Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00430/10.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/11/2013
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:NULIDADES DA SENTENÇA; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; CONTRADIÇÃO ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO; ILEGALIDADE DAS PENHORAS.
Sumário:I. As nulidades da sentença nos termos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 668º do CPC, sendo um vício formal, não se confunde com eventual erro de julgamento sobre as questões nela apreciadas.
II. O acto de penhora de créditos a diversos clientes não viola a sentença de intimação para um comportamento que impunha que a AT se abstivesse da prática de qualquer acto de penhora sobre bens judicialmente apreendidos para a massa falida emitida na sequência do decretamento da insolvência do executado.
III. Arquivado o processo de insolvência, é legítima a penhora de créditos no âmbito de execução fiscal instaurada para cobrança de dívidas fiscais que se venceram em data posterior à data aquele arquivamento/encerramento (cf. artº 180ºdo Código de Procedimento e Processo Tributário).
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:PM(...)
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - RELATÓRIO
PM(...), advogado, contribuinte fiscal nº 1(...), com os demais sinais nos autos, tendo tido conhecimento da existência e envio de “NOTIFICAÇÃO DE PENHORA DE CRÉDITOS”, com data de 13.04.2010, a diversos Clientes seus, No âmbito da execução fiscal nº 3700200801020587, apresentou reclamação daquele acto.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu foi proferida sentença, em 30.03.2012, que julgou procedente a reclamação, decisão com que a Fazenda Pública não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A. Incide o presente recurso sobre a sentença datada de 2012/03/30, a qual julgou totalmente procedente a reclamação apresentada, determinando, em consequência a anulação das penhoras ordenadas.
B. A questão a decidir nos autos de reclamação reportava-se à legalidade (ou não) da penhora ordenada na execução fiscal n° 3700200801020587 e apensos, tendo o Tribunal a quo conhecido apenas dos fundamentos da alegada violação da sentença proferida no processo de intimação para um comportamento e da não alteração das circunstâncias - matéria de direito, portanto.
C. A sentença ora recorrida enferma de nulidade, nos termos das alíneas b) e c) do n° 1 do art.° 668° do CPC, quer por não especificar os fundamentos de direito da decisão, quer por contradição entre a decisão e os seus fundamentos (factualidade provada).
D. Entende a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo que, tendo o reclamante obtido vencimento em processo judicial de intimação para um comportamento (P° 1318/07.7 BEVIS, cfr. alíneas l) a k) dos factos provados), a penhora efectuada no processo executivo ora objecto de reclamação é violadora da sentença naqueles autos proferida.
E. Não podemos, de forma alguma, concordar: o processo de intimação não é um meio processual destinado a definir a existência de direitos ou interesses em matéria tributária, mas apenas a dar ordens à administração tributária quando tais direitos são evidentes.
F. Exige como requisitos cumulativos a omissão de um dever jurídico por parte da administração tributária susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária e que essa intimação seja o meio mais adequado para assegurar a tutela plena desse direito ou interesse.
G. Será a evidência do direito que explica a dispensa de uma acção para reconhecimento de um direito ou de um interesse legítimo, pois o pedido de reconhecimento judicial só se justifica quando existir uma situação de dúvida.
H. Nos referenciados autos de intimação, veio o ora recorrido requerer a condenação da Direcção de Finanças de Viseu ao reconhecimento da sua falência pessoal (judicialmente declarada em Dezembro de 2002 e transitada em julgado em Setembro de 2003), “e, por conseguinte, tendo em conta a data das dívidas fiscais em causa nas execuções fiscais revertidas pessoalmente contra o ora intimante (exercícios de 1998, 1999, 2000, 2001 e 2002), tratando-se de créditos vencidos antes da sua declaração de falência pessoal que se abstenham... da prática de qualquer acto de penhora sobre bens... que forem judicialmente apreendidos para a massa falida e se encontram à ordem dos autos falimentares supra identificados, e sobre os honorários do ora intimante, autorizado que está, tanto pela Ordem dos Advogados, como pelo Meritíssimo Juiz e naqueles autos falimentares, a fazê-los seus por forma a angariar os meios indispensáveis á sua sobrevivência ou subsistência pessoal.”
I. As dívidas fiscais a que alude o intimante originaram os processos executivos n°3700200101007963 e apensos, 37002001011001639 e apensos e 3700200101004140 e apensos, nos quais era originária devedora PA(…) & Associados - Gestão e Serviços, Lda.
J. Sendo que não carecem de alegação ou prova os factos alegados supra, pois deles tem conhecimento o tribunal a quo por virtude do exercício das suas funções.
K. Nos termos dos artigos 660º, n° 2 e 661°, n° 1 do CPC, para além de questões de conhecimento oficioso, o juiz não pode conhecer na sentença de questões não suscitadas pelas partes, nem condenar em objecto ou em quantidade superior ao que tiver sido pedido - relativamente à sentença dos autos de intimação, o pedido foi já referenciado supra.
L. Transitada em julgado a decisão judicial forma caso julgado, tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele (art.° 671° do CPC), porém esta força obrigatória, por remissão para o art.° 498° do mesmo código, está subjectiva e objectivamente limitada, abrangendo apenas as partes no processo e as pretensões baseadas no mesmo facto jurídico.
M. Conforme entendimento veiculado por Jorge Lopes de Sousa, “não está impedida a administração tributária de aplicar em relação a um contribuinte um entendimento jurídico que esteja em desconformidade com o decidido num processo judicial em que foi apreciada a mesma questão em que era parte outro contribuinte ou mesmo com o que tiver sido decidido num processo judicial em que era parte o mesmo contribuinte mas em que era apreciado um facto tributário distinto, mesmo que seja idêntica a questão jurídica essencial”.
N. Assim, a sentença que defere o pedido de intimação projecta um efeito preclusivo sobre os factos que incidam na relação jurídica sobre que se debruçou a sentença.
O. Não se afigurando legalmente admissível - nem a Meritíssima Juíza fundamenta tal decisão - a colagem da sentença proferida nos autos de intimação para um comportamento n° 1318/07.7 BEVIS a qualquer outra factualidade.
P. E ainda menos, como faz a Meritíssima Juíza a quo, a factualidade sem qualquer ponto de contacto com a aí referenciada (quer em termos de processo executivo, quer em termos de situação concreta determinante de uma condenação: tipo de dívidas em causa, responsabilidade pelo seu pagamento, momento do respectivo vencimento -nem sequer há identidade de processos executivos, cfr. alínea A) dos factos provados na sentença ora recorrida);
Q. Pretendendo, além do mais, ser a sentença de intimação (datada de 19/03/2008, tendo transitado em julgado — facto que não carece de alegação ou prova por dele ter conhecimento o tribunal a quo por virtude do exercício das suas funções) “... muito posterior aos autos falimentares (findos em 24110/2008, cfr. alínea H) dos factos provados na sentença ora recorrida).
R. Como não pode igualmente a Meritíssima Juíza deixar de relevar juridicamente os efeitos do encerramento do processo de insolvência, que não o puderam ser na sentença de intimação (de 2008/03/19) em virtude de tal encerramento (em 2008/10/24) ainda não ter ocorrido na data em que a mesma foi proferida, sob pena de fazendo-o, como fez, os fundamentos (factos provados) se mostrarem contrários à decisão proferida.
S. Assim, não se encontrando, no processo executivo alvo de reclamação, os créditos em causa apreendidos para a massa falida, nem à ordem dos autos falimentares - alias, carece de sentido nestes autos reportarmo-nos, sequer, à massa insolvente, pois que, encerrado o processo de insolvência “cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus e bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa , de acordo com a estatuição do n° 1 a) do art.° 233° do CPEREF - factualidade que não carece de alegação ou prova, por dela ter conhecimento o tribunal a quo por virtude do exercício das suas funções.
T. A alteração das circunstâncias a que se alude na sentença recorrida não pode deixar de se ter por verificada, por força da extinção da instância falimentar, operando, contudo, por força da lei, não carecendo, em consequência, (ao contrário de entendimento expresso na sentença ora recorrida) de qualquer alegação/comprovação por banda da administração fiscal.
U. Por força da decisão ora controvertida, está o Tribunal a quo a determinar a violação da proibição da ilegal concessão de moratórias pela administração fiscal, nos termos do art.° 36°, n° 3 da LGT, como o próprio princípio da legalidade tributária, a que alude o art.° 8° da LGT e, além do mais, a legitimar a pretensão do recorrido em transmutar a decisão judicial proferida nos autos de intimação para um comportamento em salvo-conduto para o não pagamento de impostos.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando nula a sentença recorrida, com as legais consequências.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal deu por reproduzido o parecer emitido pelo MP junto do STA, no sentido da procedência do recurso.

Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil e artigo 278º, nº 5 do Código do Processo e do Procedimento Tributário), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que importa decidir:
- Se a sentença sob recurso enferma de nulidade, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 668º do CPC, por falta de especificação dos fundamentos de direito da decisão e contradição entre a decisão e os seus fundamentos;
- Se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao ter considerado que a penhora efectuada no processo executivo objecto da presente reclamação é violadora da sentença proferida no processo judicial de intimação para um comportamento [proc. N.º 1318/07.7BEVIS].

III – FUNDAMENTAÇÃO
III -1. O Tribunal a “quo” deu como assente a seguinte matéria de facto:
a) Foi instaurado no Serviço de Finanças de Viseu (…), contra o reclamante, o processo de execução fiscal nº 3700200801020587 e apensos, tendo por base dívidas de IVA/2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, acrescida de JUROS DE MORA, CUSTAS e OUTROS ENCARGOS;
b) O Reclamante foi pessoalmente citado, nestes autos e na forma de “Aviso Postal Registado”, em 19 de Maio de 2008;
c) Foi, novamente, o ora Reclamante, pessoalmente citado, nestes autos e na forma de “Registada c/ aviso de recepção”, no dia 15 de Abril de 2010;
d) O ora reclamante foi declarado FALIDO (falência pessoal) por sentença proferida em 20 de Dezembro de 2002, nos autos de falência que correm termos sob o nº 548/2002, no (…) Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, sentença essa transitada em julgado em 19 de Setembro de 2003;
e) Na mesma sentença foi decretada a falência de “PA(…)& Associados – Sociedade de Advogados”;
f) Por deliberação aprovada pelo Conselho Geral da O.A., em 12/03/2004, foi o ora Reclamante (Falido) autorizado a exercer a sua profissão de advogado, ainda que com determinadas limitações, tendo em vista a angariação de meios indispensáveis de subsistência;
g) Igualmente, em 10/01/2006 no processo falimentar foi autorizado ao Falido o exercício da advocacia;
h) Nos referidos autos falimentares foi proferido em 24.10.2008, despacho a declarar o arquivamento dos autos de falência, por insuficiência de activo, o qual já transitou em julgado;
i) Em 28 de Setembro de 2007, o ora Reclamante, e contra a Direcção de Finanças de Viseu e Serviço de Finanças Viseu 2, deu entrada de Processo Judicial de Intimação para um Comportamento, que foi autuado com o número 1318/07.7BEVIS e correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu;
j) O processo mencionado na alínea imediatamente anterior correu termos e nele foi proferida douta Sentença Judicial, a qual transitou em julgado, tendo a Direcção de Finanças e o Serviço de Finanças Viseu (…) sido condenadas a:
“…absterem-se da práctica de qualquer acto de penhora sobre bens judicialmente apreendidos para a massa falida, e à ordem dos autos falimentares devidamente identificados nestes autos, e sobre os honorários do ora Intimante, enquanto não houver alteração das circunstâncias;
“…permitirem ao ora Intimante o normal exercício da sua actividade profissional, devendo, por conseguinte, constar da base de dados informáticos que o mesmo não cessou a actividade e está devidamente inscrito, no respectivo regime de IVA e de IRS”.,
k) A sentença mencionada na alínea imediatamente anterior foi notificada ao SF;
l) Em 13.04.2010 o SF de Viseu (…) procedeu ao envio de “NOTIFICAÇÃO DE PENHORA DE CRÉDITOS”, a diversos Clientes do Reclamante;
m) O número de clientes, mencionados na alínea imediatamente anterior, era de quatro até à data da instauração da presente acção;
n) O reclamante teve conhecimento das penhoras mencionadas na alínea L. em 16.04.2010;
o) É contra o acto de penhora de créditos de clientes seus que a presente reclamação versa.

“Os factos provados assentam na análise critica dos elementos constantes dos autos, nomeadamente dos títulos executivos, das informações oficiais, dos documentos juntos, bem como do depoimento da testemunha.
Factos não provados:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.”

Aditamento oficioso à decisão sobre a matéria de facto
Afigura-se-nos que, ao abrigo do disposto na norma do artigo 712º, nº 1, alínea a), do CPC aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, importa aditar matéria de facto que resulta provada, nos termos que passamos a explicitar e com o fundamento indicado após a enunciação do facto:
p) Da sentença referida em I) mais consta que:
“ (…)
a)O ora requerente foi declarado FALIDO (falência pessoal) por sentença proferida em 20 de Dezembro de 2002, nos autos de falência que correm termos sob o n.º 548/2002, no 2º Juízo Cível do tribunal Judicial de Viseu, sentença essa transitada em julgado em 19 de Setembro de 2003, cfr. documento n.º 1 junto aos autos a fls. 22 a 29;
b) Na mesma sentença foi decretada a falência de “PA(…)& Associados – Sociedade de Advogados”;
(…)
f) Em Julho de 2006 foi o requerente, falido, devidamente notificado pelo Serviço de Finanças de Viseu para em sede de audiência prévia, dizer o que tiver por conveniente relativamente aos despachos de reversão contra os responsáveis subsidiários, sendo um deles o ora requerente (falido), relativamente às dívidas fiscais que estiveram na origem da instauração de três execuções fiscais e dos apensos contra a devedora originária PA(…) & ASSOCIADOS – Gestão e Serviços, Limitada, Credora Reclamante e membro da Comissão de Credores naqueles autos falimentares, e as quais correm termos sob os números 3700200101007963 e apensos, 37002001011001639 e apensos e 3700200101004140 e apensos, naquele Serviço de Finanças, cfr. documentos de fls. 37 a 48 dos autos (doc. 5, 6 e 7 juntos com a P.I.);
(…)
h) O ora requerente (falido) foi citado pessoalmente naquelas Execuções, enquanto responsável subsidiário,
(…)
No presente caso, tendo o requerente sido declarado falido por sentença proferida em 20 de Dezembro de 2002 e tendo em conta que as dívidas fiscais em causa se tratam de créditos vencidos antes da data de declaração de falência, dúvidas não restam de que a declaração de falência obsta ao prosseguimento de qualquer acção executiva conta, pese embora a instauração seja admissível.
Não sendo sustadas a execuções fiscais, os actos processuais executados na sua ulterior tramitação consubstanciam violação do disposto nos n.º 1, 2 e 6 do art. 180º do CPPT, o que ocasiona a respectiva nulidade.
Por o ora Intimante estar autorizado, tanto pela Ordem dos Advogados como pelo próprio tribunal, desde 12 de Março de 2004 a exercer a sua actividade profissional enquanto advogado, pede o ora requerente que lhe seja permitido o normal exercício das sua actividade profissional, desta forma cumprindo com as suas obrigações legais, devendo, por conseguinte, constar da base de dados informáticos, daquele serviço de finanças e daquela direcção, que o mesmo não cessou a actividade e está devidamente inscrito, no respectivo regime de IVA e IRS.(…) [cfr. documento juntos aos autos a fls. 275 a 283].
Decidindo.
Na sentença sob recurso a Meritíssima Juíza julgou procedente a presente Reclamação deduzida ao abrigo do disposto no artigo 276º e ss. do CPPT, com o fundamento de que as penhoras efectuadas no processo de execução fiscal n.º 3700200801020587 e apensos consubstanciam violação do decidido com trânsito em julgado nos autos de intimação para um comportamento que correram termos no TAF de Viseu sob o n.º 1318/07.7BEVIS, visto que a decisão proferia nesses autos de intimação inibe a Administração Fiscal de proceder à penhora dos honorário do Executado/Reclamante enquanto não houver alteração das circunstâncias, e a Administração Fiscal não cumprir esse ónus que lhe competia de provar essa alteração e de proceder à notificação deste.
A Fazenda Pública não se conformando com aí decidido, assaca nulidades a sentença recorrida, falta de fundamentação e oposição entre fundamentos e decisão [conclusão B) e C)], repudia o julgamento efectuado, invocando em suma que o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão na sentença proferida dos sobreditos autos de intimação, sem atentar aos factos concretos que haviam sido alvo de apreciação naquela e os factos concretos em apreciação nestes autos, mormente no que se refere às dívidas em causa, à responsabilidade pelo seu pagamento e ao momento do seu pagamento, tudo isto sem respeitar os limites do caso julgado [art. 671º do CPC – conclusões K), L), M), N), O) e P) as alegações), bem como descurou que a sentença de intimação para um comportamento foi proferida em 19.03.2008, ou seja, em data anterior ao encerramento do processo falimentar ocorrido em 24.10.2008 [conclusões R), S) e T)].

DA NULIDADE DA SENTENÇA
A Recorrente (Fazenda Pública), nas conclusões das alegações do presente recurso jurisdicional, imputa à sentença recorrida, simultaneamente com a rejeição do ali decidido por erro de julgamento, nulidades, que qualifica como de falta de fundamentação e de contradição entre os fundamentos e decisão (vide conclusão C.), para de imediato sob a conclusão D. e E. afirmar que não se pode concordar com o ali decidido, demonstrando cabal apreensão do decidido e das razões de repúdio que cabalmente expressa (vide conclusões F. a U).
Ora, como é sabido, as nulidades da sentença estão taxativamente previstas no artº668º, nº1 do CPC que dispõe que:
1. É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”
Tais nulidades constituem vícios formais da sentença, não se confundindo, portanto, com eventuais vícios substanciais de que a mesma padeça.
Ora, como se vê das conclusões das alegações de recurso e designadamente das conclusões supra transcritas, a Recorrente acaba por confundir a falta de fundamentação e contradição entre fundamentação e decisão, sustentando a nulidade da sentença, com a decisão em si, e respectiva fundamentação com a qual não concorda, sendo certo que dessa discordância ressalta oposição entre a fundamentação e a decisão, pois que os factos no entender da recorrida não conduzem de modo algum a decisão alcançada.
Evidentemente que o facto alegado pela Recorrente de, a Meritíssima Juiz a quo, ter olvidado a disparidade existente na factualidade inerente aos autos de Reclamação e autos de Intimação para um Comportamento (conclusão N., O., P., e Q.), nomeadamente de dívidas em questão, processos executivos, momento do vencimento, qualidade que reveste o responsável pelo pagamento, não pode constituir qualquer nulidade da sentença recorrida.
Quanto à invocada nulidade da sentença, por falta de fundamentação, nos termos da alínea b) do nº1 do artº668º do CPC, só ocorre, como é sabido, se existir absoluta falta de fundamentação.
Ora, manifestamente não é o caso, pois a sentença encontra-se fundamentada, de facto e de direito. Se essa fundamentação está certa ou errada, é questão que se prende com o mérito da causa, não com a validade formal da sentença.
E também se não verifica qualquer pretensa oposição entre os fundamentos e a decisão, já que a decisão de conceder provimento a Reclamação é a consequência lógica de a sentença, na respectiva fundamentação, ao ter considerado ilegal a penhora tal como vinha imputado pelo recorrido.
Se decidiu bem ou mal, é outra questão que se prende, como referimos, com o mérito da causa.
Não ocorre, pois, qualquer das nulidades da sentença, invocadas pela Recorrente.

Do erro de julgamento
Cumpre aferir, se padece de erro de julgamento, a sentença recorrida que decidiu pela ilegalidade das penhoras ordenadas no âmbito do processo de execução fiscal por violarem a sentença proferida no processo de intimação para um comportamento e da não alteração das circunstâncias e consequente proibição de decisões surpresa.
Para melhor compreensão do decidido, transcreve-se na integra o discurso argumentativo do tribunal a quo:
«Questões a decidir:
A) – DA ILEGALIDADE DA(S) PENHORA(S) ORDENADA(S) NESTES AUTOS.
A.1 – VISTO QUE O RECLAMANTE FOI DECLARADO FALIDO por douta sentença proferida, em 22 de Dezembro de 2002, nos autos de falência que correram termos sob o n.º 548/2002, no (…) Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, sentença essa transitada em julgado em 19 de Setembro de 2003.
A.2 – POR VIOLAÇÃO DA SENTENÇA PROFERIDA NO PROCESSO DE INTIMAÇÂO PARA UM COMPORTAMENTO E DA NÃO ALTERAÇÂO DAS CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUENTE PROIBIÇÃO DE DECISÕES SURPRESA.
Quanto à primeira questão – da nulidade da citação - o Tribunal não pronunciar-se-á por considerar não constituir objecto desta forma processual.
Iremos apreciar a segunda questão pois a sua resposta negativa irá prejudicar a resposta à primeira.
Como resulta dos factos provados, alínea I. e J. em 28 de Setembro de 2007, o ora Reclamante, e contra a Direcção de Finanças de Viseu e Serviço de Finanças Viseu (…), deu entrada de Processo Judicial de Intimação para um Comportamento, que foi autuado com o número 1318/07.7BEVIS e correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.
O referido processo correu termos e nele foi proferida douta Sentença Judicial, a qual transitou em julgado, tendo a Direcção de Finanças e o Serviço de Finanças Viseu (…) sido condenadas a:
“…absterem-se da prática de qualquer acto de penhora sobre bens judicialmente apreendidos para a massa falida, e à ordem dos autos falimentares devidamente identificados nestes autos, e sobre os honorários do ora Intimante, enquanto não houver alteração das circunstâncias;
“…permitirem ao ora Intimante o normal exercício da sua actividade profissional, devendo, por conseguinte, constar da base de dados informáticos que o mesmo não cessou a actividade e está devidamente inscrito, no respectivo regime de IVA e de IRS”.
A sentença vinda de referir foi notificada ao SF.
Ora, do segmento de decisão destaca-se a proibição da AF praticar qualquer acto de penhora, nomeadamente sobre os honorários de aqui reclamante.
Sucede que exercendo o reclamante a advocacia a penhora de créditos seus sobre os seus clientes (pelo menos quatro) reportam-se necessariamente a honorários do mesmo.
Não podendo ser considerado que os créditos em causa não se encontrando apreendidos para a massa falida podem ser penhorados. Pois a douta sentença é mais abrangente, referindo ainda os honorários do intimante, aqui reclamante. E note-se que a sentença de Intimação é muito posterior aos autos falimentares.
Afigurando-se assim, violação do doutamente decidido na sentença em análise.
Pois incumbia à AF provar a alteração das circunstâncias devendo notificar o reclamante da alteração das mesmas, o que não sucedeu.
Como refere o reclamante com a penhora de créditos ordenada nestes autos, aqui em reclamação, aquela Requerida Direcção de Finanças e este Serviço de Finanças violaram de forma, clara e manifesta, a douta sentença, já transitada em julgado, proferida naqueles autos de intimação.
Continuando a fazer referência ao plasmado na Petição Inicial, a haver alguma ou qualquer alteração de circunstâncias, esta alteração, atentas as circunstâncias pessoais (a declaração de falência pessoal, as decisões proferidas pela Ordem dos Advogados e Meretíssimo Juíz nos autos falimentares e a douta sentença proferida nos autos de intimação) do Reclamante, falido, deve ser devidamente alegada e comprovada nos autos de execução respectivos e objecto de despacho a ser proferido pelo órgão de execução fiscal competente.
Pois só assim se dá cumprimento ao estatuído no artigo 55.º, da LGT, segundo o qual a “… administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.”
Julgamos, assim, que a Reclamação deve proceder.»

Ora, no caso vertente, perante os elementos que constam dos autos, e contrariamente ao defendido na petição de reclamação pelo Recorrente e na sentença sob recurso, o acto de penhora de créditos a clientes do Executado no âmbito do processo executivo 3700200801020587 e apensos, instaurados para cobrança de dívidas de IVA dos anos de 2004 a 2009 não viola a sentença proferida no processo de Intimação Para Um Comportamento – n.º 1318/07.7BEVIS.
Vejamos:
Nos termos do disposto no art. 147º, nºs 1 e 2 do CPPT, “1- Em caso de omissão, por parte da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente. 2 – O presente meio só é aplicável quando, vistos os restantes meios contenciosos previstos no presente Código, ele for o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectivados direitos ou interesses em causa.
Os pressupostos para a intimação para um comportamento aqui prevista, são, assim, os seguintes: existência de uma omissão por parte da administração tributária; a omissão tem que se referir a um dever de uma prestação jurídica; a omissão seja susceptível de lesar um direito ou interesse legítimo do interessado; o meio processual aqui previsto ser o mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse em causa.
A utilização deste meio processual, previsto no CPPT como corolário do direito à tutela judicial efectiva prevista no art. 268º, nº4 da CRP, visando obter o cumprimento de um dever pela administração tributária, supõe que esteja definida previamente a existência deste dever, podendo este resultar directamente da lei, quando se esteja face a direitos cuja existência não necessite de actos de aplicação ou decorra de determinada situação fáctica.
Por via do sobredito processo de intimação para um comportamento, logrou o aqui recorrido obter, com referência aos processos de execução fiscal n.º 3700200101007963 e apensos, 37002001011001639 e apensos e 3700200101004140 e apensos do Serviço de Finanças de Viseu (…), instaurados contra a devedora originária PA(…) & ASSOCIADOS – Gestão e Serviços, Limitada, em que figurava na qualidade de responsável subsidiário (reversão), a condenação da Direcção de Finanças e o Serviço de Finanças Viseu (…) a: “…absterem-se da prática de qualquer acto de penhora sobre bens judicialmente apreendidos para a massa falida, e à ordem dos autos falimentares devidamente identificados nestes autos, e sobre os honorários do ora Intimante, enquanto não houver alteração das circunstâncias;
“…permitirem ao ora Intimante o normal exercício da sua actividade profissional, devendo, por conseguinte, constar da base de dados informáticos que o mesmo não cessou a actividade e está devidamente inscrito, no respectivo regime de IVA e de IRS”
Efectivamente, e apoiados da argumentação constante da sentença de Intimação a fim de contextualizar a condenação dali decorrente, temos que, tendo o requerente (aqui executado/reclamante/recorrido) sido declarado falido por sentença proferida em 20 de Dezembro de 2002 e tendo em conta que as dívidas fiscais em causa se tratam de créditos vencidos antes da data de declaração de falência, determinou-se que a declaração de falência obstava ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o mesmo, pese embora a instauração seja admissível.
Desde logo, é obvio que a sentença de intimação apenas visa os processos de execução ali referenciado em que o aqui executado figura como responsável subsidiário, isto por um lado, por outro refere-se a dívidas fiscais reportadas a créditos vencidos antes da data de declaração de falência (20 Dezembro de 2002), o que não se coaduna de todo com os processos de execução fiscal instaurados contra o aqui recorrido a título de devedor originário por dívidas de IVA decorrentes dos anos de 2004 a 2009.

Tendo presente, toda a factualidade própria decorrente dos presentes autos e daqueles de Intimação, é manifesto que o acto de penhora de créditos a diversos clientes não viola a sentença de intimação para um comportamento proferida no âmbito do processo 1318/07.7BEVIS.

Mais se diga, recuperando argumentação constante do acórdão do STA de 29.11.2006, recurso n.º 0603/06 que:
«Nos termos do n.º 1 do artigo 180.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “Proferido o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração”.
Disposição que, todavia, se não aplica “aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa, que seguirão os termos normais até à extinção da execução” – n.º 6.
Por sua vez, o artigo 154.º, n.º 3, do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, estabelece que “a declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido”.
Tratando-se de disposições literalmente contraditórias, há que procurar harmonizá-las, tendo nomeadamente em conta a unidade do sistema jurídico, elemento primacial da interpretação jurídica (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).
O que se conseguirá operando um entendimento restritivo daquela última disposição legal, sempre sem prejuízo da sua ratio.
Assim, aquele n.º 3 [do art. 154º do CPERE] não se deve aplicar aos processos de execução fiscal.
Na verdade, aquela proibição surge paralelamente à avocação, pelo Tribunal judicial, de todos os processos de execução fiscal pendentes e sua apensação ao processo de falência ou recuperação – dito artigo 180.º, n.º 2.
Como refere Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado, p. 818, nota 6: “Tal apensação, para além de assegurar a reclamação dos créditos que são objecto dos processos de execução (caso em que a devolução deveria ocorrer logo que não pudessem ser reclamados os créditos), tem como principal finalidade assegurar que nestes processos não sejam tomadas decisões que possam ter interferência no processo de falência ou de recuperação de empresa”.
Ora, tal desiderato compagina-se perfeitamente com a instauração da execução envolvendo a sua imediata sustação, para apensação ao processo de falência.
Ou seja: em vista do auspício legal, a subordinante não é a instauração da execução mas, antes, a sua apensação, nos sobreditos termos.
Sentido que deve entender-se igualmente concretizado no referido n.º 6: tratando-se “de créditos vencidos após a declaração de falência”, a execução poderá ser instaurada e prosseguir mas apenas “se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou recuperação”.
Cfr. Jorge de Sousa, cit., nota 5 in fine.
É que, não se tratando de bens integrantes da massa falida, não sai prejudicada aquela finalidade.
Assim, é possível legalmente a instauração da execução fiscal, após a declaração de falência, mas para imediatas sustação e avocação pelo Tribunal judicial e apensação àquele processo – artigos 180.º, nºs 1 e 2, do CPPT, e 154.º, n.º 3, do CPEREF – ou, tratando-se de créditos vencidos após a declaração de falência, prosseguindo a execução mas apenas se forem penhorados bens ali não apreendidos.
(…) Então – ressalvadas obviamente as particularidades de regime próprias só do processo de recuperação da empresa e de falência, das quais a mais significativa será a da intangibilidade do acervo de bens e de direitos da massa falida (cf. neste sentido, ao que parece, o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 24-10-2001, proferido no recurso n.º 26.344) –, poder-se-á dizer tranquilamente e com intensa propriedade que, em face dos termos do n.º 6 do artigo 180.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é vão ou nulo o efeito do processo de recuperação da empresa e de falência na execução nos casos de execução fiscal por «créditos vencidos após a declaração de falência.»
No caso dos presentes autos, constata-se que os créditos se venceram em data posterior à data do encerramento do processo de Insolvência. Sendo que, o despacho sobre que incidiu a douta decisão recorrida data de 12.04.2010 e o despacho a declarar o arquivamento dos autos de falência, por insuficiência de activo, data de 24.10.2008.

Pelo exposto, mostrando-se procedentes as conclusões das alegações quanto ao mérito do recurso, atentos os fundamentos invocados, o presente recurso jurisdicional merece provimento, carecendo a sentença recorrida de ser revogada.
Revogada a sentença recorrida, apreciando este tribunal o pedido efectuado nos autos, atentos os fundamentos supra referidos, julga-se improcedente a presente Reclamação do acto do órgão de execução fiscal.

IV. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, pelo que revogam a sentença recorrida na parte em que conheceu da ilegalidade das penhoras ordenada nestes autos e, conhecendo da mesma, julgar improcedente a reclamação apresentada, com a consequente manutenção das penhoras.
Sem custas no recurso, por não terem sido apresentadas contra alegações.
Custas em 1ª instância a cargo do Reclamante.

Porto, 11 de janeiro de 2013
Ass.: Irene Neves
Ass.: Pedro Marques
Ass.: Paula Ribeiro