRC; IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; FATURAS FALSAS; ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I. Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que a Relação, in casu o TCAN deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, indique os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

II. No caso, de impugnação da matéria de facto, sustentada em prova testemunhal gravada, que seja possível a identificação precisa em separada dos depoimentos, o ónus do recorrente previsto na alínea b) do n.º 1 e 2 e 4 do art.º 640.º do CPC, cumpre-se mediante a indicação exata das passagens da gravação em que se funda, sem embargo da apresentação facultativa da respetiva transcrição.

III. Vem a jurisprudência entendendo de modo uniforme que, quando estão em questão correções de liquidações de IRC, por desconsideração dos custos documentados por faturas, as quais foram consideradas falsas pela administração tributária, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes:
Em primeira linha compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, terá que demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada.
Em segunda linha, e após feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito deduzir os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:S., Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, S., Lda, pessoa coletiva n.º (…) interpôs recurso da sentença prolatada, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Penafiel, que julgou improcedente a impugnação judicial visando as liquidações adicionais de IRC e respetivos juros compensatórios, referente ao ano de 2005, 2006 e 2007, no montante global de € 139 609,94.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(…) 1ª) O recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida pela recorrente contra as liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2005, 2006 e 2007, nos valores de, respectivamente, € 47.091,80, € 65.689,30 e € 26.828,84, que perfazem o valor global de € 139.609,94.
2ª) Salvo o muito e devido respeito, a recorrente não pode aceitar a sobredita sentença.
3ª) Desde logo, vem impugnar a decisão de facto, por entender que existiu erro na apreciação da prova produzida.
4ª) Por outro lado, é convicção da recorrente que, atentas as normas jurídicas aplicáveis ao caso sub judice, a decisão deveria ter sido no sentido da procedência total da impugnação.
5ª) As liquidações impugnadas padecem do vício de forma, por a fundamentação ser contraditória, uma que a AT corrige a actividade da recorrente a montante de um modo que é incompatível com a sua actividade a jusante em que não toca.
6ª) As liquidações impugnadas enfermam também do vício de errónea quantificação da matéria tributável, uma vez que forem eliminados custos imprescindíveis para a formação dos proveitos sem que os mesmos fossem substituídos por outros através de avaliação indirecta.
7ª) As liquidações impugnadas são ainda ilegais por erro quanto aos pressupostos de facto em que se sustentam, uma vez que foram tratados como fictícios e simulados custos que de facto e na verdade ocorreram.
8ª) As liquidações impugnadas são ilegais também por verificação do vício de violação de lei, por ofensa aos princípios gerais de direito consagrados na CRP, LGT e RCPIT, designadamente os da prossecução do interesse público, da tributação do rendimento real e da verdade material.
9ª) As liquidações impugnadas sempre seriam ilegais por usura, abuso de direito e enriquecimento sem causa.
10ª) A impugnação judicial devia ter sido julgada procedente, por provada, e consequentemente serem anuladas as liquidações impugnadas, por ilegalidade - art. 99° do CPPT, ser reembolsado tudo quanto foi pago e serem fixados os competentes juros indemnizatórios.
11ª) Assim, a sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito.

Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e consequentemente ser revogada a sentença recorrida, com todas as consequências legais, nomeadamente a anulação das liquidações impugnadas, o reembolso do que foi pago e a fixação de juros indemnizatórios, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça...(…)”

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito.

3. JULGAMENTO DE FACTO

3.1. Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
A) A impugnante foi sujeita a um procedimento de inspeção externo, parcial – IRC e IVA –, aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, que está documentado no RIT junto aos autos de fls. 67 a 89, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
B) O procedimento de inspeção foi motivado por nesses exercícios a impugnante ter registado na sua contabilidade faturas emitidas em nome da empresa C., Ld.ª, pessoa coletiva n.º (...), com sede em (...), (...), (...), e existirem indícios que essas faturas não correspondem a operações reais (fls. 67 a 89).
C) Nos exercícios de 2005, 2006 e 2007, a impugnante tinha registado na sua contabilidade as seguintes faturas emitidas em nome das C. (fls. 67 a 89):

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

D) Com base na fundamentação e conclusões constantes do RIT referido em A), a administração tributária considerou que as faturas emitidas em nome das C. e registadas na contabilidade da impugnante nos exercícios de 2005, 2006 e 207, não titulavam operações económicas reais, por a entidade identificada como emitente das faturas não ter prestado os serviços que delas constam (fls. 67 a 89).
E) Com essa fundamentação, a administração tributária considerou que essas faturas não conferem o direito à dedução do IVA, nem são suscetíveis de serem aceites como custo fiscal em sede de IRC, por existirem fortes indícios que essas faturas não titulam operações económicas reais, por a entidade identificada como emitente não ter prestado os serviços que delas constam (fls. 67 a 89).
F) No exercício de 2007, a impugnante contabilizou em duplicado as vendas a dinheiro n.ºs 8/2007, 9/2007, 10/2007 e 11/2007, tendo duplicado os custos em IRC nesse exercício, no montante de €26.078,54 (fls. 84 e 89).
G) Com esses fundamentos, os serviços de inspeção tributária (SIT) não aceitaram a dedução do IVA e dos custos correspondentes às referidas faturas (fls. 67 a 89).
H) Em consequência, os SIT procederam à correção meramente aritmética da matéria tributável da impugnante nos exercícios de 2005, 2006 e 2007, no valor de, respetivamente, €150.989,64, €218.297,56 e €96.051,53 (fls. 67 a 89).
I) Nos exercícios de 2005, 2006 e 2007, a impugnante tinha um lucro tributável declarado de, respetivamente, €23.641,21, €24.242,79 e €34.725,95 (fls. 90 a 92).
J) As correções referidas em G) deram origem ao lucro tributável corrigido, nos exercícios de 2005, 2006 e 2007, de, respetivamente, €174.630,85, €242.540,35 e €130.777,48 (fls. 90 a 92).
K) A matéria coletável corrigida originou as liquidações adicionais de IRC de 2005, 2006 e 2007 e juros compensatórios impugnadas nestes autos, que apuraram um valor a pagar de, respetivamente, €47.091,80, €65.689,30 e €26.828,84 (fls. 14, 15, 18 a 20, 61 e 62).
L) A impugnante pagou (fls. 14 a 63 e 482 e seguintes):
K.1) Em 02/12/2009, a quantia de €47.091,80, correspondente à liquidação impugnada de IRC de 2005;
K.2) Em 16/12/2009, a quantia de €26.828,84, correspondente à liquidação impugnada de IRC de 2007; e
K.3) Integralmente a liquidação impugnada de IRC de 2006, no valor de €65.689,30, pelas seguintes prestações, datas e montantes:

Contem imagem no original

Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga não provado:
1) As C. prestaram à impugnante os serviços que constam das faturas desconsideradas pela administração tributária referidas em C).
2) As faturas emitidas com o nome das C., registadas na contabilidade da impugnante nos exercícios de 2005, 2006 e 2007 titulam operações económicas reais. (…)”

3.2. Aditamento Oficioso à Matéria de Facto.
Ao abrigo do artigo 662º, nº 1, alínea a) do Código do Processo Civil importa aditar a alínea A1) à matéria de facto provada, sendo que dos autos consta documento que habilita:
A1) Do Relatório de Inspeção referido na alínea A) consta o seguinte:
“(…)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMETICAS A MATERIA TRIBUTAVEL

1- Caracterização da actividade e estrutura empresarial de C. Lda (NIF: (...))
Na sequência de acção inspectiva aos exercícios de 2005, 2006 e 2007 levada a efeito empresa C., Lda (adiante apenas designada por "(...)"), com o n.º de contribuinte (…) e sede em (...), 4620-010 (...), (...), verificou-se que a referida empresa emitiu diversas facturas que não corresponderam a operações reais.
(…)
No início da acção inspectiva à "(...)" constatou-se que não cumpriu às suas obrigações fiscais a que, nos termos do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas nomeadamente com a falta de entrega das:
- Declarações periódicas de IVA dos anos de 2005, 2006, 2007;
- Declarações de rendimentos Modelo 22 - IRC, relativas aos anos de 2005, 2006, 2007;
- Declarações anuais de informação contabilística e fiscal, relativas aos anos de 2005, 2006 e 2007.
A "(...)" não procedeu à entrega da declaração Modelo 10 (rendimentos e retenções de sujeito passivos residentes), nem a Modelo 30 (declaração de rendimentos pagos ou colocado à disposição de sujeitos passivos não residentes), pelo que não existe qualquer informação disponível sobre rendimentos pagos a terceiros, nomeadamente a título de trabalho dependente ou independente, b que conjugado com o cruzamento do anexo P – Fornecedores com o anexo O - Clientes, ambos da declaração anual de informação contabilística e fiscal indicia que a "(...)" não tinha ao seu serviço qualquer trabalhador nem subcontrato nenhuma entidade para realizar às prestações de serviços que constam nas facturas por si emitidas.
Solicitados elementos à Segurança Social, nomeadamente cópias das folhas de remuneração emitidas pela "(...)" relativamente aos anos de 2005, 2006 e 2007, foi-nos remetida informação que indica "Não apresenta declarações nos anos 2005, 2006 e 2007.". No decurso da presente acção inspectiva à "(...)" verificou-se a titularidade de uma conta bancária no Banco (…) o número de contrato (…), facto confirmado pelas diversas instituições bancárias conforme solicitação nossa ao Banco de Portugal, após autorização do levantamento do sigilo bancário concedida pelo sócio-gerente J.
De acordo com a informação disponível no sistema informático da DGCI, desconhecem-se imóveis associados à "(...)", sendo que se constata que é proprietária de uma viatura ligeira mista, Toyota Hiace com matrícula XX-XX-XX.
Da consulta ao sítio na internet www.inci.pt, da entidade reguladora do sector da construção imobiliário, o Instituto da Construção e do Imobiliário I.P. (lnCI, ex-IMOPPI), verifica-se que "(...)" nunca foi detentora de qualquer do Título de Registo ou Alvará, para o exercício de qualquer actividade de construção civil ou outra.
Face ao exposto, nomeadamente considerando a inexistência de meios humanos ao seu dispor e/ou o recurso a terceiros, constata-se que a "(...)" não possuía capacidade instalada para realizar a totalidade das prestações de serviços por si tituladas nas facturas emitida:
sendo que tais factos constituem por si só indícios fundados que esta procedeu à emissão de facturas sem ter prestado efectivamente os serviços.

2. Facturas emitidas pela "(...)" à "F."

A "F." registou na sua contabilidade as facturas e vendas-a-dinheiro constantes no Anexo I emitidas pela "(...)" que titulam "aquisições de serviços".
As referidas facturas (com excepção das facturas n°s 140, 141 a 143) e vendas-a-dinheiro foram contabilizadas da seguinte forma:
- a débito da conta 62.1.1.3 - "Subcontratas - com IVA dedutível -A Taxa Normal", pelo montante das prestações de serviços;
- a débito da conta 2432331 -"IV A dedutível- Outros bens e serviços e serviços-Mercado Nacional", pelo montante do IVA;
- a crédito da conta 221172-Const (...) Lda" pelo total facturado.
As referidas facturas n.ºs 140, 141 e 143 e vendas-a-dinheiro foram contabilizadas da seguinte forma:
- a débito da conta 62.1.1.3 - "Subcontratas - com IVA dedutível -A Taxa Normal", pelo montante das prestações de serviços;
- a débito da conta 2432331 -"IVA dedutível-Outros bens e serviços e serviços-Mercado Nacional", pelo montante do IV A;
- a crédito da conta "111 -Caixa A" pelo total facturado.

a) Quanto ao descritivo dos serviços facturados

Nos termos do n.º 5 do art.º 35.º do CIVA (actual n.º 5 do art.º 36 do CIVA), as facturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter entre outros elementos " ... a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável", isto é, devem identificar correctamente os bens vendidos ou os serviços prestados, não podendo aceitar-se, por exemplo, a mera indicação de "serviços prestados", bem como a " ... data em que ... os serviços foram realizados ... se essa data não coincidir com a factura".
Ora, as facturas processadas com deficiências conduz à penalização de quem as passou e de quem as detém, já que o adquirente procedeu à dedução do imposto, com base em documentos passados sem a forma legal, pelo que nos termos do art.º 19 n.º 2 a) CIVA o IVA nelas constantes não poderá ser deduzido.
Da análise das facturas e vendas-a-dinheiro constantes do Anexo I, quanto à descrição dos serviços prestados constata-se o seguinte:
(…)
b) Quanto ao recebimento do valor facturado

A "F." remeteu-nos cópia dos canhotos dos cheques ·emitidos à "(...)", sendo que após nossa solicitação nos remeteu cópia frente e verso de alguns cheques emitidos por si à "(...)", bem como autorização à Administração Fiscal para solicitar às diversas Instituições Bancárias cópia dos cheques frente e verso em falta. Não obstante a "(...)" ter facturado para a "F." um montante total de € 531.002,72 apenas nos foram remetidos pela "F." comprovativos dos supostos pagamentos no montante total de € 311.127,10, que serão analisados na alínea seguinte.

Da análise dos registos contabilísticos verificou-se que o restante montante que totaliza € 219.875,62 (€ 531.002,72 - € 311.127,10) foi supostamente pago em numerário, já que os respectivos movimentos contabilísticos foram efectuados por contrapartida da conta 11 - Caixa. Alguns desses registos contabilísticos tiveram como suporte recibos ou vendas-a-dinheiro emitidos pela "(...)" e outros foram registados de acordo com documentos internos emitidos pela "F.", como por exemplo: o documento contabilístico n.º 42 registado em 2006-12-31 no montante total de € 90.000,00; o documento contabilístico n.º 120055 registado em 2007-12-31 no montante de € 57.995,30.

Considerando os elementos disponíveis, constata-se que não é possível comprovar que o referido montante total de € 219.875,00 foi efectivamente recebido, ainda que fraccionadamente, pelo sujeito passivo "(...)". Atendendo ao facto de supostamente tais pagamentos terem sido efectuados em dinheiro, constitui forte indicio de que as facturas e vendas-a-dinheiro em causa efectivamente não correspondem a quaisquer serviços prestados (operações fictícias).


b.1) Análise do circuito financeiro das quantias constantes dos cheques emitidos pela "F." à "(...)"

b.1.1) Conta Bancária n.0 (…) do (…) emitidos os seguintes cheques:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Da análise às cópias dos cheques frente e verso constantes da tabela supra, sobressaem os seguintes factos:

- Todos os cheques (com excepção dos cheques n.ºs 6048716797 e 6046744645) foram levantados ao balcão.

- O cheque n.º 6048716797 foi depositado na conta n.º (..) do Montepio Geral, cujo titular é o sócio-gerente da "(...)" J..

- O cheque n.º 6048744645 foi depositado na conta bancária n.º (…) do Montepio Geral, conta bancária alheia à "(...)".

- Nos cheques emitidos à ordem da "(...)" consta no verso o endosso da "(...)" efectuado pelo seu sócio-gerente J.;

Face aos elementos disponíveis, constata-se que não é possível comprovar que os valores dos referidos cheques foram efectivamente recebidos pela "(...)".


b.1.2) Conta Bancária n.º 1 (…) do Montepio Foram emitidos os seguintes cheques:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Da análise às cópias dos cheques frente e verso constantes da tabela supra, sobressaem os seguintes factos:

- No verso dos cheques consta o endosso da "(...)" efectuado pelo seu sócio-gerente J.;

- Todos os cheques foram depositados na conta n.º (…) do Montepio, cujo titular é o sócio gerente da "M." J..

Face aos elementos disponíveis, constata-se que não é possível comprovar que os valores dos cheques foram efectivamente recebidos pela "(...)" já que este foram depositados na conta bancária pessoal do seu sócio-gerente J., sendo que segundo o referido sócio-gerente se deveu ao pagamento da comissão pela emissão das facturas por parte da "F.".


c) Contratos I Autos de Medição I Orçamentos

Os autos de medição remetidos foram analisados na alínea a).

Não tivemos acesso a quaisquer contratos, e/ou orçamentos referentes a estas facturas e vendas-a-dinheiro. não obstante terem sido solicitados.


d) Auto de declarações do sócio-gerente da "(...)" J.

" ... nunca prestou qualquer serviço para a referida empresa. foi o Sr. F. que lhe pediu para "desenrascar' as facturas que constam em anexo I, conheceu o Sr. F. de outras obras, recebia em média 8% do total que facturava. Apenas emitiu as referidas facturas devido sócio-gerente Sr. F. à empregada de escritório A. (funcionária da F. Lda). A referida funcionária, D. A. preenchia habitualmente as facturas à sua frente e do Sr. F. e posteriormente, por regra rubricava ou assinava e colocava o carimbo das C. Lda. Assinava também os autos de medição por este apresentado mais uma vez sem ter prestado qualquer serviço. Era sempre acompanhado pelo Sr. F. ao balcão do Banco (…) para proceder ao levantamento dos cheques emitidos à ordem das C. Lda, sendo que mal saiam da agência bancária, entregava o total do levantamento ao referido sócio-gerente F.. As comissões que recebeu por ter emitido as facturas foram pagas em dinheiro e através de três cheques sobre o Montepio Geral (cheque n.ºs 2928034918, 6728034903 e 1528034898) e o cheque n.º 6048720483 sobre o (banco) por si ou pela sua esposa levantados ao balcão.". ·


e) Auto de declarações do sócio-gerente da "F." F.

"Os contactos eram estabelecidos com o Sr. J., vulgo “coluna”. As obras foram realizadas em Pinhel (cerca de 30 Kms da Guarda), Oliveira de Azeméis, Matosinhos, Maia, Porto, Vila Nova de Gaia, não consegue precisar as datas da realização das obras nem tão pouco identificar qualquer funcionário. Realizou autos de medição normalmente com um dos funcionários da (...) Lda, sendo que posteriormente o Sr. J. deslocava-se ao seu escritório para emitir as facturas e receber. Algumas facturas foram preenchidas pelo Sr. J. e outras pela sua funcionária A.. Pagava sempre em cheque, sendo que algumas vezes acompanhou o Sr. J. ao balcão do (banco), devido aos seus problemas com a Banca. Normalmente paga em cheque aos seus subempreiteiros, pontualmente efectua em dinheiro. Actualmente não tem qualquer relação comercial com a (...)".


CONCLUSÃO

Em suma,

- Não foram comprovados os serviços prestados, apenas foram exibidas cópias de facturas e respectivos recibos, sem que as mesmas verificassem os requisitos exigidos no n.º 5 do art.º 35.º do CIVA (actual n.º 5 do art.º 36 do CIVA). Assim as facturas emitidas não foram passadas em forma legal, o que por si só impossibilita o direito à dedução da "F.", conforme disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 19.º do CIVA;

- Os comprovativos dos pagamentos apresentados pela "F." não permitem aferir se a "(...)" foi a real beneficiária dos montantes constantes nas facturas por si emitidas, sendo que não se compreende qual a necessidade de a "(...)" efectuar levantamentos ao balcão acompanhado pelo sócio-gerente da "F." F. ;
A "F." não deu cumprimento ao disposto no art.º 63.º-C da Lei Geral Tributária (LGT), nomeadamente o seu n.º 3 que prevê que "os pagamentos respeitantes a facturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a 20 vezes a retribuição mensal mínima devem ser efectuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respectivo destinatário, (Limites: 2005 - € 7.494,00, 2006 - € 7.718,00 e 2007 - € 8.060,00);

- A "F." não identificou convenientemente os trabalhadores que supostamente prestaram os serviços constantes nas facturas e vendas-a-dinheiro constantes do Anexo I; os autos de medição apresentados não identificam qualquer trabalhador, nem foi apresentado pela "F." outro elemento que evidenciasse o controlo do pessoal afecto a cada obra ou subempreiteiro da "(...)", n.º de pessoas, suas identificações, categorias profissionais, dias e horas de trabalho, bem como qualquer correspondência trocada, não demonstrando assim a "F." que os serviços facturados foram efectivamente prestados pela "(...)",

- A "F.", na pessoa do seu sócio-gerente F. , limitou-se a indicar que contactava com o sócio-gerente J. da "(...)", justificando que acompanhou algumas vezes o referido sócio-gerente a um dos balcões do Banco BCP para este efectuar o levantamento dos cheques por s i emitidos devido aos problemas da "(...)" com a Banca. No entanto quer a "(...)" quer este "F." nunca nos apresentou elementos comprovativos dessa afirmação;

- Por sua vez a "(...)" na pessoa do seu sócio-gerente J. afirmou que nunca prestou qualquer serviço a "F.", sendo que se limitava a entregar as facturas em branco e a assiná-las, sendo que alguns cheques emitidos pela "F." foram para pagar a sua comissão referente à emissão das facturas;
- A "(...)" nas datas de emissão das facturas e vendas-a-dinheiro constantes do Anexo I, não possuía estrutura empresarial, nem tão pouco demonstrou que recorreu a uma terceira entidade para realizar as referidas prestações de serviços.

(…)
Em face dos factos acima expostos, conclui-se que existem sérios e credíveis indícios de que as facturas emitidas pela "(...)" à "F." e constantes do Anexo I não correspondem a transmissão de bens/serviços efectivamente prestados pela "(...)", tratando-se assim de uma mera transmissão de facturas fictícias, obtendo desta forma a "F.", vantagens patrimoniais em sede de IVA e IRC.
(…)
Em sede de IRC, e pelos mesmos motivos, dado que as facturas tituladas pela "(...)" consubstanciam operações simuladas, não é admissível a consideração desses custos contabilizadas nos exercícios de 2005, 2006 e 2007 na conta 62. 1 . 1 - "Subcontratos – IVA dedutível", no montante de € 1 50.989,64, € 218.297,56 e 69.972,99 respectivamente, para efeitos de apuramento do lucro tributável do sujeito passivo "F.", nos termos do n.º 1 do art.º 23° do CIRC, pelo que, devem ser acrescidos ao quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC dos exercícios de 2005, 2006 e 2007. (…)” Cfr. fls. 37 a 59 do processo administrativo apenso aos autos.

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1 A Recorrente alega que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento no âmbito da valoração da prova.
Vejamos:
Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que a Relação, in casu o TCAN deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, indique os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
No caso em apreço a Recorrente impugna genericamente a matéria de facto e a respetiva valoração quer da prova documental quer testemunhal.
Analisadas as motivações das alegações no item III) limita-se genericamente a referir que as testemunhas arroladas confirmam a sua pretensão bem como a prova documental produzida.
Como refere António Abrantes Geraldes (in Recursos em Processo Civil – Novo Regime. Almedina, 2008, pp. 141 e segs. “(…) Procurando sintetizar o sistema que agora passou a vigorar sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão de facto:
a) O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os quais devem aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões;
b) Quando o recorrente funde a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que dele tenham sido registados, deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa a cada um dos factos;
c) Relativamente aos pontos da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova, há que distinguir duas situações:
I) se a gravação foi efetuada por meio (equipamento) que não permite a identificação precisa e separada dos depoimentos recai sobre a parte o ónus de transcrição dos depoimentos, ao menos na parte relativa aos segmentos que, em seu entender, influam na decisão (n.º4);
II) Se a gravação foi efetuada por meio (equipamento) que permite a identificação precisa e separada dos depoimentos, o que monitoriza a gravação (art. 4.º do Dec-Lei n.º 39/95) e que está presente na audiência deve assinalar “na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível a identificação precisa e separadas dos mesmos.”, como determina o art.º 522.º-C n.º 2 .
Assim, se, pelo modo como foi feita a gravação e elaborada a ata, for possível (exigível) ao recorrente identificar precisa e separadamente os depoimentos, o ónus de alegação, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto apoiada em tais depoimentos, cumpre-se mediante a indicação exactas das passagens da gravação em que se funda, sem embargo da apresentação facultativa da respectiva transcrição. O incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento (…)”
Em suma, no caso, de impugnação da matéria de facto, sustentada em prova testemunhal gravada, que seja possível a identificação precisa em separada dos depoimentos, o ónus do recorrente previsto na alínea b) do n.º 1 e 2 e 4 do art.º 640.º do CPC, cumpre-se mediante a indicação exata das passagens da gravação em que se funda, sem embargo da apresentação facultativa da respetiva transcrição.
O não cumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, nessa parte, sem possibilidade de ser proferido despacho de aperfeiçoamento.
No caso em apreço a Recorrente fundamenta o seu recurso em prova testemunhal gravada não indica as passagens da gravação em que se funda limitando-se a indicar que os factos foram confirmados pelas testemunhas A., Dr. M. e A.. A ata da inquirição de testemunhas, constante dos autos identifica cada uma das testemunhas, refere as advertências, indica os factos a que foram inquiridas, refere o confronto com documentos e ainda o registo em sistema digital, com a indicação das horas minutos e segundos.
Assim, a Recorrente era-lhe permitido identificar com precisão as horas e minutos e segundo, onde se encontrava o depoimento.
Acresce ainda referir, que o ónus não se mostra cumprido, com a mera junção às alegações de recurso das transcrições dos depoimentos das testemunhas.
Para além disso, impunha-se que a Recorrente referisse o “(…) porquê da discordância, isto é, em que é que tais depoimentos contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele.
É exactamente esse o sentido da expressão legal «quais os concretos meios probatórios de registo ou gravação... que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida».
Repare-se na letra da lei: «Imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida»!
Com efeito, trata-se da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o Recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada.
Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório (…)” Cfr Acórdão do STJ de 15.09.2011 no proc. 1079/07.0 OTVPRT.P1.51 por referencia ainda ao artº 690º-A do CPC (destacado nosso).
No caso em apreço, a Recorrente não cumpriu o ónus que sobre si recaia. Assim, não tendo dado cabal cumprimento aos ónus de especificação da sua dissidência quanto à decisão de facto, como é imposto pelas alíneas a) e b) do nº 1, 2 e 4 do artigo 640.º, do Código de Processo Civil, é de rejeitar o recurso no que concerne à decisão da matéria de facto.
Acresce ainda referir que o n.º 5 do art.º 607.º do CPC prevê que “ o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
Destarte, o juiz em primeira instância, na decisão sobre a matéria de facto, aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
A apreciação e valoração da prova, está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova a qual se sustenta em critérios racionais e objetivos, em juízos de deduções e conclusões razoáveis, mas sempre de mera probabilidade conduzindo a um juízo positivo da prova quando, se afigure aceitável à luz de um cidadão medianamente informado e esclarecido, que a realidade por eles indiciada se possa ter como efetivamente ter acontecido.
E pelo princípio da sua imediação, que consiste no contacto direto entre o juiz que decide a ação e as testemunhas que fornecem os elementos de prova que interessam à decisão.
O contacto direto, entre o juiz e a testemunha, permite àquele captar uma série relevante de elementos, quer através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento e das reações do inquirido sobre a realidade dos factos.
É jurisprudência pacífica que mesmo com o registo magnético não se conseguem apreender determinadas realidades que só a imediação entre o juiz e a testemunha permite, quando o juiz profere a decisão de acordo com a sua livre convicção, essa convicção foi formada não só com o que lhe foi dito mas também como foi dito. (Cfr. Acórdãos do STA n.ºs 01188/02 de 18.06.2006 e 109/10 de 12.05.2011).
É, pois, pela fundamentação da sentença que se afere a correção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assentando a decisão da matéria de facto, no presente caso, na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância, na respetiva apreciação.
A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas.
Sobre este entendimento do duplo grau de jurisdição, o Tribunal Constitucional pronunciou-se referindo que (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” (destacado nosso) Acórdão de 13.10.2011 in ACÓRDÃOS do T. C. Vol. 51°, Pag 206 e ss.”.
Em suma, apenas haverá erro de julgamento de facto quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.
Baixando ao caso dos autos importa relembrar que na sentença recorrida não ficou provado que as C. prestaram à impugnante os serviços que constam das faturas desconsideradas pela administração tributária referidas na alínea C) da matéria provada.
E que as faturas emitidas com o nome das C., registadas na contabilidade da impugnante nos exercícios de 2005, 2006 e 2007 titulam operações económicas reais.
Reapreciando a prova produzida, e não impugnada nos termos do art.º 640.º do CPC, não nos merece qualquer reparo a sentença recorrida, uma vez que se sustenta em critérios racionais e objetivos, em juízos de deduções e conclusões razoáveis, se afiguram aceitável à luz de um cidadão medianamente informado e esclarecido, que a realidade por eles indiciada se possa ter como efetivamente ter acontecido.
Destarte, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento no âmbito da valoração da prova.

4.2. A Recorrente na conclusão n.º 5, alega que as liquidações impugnadas padecem do vício de forma, por a fundamentação ser contraditória, uma vez que a Administração Tributária corrige a sua atividade a montante de um modo que é incompatível com a sua atividade a jusante em que não toca.
Vejamos:
A sentença recorrida no ponto 3.2. (i) trata profusamente a questão do vicio de forma, por falta de fundamentação tendo concluído que as liquidações impugnadas e o respetivo RIT em que se fundamentam estão cabalmente fundamentadas, não concedendo provimento ao vício alegado.
A Recorrente quer nas motivações das alegações quer nas conclusões limita-se a alegar aquilo que defendeu na petição inicial - pontos 6.º a 8.º - sem cuidar de esclarecer o Tribunal de recurso em que medida o julgamento efetuado pelo tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento.
A Recorrente não questiona a sentença recorrida, ignorando o que nela foi decidido, não contrariando os fundamentos e a posição sustentado pelo MMº juíz.
Importa referir que o objeto do recurso, nos termos do n. º1 do art627. º do CPC são as decisões judiciais e não os atos administrativos e tributários praticados pela Administração Fiscal.
O recurso terá de demonstrar a sua discordância com a decisão proferida, ou melhor, os fundamentos por que a Recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento deles e as aprecie.
A Recorrente terá de convocar argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada.
Como se referiu no acórdão do STA de 11/5/2011, Processo 04/11, constituindo o recurso jurisdicional “um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão com fundamento nos erros e vícios de que padeça”, estará votado ao “insucesso o recurso que se alheia totalmente da fundamentação factual e/ou jurídica que determinou a decisão de improcedência da impugnação.”
É jurisprudência deste TCAN que se em sede de recurso jurisdicional, o Recorrente se alheou em absoluto das razões que fundamentaram a sentença recorrida, limitando-se a repetir o que já havia dito em sede de petição inicial, não ataca o julgado, não pode o tribunal de recurso alterar o decidido pelo tribunal a quo, já que a tal se opõe o preceituado no nº 4 do artigo 635.º do CPC (Cf. TCAN n.º 01806/09.0BEBRG de 15.02.2012 e ac. do STA n.º 0508/13 de 15-05-2013).
Nesta conformidade, não vindo questionado o julgamento em que assentou, não pode este Tribunal conhecer agora essa questão.


4.3. A Recorrente nas conclusões - 6ª, 8.ª e 9.ª- alega que as liquidações impugnadas enfermam também do vício de errónea quantificação da matéria tributável, uma vez que forem eliminados custos imprescindíveis para a formação dos proveitos sem que os mesmos fossem substituídos por outros através de avaliação indireta.
E que as liquidações impugnadas são ilegais também por verificação do vício de violação de lei, por ofensa aos princípios gerais de direito consagrados na CRP, LGT e RCPIT, designadamente os da prossecução do interesse público, da tributação do rendimento real e da verdade material e sempre seriam ilegais por usura, abuso de direito e enriquecimento sem causa.
Vejamos:
A sentença recorrida tratou a questão mais uma vez com profundidade no ponto no ponto 3.2. (ii) concluindo que as liquidações não padecem de qualquer erro de quantificação da matéria coletável.
Mais uma vez, a Recorrente ignora o julgamento efetuado pela sentença recorrida, não lhe imputando qualquer vício de julgamento, mas sim às liquidações, pelo que a pretensão terá de ser improcedente pelos mesmos fundamentos referidos no ponto 4.2. deste acórdão.
No entanto, sempre se dirá a título de esclarecimento que na petição inicial no ponto 9.º a Recorrente refere que “(…) Bastava que a AT tivesse procedido a um mero e simples teste de conformidade para concluir que a quantificação que operou é inverificável, uma vez que as correções praticadas resultam de margens impossíveis de atingir.”
Da leitura da sentença do citado item resulta resolvida a questão, nos termos aí formulados.
Porém a Recorrente em sede de recurso, quer nas motivações quer nas alegações vai mais longe e refere que a Administração Tributária teria de socorrer-se dos métodos de avaliação indireta e abster-se de fazer correções aritméticas, e que as liquidações podem ser consideradas usurárias decorrente do abuso de direiro que conduzem a enriquecimento sem causa e violam os principios da legalidade desde logo dos príncipios contidos nos art.ºs 5.º e 6.ª do RCPIT e 5.º, 55.º e 58.º da LGT.
Compulsada a petição inicial, estas questões não foram equacionadas e sobre elas o tribunal recorrido não se pronunciou.
Dispõe o n.º 1 do art.º 627.º do CPC que “as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.”, ou seja, o recurso é o meio processual que se destina a impugnar as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in Recurso no Novo Código de Processo Civil, 2.ª ed., 2014, Almedina, pp. 92 “(…) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão, determina uma importante limitação ao objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal a quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados à reapreciar as decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo se quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…)“ (grifado nosso).
Assim da conjugação do n.º 1 do art.º 627.º do CPC º, n. º2 do art.º 639.º e n.º 1 art.º 640.º do CPC resulta que o tribunal de recurso fica impedido de conhecer questões novas, ou seja, que não tenham sido anteriormente apreciadas.
Destarte, tendo o recurso incidido sobre questões novas delas não se conhece.

4.4. A Recorrente na conclusão 7ª alega que as liquidações impugnadas são ainda ilegais por erro quanto aos pressupostos de facto em que se sustentam, uma vez que foram tratados como fictícios e simulados custos que de facto e na verdade ocorreram.
Vejamos:
O n.º 1 do art.º 17.º do CIRC prevê que “O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”
Por sua vez, a alínea a) do art.º 23.º do CIRC, considera custos ou perdas os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação.
Nesta conformidade, da interpretação conjunta dos n.º 1 do art.º 17.º e alínea a) do art.º 23.º ambos do CIRC resulta que na determinação dos rendimentos o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas deduzidos os custos ou perdas que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Em sede de IRC, quando as faturas consubstanciam operações simuladas, não é admissível a consideração desses custos contabilizadas para efeitos de apuramento do lucro tributável, nos termos do n.º 1 do art.º 23° do CIRC, devendo ser acrescidos aos rendimentos.
Quando a administração tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo-lhe, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade.
Vem a jurisprudência entendendo de modo uniforme que, quando estão em questão correções de liquidações de IRC, por desconsideração dos custos documentados por faturas, as quais foram consideradas falsas pela administração tributária, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes:
Em primeira linha compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, terá que demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada.
Em segunda linha, e após feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito deduzir os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade.
Neste sentido, vide jurisprudência acórdãos do STA n.º 01483/02 de 20.11.2002, 1026/02 de 07.05.2003 e 0241/03 de 30.04.2003 bem como a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo do Norte n.º 01834/04 Viseu, de 24.01.2008, 04871/04 – Viseu de 28.01.2010, 1026/02 de 24.01.2008, 2887/04 Viseu de 24.01.2008 in www.dgsi.pt.
É aplicável ao caso em apreço a jurisprudência do acórdão do STA - Pleno da Secção do CT, Recurso nº 01026/02, de 07.05.2003, embora se reporte ao IVA, que Tendo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”
Prossegue o mesmo acórdão dizendo que: “…. é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar.
E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”. (destacado nosso).
Importará agora analisar se a Administração Tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios sérios, objetivos e consistentes que permitam concluir que as faturas contabilizadas pela Recorrente/Impugnante eram faturas que não tinham subjacentes aquisições ou prestações de serviços.
Relativamente a esta questão a sentença recorrida entendeu que a Administração Fiscal cumpriu o ónus que sobre si recaia o que não aconteceu com a Recorrente.
Desde já se diz que a sentença recorrida não merece qualquer reparo, uma vez que fez uma correta apreciação dos indícios carreados para o processo pela Administração Fiscal.
O relatório de inspeção, datado de 06.10.2009 sustenta-se em indícios recolhidos junto do emitente das faturas e indícios recolhidos no utilizador aqui Recorrente.
Como resulta da matéria de facto provada e não impugnada, relativamente aos indícios recolhidos junto do emitente, a Administração Fiscal sustentada na inspeção ocorrida pela Direção de Finanças do Porto, apurou:
Que não cumpria às suas obrigações fiscais, nomeadamente não entregou as declarações periódicas de IVA e declarações de rendimentos Modelo 22 - IRC, relativas aos anos de 2005, 2006 e 2007.
Não apresentou declarações na Segurança Social, nos anos de 2005, 2006 e 2007, relativas a trabalhadores.
A declaração anual de informação contabilística indicia que não tinha ao seu serviço qualquer trabalhador nem subcontratou nenhuma entidade para realizar às prestações de serviços que constam nas faturas por si emitidas.
Que a emitente não possui imóveis sendo proprietária de uma viatura ligeira mista, (…), com matrícula XX-XX-XX.
Nunca foi detentora de qualquer do Título de Registo ou Alvará, para o exercício de qualquer atividade de construção civil ou outra, emitida pela reguladora do sector da construção imobiliário, o Instituto da Construção e do Imobiliário I.P.
A Administração Fiscal concluiu pela inexistência de meios humanos ao seu dispor e/ou o recurso a terceiros, e que não possuía capacidade instalada para realizar a totalidade das prestações de serviços por si tituladas nas faturas emitida e constantes do anexo I ao Relatório.
Quanto ao recebimento do valor faturado, pelo cruzamento de informação, apurou que o valor de € 219.875,62 (€ 531.002,72 - € 311.127,10) foi supostamente pago em numerário, uma vez que os respetivos movimentos contabilísticos foram efetuados por contrapartida da conta 11 - Caixa.
Alguns dos registos contabilísticos tiveram como suporte recibos ou vendas-a-dinheiro emitidos pela "(...)" e outros foram registados de acordo com documentos internos emitidos pela "F.", como por exemplo: o documento contabilístico n.º 42 registado em 2006-12-31 no montante total de € 90.000,00; o documento contabilístico n.º 120055 registado em 2007-12-31 no montante de € 57.995,30.
Por sua vez, o sócio-gerente J., em declarações, afirmou que nunca prestou qualquer serviço a "F.", sendo que se limitava a entregar as faturas em branco e a assiná-las, e que alguns cheques emitidos pela "F." foram para pagar a sua comissão (8%) referente à emissão das faturas.
Quantos aos indícios apurados junto do utilizador, a Administração Fiscal verificou que:
A Recorrente não deu cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 63.º-C da Lei Geral Tributária (LGT), onde se prevê que "os pagamentos respeitantes a faturas ou documentos equivalentes de valor igual ou superior a 20 vezes a retribuição mensal mínima devem ser efetuados através de meio de pagamento que permita a identificação do respetivo destinatário, (sendo os limites em: 2005 - € 7.494,00, 2006 - € 7.718,00 e 2007 - € 8.060,00).
Não identificou os trabalhadores que supostamente prestaram os serviços constantes nas faturas e vendas-a-dinheiro constantes do Anexo I.
Os autos de medição apresentados não identificam qualquer trabalhador, nem foi apresentado outro elemento que evidenciasse o controlo do pessoal afeto a cada obra ou subempreiteiro da "(...)", nomeadamente o número de pessoas, suas identificações, categorias profissionais, dias e horas de trabalho, bem como qualquer correspondência trocada.
A Administração Fiscal conclui que existiam sérios e credíveis indícios de que as faturas emitidas pela "(...)" à "F." e constantes do Anexo I não correspondem a transmissão de bens/serviços efetivamente prestados pela "(...)", tratando-se assim de uma mera transmissão de faturas fictícias, obtendo desta forma a "F.", vantagens patrimoniais em sede de IVA e IRC.
Tendo a Administração Tributária recolhido indício sérios da inexistência das operações tituladas pelas faturas emitidas pela referida sociedade à Recorrente, cumpriu o ónus a que estava obrigada.
A Recorrente não logrou com sucesso, impugnar a matéria de facto, como supra se decidiu, pelo que perante a prova levada ao probatório importa verificar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito e facto.
Resulta da matéria de facto provada que a Administração Fiscal na inspeção efetuada à Recorrente, desconsiderou as faturas emitidas por sociedade C., Lda., nos anos de 2005, 2006 e 2007, nos valores de € 150 989,64, € 218 297,56 e € 69 972,99, como decorre das alíneas A1) neste acórdão aditadas, B) e C) H) dos factos provados.
Resulta ainda não provado que as C. prestaram à impugnante os serviços que constam das faturas desconsideradas pela administração tributária referidas no facto provado em C) e que as faturas emitidas com o nome das C., registadas na contabilidade da impugnante nos exercícios de 2005, 2006 e 2007 titulam operações económicas reais.
Destarte, recaindo o ónus da prova sobre a Recorrente, competia-lhe demonstrar que a materialidade das operações económicas subjacentes às faturas, nomeadamente, que os fornecimentos de mão de obra / prestações de serviços se haviam efetivado com a sociedade emitente, e não com qualquer outra entidade, as quantidades em causa, local, natureza, preços praticados em relação ao preço/hora dos serviços que estariam em causa em cada uma das faturas.
Nomeadamente que foram fornecidos os serviços a que correspondem os documentos contabilísticos que suportam as respetivas transações pelos preços e valores nelas indicadas.
Cabia, pois, à Recorrente demonstrar a existência das operações materiais tituladas pelas faturas desconsideradas, nomeadamente, uma pormenorizada e detalhada descrição dos serviços (natureza, quantidades, locais e datas da realização das operações subjacentes às faturas), trabalhadores utilizados, meios de transporte entre outros elementos.
Nesta conformidade, as faturas em crise não conseguem, só por si, comprovar a realidade que se pretende demonstrar, nem mesmos outros elementos documentais constantes da contabilidade, junto ao processo, bem como a prova testemunhal produzida,
Resulta assim que a Recorrente não logrou demonstrar as prestações de serviços que constam das faturas e que as mesmas foram fornecidas pelos emitentes das mesmas, não tendo feito tal prova a impugnação teria de improceder, pelo que bem decidiu a sentença recorrida.
Ou seja, competia à Recorrente o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito deduzir os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade.
Não tendo a Recorrente cumprido o ónus que sobre si impendia, terá de ser contra si valorado pelo que improcedem as conclusões de recurso.

4.5. E assim formulamos as seguintes conclusões/Sumário:
I. Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que a Relação, in casu o TCAN deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, indique os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
II. No caso, de impugnação da matéria de facto, sustentada em prova testemunhal gravada, que seja possível a identificação precisa em separada dos depoimentos, o ónus do recorrente previsto na alínea b) do n.º 1 e 2 e 4 do art.º 640.º do CPC, cumpre-se mediante a indicação exata das passagens da gravação em que se funda, sem embargo da apresentação facultativa da respetiva transcrição.
III. Vem a jurisprudência entendendo de modo uniforme que, quando estão em questão correções de liquidações de IRC, por desconsideração dos custos documentados por faturas, as quais foram consideradas falsas pela administração tributária, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes:
Em primeira linha compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, terá que demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada.
Em segunda linha, e após feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito deduzir os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Após trânsito em julgado do presente acórdão remeta-se cópia aos Serviços do Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, juízo Criminal de Marco de Canavezes, melhor identificado nos autos.
Custas pela Recorrente.

Porto, 5 de março de 2020


Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes