Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00101/13.5BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/18/2013
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA; AUDIÇÃO PRÉVIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
INSUFICIÊNCIA DE BENS
CULPA
Sumário:1. Não existe contradição entre os fundamentos e a decisão se o recorrente entende que tribunal deveria ter retirado outra conclusão dos factos dados como provados.
2. O indeferimento do pedido de dispensa de garantia a que aludem os artigos 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária e 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não é necessariamente precedido de audição prévia.
3. Não padece de falta de fundamentação a decisão do órgão de execução fiscal que indefere o pedido de dispensa de garantia por entender que o requerente deveria fazer a prova de que a insuficiência de bens não resultou de causa que estivesse na absoluta indisponibilidade da empresa ou da sua administração.
4. O executado é responsável pela inexistência ou insuficiência de bens para efeitos da parte final do n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária quando não alegue ou não demonstre que essa insuficiência não deriva de atos de alienação, oneração, disposição ou dissipação de bens por ele praticados ou consentidos de forma dolosa;
5. Consideram-se dolosos os atos a que alude o número anterior praticados ou consentidos com o intuito de diminuir a garantia dos credores ou em que se preveja essa diminuição como consequência necessária ou eventual da sua atuação e se conforme com ela;
6. Não alega nem demonstra que a insuficiência de bens não deriva de atos de alienação, oneração, disposição ou dissipação de bens por ele praticados ou consentidos de forma dolosa quem a justifica com a alienação e oneração de resultante de uma operação de reestruturação sem explicar o destino dado ao produto dessa alienação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C..., Lda
Recorrido 1:Instituto da Vinha e do Vinho, IP
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. C..., Lda., n.i.f. 5…, com sede na Av.ª…, Tondela, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu nos autos de reclamação de decisão do órgão de execução fiscal, que interpôs a coberto dos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que teve por objeto decisão proferida no Serviço de Finanças de Tondela lavrada no processo de execução fiscal n.º 2704200701001558, a correr termos para cobrança coerciva de taxa de promoção do vinho, no montante de 220.121,29 euros, titulada por certidão emitida pelo Instituto da Vinha e do Vinho, I.P., (doravante IVV) n.i.f. 501 722 335, com sede na Rua Mouzinho da Silveira, 1250-165 Lisboa, decisão essa que indeferiu o requerimento ali entrado e onde pedia a dispensa da prestação de garantia.

1.2. Com a interposição do recurso, apresentou as respetivas alegações e formulou as conclusões que a seguir se transcrevem, nos exatos termos em que foram exaradas:

A. Em causa nos autos está uma reclamação judicial apresentada pela C... contra o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado nos autos de execução fiscal n.º 2704200701001558.

Da preterição de audição prévia:

B. Ao apreciar a questão relativa à ilegalidade da decisão de indeferimento por preterição da audição prévia da C..., a sentença aqui posta em crise acolhe o entendimento pugnado no Acórdão do STA de 26.09.2012, proferido no processo n.º 0708/12, que acompanha a corrente que qualifica o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia como um acto de natureza administrativa – cf., em particular, página 25 da sentença aqui posta em crise.

C. Consubstanciando a decisão de indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia um acto administrativo em matéria tributária e, como tal, sujeito ao regime previsto na LGT para os procedimentos tributários (e, em particular, ao princípio da participação contido no artigo 60.º do mesmo diploma), não se pode aventar, no modesto entendimento da C..., a possibilidade da sua não observância ou simples dispensa, como acabou por concluir o Tribunal a quo.

D. Não parece ser legalmente admissível recorrer a uma possibilidade de dispensa de audição prévia prevista ou (i) num regime de aplicação supletiva (in casu, o regime previsto no CPA) ou (ii) num regime criado ad hoc (em concreto, um regime resultante da consideração de que o requerimento de dispensa de garantia, por dever ser fundamentado e instruído com prova, consubstancia, em si, a audição prévia do interessado), quando a própria Lei Geral Tributária não se mostra omissa quanto à matéria.

E. A aplicação do Código de Procedimento Administrativo às relações jurídico-tributárias, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 2.º da LGT, mostra-se de carácter supletivo: é a Lei Geral Tributária que se aplica em primeira linha à solução das questões postas ao intérprete-aplicador, só sendo legítimo o recurso aos restantes diplomas enunciados no artigo 2.º da LGT em caso de lacuna da mesma Lei.

F. A Lei Geral Tributária não contém qualquer lacuna quanto ao exercício de audição prévia ao indeferimento de um pedido de dispensa de garantia, que possibilite ou autorize o recurso a regimes especiais previstos em legislação subsidiária ou interpretativamente criados para a situação concreta. Bem pelo contrário: a LGT claramente ordena que previamente ao indeferimento de um pedido apresentado pelo contribuinte à Administração Fiscal – como vem a ser um pedido de dispensa de prestação de garantia – seja aquele ouvido e convidado a participar na formação da decisão final – cf. artigo 60.º, n.º 1, alínea b), da LGT -, sendo que os n.os 2 e 3 do mesmo artigo 60.º da LGT vêm indicar, peremptoriamente, as situações em que poderá ocorrer a dispensa de audição prévia no âmbito das relações jurídico-tributárias, nos quais não se inclui o indeferimento de um pedido de dispensa de prestação de garantia.

G. Ao fazer-se apelo a um regime previsto no Código de Procedimento Administrativo (ou mesmo a um regime que decorre da interpretação de que a própria petição fundamentada afastará a audição prévia) para justificar a possibilidade de dispensa de audição prévia no caso, está-se, em bom rigor, a revogar semelhante disposição da Lei Geral Tributária, aditando-lhe outras possibilidades de dispensa de audição prévia, que o legislador fiscal manifestamente não consagrou.

H. Ainda que se aceitasse a aplicação subsidiária da possibilidade de dispensa de audiência prévia, prevista no CPA para os casos em que a decisão se mostra urgente, às situações de indeferimento de pedido de dispensa de garantia – no que não se concede -, sempre importará notar que a urgência da decisão invocável para justificar esta dispensa de audiência prévia em procedimentos administrativos «não são razões ligadas com a necessidade de cumprimento do prazo legal de conclusão do processo ou com a necessidade de prevenir o aparecimento de actos tácitos que podem ser invocadas para justificar o preenchimento do pressuposto da urgência da decisão.» - cf. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, op cit.

I. Ao contrário do que se verifica na situação dos autos, a urgência da decisão deverá ser justificada e fundamentada por referência à situação material existente, devendo resultar objectivamente do acto e das suas circunstâncias (cf., neste sentido, Ac. STA de 28-05-2002, proc. 048378, disponível em www.dgsi.pt), não já por referência à situação procedimental de cumprimento de determinado prazo estipulado para a conclusão do procedimento [Nas expressivas palavras do Exmo. Senhor Dr. Juiz Conselheiro Lino Ribeiro, em voto de vencido ao entendimento que fez maioria no mencionado Ac. deste STA de 26.09.2012: «O prazo de 10 dias para decidir o dito “procedimento” é assim meramente ordenador ou disciplinador, sem quaisquer consequências negativas para o requerente. Daí que não nos devemos impressionar com a alegação de que tal prazo determina a natureza urgente do procedimento, pois, pelo menos na perspectiva do executado, não há uma correlação necessária entre o prazo de decisão e a urgência na resolução da pretensão. Além disso, a aplicar-se as normas do CPA, seria sempre de exigir um “despacho” a justificar a urgência da decisão»], que vem a ser, afinal, a justificação em que se escuda o Tribunal a quo (acolhendo o teor do mencionado Acórdão do STA) para considerar que este regime da dispensa de audiência prévia nas decisões urgentes dos procedimentos administrativos deverá ser aplicado ao pedido de dispensa de prestação de garantia em causa nos autos.

J. Por outro lado, não poderá igualmente colher o entendimento de que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando as razões que a justificam e juntando os respectivos elementos de prova documental, acabe por desempenhar a função de audição prévia do contribuinte ou por precludir a necessidade de realização da mesma, no sentido de atenuar «a hipótese de ser surpreendido ou confrontado pela AT com elementos que desconheça» - cf. Ac. STA de 26.9.2012, reproduzido na página 27 da sentença recorrida.

K. Se assim fosse, em todas as situações de apresentação de um pedido ou petição devidamente fundamentados e instruídos com prova documental à Administração Tributária, teria de se aplicar esta interpretação de que semelhante petição inicial daquele procedimento jurídico-tributário precludia a necessidade de realização de audição prévia, pelo que os contribuintes, sempre que apresentassem tais petições devidamente fundamentadas e instruídas com prova documental, não teriam a possibilidade de, previamente ao respectivo indeferimento pela Administração Tributária, virem participar na formação da decisão e, assim, virem obviar a eventuais erros por parte da Administração e contribuir para o cabal esclarecimento dos factos.

L. Por outro lado, apesar de o pedido de dispensa de prestação de garantia dever ser instruído, nos termos legais, com a prova documental necessária (cf. artigo 170.º, n.º 3, do CPPT), é certo que com esta referência a «prova documental necessária», o legislador não está a excluir outros meios de prova admitidos em Direito, o que redundaria numa restrição materialmente inconstitucional, nas situações em que esses outros meios de prova se mostram imprescindíveis para a demonstração do direito invocado pelo contribuinte no seu pedido de dispensa.

M. São cogitáveis situações em que os factos alegados pelo contribuinte para demonstrar, por exemplo, a falta de culpa na insuficiência de bens para prestar garantia ou o prejuízo irreparável que lhe advirá da prestação de uma garantia, não se alcançam unicamente através de meios documentais, carecendo-se, por exemplo, de prova testemunhal.

N. A prova dos requisitos de que depende a dispensa de prestação de garantia poderá – e muitas vezes, apenas poderá - ser feita por recurso a outros meios de prova que não a documental – em especial tratando-se de prova de um facto negativo -, pelo que não deverá vingar o entendimento de que a petição inicial de dispensa de garantia desempenhe já a função de audição prévia do contribuinte ou precluda automaticamente a necessidade de realização dessa audição prévia, pois terão lugar diligências instrutórias e poderão surgir novos elementos sobre os quais o contribuinte nunca se pronunciou, em violação, inclusivamente, do princípio do contraditório em matéria de procedimento e processo tributário consagrado no artigo 45.º do CPPT.

O. O contribuinte tem a possibilidade legal (e constitucional) de, conhecendo a apreciação da Administração Tributária feita sobre as provas apresentadas e/ou produzidas no procedimento de dispensa de prestação de garantia, vir juntar novos elementos e sobre as mesmas se pronunciar.

P. Esta é a solução que se impõe no apuramento da verdade material e cabal esclarecimento dos factos alegados que incumbe à Administração Tributária e, bem assim, a solução que mais se coaduna com o preceituado no n.º 5 do artigo 267.º da CRP e no artigo 45.º do CPPT.

Q. No caso concreto dos autos, a necessidade, razoabilidade e utilidade da realização da audição prévia é manifesta:

· Por um lado, o fundamento apontado, no despacho do OEF que dá causa aos autos, para indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia em causa foi o facto de não resultar provado «o pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens». Ora, em sede de audição prévia, poderia a C... ter efectuado a junção dos elementos de prova que a Administração reputava por necessários;

· Por outro lado, ainda no caso concreto, o argumento que se funda no curto prazo de 10 dias do procedimento para afastar a necessidade ou possibilidade legal de audição prévia a esse indeferimento, é particularmente inexpressivo, pois que o pedido de dispensa de prestação de garantia foi apresentado pela C... em 5 de Junho de 2012 (cf. ponto n.º 4 da matéria de facto dada como provada) e veio a ser decidido, apenas, por despacho de 13 de Agosto de 2012, decorridos mais de 2 meses sobre a respectiva apresentação (cf. ponto n.º 6 dos factos provados).

R. Se a lei prevê um prazo que, na prática, é meramente ordenador ou disciplinador, e que, no caso dos autos (que é o que aqui nos interessa) foi incumprido, não se aceita que se retire a conclusão de que, in casu, a atribuição do carácter urgente que possibilita, na teoria acolhida na sentença recorrida, a dispensa da audição prévia com uma aplicação subsidiária do CPA encontre, sequer, justificação material.

S. Não se aceitando embora (conforme supra se fez notar) que o prazo estipulado na lei para a apreciação do pedido de dispensa justifique o afastamento do direito de audição prévia do contribuinte, não poderia, de qualquer modo, em face dos elementos de facto dos autos, ter sido decidido que não haveria lugar à audição prévia da C... devido à urgência do procedimento, uma vez que o procedimento em causa demorou a ser decidido bem mais do que o tempo legalmente previsto para o efeito.

T. Nos presentes autos, impunha-se determinar a anulação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição ilegal da audição prévia da C..., ao invés do que o Tribunal a quo decidiu, violando o disposto nos artigos 267.º, n.º 5, da CRP, 60.º da LGT e 45.º do CPPT.

Da falta de fundamentação do despacho reclamado:

U. A decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia proferida pelo órgão de execução fiscal atém-se por uma consideração genérica sobre os requisitos que necessitam de ser provados para o deferimento de um qualquer pedido de dispensa de prestação de garantia, afirmando, sem mais e sem qualquer fundamentação, que os documentos juntos demonstram que a insuficiência de bens resulta da gestão da empresa, e não de uma qualquer causa que esteja na absoluta indisponibilidade da mesma ou da sua administração.

V. Não se encontra feita, sequer, qualquer apreciação crítica do teor dos documentos que ajude a compreender o iter cognoscitivo do decisor até à - ininteligível - conclusão que dos mesmos documentos resulta a culpa da empresa na insuficiência de bens (que elementos constantes dos documentos levaram a essa conclusão? Que factos retirou o Serviço de Finanças desses documentos para concluir que «a insuficiência resulta da gestão da empresa, e não de uma qualquer causa que esteja na absoluta indisponibilidade da mesma ou da sua administração»?).

W. Um destinatário normal, perante o teor do acto de indeferimento em apreço e das suas circunstâncias, não fica em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu nesse sentido e não noutro, de forma a poder conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais.

X. O conteúdo da decisão atém-se, pois, manifestamente, por uma consideração genérica, vaga e não aplicada ao caso concreto, em relação ao pedido formulado e respectiva prova, que, por isso, em nada fundamenta a decisão de indeferimento e que não poderá senão equivaler a uma falta de fundamentação.

Y. Ao considerar que a decisão em apreço cumpria os imperativos de fundamentação, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 3 do artigo 269º CRP, nos artigos 36.º e 37.º do CPPT, no artigo 77.º da LGT e mesmo nos artigos 124.º e 125.º CPA, devendo a sentença proferida ser revogada em conformidade.

Da impugnação da matéria de facto:

Z. O Tribunal a quo, na fixação dos factos dados como provados ou não provados, não elencou factualidade alegada que é relevante para a decisão da causa, na exacta medida em que se reporta directamente ao pressuposto da falta de responsabilidade na insuficiência de bens de que depende o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, sendo certo que semelhante factualidade resultou provada dos elementos dos autos.

AA. Em concreto, em face da matéria alegada e da prova produzida, impunha-se dar como assente, igualmente, que seguindo a tendência que tem vindo a verificar nos últimos anos, a C... sofreu um acentuadíssimo decréscimo das suas vendas no ano de 2010, com uma quebra de quase onze milhões de euros (cf. artigo 53 do pedido de dispensa de prestação de garantia), facto que resultou provado, desde logo, pela demonstração de resultados por naturezas constante da IES apresentada (cf. doc. 4), em que se constata que as vendas, que em 2009 ascenderem a €35.793.825,86, diminuíram em mais de dez milhões de euros, para o montante de €24.886.494,97 no exercício de 2010 e, igualmente, pelo depoimento da testemunha F… (cf., em especial, minutos 00:12:22 da gravação da sessão de inquirição de testemunhas).

BB. Ao elenco da matéria assente em primeira instância, deverá ser aditado, ao abrigo do disposto no artigo 712.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, um facto relativo à diminuição das vendas da C..., nos seguintes termos propostos: “34. Seguindo a tendência que tem vindo a verificar nos últimos anos, a C... sofreu um acentuadíssimo decréscimo das suas vendas no ano de 2010, com uma quebra de quase onze milhões de euros”.

Da alegada falta de prova do requisito da não responsabilidade na insuficiência de bens

CC. A C..., conforme vem reconhecido pelo Serviço de Finanças de Tondela, não possui meios económicos para a prestação de garantia, por insuficiência de bens.

DD. Todavia, no que se refere ao outro requisito cumulativo para o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, o Tribunal a quo, acompanhando o Serviço de Finanças de Tondela, acaba por considerar como não verificada nos autos a comprovação da irresponsabilidade da Reclamante na insuficiência de bens.

EE. Estamos perante a prova de um facto negativo o que, como é sabido, se traduz numa dificuldade acrescida de prova, que deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade (decorrente do princípio do Estado de Direito do art.º 2.º da CRP e patente no artigo 18.º, n.º 2 da Lei Fundamental), uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito - cf. Ac. Pleno CT do STA, de 17.12.2008, proferido no processo 0327/08, disponível em www.dgsi.pt, reiterado no Ac. do Pleno CT do STA, de 05.07.2012, proferido no processo 0286/12.

FF. A C... procurou demonstrar este facto negativo através da enunciação de factos positivos, como as razões pelas quais ocorre a insuficiência de bens penhoráveis que foi considerada verificada pelo próprio Serviço de Finanças, arrolando testemunhas para complementar essa prova da falta de responsabilidade pela insuficiência de bens; e, inclusivamente, juntando documentos através dos quais é possível comprovar essa sua irresponsabilidade.

GG. A Jurisprudência tem entendido «dever-se considerar provada a falta de culpa quando o executado demonstrar a existência de alguma causa da insuficiência ou inexistência de bens que não lhe seja imputável e não SE fizer prova positiva da concorrência da sua actuação para a verificação daquele resultado» - cf. Ac. Pleno CT do STA, de 17.12.2008, proferido no processo 0327/08.

HH. Uma das circunstâncias em que se revela a insuficiência de bens da C... para prestar garantia vem a ser, desde logo, a inexistência de bens imóveis no seu património.

(a este propósito, foi largamente explicado e provado nos autos que as alienações dos imóveis que eram propriedade da empresa, que tiveram lugar em 2005 e 2006, ocorreram no âmbito de um processo de reestruturação do grupo de empresas em que a C... se insere, não lhe sendo emprestado qualquer juízo de censurabilidade – cf. ponto 14 dos factos provados e respectiva fundamentação. Sendo certo que a alienação dos referidos bens foi realizada a preços de mercado, cujo montante foi devidamente recebido pela C... (cf. pontos 10 e 13 dos factos provados), pelo que, do ponto de vista comercial e de gestão de negócio, esta alienação, efectuada já nos distantes anos de 2005 e 2006, mostrou-se vantajosa e plenamente justificada (concentração da C... no seu core business: o comércio por grosso de vinho), integrando uma legítima opção de gestão por parte da direcção do grupo, baseada em circunstâncias concretamente identificadas nos autos (cf. fundamentação do julgamento efectuado quanto ao ponto 14 dos factos provados e, bem assim, estudo efectuado no ano de 2002 pela consultora Ernst&Young, junto como documento n.º 27 com o pedido de dispensa de prestação de garantia), como, ademais, concluiu o Tribunal a quo, ao considerar que a diminuição dos activos fixos tangíveis da C... não resultou de uma actuação que visasse a diminuição das garantias dos seus credores – cf. página 34 da sentença aqui posta em crise).

II. Outra das circunstâncias que justifica essa insuficiência de bens vem a ser a falta de receitas e liquidez com que a C... se vem deparando.

(a este propósito, são expressivos os prejuízos que a sociedade tem vindo a acumular desde o exercício de 2010, ou o já pouco significativo resultado de €5.531,99 obtido no exercício de 2009 (cf. balanços reproduzidos nos pontos 28 e 29 dos factos provados); são ainda ilustrativos da falta de culpa da C... na referida falta de liquidez ou receitas, os montantes que se encontram em dívida por parte de múltiplos clientes (cf. valores constantes dos balanços reproduzidos nos pontos 28 e 29 dos factos provados), muitos deles incobráveis em virtude da insolvência desses clientes (cf. ponto 30 dos factos provados, por exemplo).

JJ. Uma outra circunstância que particularmente justifica o depauperamento da situação económico-financeira global da C... vem a ser a diminuição de vendas que a empresa tem vindo a registar nos últimos anos, visível, por exemplo, no acentuadíssimo decréscimo das vendas da C... ocorrida no ano de 2010, com uma quebra de quase onze milhões de euros (perceptível pela análise da demonstração de resultados por naturezas constante da IES junta como documento n.º 4 com o pedido de dispensa de prestação de garantia, em que se constata que as vendas, que em 2009 ascenderem a €35.793.825,86, diminuíram em mais de dez milhões de euros, para o montante de €24.886.494,97 no exercício de 2010, por exemplo).

KK. Por outro lado, o facto de os bens da C... (o seu equipamento obsoleto e os seus stocks de vinhos) já se encontrarem dados em penhor (conforme melhor decorre do ponto 21 dos factos provados), igualmente explica a insuficiência de bens para prestar garantia com que a C... se depara.

LL. Uma outra circunstância que justifica o depauperamento da situação económico-financeira da C... prende-se com a precipitação da cobrança, por parte de diferentes instituições bancárias, dos financiamentos e responsabilidades que a C... detinha junto daquelas instituições - cf. ponto 16 dos factos provados.

MM. Outro facto alegado e provado pela C... que igualmente concorre para que se verifique a insuficiência de bens para prestação de garantia vem a ser a manutenção de garantias (por via da apresentação de garantias bancárias ou da compensação de créditos fiscais) noutros autos de execução fiscal, que ascendem a um total de €4.056.467,44 – cf. ponto 25 dos factos provados.

NN. As vendas que a C... realiza - que vêm a consubstanciar os respectivos proveitos -, têm de ser contrabalançadas com os gastos necessários à geração de tais proveitos (e é precisamente do balanceamento desses rendimentos e gastos que surge o resultado do exercício – que, no caso da C..., ascendeu, em particular no exercício de 2010, a um resultado negativo superior a um milhão e duzentos mil euros (cf. balanço reproduzido no ponto 28 dos factos provados).

OO. Da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo resultaram claras as causas da insuficiência de bens apontada pelo Serviço de Finanças de Tondela (a inexistência de bens imóveis, a falta de receitas e liquidez, a diminuição de vendas, a manutenção de garantias noutros autos de execução fiscal, que ascendem a um total de €4.056.467,44, o penhor constituído sobre os seus bens ou a precipitação da cobrança, por parte de diferentes instituições bancárias, dos financiamentos e responsabilidades que a C... detinha junto daquelas instituições), causas estas que, manifestamente, não são imputáveis à C..., porquanto decorrem das contingências do mercado e do actual contexto económico.

PP. Essas causas da insuficiência de bens tanto não são imputáveis à C... que o próprio IVV (ou a AT) não lograram fazer - como lhes competiria - qualquer prova positiva da concorrência da actuação da C... para a verificação daquela insuficiência de bens.

QQ. Acolhendo o entendimento da melhor e uniformizada Jurisprudência (cf. o já referido acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de Dezembro de 2008, proferido no processo n.º 327/08 e disponível em www.dgsi.pt), deve considerar-se provada nos presentes autos a falta de culpa da C... na insuficiência de bens para prestar garantia, o que ora se requer a este Venerando Tribunal, com a consequente revogação da sentença proferida nos autos que assim não decidiu.

Sem prescindir,

RR. O Tribunal a quo julgou provados todo um conjunto de factos que demonstram e explicam – à saciedade - a causa da insuficiência de bens (cf., em particular, pontos 16, 21, 25 ou 30 da matéria assente) e a falta de culpa da C... nessa insuficiência de bens para prestação de garantia (cf., em especial, pontos 14 e 33 dos factos provados, por exemplo), razão pela qual não poderia o Tribunal a quo concluir, a final, que não tenha ficado demonstrado que «a alegada insuficiência de bens não é da responsabilidade da Reclamante».

SS. Verifica-se, em acréscimo, uma ostensiva contradição entre os fundamentos de facto e a decisão proferida, o que, nos termos do disposto nos artigos 668.º, n.º 1, alínea c), do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, e artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, fere de nulidade a sentença proferida, o que aqui expressamente – e sem prescindir - se vem arguir, nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, com todas as consequências legais.

Termos em que, deve o presente recurso proceder, revogando-se a sentença recorrida.

1.3. O Recorrido apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

«Do exposto resulta claro que:

a) A Recorrente insiste que foi ilegalmente preterido o direito de audição prévia ao indeferimento do pedido de dispensa de prestação previsto no artigo 60.º da LGT.

b) O acto de indeferimento do pedido de isenção da prestação de garantia, não obstante praticado por um órgão administrativo, consubstancia um verdadeiro acto processual ou judicial e não um acto meramente procedimental ou administrativo – cfr. Acórdão do STA de 7 de Março de 2012, proferido no processo n.º 0185/12, em que foi relator o Juiz Conselheiro Lino Ribeiro.

c) Tendo natureza judicial, aos actos praticados no âmbito dos processos de execução fiscal não são de aplicar as regras do procedimento tributário, designadamente a prevista no artigo 60.º da LGT, cuja violação é alegada nos presentes Autos pela Recorrente.

d) Ainda que se defenda uma posição segundo a qual a decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se como um verdadeiro acto administrativo em matéria a tese da Recorrente não pode proceder.

e) O princípio da participação dos interessados no procedimento administrativo, de que é manifestação o artigo 60.º da LGT, comporta necessariamente excepções que se encontram previstas na Lei.

f) O processo de execução fiscal, se não processualmente urgente, deve pelo menos ser considerado como materialmente urgente na medida em que o artigo 177.º, do CPPT estipula que este deve extinguir-se no prazo de um ano contado da sua instauração «salvo causas insuperáveis, devidamente justificadas» (cit.).

g) A urgência do processo de execução fiscal, está ainda patente nos curtos prazos definidos no artigo 170.º, do CPPT e especificamente no n.º 4 daquele preceito onde é imposto um prazo de 10 dias para que seja proferida decisão relativamente ao pedido de dispensa de prestação de garantia.

h) O artigo 103.º, n.º 1, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea c) da LGT, prevê que, estando em causa a tomada de uma decisão urgente, a audição prévia do administrado seja afastada, pelo que a preterição da audição prévia no caso concreto, não consubstancia qualquer ilegalidade susceptível de conduzir à anulação da decisão recorrida – cfr. Acórdão deste venerando Tribunal de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 059/12, no qual foi relatora a Juiz Conselheira Dulce Neto.

i) «Ainda que não se aceite a aplicabilidade da referida norma do CPA, o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando todas as razões que, no seu entender, a justificam, e ao qual é obrigado a juntar logo todos os elementos de prova, desempenha já a função de audiência prévia, não havendo que chamá-lo novamente a participar na formação da decisão dada a regra geral contida no n.º 3, do artigo 60.º da LGT, quando aplicada a todos os procedimentos tributários que culminem com um acto final lesivo, seja ele ou não um acto de liquidação» – cfr. Acórdão de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 059/12, no qual foi relatora a Juiz Conselheira Dulce Neto (cit.).

j) No mesmo sentido do Acórdão citado, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 625/12, 9 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 446/12, de 23 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 489/12 e de 26 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 708/12.

k) Perante os parcos factos colocados à consideração do órgão de execução fiscal – que incluíram somente uma série de considerações genéricas sobre a situação financeira da Recorrente, sem qualquer suporte probatório associado, este limitou-se a aplicar o Direito em vigor…

l) Mesmo que pudesse considerar-se ter havido preterição indevida da audição do contribuinte – o que apenas por dever de patrocínio de concebe, e sem conceder – o acto de indeferimento do pedido de prestação de garantia sempre poderia ser aproveitado.

m) «Um acto tributário inválido por preterição de audição prévia pode ser aproveitado pelo juiz se houve a convicção de que, anulado o acto, virá a ser praticado outro com conteúdo idêntico» – cfr. Acórdão do STA de 12 de Abril de 2012, proferido no processo n.º 0896/11, em que foi relator o Juiz Conselheiro Lino Ribeiro (cit.).

n) Como resulta provado nos Autos, a Recorrente é executada em inúmeros processos, todos pendentes no serviço de finanças de Tondela, tendo a Recorrente apresentado, massiva e recorrentemente pedidos de dispensa de prestação de garantia.

o) Em todos esses casos – mesmo naqueles em que o chefe de finanças entendeu ouvir a Recorrente de tomar a decisão final, note-se – os pedidos de dispensa foram instruídos com a mesma prova e indeferidos com base na não demonstração dos pressupostos de que depende essa mesma dispensa, tendo a validade material dos actos de indeferimento sido confirmada pelo TAF de Viseu em primeira instância e pelo TCA Norte em segunda instância.

p) A título de exemplo entre muitos outros possíveis – a Recorrente é executada em dezenas de processos com o mesmo objecto, apresentando pedidos , vejam-se os processos de reclamação judicial n.os 534/10.9BEVIS, 157/11.5BEVIS, 405/10.9BEVIS e 502/10.0BEVIS, no âmbito dos quais o TAF de Viseu e o TCA Norte, confirmaram a validade material dos actos de indeferimento dos pedidos de dispensa de prestação de garantia apresentados pela ora Recorrente junto do Serviço de Finanças de Tondela.

q) Atendendo ao volume de processos de natureza semelhante e instruídos de igual forma pela Recorrente que conheceram desfecho idêntico junto do órgão de execução fiscal, do TAF de Viseu e do TCA Norte, com toda a probabilidade, o chefe de finanças de Tondela, confrontado com a anulação do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição de audição prévia à decisão subjacente aos presentes Autos, proferiria despacho com idêntico conteúdo após essa mesma audição.

r) À luz dos factos, o acto de indeferimento reclamado deve ser aproveitado ainda que venha a considerar-se ter havido preterição indevida do direito de audição prévia previsto no artigo 60.º da LGT.

s) O indeferimento notificado à Recorrente contém fundamentação clara, expressa e suficiente, que lhe permite apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo órgão de execução para chegar à decisão tomada.

t) A Recorrente não logra provar, como lhe cabia, que a insuficiência ou a manifesta falta de bens, entendida jurisprudencial e doutrinalmente em termos de dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores não é da sua da responsabilidade. A este propósito, a Recorrente limita-se a afirmar – sem contudo demonstrar – que não dissipou os seus bens.

u) Todas as testemunhas arroladas pela Recorrente depuseram no sentido de que a Recorrente alienou, em 2005 e 2006 todo o património imobiliário de que dispunha a uma empresa do grupo de sociedades a que pertence.

v) A primeira testemunha arrolada pela Recorrente afirmou inclusivamente que a transferência do imobilizado foi subsequente à decisão de deixar de pagar as taxas de promoção ao IVV.

w) A prova produzida evidencia uma redução intencional do património da Recorrente, apta a reduzir as garantias dos credores.

x) Como é pacífico na jurisprudência, «a eventual dificuldade que possa resultar para o executado de prova o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, sendo sobre o executado que pretenda a dispensa de garantia, invocando explicita ou implicitamente o respectivo direito, que recais o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido» – cfr. Acórdão do STA de 9 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 03621/09 (cit.).

y) Decorre, sem margem para dúvidas, que a Recorrente não provou qualquer dos pressupostos de que depende o deferimento do seu pedido de dispensa de prestação de garantia, pelo que despacho reclamado não merece qualquer censura, devendo ser mantido.

Termos em que a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser mantida no que respeita ao indeferimento da pretensão da Recorrente em ver dispensada a prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal em que é executada, com as devidas consequências legais.

Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA!».

1.4. O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

O tribunal recorrido pronunciou-se a fls. 917/918 dos autos quanto à nulidade apontada e lavrou douto despacho de sustentação da decisão recorrida.

Neste Tribunal, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 707.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2. Do Objeto do recurso

São as seguintes as questões fundamentais a decidir, devidamente delimitadas pelas conclusões do recurso:

a) Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao não dar como provado o facto que constava do artigo 53.º do requerimento de dispensa de prestação da garantia;

b) Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao não determinar a anulação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia por preterição da audição prévia;

c) Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito aos factos provados, por não ter concluído pela falta de fundamentação da decisão recorrida;

d) Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, ao concluir pela falta de prova do requisito da não responsabilidade pela insuficiência de bens;

e) Saber a sentença recorrida é nula por contradição entre a decisão e os respetivos fundamentos de facto.

3. Fundamentação de Facto

3.1. Em primeira instância, foi a seguinte o julgamento da matéria de facto:
«V. MATÉRIA DE FACTO
V.1. FACTOS PROVADOS
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:

1. Em Fevereiro de 2009 a Reclamante instaurou impugnações judiciais versando as liquidações das taxas de promoção devidas ao IVV relativas, entre o mais, aos meses de Maio a Agosto de 2006, que correm termos neste Tribunal sob os números de processo 365/09.9BEVIS, 407/09.8BEVIS, 408/09.6BEVIS e 399/09.3BEVIS. – factos de que o Tribunal tem conhecimento no exercício das suas funções.

2. Em 8.3.2007 foi instaurado contra a Reclamante, no Serviço de Finanças de Tondela, o processo de execução fiscal n.º 2704200701001558, com vista à cobrança coerciva de dívidas relativas à falta de pagamento da taxa de promoção dos meses de Maio a Agosto de 2006 devida ao IVV e juros de mora, no valor total de € 220.121,29. – cfr. docs. de fls. 332 e ss. dos autos.

3. Em 4.6.2011 a Reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de Tondela pedido de dispensa de prestação de garantia, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese,

a. É manifesta a insuficiência de bens penhoráveis da C..., porquanto:

· O activo fixo tangível que consta do balanço compreende o conjunto de bens que foi dado em penhor à sociedade C…L…, como contrapartida do financiamento que esta teve de contrair junto de entidades bancárias (que ascendeu a mais de vinte milhões de euros) para acudir às responsabilidades e dívidas da Reclamante;

· Relativamente aos créditos sobre clientes, muitos deles têm vindo a revelar-se incobráveis e os poucos que a Reclamante consegue realizar são necessários para obter fundo de maneio para a sua atividade corrente, pelo que na hipótese de se ver privada deles ficaria impossibilitada de honrar os seus compromissos e, consequentemente, a sua actividade comercial ficaria paralisada;

· A Reclamante não é proprietária de qualquer bem imóvel, sendo simples superficiária do imóvel inscrito na matriz sob o artigo 9…, pertencente à Administração do Porto de Aveiro, S.A.;

· A Reclamante revela um forte desequilíbrio no que respeita a valores de curto prazo, tendo um valor de créditos a receber no curto prazo de € 22.589.549,10, a que se soma um montante de caixa e depósitos bancários de € 2.398,18, num total de € 22.591.947,28, para fazer face a um passivo exigível de curto prazo de € 41.677.426,65;

· Acresce que, no ano de 2010, a C... obteve um resultado líquido de exercício negativo de - € 1.204.801,47, a que se vem acumular o resultado líquido do exercício de 2011, estimado em mais de dois milhões de euros (- € 2.762.557,74);

· A C... sofreu um acentuadíssimo decréscimo nas suas vendas no ano de 2010, com uma quebra de quase onze milhões de euros;

· Em face desta situação económico-financeira delicada, a capacidade da Reclamante obter uma garantia bancária ou um financiamento junto da banca é inexistente, como comprovam os pedidos que apresentou junto de duas instituições bancárias para obter a necessária garantia bancária para suspender os presentes autos e que foram indeferidos;

· A somar à débil situação económico-financeira da empresa, a incapacidade da C... para obter mais garantias bancárias deve-se ainda ao facto de manter prestadas garantias, noutros autos de execução fiscal, que ascendem ao total de € 4.056.467,44;

b. Não tem responsabilidade na insuficiência ou inexistência de bens para a prestação de garantia, pois:

· A insuficiência de meios económicos não resultou de dissipação de património, mas tão só do facto de a respectiva situação patrimonial se mostrar insuficiente para fazer face à garantia a prestar nos presentes autos e de os diferentes bens do activo da C... e os seus stocks de vinhos se encontrarem oferecidos como garantia do financiamento realizado pela L… para ocorrer às responsabilidades vencidas da Reclamante;

· No âmbito da estruturação do grupo em se insere, em 2005 e 2006, a C... alienou os imóveis de que era proprietária, pretendendo-se então centralizar os imóveis nas empresas do ramo imobiliário do grupo e dedicar-se a Reclamante ao seu core business de comércio por grosso de vinho, em face de um estudo de 2002 da consultora Ernst&Young; esta estruturação já vinha sendo pensada desde 1999 motivada pela morte de uma das filhas do sócio-gerente; a alienação consubstanciou uma maneira de a Reclamante se financiar, pois os imóveis foram vendidos a preço de mercado e esse montante foi efetivamente recebido; desde então, não se alienou outro património; atentas estas circunstâncias, a alienação do património imobiliário mostrou-se vantajosa e plenamente justificada, integrando uma legítima opção de gestão por parte da direcção do grupo, pelo que não lhe poderá ser emprestado um qualquer intuito ou conotação com actos de dissipação de bens;

c. Ainda que se viesse a ponderar constituir garantia sobre os créditos que a C... detém sobre clientes ou que, por hipótese, algum Banco lhe viesse a conceder uma garantia bancária, tal causaria à Reclamante um prejuízo irreparável, porquanto:

· Os poucos créditos que consegue realizar são indispensavelmente necessários para obter fundo de maneio para a sua actividade corrente, pelo que se viesse a ser privada deles ficaria impossibilitada de honrar os seus compromissos e, consequentemente, a sua actividade comercial ficaria paralisada, o que conduziria à sua insolvência;

· Caso algum Banco viesse a conceder uma garantia à C... pelo montante da presente execução, tal facto viria a enfraquecer ainda mais a sua posição junto da Banca, com risco de paralisação da sua actividade, o que a arrastaria igualmente para uma situação de insolvência.

- cfr. doc. de fls. 355 e ss. dos autos.

4. Em anexo ao requerimento referido no ponto anterior juntou 31 documentos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. docs. de fls. 318 e ss. dos autos,

5. Em 9.8.2012 o Serviço de Finanças de Tondela proferiu informação com o seguinte teor,

«INFORMAÇÃO

Cumpre-me informar V.ª Ex.ª o seguinte:

A executada acima indicada entregou neste Serviço um requerimento, indicando ter apresentado impugnação judicial, pelo que vem solicitar a isenção da prestação da garantia (corpo da petição).

Confirma-se que a liquidação em dívida já foi objecto de oposição (Proc. 757/07.8BEVIS) conforme nos foi comunicado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pelo ofício de 03/05/2008.

Da leitura da referida petição, verifica-se o seguinte:

1- A executada alega, entre outras circunstâncias, que não tem património suficiente (ponto 6 a 9).

2- Alega ainda que o património é constituído na sua base por “Terceiros e existências”, e que não tem liquidez suficiente, sendo que estes meios, a serem penhorados ou dados em garantia, paralisariam a empresa (pontos 13 a 38, 87 e 88).

3- A executada indica assim como eventual garantia a prestar os activos fixos (embora estes, como afirma, já estejam dados em garantia em outros processos), sendo que, quanto aos restantes bens mencionados, também os oferece em garantia, considerando em qualquer dos casos que esta será sempre insuficiente (pontos 59 e 60).

4- Sugere ainda que, a efectuarem-se penhoras de créditos quer á banca quer aos clientes, a situação financeira da executada se agravará, causando assim um prejuízo irreparável para a empresa, sendo que, segundo afirma, nada fez para diminuir o seu património ou a garantia do credor.

5- A executada apresentou a seguinte documentação: balancete referente a 31/12/2011, bem como as Demonstrações Financeiras referentes a 2010 e seguintes.

6- A executada não indicou qualquer prova testemunhal para ser ouvida.

7- A isenção da prestação de garantia está prevista no n.º 4 do artigo 52.º da LGT e artigo 170.º do CPPT.

Sobre esta matéria a Administração Tributária emitiu o Ofício Circulado n.º 60 077 de 2010.07.29, com base no despacho do Exmo Senhor Director Geral dos Impostos da mesma data, veio sancionar o seguinte entendimento:

Quanto aos pressupostos de cuja verificação depende a dispensa da prestação da garantia, diz o ponto 1 do referido ofício, que deve ser causa de prejuízo irreparável e /ou manifesta falta de meios económicos, mas desde que qualquer destas situações não resulte da responsabilidade do executado, sendo esta uma condição de verificação necessária.

Quanto ao prejuízo irreparável, diz o ponto 1.1 do referido ofício, deve traduzir-se numa diminuição dos proveitos resultantes da actividade desenvolvida pelo executado, sendo este provocado pelos encargos financeiros impostos pela prestação da garantia.

Quanto à falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, manifesta-se, conforme o ponto 1.2 do referido ofício, no caso em que a garantia gera a existência de uma situação de carência económica do executado, de tal modo que este deixe de ter á sua disposição os meios financeiros necessários à satisfação das necessidades básicas, ou seja, é posta em causa a própria subsistência do executado.

A insuficiência material de bens penhoráveis é um indício de uma possível falta de meios económicos, no entanto, por si só, não determina necessariamente uma situação de manifesta falta de meios económicos, devendo ser estabelecido um nexo de causalidade adequada a cada situação.

Quanto à não responsabilidade pela insuficiência, estabelece o referido ofício no ponto 1.3, que o executado não deve ter responsabilidade na insuficiência de bens; no caso de pessoas colectivas, apenas se devendo considerar verificado este pressuposto nos casos em que a insuficiência não resulta da actuação empresarial e/ou dos respectivos gestores, ou seja apenas quando a dissipação destes esteja na absoluta indisponibilidade da empresa ou da sua administração (ex. catástrofe natural ou humana imprevisível). Fora destes casos, existirá sempre uma responsabilidade empresarial baseada na respectiva gestão, não se considerando portanto verificado o pressuposto.

Quanto ao ónus de prova, e segundo o pinto 3 do referido ofício, interpretando o n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, conjugado com o artigo 342.º do Código Civil, recai sobre quem invoque os factos, no caso sobre a executada, pelo que deste modo a petição deverá ser devidamente fundamentada, tanto de facto como de direito, acompanhada das respectivas provas documentais necessárias à sua apreciação, ou seja, com todos os elementos documentais comprovativos dos pressupostos de que depende a concessão da dispensa (art.º 170º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

Sendo estas as rigorosas condições a observar para efeitos da concessão da dispensa de prestação de garantia, em face dos documentos apresentados juntamente com o requerimento de isenção de garantia parece-nos que a presente petição enferma de insuficiência de comprovação inerente ao pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação da insuficiência ou inexistência de bens».

- cfr. doc. de fls. 337 e ss. dos autos.

6. Na sequência da informação referida no ponto anterior, em 13.8.2012 o Chefe do Serviço de Finanças de Tondela proferiu o seguinte despacho,

«DESPACHO

1. Introdução

A sociedade acima identificada, executada por dívidas fiscais nos autos referenciados em assunto, deduziu impugnação contra a dívida em causa no PEF em referência e apresentou tempestivamente requerimento solicitando a isenção/dispensa da prestação da garantia nos termos do artigo 52.º/4 da LGT e 170.º do CPPT, que vai ser decidido.

2. Análise do pedido

2.1 De Facto

Em 08/03/2007, foi instaurado neste serviço de finanças o processo executivo acima indicado por dívida ao Instituto da Vinha e do Vinho (taxa de promoção relativa aos meses de Maio a Agosto do ano de 2006, cuja quantia exequenda, na altura, com juros, ascendia a € 220.121,29.

A executada foi citada pessoalmente em 12/03/2007, vindo, depois de ser confirmada a dedução da impugnação judicial, a ser notificada para prestar garantia nos autos.

Na sequência da referida notificação, apresentou o requerimento em análise, solicitando a dispensa da prestação de garantia, com base nos seguintes fundamentos:

· A executada não tem património disponível;

· Os meios líquidos são escassos;

· A penhora de meios líquidos, existências e terceiros paralisam o giro comercial;

· Sobram activos fixos para oferecer em garantia;

· Parte deles já foram dados como garantia noutros processo de execução fiscal, pelo que os oferece novamente;

· A sociedade nada fez para diminuir o seu património.

Junta, para o efeito, balancete da sociedade respeitante a Dezembro de 2011, remete para a IES dos anos de 2010.

2.2 De Direito

a) A Fundamentação

-Foi junto o balancete da sociedade reportado ao mês de Dezembro de 2011, a IES de 2010, cujos documentos, embora não apresentados, mas em poder da Administração Fiscal, podem ser considerados à luz do n.º 2 do artigo 74.º da LGT.

O n.º 4 do artigo 52.º da LGT estabelece que a dispensa da prestação de garantia depende da verificação dos seguintes pressupostos:

· Prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia ou,

· Manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis;

· Ausência de responsabilidade da executada na inexistência ou insuficiência de bens.

Em face das regras do ónus da prova previstas no artigo 74.º da LGT, incumbe à executada fazer prova de tais pressupostos.

Os documentos apresentados, traduzindo a situação contabilística e financeira da executada, fazem prova da ausência/insuficiência de património da mesma, mas demonstram igualmente que tal insuficiência resulta da gestão da empresa, e não de uma qualquer causa que esteja na absoluta indisponibilidade da mesma ou da sua administração.

Deste modo, dos documentos apresentados juntamente com o requerimento de dispensa, não resulta a verificação do pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens, pressuposto este que tem necessariamente que ser demonstrado, quer se verifique prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia ou a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens

b) O princípio da participação na formação das decisões enunciado no artigo 60.º da Lei Geral Tributária.

O referido normativo da LGT regula as situações em que os contribuintes podem participar na formação das decisões que lhe digam respeito no âmbito do procedimento administrativo, razão pela qual vem inserido no Título III da LGT intitulado “Do Procedimento Administrativo”.

O pedido em causa – dispensa da prestação da garantia – surge no âmbito do processo de execução fiscal, que possui natureza judicial, por força do disposto no artigo 103.º da LGT.

Dada a referida natureza do processo de execução fiscal, os pedidos dos contribuintes aí decididos não se encontram sujeitos ao cumprimento do exercício do direito de audição, previsto como uma formalidade a cumprir no procedimento administrativo, excepção feita á reversão, não por força do disposto no artigo 60.º da LGT, mas sim porque tal formalidade se encontra expressamente prevista no n.º 4 do artigo 23.º do mesmo diploma legal.

Pretendendo reagir de actos materialmente administrativos praticados no processo executivo, o contribuinte deverá lançar mão do recurso previsto no artigo 276.º do CPPT.

Acresce que o pedido de dispensa de garantia se encontra especificamente previsto no artigo 170.º do CPPT que no seu n.º 4 determina que o pedido seja resolvido no prazo de 10 dias após a sua apresentação.

Ora, tal prazo de decisão não se compadece com o exercício do direito de audição, na medida em que para este, face ao disposto no n.º 6 do artigo 60.º da LGT, é obrigatória a concessão de um prazo não inferior.

Além disso, encontrando-se o pedido de dispensa de garantia especificamente regulado no artigo 170.º do CPPT no que diz respeito ao prazo para efectuar o pedido, aos elementos de prova e ao prazo para a decisão, acaso o legislador entendesse tratar-se de um acto administrativo praticado no âmbito de um processo de natureza judicial que deveria, mesmo assim, obedecer ao formalismo da audição prévia, tal como acontece com a reversão, certamente teria feito constar tal obrigatoriedade do referido artigo.

Por tudo isto, não vai ocorrer a notificação para efeitos de audição prévia.

3. Conclusão

· A executada é parte legítima no presente petitório, efectuou a sua petição de forma tempestiva solicitando a isenção dispensa de garantia nos termos do artigo 52.º/4 da LGT, e 170.º do CPPT.

· Resulta da prova documental apresentada que não se verifica o pressuposto essencial da ausência de responsabilidade na inexistência ou insuficiência de bens, sendo que o ónus de prova recai sobre quem o invoque (n.º 1 do artigo 74.º da LGT), nomeadamente a verificação do pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens.

· No que se refere ao direito de audição previsto no artigo 60.º da LGT, uma vez que estamos em presença de um processo executivo que tem natureza judicial, por força do disposto no artigo 103.º da LGT, resulta a inaplicabilidade do pedido em questão.

· Além disso, o prazo previsto para a decisão deste pedido que é de 10 dias nos termos do número 4 do artigo 170.º do CPPT, o que não se compadece com o prazo para o exercício do direito de audição referido no numero 6 do artigo 60.º da LGT e que varia entre 8 e 15 dias.

· Não sendo abrangido pelo referido artigo 60.º da LGT e existindo um regime próprio de dispensa de garantia previsto no artigo 170.º do CPPT, acaso o legislador pretendesse que essa formalidade fosse cumprida neste âmbito, tal obrigação constaria especificamente do referido regime.

4. A DECISÃO

4.1 – Face ao explanado, indefiro a pretensão, com os fundamentos anteriormente referidos.

4.2 – Notifique-se indicando os meios e prazos de defesa.

- cfr. doc. de fls. 335 e ss. dos autos.

7. Em 21.9.2012 a Reclamante foi notificada do despacho referido no ponto anterior. – cfr. docs. De fls. 337 e ss. dos autos.

8. Em 1.10.2012 a Reclamante remeteu, por via postal registada, a presente reclamação em para o Serviço de Finanças de Tondela. – cfr. docs. de fls. 1 e ss. dos autos.

Mais se provou que,

9. Por escritura pública de compra e venda realizada em 11.8.2005 a Reclamante declarou vender à U…– Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A., que por sua vez aceitou a venda, pelo preço total já recebido de € 900.000,00 o prédio misto, composto por casa térrea e parte de andar, onde se encontra instalada uma fábrica de saboaria, cortes de gado, terreno lavradio junto, com videiras, árvores de fruto, poço e mais pertenças, sito nos …, freguesia de Pedroso, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob os artigos … (urbano), … e … (rústico), com o valor patrimonial de € 8.174,85. – cfr. doc. de fls. 310 e ss. dos autos.

10. Na mesma data entre a Reclamante e a U…– Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A., foi celebrado um acordo escrito denominado de «Acordo de Compensação de Créditos», no qual a primeira declarou ser «titular de um crédito no montante de 900.000,000 €» sobre a segunda «resultante de empréstimo de acionista de igual valor que detém sobre a mesma» e a segunda declarou «ser credora da representada dos primeiros outorgantes por igual valor de 900.000,000 € (novecentos mil euros) da venda que lhe fez hoje do prédio misto (…)», acordando «compensar entre si os créditos resultantes do empréstimo acionista e da compra e venda do prédio aludidos nas cláusulas anteriores, dando mútua quitação.». – cfr. docs. de fls. 318 e ss. dos autos.

11. Por escritura pública realizada em 28.12.2005 a Reclamante declarou vender à J…– Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A., que por sua vez aceitou a venda, pelo preço total já recebido de € 1.915.000,00 os seguintes imóveis: prédio rústico correspondente ao artigo matricial …, sito na freguesia de Lageosa do Dão, Tondela, com o valor patrimonial para efeitos de IMT de € 1.128,90, pelo valor de € 360.000,00; prédio urbano, composto de três casas para armazém e atividade industrial e logradouro, correspondente aos artigos matriciais …, … e …, sito na freguesia de Olhaívo, Alenquer, com o valor patrimonial global para efeitos de IMT de € 271.074,70, pelo valor de € 1.499.000,00; prédio rústico correspondente ao artigo matricial … – secção M, sito na freguesia de Aldeia Gavinha, Alenquer, com o valor patrimonial para efeitos de IMT de € 379,99, pelo valor de € 56.000,00. – cfr. doc. de fls. 299 e ss. dos autos.

12. Por escritura pública de doação e compra e venda realizada em 14.3.2006: A… e M… declararam doar à Reclamante a parcela de terreno com 24,90 m2, do prédio rústico omisso mas atualmente inscrito na matriz urbana sob o artigo …, atribuindo-lhe o valor de € 249,00; a Reclamante declarou vender à J…– Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A., que por sua vez aceitou a venda, pelo preço total já recebido de € 860.000,00, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial de € 144.000,00, após a anexação da parcela a ser constituído por edifício de cave, rés do chão, primeiro andar e logradouro destinado a escritórios e laboratórios, com a superfície coberta de 531 m2 e a descoberta a 1089,40 m2. – cfr. doc. de fls. 304 e ss. dos autos.

13. Em 31.7.2006 a J…– Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A. procedeu à transferência, de uma conta de que é titular numa instituição bancária, das quantias de € 860.000,000 e € 1.915.000,00, para uma conta titulada pela Reclamante. – cfr. docs. de fls. 314 a 316 dos autos.

14. As alienações referidas em 12., 14. e 15. supra ocorreram no âmbito de um processo de reestruturação do grupo de empresas em que a Reclamante se insere.

A prova deste facto resultou da conjugação do documento de fls. 557 e ss. dos autos, com o depoimento da testemunha J….

Com efeito, o documento a fls. 557 e ss. dos autos constitui um estudo elaborado pela Ernst & Young, datado de julho de 2002, no qual é analisado o grupo empresarial em que a Reclamante se insere, as tendências de organização empresarial dos mercados em que a Reclamante e as demais empresas do seu grupo atuam e se apontam soluções de reestruturação do grupo com base em critérios económicos e financeiros e fiscais. Entre estas soluções encontra-se a fusão de sociedades do grupo dedicadas ao ramo imobiliário, com a agregação nas empresas imobiliárias dos terrenos e imóveis do Grupo disponíveis para venda e da gestão dos arrendamentos dos imóveis próprios e prestações de serviços conexas.

Também a testemunha J… contribuiu para formar a convicção do Tribunal nesta matéria. Enquanto assessor jurídico da Reclamante participou no processo de reestruturação levado a cabo, assistindo-lhe, por isso, razão de ciência. O seu depoimento mostrou-se concretizado, tendo dado conta das circunstâncias concretas que motivaram a necessidade de um novo sistema organizacional do Grupo, designadamente em face das dificuldades sentidas aquando do falecimento da filha do sócio A….

Depôs de forma assertiva, revelando um elevado grau de conhecimento sobre as questões que lhe foram colocadas, sem hesitações que fizessem o Tribunal duvidar da consistência das suas declarações. Notou que uma das indicações desse estudo foi a concentração nas empresas do ramo imobiliário do património imobiliário do grupo, resultando daí a transmissão, entre o mais, das instalações em que a Reclamante laborava e do seu património imobiliário.

15. Em 29.2.2008 A… e esposa constituíram hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A. sobre os imóveis m.i. a fls. 257 e ss. dos autos para garantia do capital máximo de € 3.750.000,00, juros, sobretaxa e despesas, emergentes do contrato de prestação de garantia bancária, a favor do Serviço de Finanças de Tondela, até ao valor de € 3.131.919,55 e € 93.574,82, celebrado entre esta instituição bancária e a Reclamante. – cfr. doc. de fls. 255 e ss. dos autos.

16. Em 16.3.2010 a C… L… celebrou contrato de abertura de crédito – mútuo com hipoteca com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo Terras de Viriato, CRL, pelo qual esta instituição bancária lhe concedeu um crédito até à quantia de € 1.500.000,00, no âmbito e para garantia do qual a A… – Empreendimentos Imobiliários, S.A. constituiu uma hipoteca sobre o imóvel m.i. a fls. 229 dos autos. – cfr. docs. de fls. 226 e ss. dos autos.

17. Em 16.9.2010 a C…L… celebrou contrato de abertura de crédito com aval e hipoteca autónoma com a Caixa Central – Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, CRL, pelo qual esta instituição bancária lhe concedeu um crédito até à quantia de € 2.400.000,00, titulado por uma livrança em branco subscrita pela C… L… e avalizada por A…, no âmbito e para garantia do qual a O…– Empreendimentos Imobiliários, S.A. constituiu uma hipoteca sobre o imóvel m.i. a fls. 245 dos autos.. – cfr. docs. de fls. 2243 e ss. dos autos.

18. Em finais de 2010 a Reclamante e as empresas do seu grupo começaram a ser pressionadas pela Banca para garantirem os créditos da Reclamante nas instituições financeiras, sob pena de execução dos avalistas.

A prova deste facto resultou da conjugação dos documentos de fls. 123 a 153 dos autos, com o depoimento da testemunha J….

Pelas razões já expostas o depoimento da testemunha J…, na sua qualidade de assessor jurídico do grupo da Reclamante, mereceu a convicção do Tribunal, revelando razão de ciência e um discurso incisivo, contextualizado e sem hesitações. Revelou que a Banca exigiu uma reestruturação da divida, na sequência do conhecimento das execuções fiscais instauradas à Reclamante, pressionando-a e aos seus acionistas para prestarem garantias reais, sob pena de execução das dívidas.

Também dos documentos citados se verifica que foram lançados a descoberto na conta da Reclamante alguns empréstimos dos Bancos, que conduziram a que o acionista maioritário se viesse a responsabilizar por algumas dívidas da Reclamante.

19. Em 19.1.2011 a A. tinha pendentes vários processos de execução fiscal, nos quais é cobrado coercivamente o valor total de € 35.073.038,61, correspondente € 29.517.726,21 a quantia exequenda, € 5.251.654,61 a juros de mora e € 303.657,038 de custas. – cfr. docs. de fls. 281e ss. dos autos.

20. No âmbito desses processos de execução fiscal a Reclamante prestou as seguintes garantias: garantia bancária no valor de € 93.574,82 (execução fiscal n.º 2704200701014617); garantia bancária no valor de € 3.131.919,55 (execução fiscal n.º 2704200701014625; outras garantias no valor de € 152.878,29 (execução fiscal n.º 2704200401002570), € 670.000,00 (execução fiscal n.º 2704200501017586) e € 2.094,78 (execução fiscal n.º 2704200801001949). – cfr. docs. de fls. 281 e ss. dos autos.

21. Em reunião da assembleia geral da C…L… – Serviços de Gestão e Controlo, S.A. (doravante C… L…) de 25.1.2011 foi deliberado por unanimidade aprovar a proposta de obtenção de financiamento junto do Banco Comercial Português, S.A. no valor de € 9.650.000,00 destinado a amortizar o valor do papel comercial e empréstimos lançados a descoberto na conta de depósitos à ordem da Reclamante e afetação de um depósito à ordem no valor de 7.000.000,00 USD de que a C…L… é titular naquele Banco para garantia do montante de € 4.800.000,00 de que a Reclamante é devedora àquele Banco, acrescido ao financiamento de € 6.500.000,00 que a C… L… obteve junto da CC-CCCAM para garantir as responsabilidades da Reclamante junto daquela entidade, para o qual a C…L…r “terá de recorrer à constituição de hipotecas por parte das suas participadas U…, S.A., O…, S.A. e A…, S.A. sobre imóveis propriedade destas” e, em contrapartida da qual, a Reclamante “obrigou-se e terá de obrigar-se perante a sociedade a reembolsá-la de tudo quanto esta desembolse em capital, juros, remuneratórios ou moratórios, comissões e despesas e, para garantia do cumprimento de tais obrigações, a constituir a seu favor e das suas mencionadas participadas, U…, S.A., O…, S.A. e A…, S.A., penhor mercantil sobre o seu património mobiliário, nomeadamente equipamentos e existências de vinhos”. – cfr. doc. de fls. 151 e ss. dos autos.

22. Em 10.2.2011 a C… L… – Serviços de Gestão e Controlo, S.A. (doravante C… L…) constituiu a favor do Banco Comercial Português, S.A. (doravante BCP) penhor sobre o depósito a prazo de que é titular naquele Banco, no valor de 7.000.000,00 USD, para garantia do cumprimento das responsabilidades assumidas pela C…L… perante o Banco até ao limite de € 5.280.000,00. – cfr. doc. de fls. 157 e ss. dos autos.

23. Na mesma data a C... L... e o BCP celebraram contrato de empréstimo pelo qual aquele Banco concedeu à C... L... um financiamento no montante de € 9.200.000,00 destinado a liquidar as responsabilidades enquanto avalista da Reclamante. – cfr. doc. de fls. 213 e ss. dos autos.

24. Para garantia do contrato referido no ponto anterior a C... L... subscreveu uma livrança em branco avalizada por A… e A… e esposa e U…, S.A. constituíram a favor do BCP hipoteca sobre os imóveis m.i. a fls. 194 e ss. dos autos. – cfr. docs. de fls. 193 e ss. dos autos.

25. Em 15.2.2011 a Reclamante constituiu a favor de C... L... – Serviços de Gestão e Controlo, S.A., O…– Empreendimentos Imobiliários, S.A., U…– Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A. e A…– Empreendimentos Imobiliários, S.A., penhor mercantil sobre os bens m.i. a fls. 129 e ss. dos autos, a saber, stocks de vinho e equipamentos, com os valores totais, respetivamente, de € 23.256.049,36 e € 931.725,10, estabelecendo-se, entre o mais, que, [Segue digitalização de parte do documento que integra fls. 123 a 128 dos autos – documento n.º 7 junto com a reclamação].

- cfr. docs. de fls. 123 e ss. dos autos.

26. Em 11.4.2011 a Reclamante reforçou a garantia prestada no âmbito de contrato de abertura de crédito em conta corrente e entrega para cobrança de cheques pré-datados, celebrado em 1.12.2007, com a Caixa Geral de Depósitos no valor reforçado de € 12.000.000,00, mediante penhor de crédito no valor de € 3.250.000,00 sobre conta de depósito a prazo naquele Banco da C... L.... – cfr. doc. de fls. 261 e ss. dos autos.

27. Em 13.4.2011 a C... L... celebrou contrato de abertura de crédito – mútuo com hipoteca com a Caixa Geral de Depósitos, pelo qual esta instituição bancária lhe concedeu empréstimo até ao montante de € 3.250.000,00, pelo prazo de 6 meses, no âmbito do qual a J…– Investimentos Imobiliários e Turísticos, S.A. constituiu uma hipoteca sobre os imóveis m.i. a fls. 159 e ss. dos autos, com o valor de € 3.650.000,00 para garantia do capital mutuado, juros e despesas, e titulado por uma livrança em branco subscrita pela C... L... e avalizada por A…. – cfr. docs. de fls. 157 e ss. dos autos.

28. Do balanço constante da Declaração de Informação Empresarial Simplificada da Reclamante relativa ao exercício de 2010 consta o seguinte:

[Segue digitalização do documento de fls. 66 dos autos – documento n.º 5]

- Cfr. doc. fls. 66 dos autos.

29. Do balanço provisório da Reclamante reportado a 31.12.2011 consta o seguinte:

[Segue digitalização do documento de fls. 66 dos autos – documento n.º 5]

- Cfr. doc. fls. 122 dos autos.

30. Em datas que não foi possível apurar, a C... reclamou créditos de clientes, nos respectivos processos de insolvência, que ascendem a mais de cinco milhões de euros – cfr. doc. fls. 265 e ss. dos autos.

31. Através de ofício datado de 17.04.2012, a Caixa de Crédito Agrícola comunicou à aqui Reclamante que o pedido de garantia bancária no montante de € 104.740,98, referente ao PEF 2704200901009974 foi recusado – cfr. doc. fls. 280 dos autos.

32. Através de ofício datado de 18.04.2012, o Banco Millenium BCP comunicou à aqui Reclamante que o pedido de garantia bancária no montante de € 104.740,98, respeitante ao PEF 2704200901009974 não colheu aprovação – cfr. doc. fls. 279 dos autos.

33. A Impugnante é detentora de um direito de superfície sobre o prédio urbano omisso na matriz predial da freguesia da Gafanha da Nazaré, Ílhavo. – cfr. doc. de fls. 218 dos autos.

34. Atualmente, e pelo menos desde fins de 2010, por força da conjuntura económica, o acesso ao crédito bancário revela-se mais difícil e mais caro, com menor abertura das instituições financeiras à concessão de novos créditos e a estipulação de maiores encargos e exigências contratuais. – facto notório.

35. Desde a reestruturação do grupo, ocorrida em 2005 e 2006, não se tem verificado qualquer venda de património da C....

36. A Reclamante necessita de recorrer ao mercado bancário para o financiamento da sua atividade e giro comercial, designadamente para prestar garantias para as compras de mercadorias aos seus fornecedores espanhóis.

A prova dos factos 35 e 36 resultou, essencialmente, do depoimento da testemunha F… a qual, enquanto Técnica Oficial de Contabilidade da Reclamante, desde fevereiro de 2003, demonstrou razão de ciência quanto a esta matéria.

Com efeito, as funções exercidas por esta testemunha permitem-lhe ter conhecimento, designadamente em termos comparativos, das condições contratuais obtidas pela Reclamante atualmente e em momentos anteriores à crise financeira que hoje se vive. E, bem assim, das necessidades de financiamento e das garantias prestadas pela Impugnante na sua atividade diária exigidas pelos seus fornecedores. Revelou conhecimento das razões da diminuição do valor do activo da Impugnante, tendo sido o seu depoimento confirmado pela testemunha N….

A coerência e assertividade dos depoimentos levou o Tribunal a formar a sua convição assente nos mesmos.

V.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Dos factos alegados e com interesse para a decisão, não se provaram os que não constam dos pontos acima expostos, designadamente os seguintes:

1. A Reclamante não consegue cobrar a maior parte das dívidas de clientes.

2. Os montantes que a Reclamante logra cobrar aos seus clientes permitem-lhe apenas, e com dificuldade, fazer face à sua atividade diária.

Quanto a estes factos a Reclamante não fez prova. Note-se que pese embora sejam notórias as dificuldades atualmente sentidas por todas as empresas, a verdade é que se exigia que a Reclamante demonstrasse, designadamente por via documental, quais os maiores devedores, montantes em dívida e respetiva data da mora e, bem assim, que diligências tem tomado para cobrar os seus créditos e que viu frustradas.

Demonstrou-se, apenas, a tentativa de cobrança de créditos na ordem de 5 milhões de euros, mas face ao depoimento da testemunha J…, que referiu 15 milhões de euros de dívidas de clientes, restava por apurar os restantes 10 milhões. Ou demonstrar que as dividas dos clientes se reportavam apenas àqueles 5 milhões cujos créditos reclamou e qual o resultado final dos processos, ou seja, se efetivamente nada ou pouco obteve com aquelas reclamações de créditos.

Importava, ainda, que se estabelecesse, designadamente mediante confrontação entre os montantes que recebe dos clientes e os custos que suporta na sua atividade e no seu dia a dia, a escassez de liquidez disponível para fazer face às necessidades de laboração. Não foi possível ao Tribunal concluir pela prova da factualidade alegada pela Reclamante em resultado da insuficiência dos documentos contabilísticos disponíveis e, bem assim, do depoimento das testemunhas ouvidas, especialmente da testemunha J….

3. Na sequência de fiscalizações às restituições à exportação obtidas pela Impugnante no âmbito de exportações para Angola foram detetadas irregularidades, no que se reporta ao grau do vinho, entre os Documentos Administrativos de Acompanhamento (DAA) apresentados pela Reclamante e os resultados das análises, que levaram a que esteja a ser exigido à Impugnante pelo Instituto de Financiamento à Agricultura e Pescas, IP, cerca de 13 a 14 milhões de euros.

4. Em 2001 o IVV apreendeu 10 milhões de litros de vinho da Reclamante, no valor de 1 milhão de contos, por suspeita de ter sido adicionado ao vinho água ou álcool.

5. A apreensão referida no ponto anterior durou cerca de 10 anos.

6. Em 2006 foram apreendidos pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica cerca de 26 milhões de litros de vinho, no valor de cerca de 2 milhões de contos, tendo a apreensão durado cerca de 1 ano.

7. Na sequência da restituição do vinho referido em 6. a Impugnante viu-se obrigada a vender o vinho mais barato, face ao excesso de stocks, descendo a sua margem de lucro de 20 % para 6 % e perdendo dinheiro.

8. Os factos referidos nos pontos 3. a 6. supra foram amplamente divulgados na imprensa, tendo prejudicado a imagem da Reclamante no mercado.

9. Na sequência das apreensões referidas em 4. e 6. a Reclamante viu-se obrigada a recorrer a crédito bancário para repor o vinho apreendido.

Relativamente a esta matéria o depoimento da testemunha J… revelou-se insuficiente. Com efeito, não obstante a coerência do depoimento da testemunha a verdade é que se trata, no essencial, de factualidade que pode ser comprovada por via documental. Contudo, a Reclamante seja nestes autos, seja perante a AF não fez qualquer prova documental desta matéria.

De notar que a testemunha referiu existir processos judiciais, seja contra o IVV e que terá sido decidido apenas ao fim de 10 anos, também contra o IFAP e, bem assim, correrem contra si processos crime pelos factos que a testemunha relatou. Não se vislumbra, por isso, qual a razão pela qual a Reclamante não procedeu nestes autos à demonstração cabal desta factualidade, designadamente para demonstrar as dificuldades originadas pela mesma. Aliás, atente-se que a testemunha referiu que terá elaborado um estudo com vista à instauração de um processo contra a ASAE por forma a identificar e quantificar os prejuízos que para si decorreram daquelas actuações e, no entanto, em momento algum procedeu à sua junção.

Entende-se, por isso, que na ausência de prova mais cabal e concreta, o depoimento da testemunha J… é insuficiente para a prova desta matéria, razão pela qual a mesma é dada como não provada.

10. As alienações referidas em 12., 14. e 15. da matéria de facto provada ocorreram posteriormente à decisão da Reclamante de deixar de pagar as taxas de promoção ao IVV.

Quanto a este facto não foi feita qualquer prova.


*

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, e, bem assim, do depoimento das testemunhas ouvidas, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório».

3.2. Entre os fundamentos do recurso encontra-se o erro de julgamento de facto. Pretende a Recorrente que o tribunal recorrido deveria ter dado como provado o que aquela tinha alegado no artigo 53.º do requerimento que apresentou junto do órgão de execução fiscal.

Mas não tem razão, porque o tribunal recorrido só poderia fundar a sua decisão em factos que perante este fossem alegados na própria reclamação (sem prejuízo, naturalmente, do conhecimento oficioso de factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa). É o que resulta do artigo 264.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável em processo tributário, como decorre do artigo 99.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (sendo com esse alcance que deve ser interpretado o n.º 1 do artigo 13.º no seguinte segmento: «…relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer»).

O que significa que a Recorrente, se pretendia aproveitar-se da sua alegação para a demonstração do erro da administração tributária na determinação dos pressupostos de que depende a dispensa da prestação da garantia, deveria ter reproduzido o seu teor na douta petição inicial, expressamente ou por remissão para o teor de tal requerimento.

Razão bastante para concluir, desde já, que o recurso não merece provimento, nesta parte.

4. Fundamentação de Direito

4.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou totalmente improcedente a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia. Com tal decisão não se conforma a Recorrente por entender que foram violados o direito de audição prévia e o dever de fundamentação do ato, mas também por entender que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao concluir que não foi provada a irresponsabilidade pela insuficiência de bens.

A final, porém, a Recorrente também invoca a nulidade decorrente da contradição entre a decisão e os seus fundamentos, alegando que o tribunal dá como provados factos que explicam e demonstram a causa de insuficiência de bens e que aquela não é responsável por essa insuficiência.

Ora o conhecimento das nulidades da sentença tem precedência lógica sobre o conhecimento dos demais vícios porque estamos perante vícios relativos à sua própria construção ou formação. Sendo que antes de saber se o julgamento é justo, temos que saber se a sentença é válida como tal. Assim sendo, e atento o disposto no artigo 660.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (aplicável ex vi do artigo 713.º, n.º 2, do mesmo Código), deve-se conhecer em primeiro lugar desta questão.

Ora, a Recorrente não tem razão nesta parte. A douta sentença não padece, ao contrário do que ali se alega, de vício da incongruência. O que sucede, tão só, é que a Recorrente entende que o tribunal deveria ter retirado outra conclusão dos factos dados como provados. «Sendo que, quando o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante a oposição geradora de nulidade (JORGE LOPES DE SOUSA, «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», II volume, Áreas Editora 2011, pág. 362).

Contradição existiria se, o tribunal recorrido tivesse afirmado, nos fundamentos da decisão, que dos factos dados como provados resultava que o executado não tinha culpa na insuficiência de bens e decidisse pela improcedência da reclamação precisamente porque não foi provada a falta de culpa nessa insuficiência. O que nunca foi alegado nem se reconhece que tenha sucedido.

É certo que na página 34 da douta sentença recorrida se afirma que a factualidade que resultou provada demonstra que a diminuição do valor dos ativos fixos tangíveis da Recorrente «não resultou de uma atuação que visasse a diminuição das garantias dos seus credores». E na pág. 35 refere-se que «…não pode o Tribunal concluir que a alegada insuficiência de bens não é da responsabilidade da Reclamante».

Mas também não há aqui nenhuma contradição: o que sucede é que na douta sentença se afirma que a factualidade apurada chega para demonstrar que não houve intenção de prejudicar os credores mas não chega para demonstrar que a sua atuação não foi culposa. Ou seja, chega para demonstrar que não houve dolo direto, mas não chega para afastar outras formas de culpa.

E a questão de saber se este julgamento está correto (ou se, em vez disso, a M.mª Juiz a quo deveria retirar outras conclusões dos factos apurados) bem como a questão de saber quais as formas de culpa incluídas na «responsabilidade do executado» a que alude o artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária já não contendem com a validade da sentença, mas com o seu mérito (que apreciaremos no ponto 4.4. infra).

Pelo que o recurso não merece provimento por aqui.

4.2. Entre os fundamentos do recurso encontra-se também o erro de julgamento na parte em que o tribunal recorrido concluiu que «o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não precisa de ser precedido de audição prévia». A Recorrente não se conforma com o assim decidido (e, por consequência, com a jurisprudência em que expressamente se apoia, firmada no acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Setembro 2012 – Processo n.º 708/12, publicado em redação integral no Diário da República, 1.ª série, de 22 de outubro de 1012), por quatro razões essenciais: porque a lei não a dispensa, porque o facto de o procedimento ser urgente não justifica a dispensa, porque o facto de o procedimento se iniciar com um requerimento do contribuinte não é razão bastante para justificar a dispensa e porque, no caso, haveria razões concretas para a não dispensar.

Reconheça-se desde já que a questão deu origem a decisões contraditórias ou com fundamentação divergente da jurisprudência, incluindo da que foi produzida no passado recente por este tribunal. Potenciada em grande medida pela ambiguidade legislativa, ao atribuir natureza judicial ao processo de execução fiscal e natureza materialmente administrativa aos atos do órgão de execução fiscal praticados nesse processo. E agravada pelo figurino legal de alguns incidentes, que admitiam a intervenção de outros órgãos da administração tributária na decisão de incidentes da execução (entre os quais o incidente da dispensa da garantia) e apontavam, assim, para a admissão em processo judicial de incidentes processuais, de um lado, e de procedimentos administrativos enxertados na execução, de outro lado.

Mas foram precisamente essas divergências que o acórdão citado, proferido em julgamento ampliado ao abrigo do artigo 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pretendeu resolver. E, sendo verdade que tal julgamento não obsta à revisão do entendimento nele firmado, será seguro que tal só se justifica com nova argumentação relevante.

Ora, a Recorrente não traz aos autos novos argumentos que não tenham sido sopesados no referido acórdão, limitando-se a manifestar a sua discordância com a argumentação nele inserida. Ao que acrescenta apenas que a lei não dispensa a audição prévia neste caso porque os casos de dispensa estão especialmente regulados no artigo 60.º, n.ºs 2 e 3, da Lei Geral Tributária, não existindo aqui qualquer lacuna legitime a aplicação subsidiária do artigo 103.º do Código do Procedimento Administrativo.

A este respeito, importa começar por referir que a aplicação subsidiária do Código do Procedimento Administrativo não depende da ocorrência de uma lacuna na Lei Geral Tributária. Pelo contrário, a lacuna é que só existe quando a situação não esteja regulada nem na Lei Geral Tributária nem nos diplomas para que expressamente remete (neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, in Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 4.ª edição 2012, pág. 66).

Por outro lado, também não é verdade que o artigo 60.º da Lei Geral Tributária pretendesse regular exaustivamente os casos em que a audiência prévia pudesse ser dispensada. Que assim não é resulta do facto de só estarem previstos no artigo 60.º, nºs 2 e 3, casos de dispensa relacionados com um dos seus procedimentos: o procedimento de liquidação. E o que não se aceita é que o legislador tivesse concedido em casos de dispensa de audição prévia no procedimento mais gravoso para o contribuinte e tivesse pretendido vedá-la noutros procedimentos tributários ou em matéria tributária.

Por outro lado, ainda, a dispensa da audição prévia não é defendida, no acórdão referido, apenas com base no 103.º, n.º 1, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo: levou-se em conta também que o prazo de decisão consagrado no artigo 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não se concilia com o prazo de audição prévia e que tal constitui um indicador adicional de que o legislador não a pretendeu assegurar nesse procedimento. Ou seja, não só existe norma subsidiária que o sustenta, como também o regime especial do procedimento o reclama.

Neste particular, a Recorrente contrapõe que a urgência da decisão deverá ser justificada e fundamentada por referência à situação material existente (e não ao regime formal do procedimento). A nosso ver, porém, a situação de urgência releva se tiver sido esse o fundamento da dispensa e releva o quadro legal se a urgência do procedimento deriva do seu regime legal. O caso citado no acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 2002.05.18 (P. 048378) não tem aqui aplicação porque estava ali em causa ato administrativo em que, para além de não ter sido invocada urgência, essa urgência também não «emanava» da sua natureza.

E também não vale à Recorrente acomodar-se no teor dos votos de vencido do acórdão proferido no processo n.º 708/12 já citado. Porque, como se referiu no acórdão de 2013.02.20 do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do mesmo Tribunal (processo n.º 0974/12, também disponível in www.dgsi.pt) a divergência entre os Conselheiros em exercício na Secção respeita somente ao discurso argumentativo fundamentador da inaplicabilidade da norma contida no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, «pois que a orientação por todos assumida é unânime no sentido dessa inaplicabilidade», de resto confirmada em ulteriores acórdãos do mesmo tribunal ali citados.

Tanto basta para concluir que o recurso também não pode merecer provimento nesta parte.

4.3. Entre os fundamentos o recurso encontra-se também o erro de julgamento, na parte em que a decisão recorrida não concluiu pela ilegalidade do despacho reclamado por falta de fundamentação.

Alega a Recorrente que o conteúdo da decisão reclamada se fica por uma consideração genérica, vaga e não aplicada ao caso concreto, em relação ao pedido formulado e respetiva prova, a qual nada fundamenta e não poderá senão equivaler a uma falta de fundamentação.

De referir – para melhor enquadramento da questão a decidir – que não está em causa por aqui todo o discurso fundamentador da decisão reclamada, mas apenas a parte do mesmo que contenda com o requisito da dispensa de garantia que emana da parte final do n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária: a insuficiência ou inexistência de bens não ser da responsabilidade do executado.

A este respeito, a Recorrente tinha alegado, nos artigos 63.º e seguintes do pedido de dispensa da prestação da garantia, que a insuficiência de meios económicos com que se debate não adveio de quaisquer atos voluntariamente dirigidos à diminuição da sua capacidade patrimonial, visto que a operação de alienação de imóveis de 2006 foi vantajosa e plenamente justificada, integrando uma legítima opção de gestão por parte da direção do grupo, estando os demais bens do ativo e os stocks de vinho já oferecidos em garantia para acorrer a outras responsabilidades vencidas. E tinha oferecido, para prova do alegado os documentos nºs 7 e 25.º a 31. Sendo o primeiro (fls. 447 e seguintes) um contrato de penhor mercantil e os demais (fls. 542 e seguintes), cópias de diversas escrituras, de um estudo da Ernst & Young, diversos documentos contabilísticos e um acordo de compensação de créditos.

O discurso fundamentador da decisão reclamada foi, a este respeito, o seguinte (cfr. ponto 6 dos factos provados):

«Os documentos apresentados, traduzindo a situação contabilística e financeira da executada, fazem prova da ausência/insuficiência de património da mesma, mas demonstram igualmente que tal insuficiência resulta da gestão da empresa, e não de uma qualquer causa que esteja na absoluta indisponibilidade da mesma ou da sua administração.

Deste modo, dos documentos apresentados juntamente com o requerimento de dispensa, não resulta a verificação do pressuposto da irresponsabilidade da actuação empresarial ou da respectiva administração na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens, pressuposto este que tem necessariamente que ser demonstrado, quer se verifique prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia ou a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens»

Ora, sendo embora verdade que o discurso fundamentador ali inserido é, efetivamente, genérico e suscetível de aplicação a um número indeterminado de casos, não resulta daí que seja vago e incapaz de revelar o itinerário cognoscitivo do órgão decisor. O que sucede é que, no entendimento da administração tributária firmado no Ofício Circulado n.º 60 077 de 2010.07.29 (referido na informação a que alude o ponto 5 dos factos provados) e acolhido pelo órgão de execução fiscal (como decorre da expressão ali utilizada: «absoluta indisponibilidade»), apenas se deve considerar verificado o pressuposto da irresponsabilidade pela insuficiência de bens quando essa insuficiência não resulte de qualquer ato praticado pela empresa ou dos seus gestores, mas de factos a que sejam totalmente alheios e não possam controlar (ex. catástrofe natural ou humana imprevisível). E como os documentos em causa denunciam precisamente que essa insuficiência teve origem em atos praticados pela empresa, nunca poderiam servir para demonstrar a verificação deste requisito e não tinham que ser, por isso, detalhadamente analisados.

O itinerário cognoscitivo dom órgão decisor pode, assim, ser esquematizado do seguinte modo: premissa maior – para efeitos do disposto no artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária, a irresponsabilidade pela insuficiência de bens só se verifica quando essa insuficiência deriva de factos que estão na absoluta indisponibilidade da empresa; premissa menor – os factos alegados e os documentos em que se suportam revelam que a insuficiência de bens não resultou de causa que estivesse na absoluta indisponibilidade da empresa; conclusão - os factos alegados e os documentos em que se suportam revelam que não se verifica a irresponsabilidade pela insuficiência de bens.

Naturalmente que a questão de saber se este raciocínio está correto já não contende com o vício formal da falta de fundamentação mas com o mérito da própria decisão reclamada.

Razão porque o recurso também não pode merecer provimento, nesta parte.

4.4. Como último fundamento do recurso, invoca a Recorrente o erro de julgamento da aplicação do direito aos factos, na parte em que a douta sentença se concluiu pela falta de prova do requisito da não responsabilidade pela insuficiência de bens.

Alega a Recorrente, nesta parte, que a matéria assente nos autos e em particular os pontos 16.º, 21.º, 25.º ou 30.º dos factos provados evidenciam precisamente a falta de culpa nessa insuficiência de bens para a prestação da garantia.

Entre as circunstâncias que, no entendimento da Recorrente, o tribunal recorrido deu como assentes e que revelam que não lhe possa ser imputada a insuficiência de bens, constam o facto de a venda de imóveis ter ocorrido em 2005 e 2006 e ter feito parte de um processo de reestruturação do grupo de empresas em que se insere, a falta de receitas e liquidez com que se vem deparando, a diminuição de vendas que se tem vindo a registar nos últimos anos, o facto de os stocks de vinhos já terem sido dados em penhor, a precipitação da cobrança, por parte de diferentes instituições bancárias, dos financiamentos e responsabilidades contraídas junto dessas instituições e a manutenção de outras garantias bancárias.

A este respeito, consignou-se na douta sentença recorrida que, embora se tivesse demonstrado em juízo que a diminuição do valor dos seus ativos tangíveis (imóveis, maquinaria, equipamento de escritório, etc.) não resultou de uma atuação que visasse a diminuição das garantias dos seus credores, não foram alegados nem demonstrados os motivos que conduziram ao depauperamento da sua situação financeira global nem as eventuais medidas de gestão que podiam ter sido desenvolvidas no sentido de obter a inversão desta situação, «pelo que não pode o Tribunal concluir que a alegada insuficiência de bens não é da responsabilidade da Reclamante».

Aqui chegados, importa fazer, desde já, uma constatação: a de que estamos perante três interpretações totalmente diversas do requisito constante da parte final do n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária.

Temos, de um lado, a interpretação seguida pelo órgão de execução fiscal, segundo a qual a irresponsabilidade pela insuficiência ou inexistência de bens só ocorre quando decorra de causas a que é completamente alheio e que não possa controlar. Aponta-se aqui para um conceito de responsabilidade que prescinde da culpa do agente e se centra exclusivamente na natureza do facto que dá origem à situação de insuficiência de bens. A responsabilidade existe se essa insuficiência deriva de um facto voluntário (qualquer que seja o juízo de censura que se deva assacar ao agente) e não existe se essa insuficiência deriva de facto involuntário (como tal entendido o facto fortuito, aquele que não pode ser controlado ou dominado pela vontade do agente).

Temos, no outro extremo, a interpretação seguida pela Recorrente, segundo a qual a irresponsabilidade pela insuficiência ou inexistência de bens ocorre quando demonstre que a diminuição de bens não resultou de uma atuação que visasse a diminuição das garantias dos seus credores (cfr. conclusão “HH”). Aponta-se aqui para um conceito de responsabilidade assente no dolo específico do agente, segundo a qual a responsabilidade só existe se essa insuficiência deriva de factos praticados com o intuito de obstar à prestação da própria garantia.

Temos finalmente, a meio termo entre as duas, a interpretação que julgamos ter sido seguida na parte final da douta sentença recorrida, segundo a qual a irresponsabilidade pela insuficiência ou inexistência de bens ocorre quando se demonstre que o requerente da dispensa da prestação da garantia «não teve uma participação culposa na insuficiência patrimonial em que se encontra» (primeiro parágrafo da pág. 34 da douta sentença). Aponta-se aqui para um conceito de responsabilidade assente na culpa do agente, seja ela fundada no dolo, ou na negligência censurável (omitindo a diligência que lhe era exigível na salvaguarda dos interesses do credor).

A posição seguida pela administração tributária aponta para um conceito de responsabilidade que não tem tradução no posso ordenamento jurídico tributário nem no ordenamento jurídico civil. Ninguém é responsável perante outrem ou deixa de o ser apenas porque o facto que determinou a situação que a lei pretendeu evitar decorreu de ação voluntária ou involuntária do sujeito. E as situações em que a responsabilidade existe independentemente da culpa têm natureza excecional, como decorre do n.º 2 do artigo 483.º do Código Civil, a que aqui recorremos para o correto enquadramento do termo «responsabilidade», na falta de conceito privativo do direito tributário que aqui sirva e atento o disposto no artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.

A indisponibilidade do crédito tributário a que alude o artigo 30.º, n.º 2, da mesma Lei e a proibição de moratórias no pagamento das obrigações tributárias, consagrada no n.º 3 do seu artigo 36.º, também não justificam, por si só, uma tal interpretação, seja porque ao dispensar a garantia não se está a dispensar o pagamento do crédito a garantir, seja porque a moratória é concedida nos casos expressamente previstos na lei, entre os quais se inclui, sem esforço, o previsto no artigo 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

A posição segundo a qual a responsabilidade pela insuficiência de bens não existe se se demonstrar que essa insuficiência não deriva de factos praticados com o intuito de obstar à prestação da própria garantia também não tem respaldo na letra da lei. E pondera-se que tornaria este requisito redundante, porque o instituto do abuso de direito chegaria resolver a situação em desfavor do requerente. Mal se compreenderia, também, que este pudesse obstar ao andamento a execução apenas porque os atos de dissipação de bens não foram praticados com o intuito de defraudar o Estado e mesmo nas situações em que sabia que tal prejuízo iria ou poderia ocorrer. Porque os sujeitos tributários estão adstritos a deveres de boa prática que vão muito para além de comportamentos tipicamente fraudulentos, como decorre do artigo 32.º daquela Lei.

A questão que fica, por isso, é a de saber se à prova de que a insuficiência de bens, para este efeito, não basta a demonstração de que não existiu essa responsabilidade a título de dolo (seja ele específico, direto, necessário ou eventual) e é também necessário demonstrar que não existiu essa responsabilidade a título de negligência.

A esta questão respondemos que essa responsabilidade deve ser dolosa, no sentido de que tal responsabilidade existe quando ocorram situações de diminuição da garantia patrimonial provocadas pelo executado ou por este consentidas, bem sabendo que iriam diminuir as garantias dos credores e conformando-se com esse resultado. Vejamos porquê:

A dispensa de garantia resulta – a nosso ver – da necessidade de conferir igual tratamento a quem tem bens e quem os não tem, assegurando que tem acesso à suspensão da execução, nas mesmas circunstâncias, não apenas o devedor que possa prestar a garantia, mas também o que não possua meios económicos para o fazer. Prevalece o interesse do executado na conservação da sua situação patrimonial (na pendência do processo em que seja discutida a legalidade da dívida tributária) sobre o interesse do credor na medida em que seja necessário a assegurar essa igualdade de tratamento.

E é seguro que não se justifica a preocupação em conferir tratamento igual ao devedor que tem bens e ao que não os tem, quando tenha sido este a dar origem a tal desigualdade, gerando para si mesmo uma situação económica que o coloca em situação de tal necessidade, bem sabendo que iria enfrentar essa necessidade ou até mesmo por causa dela, com o objetivo de frustrar os interesses do credor.

Mas já não se nos afigura proporcionado que se onere da mesma forma quem, por desconhecimento, impreparação ou inabilidade se deixa cair em igual situação de necessidade, a menos que sobre ele recaia um especial dever de cuidado na gestão desse património.

Esse dever existe no caso dos gestores, ou administradores de sociedades. Que, nos termos do disposto no artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, devem observar deveres de cuidado, conduzindo a sociedade com a diligência de um gestor criterioso e ordenado. A assunção das tarefas correspondentes implica disponibilidade, competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções. Pelo que não será, em princípio, de excluir a culpa do agente se agiu com impreparação ou desinteresse, ou tomou decisões ruinosas, se for possível, com razoável segurança, concluir que tal comportamento nunca seria possível num gestor criterioso e ordenado. Porque não deve assumir funções de tamanha responsabilidade quem não está tecnicamente preparado para apreender o alcance das decisões que será chamado a tomar ou quem não está realmente interessado no destino da sociedade.

Mas não existe para a generalidade das pessoas, sobre quem não recaem idênticos deveres. Sejam eles legais, estatutários ou contratuais.

Pelo que a única questão que fica é a de saber se o requisito da parte final do n.º 4 do artigo 52.º deve ser mais exigente quando o requerente da dispensa da prestação da garantia esteja especialmente adstrito a estes deveres.

Mas também aqui a resposta terá que ser negativa. Porque não existe nada na lei que sustente esse tratamento diferenciado dos executados. Não há nada que nos permita concluir que tenha sido intenção do legislador subordinar a concessão de garantia de determinadas pessoas a um regime mais exigente. E também não é possível recorrer a outras normas da Lei Geral Tributária que disponham sobre tal responsabilidade (para integrar esse tratamento diferenciado), porque estamos perante normas que afetam as garantias processuais graciosas e contenciosas dos contribuintes e, nessa medida, subordinadas ao princípio da reserva de lei, não sendo sobre elas admitida a integração analógica – artigo 11.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária.

De todo o exposto decorre que a prova – para os efeitos da parte final do n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária – de que a insuficiência de bens não é da responsabilidade da sociedade executada (ou de quem a geriu) se basta com a demonstração de que essa insuficiência de bens não foi provocada pelo executado ou por ele consentida de forma dolosa, não sendo também necessária a demonstração de que essa insuficiência de bens não resultou da gestão negligente da sua atividade.

4.5. Resta saber se a Recorrente alegou e demonstrou que a essa insuficiência de bens não foi por ela provocada ou consentida de forma dolosa.

A este respeito, a Recorrente alegou que a operação de alienação de bens imóveis se enquadrou da estruturação naquele que veio a ser o grupo em que presentemente se insere, pretendendo-se com esta operação centralizar os imóveis nas empresas do ramo imobiliário e relegar aquela para o desenvolvimento da sua atividade de comércio por grosso do vinho. E que pela alienação desses imóveis recebeu o correspetivo preço, em valores de mercado (salvo no caso da venda à “U…”, em que o pagamento respetivo foi efetuado por via da diminuição do crédito de suprimentos que detinha sobre aquela). Mais alegou que os restantes bens do ativo e os seus stocks de vinhos foram oferecidos como garantia do financiamento realizado pela empresa líder do grupo, o que significa também que a oneração destes bens constitui ainda uma consequência indireta desta reestruturação.

Estes factos estão, globalmente, provados, como se alcança dos pontos 14.º e seguintes dos factos provados indicados supra. E deles decorre suficientemente que o objetivo da Recorrente – ao menos o seu objetivo direto – não foi aqui o de obviar ou dificultar a cobrança dos créditos de outros credores, nomeadamente da Recorrida.

E também não se afigura razoável obrigar a Recorrente a demonstrar que a operação de reestruturação não teve também entre os seus objetivos (indiretos) dificultar a cobrança dos créditos. Como a própria Recorrente refere (de resto, citando a doutrina mais avalizada), «a acrescida dificuldade de prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes» (cit. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, in Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 4.ª edição 2012, pág. 428; este entendimento ficou firmado no acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 2008.12.17, processo n.º 327/08). O que significa que não tem o requerente que provar que à operação em causa e às que dela resultaram não estiveram subjacentes determinados objetivos, bastando-lhe demonstrar que se teve em vista, em primeiro plano, a reestruturação organizativa e comercial.

Mas esta menor exigência probatória não poderia servir para dispensar a Recorrente de alegar e demonstrar o que fez ao produto da venda desses imóveis, em particular dos imóveis vendidos à “J…”, cujo valor assegura ter recebido – por remissão para os documentos 25 e 26 juntos com o douto requerimento inicial – precisamente na altura em que a dívida exequenda foi gerada. É que esse valor era muito superior ao da dívida exequenda e a admitir-se que foi canalizado para contrair ou pagar outras dívidas, competiria também à Recorrente alegar e demonstrar que não perspetivou como consequência necessária ou eventual de tal atuação a diminuição da garantia da credora exequente.

Entendemos, na verdade, que se como consequência da operação de reestruturação a Recorrente deixou de poder garantir as dividas com o valor dos imóveis vendidos mas passou a dispor dos montantes líquidos que recebeu de parte dessas vendas (no caso, as vendas à “J…”, nos valores de € 1.915.000,00 e € 860.000,00), a demonstração de que a insuficiência de bens não é da sua responsabilidade já não se bastava com a explicação das razões que a levaram a fazer a reestruturação: importava também que se explicasse e demonstrasse em que é que esse dinheiro foi aplicado e quais foram as razões que determinaram também as opções de gestão respetivas. Sendo a partir dos respetivos elementos de facto que o tribunal poderia aferir se aquela podia ou não ser responsabilizada pela insuficiência de património que, mais tarde, se veio a verificar.

Só que a Recorrente nada alegou neste particular. E por isso nada poderia ter provado.

Pelo que o recurso também não merece provimento por aqui.

5. Conclusões

5.1. Não existe contradição entre os fundamentos e a decisão se o recorrente entende que tribunal deveria ter retirado outra conclusão dos factos dados como provados.

5.2. O indeferimento do pedido de dispensa de garantia a que aludem os artigos 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária e 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não é necessariamente precedido de audição prévia.

5.3. Não padece de falta de fundamentação a decisão do órgão de execução fiscal que indefere o pedido de dispensa de garantia por entender que o requerente deveria fazer a prova de que a insuficiência de bens não resultou de causa que estivesse na absoluta indisponibilidade da empresa ou da sua administração.

5.4. O executado é responsável pela inexistência ou insuficiência de bens para efeitos da parte final do n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária quando não alegue ou não demonstre que essa insuficiência não deriva de atos de alienação, oneração, disposição ou dissipação de bens por ele praticados ou consentidos de forma dolosa;

5.5. Consideram-se dolosos os atos a que alude o número anterior praticados ou consentidos com o intuito de diminuir a garantia dos credores ou em que se preveja essa diminuição como consequência necessária ou eventual da sua atuação e se conforme com ela;

5.6. Não alega nem demonstra que a insuficiência de bens não deriva de atos de alienação, oneração, disposição ou dissipação de bens por ele praticados ou consentidos de forma dolosa quem a justifica com a alienação e oneração de resultante de uma operação de reestruturação sem explicar o destino dado ao produto dessa alienação.

6. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 18 de Outubro de 2013

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves

Ass. Pedro Marques