Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01616/10.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/25/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:IRS - RECURSO MATÉRIA DE FACTO - DOCUMENTOS BANCÁRIOS DE TERCEIRO - SIGILO BANCÁRIO - PROVA ILÍCITA
Sumário:I- No recurso incidente sobre a matéria de facto, cabe ao Recorrente cumprir os ónus processuais estabelecidos no n.º 1 do art.º 640.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT, sob pena de não fazendo, não se ser conhecido o respetivo recurso naquela parte.

II – Para proceder ao uso de documentos bancários de terceiros, nos termos da redação então vigente dos ns.º 2 e 5 do art.º 63.º-B da LGT, deveria a AT iniciar e o prosseguir o respetivo procedimento prévio de derrogação bancário.

III – Não tendo feito uso prévio de tal mecanismo procedimental de derrogação do sigilo bancário, não poderia a AT fazer uso de documentos protegidos pelo referido sigilo no âmbito de um procedimento inspetivo conducente à formulação de uma subsequente liquidação adicional.

IV – Tendo feito uso de tais documentos, sem a abertura de tal procedimento, foram postergados os direitos de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada de terceiros (art. 20.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), consubstanciado tais meios de prova como prova ilícita e, como tal, inadmissível.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J., e Outra
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – A Representação da Fazenda Pública (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual se julgou procedente a impugnação deduzida por J. e A. (Recorridos), contra os atos de liquidação de IRS dos anos de 2002 a 2005.

No presente recurso, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

I- Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J., na sequência da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa das liquidações de IRS, dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, na parte relativa à correção atinente à omissão de rendimentos de capitais, categoria E do IRS.
II- A decisão de anular as liquidações efetuadas pela Administração Tributária assenta no entendimento segundo o qual: «[…] O Relatório dos SIT não evidencia a existência de antecipação sobre lucros ao aqui Impugnante uma vez que daquele não decorrem os respectivos nexos necessários a comprovar o invocado, resumindo-se a raciocínios meramente conclusivos. A AT não evidenciou suporte factual para o efeito, na medida em que em causa estão valores que não constam da escrita da sociedade como atribuídos aos sócios, desconhecendo-se inclusive o caminho que seguiram, e, o porquê do caminho que seguiram. […]».
III- Com a ressalva do devido e merecido respeito pelo Tribunal “a quo”, afigura-se-nos que a factualidade relevante para a decisão da causa, dada como assente nos pontos 5) e 6) do probatório constante da sentença recorrida, não foi devidamente apreciada e valorada, e enquadrada à luz da norma aplicável contida no artigo 5.º, n.º 1 e n.º 2, alínea h), do Código do IRS.
IV- A ação de inspeção tributária ao Impugnante resultou da verificação de indícios de irregularidades nos valores declarados pelos sujeitos passivos, em consequência do processo de Inquérito n.º 201/02.7IDVCT [cfr. acervo probatório da sentença, nos pontos 1) e 2)], em que foram constituídos arguidos, a “Sociedade T., Lda.” [S.] e os seus quatro sócios-gerentes, incluindo o Impugnante.
V- O Digno Magistrado do MP emitiu Parecer no sentido da improcedência da pretensão do impugnante, alegando, em síntese, que os meios de prova foram obtidos no âmbito de um procedimento de inspeção que respeitou todas as formalidades legais previstas no RCPIT, sendo que todas as provas foram obtidas por meios lícitos.
VI- Nos termos do art.º 86.º do Código de Processo Penal (CPP), o processo penal é público, sob pena de nulidade, a não ser que seja requerido o segredo de justiça pelo arguido ou quando os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, podendo, neste caso sob despacho do MP, com a subsequente validação judicial, determinar a aplicação ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça. Esta novidade trazida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto constituiu uma mudança radical no paradigma da publicidade do processo no decurso desta fase preliminar, quebrando-se, assim, com o carácter da quase plenitude do segredo de justiça, tanto interno, como externo, que vigorava essencialmente no decurso do inquérito.
VII - Concludentemente, esta nova redação deste preceito legal é de aplicar ao processo de inquérito n.º 212/02.7IDVCT. Ademais, e, como resulta vertido no acervo probatório - ponto 3), a utilização dos elementos constantes no processo de inquérito terá ocorrido por volta do ano de 2009, uma vez que o procedimento inspetivo teve início em 29.06.2009. Assim, à data de utilização dos elementos do processo de inquérito pela inspeção tributária (2009), aquele normativo legal já se encontrava em vigor, imperando concluir que, à data, o inquérito já não se encontrava sujeito a segredo de justiça.
VIII - Ainda, na senda do aqui considerado (inexistência de segredo de justiça no âmbito de processo de inquérito), o Procurador – Adjunto dos Serviços do Ministério Público da Póvoa de Varzim autorizou o Diretor de Finanças a utilizar os elementos de prova recolhidos [cfr. ponto 3) do probatório da sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, no processo de impugnação n.º 1617/10.0BEBRG, relativo a um outro sócio do ora recorrido].
IX– O Tribunal “a quo” não considerou o facto de a “S.” ter contraído um empréstimo de financiamento à construção no montante de € 2.245.000,00, e de parte deste empréstimo, no valor de € 1.546.273,48, ter sido debitado proporcionalmente, ao valor das quotas, nas contas dos sócios, assim como os encargos financeiros a ele inerentes, no valor de € 339.382,43 – facto, aliás, não contestado pelo Impugnante.
X - Trata-se de um facto determinante, a nosso ver, para esclarecer como foi possível ter sido criado um débito dos sócios para com a “S.”, correspondente ao valor do “empréstimo” de € 1.546.273,48 [acrescido dos encargos financeiros de € 339.382,43], que justificasse futuras entradas de capital dos sócios para “amortizarem as suas dívidas”.
XI - Em nome do Impugnante foram contabilizadas amortizações, juros e suprimentos à S., nos anos de 2002, 2003 e 2004, no valor total de € 326.160,00, de acordo com a informação constante do RDE (cfr. fls.17), junto aos autos com o PA.
XII - Os valores recebidos dos compradores das frações do “Edifício (...)” que não foram declarados pela “S.”, estão devidamente discriminados no RIT [cfr. capítulo III, n.º 4], embora não constem da transcrição efetuada no ponto 5) da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, totalizando os seguintes montantes: no ano de 2002, € 680.536,67; no ano de 2003, € 624.810,39; no ano de 2004, € 354.123,05 e em 2005, € 74.819,68.
XIII - Trata-se de omissões aos proveitos da “S.”, como o próprio Impugnante reconhece [cfr. artigo 75.º da PI], relacionada com as regularizações de imposto efetuadas pelos compradores das frações do prédio em causa, a que o Inspetor Tributário se referiu na audiência contraditória de inquirição de testemunhas, mencionado que a maioria [18] dos adquirentes das 22 frações do prédio em causa regularizou voluntariamente a sua situação tributária – o que também não foi tido em conta na fundamentação da sentença.
XIV - Baseando-se essencialmente nos elementos constantes do anexo 1 do RIT, como exemplo do trabalho realizado pela Inspeção Tributária, entendeu o Tribunal que o referido relatório não evidencia a existência de antecipação sobre lucros ao Impugnante – o que não se aceita.
XV - De acordo com a sentença recorrida «Analisando os elementos que constam do anexo 1, parte integrante do relatório dos SIT (que serve de exemplo para o trabalho efectuado pelos SIT), estes constataram que foi emitido cheque por comprador (ao portador) em 8.05.2002 no valor de €49.880,00, levantado por funcionária da sociedade J., Lda., de que também é sócio-gerente o aqui Impugnante, tendo nessa mesma data sido efectuados dois depósitos na conta da S. no montante de €24.950,00 e contabilizado na conta dos sócios (suprimentos).Com efeito, e, sem mais, poderíamos anuir com a tese aventada pelos SIT. Não obstante, há que constatar que dos elementos recolhidos não se verificam os necessários elementos causais por forma a verificar-se cumprido o ónus que sobre a AT recaía, a AT partiu de conclusões, sem no entanto lograr demonstrar as premissas que lhe serviram de esteio. […]».
XVI - Respeita o referido anexo à venda da fração “T”, do “Edifício (...)”, cujo valor da compra e venda, constante da escritura, foi de € 149.639,37 e o valor regularizado pelo comprador de € 319.279,15, sendo a diferença de valores de € 169.639,78.
XVII - O cheque emitido pelo comprador da fração, em 2002-05-08, no valor de € 49.880.00, foi depositado na conta da “S.”, mas contabilizado na conta dos sócios, a título de suprimentos, pelo que, temos um proveito da “S.”, a ser utilizado pelos sócios da “S.” para “emprestarem” dinheiro à sociedade, mas dinheiro que é da própria sociedade.
XVIII- A contabilização do valor de € 49.880,00 do cheque do comprador da fração “T”, na conta dos sócios da S. [suprimentos], foi efetuada pela “S.” na proporção das quotas dos sócios, cabendo ao Impugnante o valor de € 8.314,00.
XIX- Tendo este proveito da sociedade sido utilizado pelo sócio-gerente, aqui impugnante, neste caso, a título de suprimentos à sociedade, é porque foi esse o montante diretamente recebido pelo mesmo, embora o respetivo movimento não tivesse sido revelado na sociedade.
XX - Não há dúvida, como resulta do exemplo dado no anexo 1 do RIT, que o sócio-gerente recebeu importâncias da sociedade, que reverteram para a sua esfera pessoal, sem que tenham sido objeto de contabilização, enquanto tal, na esfera jurídica da sociedade.
XXI - Pelo que, teremos de concluir que, esse valor foi recebido a título de adiantamento por conta de lucros, e constitui um rendimento do sócio-gerente, a tributar em sede de IRS, na categoria E, como rendimento de capitais, previsto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do Código do IRS.
XXII - Acresce que os elevados montantes depositados como entradas dos sócios não são compatíveis com os rendimentos por estes auferidos, de acordo com o RDE, junto ao PA.
XXIII - Nos anos de 2002, 2003 e 2004, o sujeito passivo declarou rendimentos brutos, na ordem dos € 17.963,88, €17.963,88 e € 16.256,46, no total de € 52.184,22, sendo que as entradas de capital por si efetuadas na S., ascenderam, nesses anos, a € 326.160,00!!!
XXIV - A análise crítica e conjugada de todos os documentos juntos aos autos, com destaque para o RIT [e respetivos anexos] e para o RDE, permite-nos verificar que a Administração Tributária, no decorrer da ação inspetiva a que alude o PA, recolheu dados objetivos que aí se encontram discriminados, a que nos vimos referindo, mas que não foram considerados no probatório, de onde se conclui que as entradas de capital do sócio na sociedade são o resultado do produto omitido, relativo às vendas efetuadas pela sociedade, e por isso, correspondem a adiantamentos por conta de lucros, sujeitos a tributação em sede de IRS [categoria E], por força do disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. h), do Código do IRS.
XXV - Independentemente da presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS [à qual o RIT não faz qualquer referência], demonstrou a AT a ocorrência dos pressupostos legais que legitimam a correção ao rendimento declarado pelo Impugnante.
XXVI – Assim, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão judicial que anulou as liquidações efetuadas pela Administração Tributária relativas a correções atinentes à omissão de rendimentos da categoria E de IRS, por padecer de erro de julgamento de facto e de direito e por violação do artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do Código do IRS.

Termina a Recorrente pedindo que seja revogada a sentença recorrida, considerando-se improcedente a impugnação.

Apesar de regularmente notificados para o efeito, os Recorridos não apresentaram contra-alegações.
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O distinto Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal elaborou parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cf. fls. 233 e 234 dos autos – paginação do SITAF).
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Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:

1) Foi instaurado o processo de inquérito n.º 201/02.7IDVCT pelos serviços do Ministério Público da Póvoa de Varzim – fls. 88 do suporte físico dos autos;
2) Tal inquérito foi iniciado com base em participação efectuada pela Administração Tributária na qual se dava conta que a Sociedade T., Lda, construtora do “Edifício (...)” em Viana do Castelo, realizava a escritura de venda das fracções autónomas do mencionado edifício a preço substancialmente mais baixo do que aquele que anunciava aos potenciais compradores, recebendo na data da escritura, além do preço escriturado a diferença em cheque, diferença esta que ficava omissa para efeitos de tributação, conduta susceptível, em abstracto de consubstanciarem a pratica de crime de fraude fiscal p.e.p. pelo art.º 103º do RGIT - cfr. fls. 88 e 97 do suporte físico dos autos.
3) No cumprimento das ordens de Serviço n.º 01200900419, n.º 01200900420, n.º 01200900421, n.º 01200900422, n.º 0120090023, n.º 01200900424, foi realizado procedimento inspectivo, de natureza interna, ao Impugnante, de âmbito parcial, IRS relativamente aos anos de 2000 a 2006 iniciado em 29.06.2009 e concluído em 11.11.2009 - cfr. fls. 03 a 07 do PA junto aos autos.
4) No âmbito do procedimento inspectivo a que se alude em 3) foi elaborado relatório pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Viana do Castelo, tendo sido efectuadas correcções à matéria colectável ao ano de 2002 no montante de € 59.537,78, ao ano de 2003 no montante de € 57.899,90 ao ano de 2004 no montante de € 22.827,67 e ao ano de 2005 no montante de €6.232,48 - cfr. fls. 31 do PA.
5) As correcções descritas em no ponto anterior consubstanciaram-se nos seguintes fundamentos:
(…)
B. Motivo, âmbito e incidência temporal
Motivo - A acção resultou da verificação de indícios de irregularidades nos valores declarados pelos sujeitos passivos, em consequência do Processo de Inquérito n. º 201/02.71 DVCT.
Âmbito - O âmbito do procedimento da inspecção é, nos termos do artigo 14º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), previsto no Decreto-Lei n.º 413/98 de 31 de Dezembro, Parcial (IRS).
Incidência temporal - A acção englobou os exercícios de 2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005.

CAPÍTULO III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS)
1· Com base numa participação, efectuada por um potencial cliente ao qual foram indicados pela sociedade vendedora os preços das diversas fracções ainda não comercializadas do prédio inscrito na predial urbana da freguesia de (...) (Viana do Castelo) sob o n. º 3624, foi instaurado o Processo de Inquérito n. º 201/02.7IDVCT, à Sociedade T., Lda., (S.) NIPC 500269262.
(…)
3-No âmbito da recolha de elementos para o citado Processo de Inquérito detectámos que os valores de transacção das fracções do referido prédio foram superiores aos valores escriturados e declarados pela S..
4. 1- Os valores recebidos dos clientes (a), elencados no quadro anterior, deveriam ter sido escriturados / declarados como proveitos da S., através da conta "71 - Vendas":
(…)
4.2- No entanto, grande parte destes valores foi contabilizada como entradas (b) de capital dos sócios na S. (amortização do "empréstimo", encargos financeiros e suprimentos). Outros destes valores foram depositados em contas bancárias dos sócios, contas bancárias de outras sociedades dos sócios da S. ou por conta da fracção adquirida por um dos sócios (D.):
(. . .)
4.3- Tal facto, revela-nos que os sócios utilizaram como deles verbas que correspondiam à S. (vendas), situação que configura adiantamentos sobre lucros (c):
(...)
4.4 - Muito embora as operações (a) e (c) não sejam reveladas pela contabilidade da S., o facto é que, só tendo utilizado como deles os valores recebidos dos clientes da S. não contabilizados / declarados, é que os sócios conseguiriam amortizar (b) um alegado empréstimo (d) que a S. lhes efectuou, acrescido dos encargos financeiros (e):
4.5- As entradas de capital (amortização do "empréstimo", encargos financeiros e suprimentos) efectuadas pelos sócios à S. são, sem qualquer dúvida, os montantes pagos pelos compradores que não foram reflectidos nem nas escrituras nem na contabilidade como proveitos / vendas (c). A contabilização do empréstimo contraído pela S. como empréstimo da mesma aos sócios foi um expediente para fazer entrar parte das verbas não escrituradas, resultantes das vendas das fracções do edifício (...), na conta bancária da sociedade.
5- Os valores recebidos dos clientes e não contabilizados nem declarados como proveitos pela S., que resumimos no quadro seguinte, configuram adiantamentos sobre lucros passíveis de tributação na esfera dos respectivos sócios por se tratarem de rendimentos de capitais (categoria E de Imposto sobre as Pessoas Singulares (IRS), conforme previsto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5. ado Código do Imposto sobre as Pessoas Singulares (CIRS).
6 - Os lucros e adiantamentos por conta de lucros são considerados em apenas 50% do seu valor ilíquido, por força do artigo 40. º-A do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (CIRS), uma vez que a entidade devedora dos mesmos (a S.) tem a sua sede em território português, é sujeita a IRC e os respectivos beneficiários (sócios) residem em território nacional.
7- A repartição pelos beneficiários (sócios) das verbas pagas pelos adquirentes das fracções do prédio em análise, além dos valores escriturados e declarados, conforme quadro anterior, far-se-á de acordo com o destino das mesmas ou, quando desconhecido o destino, de acordo com as percentagens de capital.
8- Assim, os valores apurados para efeitos de tributação em sede de IRS, categoria E, para o sujeito passivo em análise, nos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, são os seguintes:
(…)
CAPÍTULO IX - DIREITO DE AUDIÇÃO
Tendo sido notificado, para o domicílio fiscal que consta do cadastro da OGCI, através do ofício n.º 15419, registo postal de 2009/11/19, no sentido de usar, querendo, o direito de audição nos termos dos art.º. 60º da Lei Geral Tributária e do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, verificou-se que o prazo terminou em 2009/12/07 sem que o sujeito passivo tenha exercido o seu direito.
(…)"- cfr. fls. 29 a 42 do PA;
6) As conclusões extraídas pelos SIT a que se alude em 5) tiveram unicamente por suporte a análise de cheques, depósitos e levantamentos bancários, movimentações bancárias (da sociedade e de terceiros, nomeadamente dos seus sócios), termos de declarações de Imposto Municipal de Sisa, contratos promessa de compra e venda, elementos que foram recolhidos para efeitos de processo de inquérito criminal nº 201/02.71 DVCT, – cfr. anexo 1 a 22 de fls. 43 a 225 do PA junto aos autos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
7) A Divisão de Tributação e Cobrança da Direcção de Viana do Castelo remeteu ao Impugnante o ofício n.º 16823 remetendo-lhe em anexo o relatório a que se alude no ponto anterior, mediante carta expedida sob registo - cfr. fls. 27 e 28 do PA;
8) Na sequência das correcções emergentes do procedimento inspectivo, foram emitidas, em 23.12.2009 as liquidações adicionais de IRS referentes aos anos de 20[0]2, 2003, 2004 e de 2005, da qual resultaram, por acerto de contas, emitidos nas mesmas datas, o montante a pagar de liquidações de IRS dos anos de 2002 a 2005, nos montantes respectivos de € 25.798,74, € 24.245,24, € 8.332,04 e € 1.722,02 respectivamente, apresentando todas elas como data de pagamento voluntário 2010-02-03 - cfr. fls. 07 a 11 do PA da Reclamação graciosa;
9) Para notificação das liquidações supra mencionadas foram expedidas, em 23.12.2009, as respectivas notificações, as quais foram remetidas por carta registada –cfr. fls. 07 a 11 do PA da Reclamação graciosa;
10) Tais comunicações foram dadas como entregues pelos CTT em 29.12.2009 (liquidações de 2002, 2003 e de 2004) e em 07.01.2010 (liquidação de 2005);
11) Não tendo as dívidas geradas pelas liquidações de IRS dos anos de 2002, 2003, 2004 e de 2005 supra referidas sido pagas, em foram extraídas as respectivas certidões de dívidas, as quais deram origem ao processo de execução fiscal n.ºs 2348201001008730 e apensos – fls. 319 a 325 do suporte físico dos autos;
12) O Impugnante marido foi pessoalmente citado para a execução fiscal em 15.02.2010 – fls. 320 do suporte físico dos autos;
13) O Impugnante, apresentou Oposição à execução fiscal, que correu termos neste Tribunal sob o n.º 875/10.5BEBRG, tendo invocado, entre outros fundamentos, a falta de notificação das liquidações dentro do respectivo prazo de caducidade – fls. 319 do suporte físico dos autos;
14) Mediante sentença proferida em 14.07.2010, a Oposição judicial foi julgada totalmente improcedente, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 319 a 325 do suporte físico dos autos, cujo teor aqui se tem por inteiramente transcrito;
15) Apesar do recurso interposto pelo Oponente, a sentença proferida em 1ª instância foi integralmente mantida por via do acórdão proferido em 14.07.2014, o qual tem o teor de fls. 349 a 356 do suporte físico dos autos, que aqui se consideram integralmente reproduzidas.
16) A petição inicial foi apresentada, via SITAF, em 15.09.2010 – fls. 02 do suporte físico dos autos.
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Na sentença recorrida considerou-se inexistirem factos não provados.
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Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença recorrida que:

A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou dos elementos especificamente identificados em cada um dos pontos do probatório, resultando essencialmente da análise crítica dos documentos juntos aos autos, os quais se mostram expressamente identificados em cada um dos pontos da matéria de facto levada ao probatório.
Relativamente à prova testemunhal produzida, a mesma acabou por não semostrar relevante para a decisão da matéria de facto e quanto aos seus factos essenciais, sendo de referir a testemunha M., contabilista, pessoa que prestou serviços de contabilidade para empresa em que o Impugnante não presenciou qualquer um dos negócios da venda de fracções, não conhecia os clientes, nem teve contacto com os cheques emitidos pelos compradores.
Não obstante, referiu a testemunha que a sociedade J., Lda. construiu o prédio propriedade da S. que deu lugar à venda das sobreditas fracções e pontualmente os cheques eram endossados à empresa construtora para pagamento dos serviços prestados.
O mesmo se dirá relativamente ao depoimento prestado por J., inspector tributário, o qual se limitou a corroborar o vertido no relatório do procedimento inspectivo.
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Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC ex vi art.º 211.º do CPPT e tratando-se de prova documental não infirmada, adita-se à matéria de facto o seguinte:
5A – Nos termos do relatório de inspeção referido no ponto 5, consideraram os serviços da que os valores recebidos dos clientes adquirentes das frações do prédio inscrito na predial urbana da freguesia de (...) (Viana do Castelo), sob o n.º 3624 não haviam sido escriturados/declarados pela Sociedade T., Lda. correspondendo a adiantamentos por conta dos lucros aos respetivos sócios pelos seguintes montantes:
- ano de 2002 – € 680.536,67
- ano de 2003 – € 624.810,39
- ano de 2004 – € 354.123,05
- ano de 2005 – € 74.819,68
Cf. fls. 29 a 42 do PA
17. Deu entrada nos serviços da AT uma exposição escrita assinada pelo Advogado dos Impugnantes, designada como «Reclamação Graciosa» - cf. fls. 3 a 16 do PA (reclamação graciosa).
18. Foi solicitado pelos serviços da AT ao Sr. Procurador Adjunto da Comarca da Póvoa de Varzim e relativamente ao processo de inquérito n.º 201/2002.7IDVCT “[…] cópia de documentos e informações que integrem os autos de inquérito e que possam ser necessários à instrução das reclamações graciosas […]”, tendo aquele sido instruído contra a «Sociedade T., Lda.» e contra outros - cf. fls. 29 do PA (reclamação graciosa).
19. O pedido referido no n.º anterior foi autorizado em 15.06.2010, pelo Sr. Procurador Adjunto da Comarca da Póvoa de Varzim, tendo sido juntos aos autos de reclamação a correspondente «Participação», datada de 16.12.2002 e o «Relato de Diligência Externa» elaborado pelos serviços inspetivos da AT, datado de 17.12.2009 – cf. fls. 30 a 49 do PA (reclamação graciosa).
20. Na sequência da informação de serviços da AT, datada de 15.07.2010, veio a ser proposto o indeferimento da reclamação prevista no n.º 17, tendo os Impugnantes sido convidados a se pronunciarem “[…] para os fins que vêm previstos no art.º 60.º da L.G.T. […]” - cf. fls. 60 a 65 do PA (reclamação graciosa).
21. Por despacho do Sr. Chefe de Divisão da DF de Viana do Castelo, datado de 18.08.2010, aposta na informação dos respetivos serviços de 17.08.2010, foi inferida a reclamação referida no n.º 17, tendo tal sido comunicado ao Advogado dos Impugnantes e ao primeiro Impugnante, por ofícios da AT, recebidos em 01.09.2010 - cf. fls. 66 a 72 do PA (reclamação graciosa).
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III – Questões a decidir.

No presente recurso, a ora Recorrente atribui à sentença recorrida o erro de julgamento de facto, errónea apreciação das provas e erro de julgamento.
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IV – Do direito

Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga pela qual se julgou procedente a impugnação deduzida pelos Recorridos contras as liquidações de IRS dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005.

Na sentença recorrida considerou-se, em síntese, que na fundamentação das liquidações em causa, não se poderia ter feito uso dos elementos probatórios de natureza bancária coligidos em sede de inquérito, uma vez que a AT deveria ter lançado mão dos correspondentes procedimentos tributários para ter acesso àqueles, tal como ia previsto na LGT. Mais se considerou na sentença apelada, que se verificava que do relatório de ação inspetiva era omisso quanto à identificação de factos subsumíveis ao conceito de antecipação de lucros, pelo que tal se traduziria numa invalidade aí reconhecida e declarada.

Primeiramente convém referir que a ora Recorrente invoca, a espaços, no presente recurso, um conjunto de factos, sem que, contudo, deles extraia qualquer consequência ou discordância quanto ao ora julgado em primeira instância (vide pontos VIII, IX, X, XI, XVI a XXIII das presentes conclusões de recurso, assim como a motivação correspondente). Por isso, não propondo a Recorrente a inserção daqueles ou a alteração da factualidade considerada na sentença recorrida, não se conhecerá do recurso quanto à apontada factualidade uma vez que não foram cumpridos os ónus processuais decorrentes do n.º 1 do art.º 640.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT. Porém, tendo sido aditada oficiosamente a demais factualidade tida em falta, encontra-se prejudicada a análise do presente recurso, mais concretamente no que tange à alegação factual contida na conclusão XII.

Passemos então a analisar as questões suscitadas pela ora Recorrente no seu recurso e devidamente expressas nas respetivas conclusões, sendo que são estas que delimitam o seu respetivo objeto, apreciando-as conforme a respetiva ordem lógica de conhecimento.

I – Da utilização dos meios probatórios provenientes do inquérito.

Nas conclusões «IV» a «VII» a ora Recorrente veio invocar a sua divergência com o decidido na sentença recorrida no que toca à impossibilidade nesta elencada de se poderem utilizar os documentos provenientes de um processo de inquérito, uma vez que, na sua perspetiva, os referidos meios de prova já não estavam abrangidos pelo segredo de justiça, de acordo com a nova redação dada ao art.º 86.º do Código de Processo Penal.

Dos autos resulta provado (e não foi sequer contestado) que os serviços da AT utilizaram documentos provenientes do processo de inquérito a que aqui se faz alusão, sem que conste destes autos, qualquer decisão expressa quanto à possibilidade da sua utilização por alegadamente já não estarem abrangidos por um eventual segredo de justiça (sendo que a autorização dada a que se alude na matéria de facto aditada se refere a documentos extraídos do inquérito unicamente para efeitos de instrução da reclamação graciosa que a Impugnante havia deduzido e que até diz respeito a documentos distintos dos aqui em causa).

Ora, os aludidos documentos controversamente utilizados são os constantes dos anexos do relatório de inspeção tributária e a que se faz alusão no ponto 6 da matéria de facto assente. Da análise destes documentos podemos concluir que de entre os diversos elementos ali constantes estão incluídos cheques emitidos por terceiros e depositados pela sociedade S., cheques de outros sócios desta sociedade, extratos de conta de d.o. de terceiros e da referida sociedade S., depósitos na conta de outra sociedade, cheques emitidos em nome de terceiros por alegados compradores de frações autónomas e extratos de d.o. destes compradores e depósitos em numerário na conta da S..

A questão que agora se coloca e sobre a qual a sentença recorrida se pronunciou, não é tanto a de saber se os documentos em questão poderiam ou não estar abrangidos pelo segredo de justiça, mas é, antes, a questão mais abrangente de aferir se a AT estava autorizada a fazer uso de tais documentos. Assim, é nesta perspetiva mais alargada que deve ser colocada a questão ora suscitada pela Recorrente, sendo que foi nesta perspetiva que se decidiu em primeira instância (e que resulta, aliás, do que vai ditos pela Recorrente na conclusão «V», lida conjuntamente com os pontos n.ºs 2 a 16 e 53 da motivação do presente recurso).

Na sentença recorrida, neste item do presente recurso e após se referir, nomeadamente, ao Ac. do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 16.09.2015, proferido no recurso n.º 099/15 (in www.dgsi.pt), concluiu-se naquela que:
“[…] Tendo isto bem presente, e constatando-se que as correcções em causa nos presentes autos resultam de procedimento inspectivo de natureza meramente interna (natureza que reflecte a circunstância de todos os elementos utilizados no procedimento inspectivo terem sido previamente coligidos antes do início do procedimento inspectivo em questão), procedimento que se limitou a fazer uso de elementos coligidos para efeitos de inquérito criminal, entre os quais avultam elementos bancários (extractos bancários, cópias de cheques, documentos referentes a depósitos e levantamentos bancários), impõe-se concluir que a utilização de tais elementos não se mostrava legalmente permitida, e uma vez que haveria que lançar mão dos procedimentos tributários expressamente previstos para legitimar à Administração Tributária o acesso de tais elementos e a sua consequente utilização no procedimento inspectivo que está na génese das liquidações impugnadas nos presentes autos.

De notar, somente, que a eventual autorização por parte do Ministério Público para a utilização pela Administração Tributária dos elementos recolhidos no âmbito do processo de inquérito em nada infirma a conclusão alcançada, e uma vez que está em causa o cumprimento de procedimentos tributários legalmente impostos para o acesso e utilização de elementos abrangidos pelo sigilo bancário, não se tratando de matéria que esteja na disponibilidade do Ministério Público.

Por tais razões, impõe-se a anulação das liquidações de IRS impugnadas nos presentes autos, o que aqui vai decidido. […]”

Assim, decorre da sentença ora sob apreciação que se considerou que o uso de tais meios probatórios recolhidos em sede de inquérito sem passarem pelo crivo procedimental próprio constituía um uso ilegal dos mesmos.

Ora, no supra enunciado acórdão do pleno da secção de contencioso tributário, relatou-se que:
“[…] Nesse conspecto, verifica-se a invocada oposição de acórdãos, que ora cumpre dirimir, relativamente à questão das condições em que a prova obtida em sede de inquérito com acesso a documentação bancária ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) pode ser utilizada em sede de procedimento tributário. É o que passamos a fazer.
A LGT – enquanto compêndio legislativo que consagra os princípios gerais e as regras fundamentais do sistema fiscal – procurou regular a dialéctica entre o dever de segredo bancário e o exercício das competências da AT, estabelecendo nessa matéria os poderes da Administração e as garantias dos contribuintes.
Fá-lo a propósito dos benefícios fiscais (cfr. art. 14.º da LGT), por um lado, e a propósito dos poderes de fiscalização e inspecção da AT (cfr. art. 63.º, n.ºs 1 a 3, 7 e 8, da LGT), por outro lado.
Interessa-nos sobremaneira considerar estes últimos e, de entre eles, as situações em que a AT pode, independentemente de prévia autorização judicial e do consentimento do interessado, proceder à quebra do segredo bancário. Essas situações de acesso administrativo à informação bancária sem dependência do consentimento do contribuinte estão previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT (Para facilitar a exposição, deixámos fora do seu âmbito o acesso aos documentos bancários dos familiares e dos terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte, previsto n.º 2 do mesmo artigo. Nesse caso, apesar de a AT ter acesso directo à documentação, a derrogação do sigilo bancário depende da recusa da sua exibição ou de autorização de acesso, exige a audição prévia do familiar ou terceiro e as decisões de acesso são susceptíveis de recurso judicial com efeito suspensivo (cfr. n.º 5 ainda do mesmo artigo).); hoje, são as seguintes:
· Quando existam indícios de prática de crime em matéria tributária;
· Quando se verifiquem indícios de falta de veracidade de declarações ou estejam em falta declarações legalmente exigíveis;
· Quando existam indícios da existência de acréscimos patrimoniais não justificados;
· Quando seja necessário verificar a conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos de sujeitos passivos de IRC e de IRS sujeitos ao regime de contabilidade organizada;
· Quando seja necessário controlar os pressupostos de regimes fiscais privilegiados de que o contribuinte usufrua;
· Quando se verifique a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e quando se verifiquem os pressupostos legais para recurso a avaliação indirecta dos rendimentos;
· Quando se verifique a existência comprovada de dívidas à administração fiscal ou à segurança social.
A estas situações acresce ainda aquela em que as informações sejam solicitadas nos termos de acordos ou convenções internacionais em matéria fiscal a que o Estado português esteja vinculado [cfr. alínea h) do referido n.º 1 do art. 63.º-B, introduzida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015)].
Ou seja, hoje, após um longo processo evolutivo (com avanços e recuos), a derrogação do sigilo bancário é quase a regra (Note-se que, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 37/10, de 2 de Setembro, o n.º 2 do art. 63.º da LGT – que na anterior redacção fazia depender o acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado dependia de autorização judicial – deixou de referir-se ao sigilo bancário, passando a regra a ser a derrogação administrativa.).
A AT pode, em todas as situações acima indicadas aceder aos elementos bancários independentemente do consentimento do interessado, sem necessidade de prévia recusa de exibição ou de autorização de acesso e, inclusive, sem a sua prévia audição nos termos em que a mesma se mostra postulada no art. 60.º da LGT, pois o legislador ordinário na regulamentação do procedimento especial de derrogação do dever do sigilo bancário eliminou essa fase procedimental (Neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 7945/14, que foi confirmado, em sede de recurso por oposição de acórdãos (no qual foi apresentado como acórdão fundamento o proferido pelo mesmo Tribunal em 10 de Julho de 2014, no processo n.º 7606/14) pelo acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Maio de 2015, proferido no processo n.º 262/15, arestos ainda não publicados no jornal oficial, disponíveis, respectivamente, em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/479b6bc981163ef180257d7a005fe816,
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/2759ac69a780187680257d1d00351331 e
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c149bb24937b6bfb80257e4a004680cd.
No mesmo sentido, também o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º 1398/14, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/916b684fd665b49e80257dfc00425cbe.).
Cumpre ter presente que são pressupostos da derrogação do sigilo bancário a coberto do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT – com excepção da situação prevista na supra referida alínea h) – que (i) decorra uma acção de fiscalização tributária, que (ii) nessa acção de fiscalização tributária se recolham indícios de incumprimento dos deveres de colaboração do sujeito passivo e que (iii) a derrogação do sigilo bancário seja necessária, adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária visado na inspecção.
Quanto ao primeiro pressuposto e como a jurisprudência tem vindo a afirmar reiteradamente, o mesmo decorre da inserção sistemática da regulamentação do sigilo bancário (no art. 63.º, da LGT, que estabelece os princípios gerais em matéria de inspecção) e significa que o levantamento do sigilo bancário não constitui um fim em si mesmo, antes constituindo um procedimento com natureza instrumental, que só pode ocorrer no âmbito de uma acção de fiscalização tributária, delimitado pelo âmbito material e temporal da mesma (Vide, entre muitos outros, os seguintes acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul,
- de 11 de Julho de 2006, proferido no processo n.º 1187/06,
do Tribunal Central Administrativo Norte,
- de 27 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 380/12.5BEBRG,
- de 27 de Março de 2014, proferido no processo n.º 493/13.6BEVIS,
do Supremo Tribunal Administrativo
- de 17 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 346/14
disponíveis, respectivamente, em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/be89bd53d39a62ed802571a9003cd542,
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/dc75dd1094affedb80257a9900374500,
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/b5bc79388c9a38aa80257cb600321b77 e
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e2b5ebcd050310e580257e6c00355309.).
O segundo resulta do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT, em cujas alíneas se elencam as circunstâncias reveladoras do incumprimento dos deveres dos contribuintes. Note-se, ainda, que os contribuintes estão sujeitos a um dever de cooperação com a AT, nomeadamente quanto à prestação de esclarecimentos sobre a sua situação tributária.
E o terceiro retira-se do n.º 1 do art. 63.º («diligências necessárias ao apuramento da situação tributária») conjugado com o seu art. 55.º (do qual se retira que as diligências de inspecção devem estar subordinadas a critérios de proporcionalidade), ambos da LGT, e com o art. 7.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) (Também relativamente ao procedimento tributário, em geral, o princípio da proporcionalidade encontra guarida no art. 46.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.). O que significa que a AT apenas deverá socorrer-se deste meio quando não seja possível obter a mesma informação através de outros meios menos intrusivos e que melhor garantam a reserva da vida privada.
Cumpre ainda ter presente que, nos termos dos n.ºs 4, 5 e 6 do mesmo art. 63.º-B, a decisão da AT de derrogação do segredo bancário pela AT (i) está sujeita a fundamentação com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, (ii) é da competência exclusiva do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira e (iii) dela cabe recurso judicial com efeito devolutivo (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 15 ao art. 63.º-B, págs. 579 a 581, sustentam que o efeito devolutivo prescrito na lei não obsta à possibilidade de o interessado requerer a adopção de uma medida cautelar de suspensão da eficácia da decisão.), sendo que no caso de procedência do recurso, a AT não poderá utilizar, em circunstância alguma, os elementos de prova obtidos na sequência do acesso à documentação bancária.
Acontece, porém, que os indícios de incumprimento dos deveres dos contribuintes podem resultar de elementos recolhidos em sede de processo criminal, designadamente através da derrogação do sigilo bancário efectuada no inquérito, e cujos elementos tenham sido, por isso, comunicados à AT pela autoridade judicial competente ou de que a AT teve conhecimento através dos seus próprios órgãos, na medida em que, em sede de inquérito originado pela notícia de um crime tributário, os poderes e as funções que o Código de Processo Penal (CPP) atribui aos órgãos de polícia criminal cabem aos órgãos da AT [cfr. art. 40.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT)].
Nessas situações em que no âmbito do inquérito criminal a autoridade judicial competente decidiu quebrar o sigilo bancário, suscita-se a questão de saber se a AT pode utilizar a informação bancária assim obtida, na medida em que ela evidenciar ou indiciar uma situação de eventual fraude ou evasão fiscais e, na afirmativa, em que condições; dito de outro modo, suscita-se a questão de saber se a prova obtida em sede de inquérito com acesso a documentação bancária ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 79.º do RGICSF pode ser utilizada em sede de procedimento tributário.
Como ficou já dito, os tribunais tributários têm vindo a afirmar, e bem, que a derrogação do sigilo bancário pela AT não pode ocorrer senão em sede de procedimento de inspecção.
Assim, a AT, não podendo ignorar os elementos bancários do contribuinte relativamente aos quais tenha sido quebrado o sigilo bancário no âmbito do inquérito criminal e de que tenha adquirido legitimamente conhecimento, não pode, sem mais, utilizá-los.
Parafraseando o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 515/14 (Publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 2103 a 212, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4b456510a9b638e480257d0000366420.), a menos que no processo crime tenha havido julgamento e tenham sido fixados factos que, constantes de decisão transitada em julgado, poderão ser utilizados como prova por parte da AT (cfr. n.º 9 do art. 63.º-B da LGT), no caso de arquivamento do processo-crime os elementos dele constantes apenas poderão ser utilizados pela AT como factos indiciários de uma determinada realidade, eventualmente subsumível à previsão de alguma das alíneas do n.º 1 do art. 63.º-B da LGT. Neste último caso, não só porque o processo criminal não prosseguiu para julgamento e, por isso, não foi facultada ao interessado a possibilidade de aí sindicar os elementos de prova recolhidos no inquérito, como também, e decisivamente, porque os elementos bancários foram obtidos mediante as regras processuais penais aplicáveis no âmbito do inquérito criminal – justificadas pelos fins próprios deste processo – e não para fins tributários e ao abrigo das regras tributárias. Ora, são os diferentes interesses visados pela possibilidade de derrogação do segredo bancário pelas autoridades judiciárias no processo penal e por idêntica possibilidade pela AT que justificam os diferentes procedimentos a seguir num e noutro caso. Tanto mais que a justificação para que aí tenha sido quebrado o segredo pode não valer para justificar a quebra do mesmo segredo para fins tributários.
A utilização desses elementos para fins tributários sempre exigirá que a AT desencadeie o procedimento de derrogação do segredo bancário previsto no art. 63.º-B da LGT, assegurando ao visado a possibilidade de interpor recurso judicial da decisão administrativa que determina o acesso à informação bancária (cfr. o n.º 5 do mesmo artigo) e, assim, garantindo o princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais [cfr. art. 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)].
Assim, caso a AT pretenda valer-se dos elementos cobertos pelo segredo bancário que foram recolhidos em sede de inquérito criminal, sempre deverá observar o procedimento prescrito no art. 63.º-B da LGT, ou seja, deverá dar início a um procedimento inspectivo, proferir decisão (da competência exclusiva do Director-Geral da ATA) fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, notificar essa decisão ao visado, a fim de permitir-lhe dela interpor recurso, que, em caso de procedência, determina a impossibilidade de utilização dos elementos de prova obtidos para qualquer efeito em desfavor do contribuinte, tudo nos termos já referidos.
A não ser assim (a menos que os elementos bancários sejam obtidos com o consentimento – que deverá ser expresso – do interessado ou que seja este a fornecer esses elementos), não estaria assegurado o direito do interessado impugnar a decisão administrativa de derrogação do segredo bancário, com manifesto prejuízo dos seus direitos, constitucionalmente protegidos, de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada (art. 20.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 2, da CRP).[…]”.

Na situação relatada no acórdão precedente estava em causa, tal como na situação presente, o uso de documentação bancária obtida em sede de inquérito e o seu uso posterior para efeitos de inspeção, sem que para este último fim se tivessem prosseguido os meios procedimentais próprios de levantamento do sigilo bancário. Ora, também na presente situação está em causa o uso de documentos bancários na aceção prevista no n.º 10 do art.º 63.º-B da LGT, na redação então vigente, só que com uma distinta particularidade: aqui estão em causa o uso de documentos bancários de terceiros (cf. ponto 6 da factualidade assente). Nestas situações, o n.º 2 do art.º 63.º-B da LGT dispunha que: “A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder directamente aos documentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta, quando se trate de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte”, sendo que nos termos do n.º 5 do apontado 63.º-B do diploma citado da decisão da AT de levantamento do sigilo bancário das pessoas referidas no citado n.º 2, então dependiam da audição prévia do familiar ou terceiro e eram suscetíveis de recurso judicial com efeito suspensivo, por parte destes.

Deste modo, na presente situação, e não havendo conhecida decisão com trânsito em julgado sob o referido processo crime, iniciado com o inquérito a que aqui se faz alusão, não tendo havido o necessário e prévio procedimento de levantamento do sigilo bancário quanto aos documentos usados em sede inspetiva a AT não poderia ter feito uso dos mesmos. Ora, tal ausência do devido procedimento traduz-se na preterição do direito dos terceiros interessados poderem impugnarem a decisão administrativa de derrogação do segredo bancário, com patente prejuízo dos seus direitos, constitucionalmente previstos, de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada (art. 20.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 2, da CRP). Deste modo, estando normativamente vedado o uso de tal prova, em funções dos apontados valores constitucionais, o seu uso é ilícito e dele não pode decorrer qualquer efeito probatório.

Assim, pese embora na sentença recorrida não se tenha feito a distinção entre o uso de documentos bancários do próprio e os provenientes de dados bancários de terceiros, a verdade é que o seu sentido decisório é de manter.

Por isso, improcede o presente recurso quanto à apontada questão, devendo manter-se a sentença recorrida, com os presentes fundamentos.

II – Das demais questões suscitadas no presente recurso.

Deste modo, na improcedência da referida questão que determinou a anulação dos atos impugnados, encontra-se prejudicada a necessidade de análise das demais questões suscitadas em sede recursiva contendentes com o erro de julgamento quanto aos vícios judicialmente reconhecidos e declarados.
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Assim, ter-se-á que concluir que terá que improceder totalmente o presente recurso.
-/-
Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário:

I- No recurso incidente sobre a matéria de facto, cabe ao Recorrente cumprir os ónus processuais estabelecidos no n.º 1 do art.º 640.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT, sob pena de não fazendo, não se ser conhecido o respetivo recurso naquela parte.

II – Para proceder ao uso de documentos bancários de terceiros, nos termos da redação então vigente dos ns.º 2 e 5 do art.º 63.º-B da LGT, deveria a AT iniciar e o prosseguir o respetivo procedimento prévio de derrogação bancário.

III – Não tendo feito uso prévio de tal mecanismo procedimental de derrogação do sigilo bancário, não poderia a AT fazer uso de documentos protegidos pelo referido sigilo no âmbito de um procedimento inspetivo conducente à formulação de uma subsequente liquidação adicional.

IV – Tendo feito uso de tais documentos, sem a abertura de tal procedimento, foram postergados os direitos de acesso aos tribunais para tutela da reserva da sua vida privada de terceiros (art. 20.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), consubstanciado tais meios de prova como prova ilícita e, como tal, inadmissível.
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V – Dispositivo

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida, com os presentes fundamentos.
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Custas pela Recorrente (RFP).
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Porto, 25 de fevereiro de 2021

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Vítor Salazar Unas
Ana Patrocínio