Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00837/15.6BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/22/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:ORDEM NOTÁRIOS, PROCESSO DISCIPLINAR ,VIOLAÇÃO DEVER CUIDADO E ZELO
Sumário:1 . Resultando do processo disciplinar que, nos últimos actos praticados pela arguida, em que o outorgante veio acompanhado pelos queixosos, teve alguma percepção de que aquele estaria pressionado por quem o acompanhava, tendo sentido alguma relutância na prática dos actos, mas acabando por os praticar por, alegadamente, corresponderem à sua vontade, como resulta das declarações da arguida no processo de inquérito de disciplinar, mostra-se provado o ilícito disciplinar.

2 . Não se podendo ignorar a relevância das declarações prestadas no âmbito do processo de inquérito e disciplinar, prestadas de forma livre, pela arguida/recorrente, nem se vislumbrando que exista um erro grosseiro no seu aproveitamento e relevância pela entidade competente para exercitar o poder disciplinar, não pode o tribunal alterar a decisão disciplinar.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:N.
Recorrido 1:ORDEM dos NOTÁRIOS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . N., notária e residente na Rua (…), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Aveiro, datada de 1 de Julho de 2020, que, no âmbito da acção administrativa especial instaurada contra a ORDEM dos NOTÁRIOS, julgou improcedente a acção, onde impugnava a deliberação de 2/7/2015 que, no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado, lhe aplicou a pena disciplinar de multa, no montante de 500,00€.
*
Nas suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
"a) o presente recurso tem em vista a revogação da sentença que, considerando improcedente a pretensão da recorrente, absolve a Ordem dos Notários do pedido de considerar ilegal a sanção de multa que aplicou à recorrente;
b) com efeito, mantém a recorrente que não violou "o dever de diligência profissional — de tratar com cuidado e zelo os assuntos em que interveio ­previsto no artigo 380 no 2 do Estatuto da Ordem dos Notários (...) revelando má compreensão dos seus deveres funcionais enquanto notária"
c) mais ainda, não cometeu infração disciplinar;
d) deve assim o Tribunal condenar no reconhecimento da ilegalidade da sanção e anular a deliberação de 2 de julho de 2015, por ofensa direta ao disposto nos art°s 11° e 380 do Estatuto da Ordem dos Notários em conjugação com os art°s 430 e 460 do mesmo diploma, e
e) como consequência deste reconhecimento, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão de anulação do acto impugnado em resultado da procedência das razões aqui convocadas ...".

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Notificadas as alegações, apresentadas pela recorrente, supra referidas, não foram apresentadas contra alegações.
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O Digno Procurador Geral Adjunto, neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, não se pronunciou.
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Sem vistos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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2 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida, cuja fidelidade e fidedignidade não vêm questionados:
A - A Autora exerce funções como Notária desde janeiro de 2007 - cfr. facto não impugnado.
B - Em 27.08.2012 deu entrada na Delegação Regional do Norte da Ordem dos Notários participação contra a Autora, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. fls. 1 a 37 do processo administrativo.
C - O Conselho Fiscalizador, Disciplinar e Deontológico da Ordem dos Notários (CFDD) enviou à Autora comunicação sob a referência NF/522/NOT/12 | Avprévia-51/12, datada de 04.09.2012, sob o assunto “Reclamação de A.”, com o seguinte teor:
“Solicito a V. Ex.ª que se pronuncie sobre a participação em epígrafe, no prazo de 10 dias – participação cuja fotocópia se anexa, bem como dos documentos que a acompanham.”- cfr. fls. 38 do processo administrativo.
D - A Autora dirigiu ao CFDD requerimento datado de 14.09.2012 e recebido a 17.09.2012, sob o assunto “Participação NF/522/NOT/12 | Avprévia-51/12”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…) Assim, face à reclamação ora apresentada, cumpre-me dizer que todos os actos praticados neste Cartório foram elaborados de acordo com a vontade do interveniente e de acordo com a lei. (…)” - cfr. fls. 40 e 41 do processo administrativo.
E - O CFDD subscreveu documento intitulado “Deliberação”, com o seguinte teor:
“O Conselho Fiscalizador, Disciplinar e Deontológico da Ordem dos Notários deliberou, por unanimidade, na sua sessão de 08 de Outubro de 2012, no âmbito do presente “dossier” com o n.º AP-51/12, em que são participante António Carvalho e participada a notária Dr.ª N., com cartório em (...), suspender a respectiva apreciação, nos termos do n.º 2 do artigo 42.º do “Estatuto da Ordem dos Notários”, uma vez que consta da mesma que corre termos pelo 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 6049/12.3TBVNG, uma acção cujo desfecho permitirá uma melhor apreciação do mérito da participação apresentada.
Em complemento do supra decidido, determina-se ainda que se notifique o participante solicitando-lhe que, oportunamente e se assim o entender, informe este conselho sobre o respectivo desfecho daquela acção.” - cfr. fls. 43 do processo administrativo.
F - Em 23.10.2013 foi proferida sentença no âmbito do processo n.º 6049/12.3TBVNG, ali tendo sido decidido o seguinte:
“Pelo exposto, julgo a presente acção procedente, por provada, termos em que se decide declarar J. interdito, por anomalia psíquica, desde 01 de setembro de 2007, para o exercício dos seus direitos.
Nomeio para o exercício do cargo de tutora P..
Nomeio vogais do conselho de família
A. e P., melhor identificados a fls. 24. (…)”- cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial e fls. 51 a 57 do processo administrativo.
G - Por requerimento com data de entrada de 30.10.2013 foi junto ao processo disciplinar n.º PD-51/12 a sentença proferida no âmbito do processo n.º 6049/12.3TBVNG, a que se alude na alínea precedente - cfr. fls. 48 a 57 do processo administrativo.
H - O CFDD subscreveu documento intitulado “Deliberação”, com o seguinte teor:
“1 – A. participou da Dr.ª N., notária com cartório em (...), porquanto esta presidiu aos actos notariais infra discriminados, outorgados por J., apesar de ser notório, segundo o participante, que o outorgante não estava em situação de sanidade mental que lhe permitisse compreender os respectivos conteúdos e efeitos, por padecer de “demência do tipo Alzheimer”:
a) – escritura de doação de 07/12/2011, como doador, sendo donatários J. e M.;
b) – escritura de doação de 29/12/2011, com os mesmos interveniente da anterior;
c) – procuração de 29/03/2012, em que o mesmo J. constitui seus procuradores, individual e conjuntamente, os referidos J. e M., outorgando-lhes os poderes explicitados nas alíneas a) a l) (alínea ele);
d) - termo de autenticação de 11/05/2012, de um contrato de doação subscrito, na mesma data, pelos mesmos outorgantes;
e) – testamento de 12/05/2012, em que o J. institui seus herdeiros universais os mesmos J. e M.;
f) – revogação, em 25/06/20212, da procuração supra referida sob a al. d);
g) – revogação, em 06/08/2012, do testamento supra referido sob a al. e).
2 – Mais se informa na participação, apresentada em 27/08/2012, que, nessa data, já se encontrava a correr termos no 1.º Juízo Cível do tribunal judicial de vila Nova de Gaia uma acção com vista à interdição do mencionado J., sob o n.º 6049/12.3TBVNG.
3 – Face à informação aludida, deliberou este CFDD, na sua cessão de 08/10/2012, que o presente dossier (com o n.º AP-51/129 ficasse com a sua tramitação suspensa até ser prolatada uma decisão na referida acção judicial e que se convidasse o participante a dar conhecimento do respectivo desfecho, logo que este ocorresse.
(…) 5 – Atento o exposto, delibera o CFDD, por unanimidade, na sua sessão de 21 de Novembro de 2013:
a) – determinar o termo da suspensão acima aludida e o prosseguimento dos autos;
E, nessa conformidade,
b) – determinar a sua autuação como “processo de averiguações” contra a Drª N., sendo instrutora a respectiva Presidente, Drª F., coma faculdade de delegação dos poderes instrutórios, nos termos regulamentares.” - cfr. fls. 58 e 59 do processo administrativo.
I - A deliberação referida na alínea precedente foi comunicada à Autora por ofício n.º 710-NF, datado de 22.11.2013 - cfr. fls. 62 do processo administrativo.
J - Em 24.02.2014, a Autora prestou declarações conforme auto de declarações da mesma data, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. fls. 85 do processo administrativo.
K - Em 11.06.2014 a Instrutora do processo disciplinar n.º 51/12 subscreveu documento intitulado “Proposta de conversão em processo disciplinar”, do qual consta designadamente, o seguinte:
“(…) F) – Atento todo o exposto, propõe-se ao Exmo.º CFDD a conversão em “processo disciplinar”, do presente “processo de averiguações‖. (…)”- cfr. fls. 102 a 104 do processo administrativo.
L - O documento referido na alínea precedente foi aprovado, por unanimidade, em sessão de 18.06.2014 do Conselho Fiscalizador, Disciplinar e Deontológico - cfr. fls. 104 do processo administrativo.
M - O documento referido na alínea K) foi comunicado à Autora por ofício n.º 309, datado de 18.06.2014, cujo aviso de receção se mostra assinado em 19.06.2014 - cfr. fls. 105 a 107 do processo administrativo.
N - Em 07.08.2014 a Autora prestou declarações no âmbito do processo disciplinar n.º 51/12, conforme auto de declarações da mesma data, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. fls. 108 do processo administrativo.
O - Em 20.09.2014, a Instrutora do processo disciplinar n.º 51/12 subscreveu documento intitulado “nota de culpa”, do qual consta designadamente, o seguinte:
“A Ordem dos Notários (…) vem, por intermédio do “Conselho Fiscalizador, Disciplinar e Deontológico”, representado pela sua Presidente Drª F., designada instrutora no presente “processo disciplinar”, com o número 51/12, deduzir “nota de culpa” contra Drª N. (…), o que faz nos termos e pelos fundamentos seguintes:
1 – A Arguida, no exercício da sua actividade notarial, admitiu a intervir como outorgante, em escrituras e actos de outras naturezas por si lavrados, J., neles devidamente identificado.
2 - O mesmo interveio, designadamente, nos seguintes actos, todos por ela lavrados:
a) - escritura de doação de 07/12/2011, como doador, sendo donatários J.o e M.;
b) - escritura de doação de 29/12/2011, com os mesmos intervenientes da alínea anterior;
c) - procuração de 29/03/2012, em que constitui seus procuradores, individual e conjuntamente, os referidos J. e N., outorgando-lhes os poderes explicitados nas alíneas a) a l);
d) - termo de autenticação de 11/05/2012, de um contrato de doação subscrito, na mesma data, pelos mesmos outorgantes;
e) - testamento de 12/05/2012, em que o J. institui seus herdeiros universais os mesmos J. e N.;
f) - revogação, em 25/06/2012, da procuração supra referida sob a al. d);
g) - revogação, em 06/08/2012, do testamento supra referido sob a al. e)
- cfr. as fotocópias juntas aos autos, de fls. 9 a 32.
3 - Correu termos pelo 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia uma acção com vista à interdição do mencionado J., sob o n.º 6049/12.3TBVNG.
4 – Da parte decisória da sentença prolatada nessa acção, em 23/10/2013, consta o seguinte:
a) é julgada procedente, por provada, termos em que se decide declarar interdito por anomalia psíquica J.;
b) a interdição é decretada desde 01 de Setembro de 2007;
c) é nomeada curadora P. e são nomeados vogais do conselho de família A. e P..
- cfr. fotocópia junta ao processo, de fls. 51 a 57.
5 - A sentença aludida baseou-se, sobretudo, na circunstância de o referido J. não se encontrar na posse das suas faculdades intelectuais (por padecer de “demência do tipo Alzheimer”) e de se encontrar, pois, incapacitado para governar a sua pessoa e os seus bens, designadamente, atentos os seguintes factos dados por provados:
- não sabe dizer a sua data de nascimento;
- conhece o dinheiro, mas não sabe o seu valor;
- tem dificuldade em manter-se atento, apresentando um discurso vago e pobre;
- está desorientado no tempo e no espaço;
- não compreendeu o alcance do processo, nem a sua presença no tribunal; teve dificuldade em adaptar-se às regras da diligência judicial;
- não consegue identificar os familiares, desconhecendo os respectivos graus de parentesco;
- necessita de terceiras pessoas para os cuidados básicos diários, como para o seu banho, escolha da roupa uso da casa-de-banho e para confeccionar as suas refeições.
- cfr. ibidem.
6 – Por força da sua reconhecida demência era suposto não ter capacidade para compreender os conteúdos, o sentido e os efeitos dos actos notariais em que interveio e de, com referência a eles, formar e declarar, de forma livre e consciente a sua vontade.
7 – O estado demencial daquele J., face à multiplicidade e à gravidade das suas manifestações externas (cfr. o n.º 5 supra), era apreensível para a generalidade das pessoas.
8 – Designadamente, para um oficial de justiça do Tribunal de Vila Nova de Gaia, que, como consta destes autos (a fls. 69), lavrou uma "certidão negativa", no dia 10 de Julho de 2012, em que mencionou o seguinte (referindo-se ao citando J.):
"não levei a efeito a citação ... em virtude de lhe ter feito várias perguntas, tendo o mesmo dito o dia e o mês do nascimento, desconhecendo o ano, conhecendo o dinheiro que lhe foi mostrado (50 cêntimos e 20 euros), dizendo que estamos no Inverno e no mês de Janeiro, não sabendo o dia da semana, tentando explicar-lhe o teor da citação, o mesmo não compreendeu, pelo que não levei a efeito a citação e lavrei a presente certidão. "
9 – Face aos factos articulados e tendo em consideração o elevado número de actos notariais acima referidos (nada menos de sete), com a agravante de que em todos eles o arguido se ia despojando de todos os seus bens, inclusive da sua reforma, a Arguida deveria ter-se apercebido do estado demencial do outorgante.
10 – Acresce que a própria Arguida, nas declarações que constam do auto de fls. 85 (que veio a confirmar nas que constam do auto de fls. 100) e com referência ao outorgante J., reconhece que “nos últimos actos praticados, em que veio acompanhado pelos queixosos no presente processo, a Arguida teve alguma percepção de que estaria pressionado por quem o acompanhava, tendo sentido alguma relutância do mesmo na prática dos actos, mas acabando por os praticar por, alegadamente, corresponderem à sua vontade”.
11 – Tendo por si, confessadamente, detectado o constrangimento em que se encontrava o outorgante, no momento da prática dos referidos actos, deveria a Arguida tê-la suspendido e tê-los remarcado para outro(s) momento(s), em que o outorgante não se sentisse constrangido.
12 – Na generalidade dos actos praticados pelo referido J. perante a Arguida, ele outorgou, por si, autonomamente, o que favorecia a avaliação da sua capacidade mental – ao contrário do sucedido em outros actos jurídicos, praticados também perante terceiros operadores, em que as declarações negociais daquele foram partilhadas “in loco” por outros cooutorgantes, em representação de pessoas colectivas.
13 – A Arguida bem sabe – ou tem a obrigação de saber – que, nos termos da alínea b) do n.º 2.º do art.º 11 do EN, o Notário deve recusar a prática de actos sempre que tenha dúvidas sobre a integridade das faculdades mentais dos participantes, dúvidas que seguramente lhe teriam ocorrido se tivesse agido, aquando da sua prática, com o empenhamento, o zelo e a atenção que eram deontologicamente devidos, o que, face a todo o articulado supra, não sucedeu.
14- A Arguida agiu, em nosso entender, com negligência, corporizada nas circunstâncias constantes dos artigos supra, mas não com o intuito de beneficiar ou prejudicar os outorgantes ou terceiras pessoas – ou seja, não agiu com falta de imparcialidade.
15 – As descritas condutas integram violação culposa, pela arguida Drª N., dos deveres deontológicos previstos na alínea b) do n.º 2 do art.º 11.º do “EN” e no n.º 2 do artigo 38.º do “EON” – violação conjunta que, por revelar má com preensão dos seus deveres funcionais, deve ser punida com a pena de multa prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 43.º, conjugada com o art.º 46.º, ambos deste último estatuto.
16 – Nos termos do disposto no artigo no n.º 1 do art.º 83.º do “EN”, fixa-se-lhe o prazo de 15 (quinze) dias para a dedução da sua defesa e produção de prova. (…)”- cfr. fls. 125 a 128 do processo administrativo.
P - O documento referido na alínea precedente foi comunicado à Autora por ofício n.º 443, datado de 22.09.2014, cujo aviso de receção se mostra assinado em 23.09.2014 - cfr. fls. 129 a 129-B do processo administrativo.
Q - A Autora apresentou requerimento intitulado “Resposta à nota de culpa”, datado de 07.10.2014 e com data de entrada nos serviços em 08.10.2014, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“N., notária com Cartório sito na Rua (…), em resposta à nota de culpa vem indicar como sua defesa o seguinte:
l. A Arguida, no exercício da sua actividade notarial, presidiu à realização de vários actos notariais, onde foi interveniente J., que sempre lhe a sua vontade, tendo sempre a Arguida explicado o conteúdo e o alcance dos mesmos.
2. Conforme consta da nota de culpa no seu ponto 2, foi celebrada em primeiro lugar uma escritura de doação no dia 07/11/2011, onde inclusive -a arguida questionou o doador, J., se pretendia reservar o usufruto, tendo o mesmo respondido de imediato que “não, dei e está dado”
3. Sendo que, na realização da escritura de doação de 29/12/2011, o mesmo voltou a referir não pretender reservar o usufruto e explicou que nenhum dos bens doados era a sua residência, pretendo fazer a doação porque aquele sobrinho e a mulher, os donatários, à data ainda não casados, cuidavam dele, sendo nomeadamente o sobrinho J. quem lhe dava banho.
4. Na realização da Procuração, o identificado J., explicou que, como tem uma deficiência auditiva muito acentuada, que a arguida desde sempre constatou, queria passar uma procuração ao sobrinho J. e à sua mulher, com todos os poderes” para eles “fazerem o que fosse preciso”;
5. A arguida explicou que teria de lhe concretizar “todos os poderes” que podiam constar da Procuração e, de acordo com a vontade manifestada pelo mesmo, acabou elaborada nos termos que constam dos autos, sendo que, a mesma continha poderes de compra e venda e foi celebrada com a cláusula “dos procuradores não poderem fazer negócio consigo mesmo” e “terem de prestar contas nos termos da lei".
6. Na elaboração do termo de autenticação o mesmo foi lido ao interveniente que leu também o contrato particular sendo que, como não foi elaborado pela arguida, a mesma não tinha conhecimento do seu conteúdo, contudo, o interveniente disse à arguida que conhecia ao conteúdo e que correspondia à sua vontade, e a arguida lembra-se de o mesmo ter dito inclusive ao sobrinho “vais tu agora andar atrás deles para te pagarem as rendas".
7. O testamento foi elaborado de acordo com a vontade do Testador, tendo a arguida falado
8. No dia da revogação da Procuração o referido J. veio acompanhado pelo reclamante e pelo irmão A., tendo sido os sobrinhos a informar o cartório que ele queria revogar a procuração.
9. Assim, a arguida conversou a sós com ele perguntando-lhe se queria efectivamente revogar a procuração que tinha feito ao outro sobrinho e mulher, e o interveniente explicou à arguida que “agora estava com estes sobrinhos, e não queria conflitos”, pelo que pediu à arguida “expressamente” para revogar a procuração, afirmando inclusive “porque não anulava nada para trás”.
10. No dia 6 de Agosto de 2012, o mesmo sobrinho A., entrou sozinho no Cartório para saber se havia disponibilidade para ser feita a Revogação do Testamento e um Testamento a favor dele e do irmão M., que entrou depois também, no Cartório, tendo entrado depois o tio.
11. A arguida questionou o interveniente J. sobre o que queria fazer, sozinha, na sala de actos e, conforme consta do processo, efectuou a revogação do testamento que tinha feito em Maio a favor do sobrinho J. e mulher, N..
12. Acresce que, mais uma vez, a arguida cumpriu sempre a vontade do interveniente, pois, mesmo tendo os sobrinhos solicitado a realização da revogação do testamento e a realização de um testamento em que os dois seriam os herdeiros universais do tio, a arguida respeitou a vontade do interveniente J..
13. De facto, o mesmo declarou que fazia a revogação e não fazia o testamento como solicitado porque, “os outros já levaram muito, e vamos ver como estes se comportam”.
14. Nunca a arguida teve dúvidas sobre a vontade livre e esclarecida do interveniente J., pois sempre conversou com ele em todos os actos, tendo sempre o mesmo sido objectivo no que queria fazer, sendo absolutamente falsa e suportada de qualquer prova a afirmação constante da nota de culpa, no seu ponto 6, de que o interveniente era portador da uma “reconhecida demência”.
15. A arguida nunca suspeitou que o interveniente pudesse padecer da doença de Alzheimer ou de qualquer outra demência, pois o mesmo sempre se apresentou consciente e determinado nos actos que queria realizar, facto constatado inclusive pelas testemunhas que assistiram à realização do testamento e que não se compreende porque não foram sequer os seus testemunhos considerados na presente nota de culpa.
16. Posição completamente diferente do Ministério Público que procedeu ao arquivamento do processo de Inquérito 10775/12.9TDPRT, do crime de Burla qualificada em que eram arguidos o sobrinho J. e mulher N., baseando a sua convicção sobretudo no testemunho isento da arguida e das duas testemunhas do Testamento, cuja cópia se junta como doc. 1.
17. De notar, ainda, que, em todos os actos, apesar da sua limitação auditiva, o interveniente sempre encetou conversa com a arguida, não se limitando a responder às perguntas directas, sendo exemplo disso, o dia 12 de Maio de 2012, em que, o interveniente, questionado pela arguida se não queria tirar o casaco, pois o mesmo sempre se apresentou de fato em todos os actos, o mesmo respondeu que não, mas de facto está muito quente, mesmo para Maio”.
18. A arguida não aceita nem compreende a referência ao número de actos praticados, pois, sendo a vontade livre e esclarecida do interveniente, podiam ter sido não sete, mas setenta, ou até setecentos, que nem por isso deixavam de continuar válidos.
19. De facto, todo o articulado da nota de culpa foi construído com base numa ideia pré-concebida do resultado que se pretende atribuir à participação, não só na relevância atribuída ao número de actos realizados, como às erradas conclusões que se lhe atribuem; atente-se no seu número nove:
20. “com a agravante que se ia despojando de todos os seus bens, inclusive da sua reforma, a Arguida deveria ter-se apercebido do estado demencial do outorgante"
21. Esta conclusão não corresponde á verdade, e existem documentos no processo que o demonstram, pois, o interveniente não se despojou de todos os seus bens, no mesmo documento particular, que foi autenticado pela arguida, onde o interveniente atribui aos sobrinhos a reforma, atribui-lhes também as rendas de vários prédios que continuaram na sua propriedade, não lhes tendo doado os saldos bancários, quotas de empresas, quinhões hereditários… o que justifica a querela familiar.
22. Acresce ainda, que é prática comum uma pessoa como o interveniente, solteiro, sem filhos e já com oitenta anos, entregar o seu património a quem se responsabiliza por tratar dele, com dignidade, nos últimos anos da sua vida, como qualquer se humano merece,
23. contudo, ao contrário do interveniente, doam-se as parcas reformas e a casinha para a qual se trabalhou porque não há património que o justifique, e não existem querelas familiares porque não há património que o justifique.
24. É de referir também, a surpresa ao verificar o conteúdo do ponto 10 onde, vergonhosamente, se deturpam as declarações da arguida, pois, é verdade que o interveniente veio acompanhado pelo queixoso nos dois últimos actos, como se referiu anteriormente, contudo, o que a arguida declarou foi que sentiu pressão do queixoso aquando da realização da procuração, pois ouviu o queixoso dizer ao tio "queres que o Q. te levante o dinheiro todo?"
25. Sendo que a arguida conversou com o interveniente depois, sozinha, e só realizou a revogação da procuração considerando a vontade do mesmo e as suas justificações para o fazer, conforme se reproduziram neste articulado, no seu ponto 9.
26. Nunca a arguida foi informada por nenhum dos sobrinhos que o tio tinha Alzheimer, nem mesmo pelo reclamante e irmão A., que o trouxeram ao cartório conforme descrito anteriormente.
27. Quem sofre desta doença tem muitos períodos de lucidez, sendo que, na elaboração dos actos descritos, nunca a arguida suspeitou da sua existência, considerando clara e inequívoca a vontade declarada do interveniente.
28. Acresce que, o atestado médico pedido em 2007 para ser apresentado no processo 1907/06.7TBVNG, para solicitar que o aqui interveniente J. não fosse ouvido em juízo, e que serviu de base para que a sentença do processo de interdição retroagisse a 2007, e que se encontra junto aos autos, não foi considerado pelo Juiz do processo para o qual foi pedido, pois o Juiz considerou "não ver razão para que o Autor não se possa manter, por si, em juízo", conforme cópia que se junta, como Doc.2
29. De referir ainda que, o interveniente J., sempre exerceu a sua actividade em conjunto com todos os sobrinhos, sendo ele quem intervinha sempre nas diversas escrituras que realizavam, não só da actividade dê. empresa, ou seja, compras e vendas, mas também da própria organização da empresa, nomeadamente na constituição de diversas garantias, como se verifica pelos Doc.3, 4 e 5, que se juntam, datados respectivamente, de 18 de Fevereiro de 2010, 28 de Novembro de 2011 e I de Março de 2012.
30. Na verdade, é de salientar que no título de Hipoteca, efectuada em 18 de Fevereiro de 2010, identificado como Doc. 3, na Conservatória do Registo Predial de (...), intervieram os identificados sobrinhos, A. e M., e pasme-se, P., ora Tutora do interveniente;
31. Sendo todos intervenientes na mesma data, de um contrato para prestação de garantia bancária com “aval”, cujas assinaturas foram reconhecidas presencialmente no Cartório da notária P., em (...), que se junta como Doc.6.
32. Face aos documentos apresentados, resulta claramente que, para o reclamante, o seu irmão A. e a própria Tutora, o interveniente J. estava capaz para intervir nos actos em que eram beneficiados e quando beneficiava o outro sobrinho e a mulher, não estava capaz, nem entendia o alcance das suas declarações!!!
33. Contudo, a arguida, sem ter conhecimento da existência da doença e das querelas familiares, sempre exerceu a sua actividade com zelo, elaborando os actos exactamente como lhe foram pedidos pelo interveniente e não por terceiros.
34. Nunca a arguida teve dúvidas das faculdades mentais do participante, nem entende como se formou tão convictamente no processo a “certeza” de que alguma vez, durante a prática de algum dos actos, as tivesse tido,
35. Efectivamente, nem se compreende, face às situações descritas, como não se relevou no processo o facto do reclamante ter sido um perpetrador para a realização de actos que, "supostamente", o tio estava incapaz de praticar.
36. Face aos factos acima descritos, e como sua defesa abonatória diz a arguida o seguinte:
37. Exerce funções como Notária desde 12 de Janeiro de 2007, tendo iniciado o seu contacto com o Notariado desde o estágio em advocacia em 2002, sempre com um comportamento digno da referida função;
38. Praticou todos os actos sempre respeitando a vontade do interveniente, nunca suspeitando que padecesse da doença de Alzheimer, sendo certo que as características da doença permitem que se tenha muitos períodos de perfeita lucidez;
39. Sempre exerceu a sua actividade com o devido zelo, nunca tendo sido alvo de uma reclamação antes, nem sequer no Livro de Reclamações, e sempre compreendeu e cumpriu os deveres deontológicos inerentes à função -que exerce;
40. Não tendo praticado o ilícito disciplinar em que vem acusada
41. Antes apenas existe uma mera construção fantasiosa, totalmente divorciada da realidade.
42. Pelo que, pelo exposto, deve o presente processo disciplinar ser arquivado.
Prova testemunhal
I) Quanto ao facto constante do ponto 38
a) J., MD e PHI (…)
b) E., Notário (…)
c) M., Juíza (…)
c) S., Advogada, (…)
e) L., Notário (…)
II) Quanto ao facto constante do ponto 39
a) T., advogada (…)
b) J., Advogado (…)
c) N. (…)
d) A., Notária (…)
e) A., Notária (…)
III) Quanto ao facto constante do ponto 37
a) B., Notária (…)
b) M., Notária (…)
c) M., Notária (…)
d) A., Notária (…)
e) A., Notário (…)” - cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial e fls. 130 a 172 do processo administrativo.
R - Em 10.11.2014 a Instrutora do Processo Disciplinar subscreveu documento intitulado “Despacho”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“Apreciando o pedido de inquirição de testemunhas e de gravação da prova formulado pela Arguida Drª N., no seu articulado de defesa, "in fine", decide-se o seguinte:
Nos diplomas legais que disciplinam directamente a actividade notarial e o funcionamento dos órgãos que integram o respectivo sistema (a saber, o "EN" e o "EON") não existe qualquer disposição que se reporte à forma dos actos a praticar em processos de averiguações ou disciplinares — designadamente, que estabeleça a forma como devem ser registadas as provas.
2 — Porém, o actual "Estatuto Disciplinar Dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas"', aprovado pela Lei no 58/2008, de 9 de Setembro — subsidiariamente aplicável ao presente processo, por força do disposto nos artigos 51.º do ¯EON‖ e 105.º do ¯EN” contém uma disposição expressa sobre o assunto, a saber:
Artigo 34.º
Forma dos actos
A forma dos actos, quando não seja regulada por lei, ajusta-se ao fim que se tem em vista e limita-se ao indispensável para atingir essa finalidade.
3 — Uma vez que a forma da tomada de declarações e de depoimentos (e o respectivo registo) não se encontra expressamente “regulada por lei”, o dito preceito confere, implicitamente, ao instrutor a competência para agir pela forma que julgue a mais adequada, sem prejuízo do respeito petos padrões de segurança que sempre se impõem (designadamente, para considerar adequada e suficiente a redução das declarações e dos depoimentos a autos escritos, que deverão ser assinados pelos declarantes/depoentes e pelo instrutor, depois de lidos por todos e por todos achados conforme — como tem sido feito neste e em todos os outros processos).
4 — De referir, aliás e complementarmente, que:
- as declarações e os depoimentos até agora recolhidos (e registados pela forma apontada) se reportaram a factos nucleares, no que concerne ao objecto deste processo (designadamente, as declarações tomadas à própria Arguida, que nada objectou quanto à forma adoptada, certamente por a ter achado regulamentar);
e
- pelo contrário, os futuros depoimentos cuja gravação se vem requerer são todos a prestar por testemunhas abonatórias e atinentes à personalidade e ao desempenho profissional da Arguida (não incidindo, pois, sobre os factos que constituem o objecto nuclear do processo, sem prejuízo da sua importância para uma boa apreciação final) termos em que, por maioria de razão, se nos afigura suficiente e cumpridora das exigências legais a forma que tem sido seguida.
Atento todo o exposto, decide-se que a forma a adoptar nas futuras tomadas de depoimentos e nos respectivos registos será a mesma que tem sido adoptada ao longo do processo “depoimento reduzido a escrito”, tendo em conta o acima exposto bem como o princípio da economia processual que aqui se impõe.
5 — Ainda tendo em consideração o invocado princípio de economia processual, e dado o elevado número de testemunhas arroladas e, sobretudo, a acentuada dispersão geográfica das suas residências ou domicílios profissionais, começar-se-á por inquirir, as domiciliadas em “(...) — (…)”, uma vez que poderão ser ouvidas no mesmo dia ou em dois dias seguidos.
Começarão, pois, por ser marcadas as seguintes, todas em data/hora a acordar pontualmente com cada testemunha (e com informação atempada da Arguida):
- Drs. S., J. e N., no cartório de (...) da Drª P.;
- Drªs M. e M., no cartório de (…) desta;
- e Drs. L. e A., nos respectivos cartórios. (…)” - cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial e fls. 173 e 174 do processo administrativo.
S - O despacho referido na alínea precedente foi comunicado à Autora por ofício n.º 630, datado de 11.11.2014 - cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial e fls. 175 a 179-A do processo administrativo.
T - Em 10.12.2014 e 11.12.2014 foram ouvidas as testemunhas M., A., S., N., T., J., M. e L. - cfr. autos de inquirição a fls. 180 a 188 do processo administrativo.
U - Em 18.12.2014 a Instrutora do Processo Disciplinar subscreveu documento intitulado “Despacho‖, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“1 - A arguida Drª N. requereu oportunamente a inquirição de quinze testemunhas de defesa - cinco a cada um dos “pontos” 37, 38 e 39 do seu articulado de defesa - ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 860 do “EN”.
2 - Em cumprimento do despacho de 10 de Novembro último da ora signatária, foi agendado o início das inquirições, pela forma, nas datas e nos locais constantes dos autos - tendo a Arguida sido notificada quer daquele despacho, quer deste agendamento.
3 - Nesta conformidade, procedeu-se, nos dias 11 e 12 do corrente mês de Dezembro, às seguintes inquirições:
- Drs. M. e A. à matéria do “ponto” 37;
- Drs. M., S. e L., à matéria do “ponto” 38;
- Drs. T., J. e N., à matéria do “ponto” 39.
4 - Atentas: a total credibilidade das testemunhas inquiridas; a forma coerente como prestaram os seus depoimentos (quer apreciados individualmente, quer em conjunto); e a razão de ciência por todos invocada, podemos considerar, desde já, provados os "pontos" sobre que depuseram - ou seja, os dos n.ºs 37, 38 e 39.
5 - Há que ponderar que a mais não pode almejar a defesa. Ou seja: operadas as oito inquirições, vê plenamente atingido o seu objectivo (no que concerne à prova dos referidos "pontos") — nada podendo acrescentar, em seu benefício, a inquirição das restantes sete testemunhas.
6 — Termos em que, ao abrigo do disposto na parte final do n.º 2 do referido artigo 86.º e do n.º 1 do artigo 53.º do “Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas” aprovado pela Lei no 58/2008 de 9 de Setembro (subsidiariamente aplicável a este processo, por força do disposto nos artigos 51.º0 do “EON”, 105.º do “EN” e 6.º da citada Lei), dispensa-se, por se reputar desnecessária para a prova dos indicados "pontos" e por respeito ao princípio geral da economia processual, a inquirição das restantes sete testemunhas arroladas.
7 — Oportunamente será lavrado o “relatório final” previsto na lei. (…)”- cfr. documento n.º 7 junto com a petição inicial e fls. 189 e 190 do processo administrativo.
V - O despacho referido na alínea precedente foi comunicado à Autora por ofício n.º 745, datado de 22.12.2014 - cfr. documento n.º 7 junto com a petição inicial e fls. 191 a 193 do processo administrativo.
W - Em 13.04.2015, a Instrutora do processo disciplinar elaborou relatório final, com o seguinte teor:
“(…) IV
Factos Provados
Ponderados todos os depoimentos, documentos e demais elementos juntos aos autos, bem como a defesa apresentada pela Arguida, é nossa convicção que ficaram provados os seguintes factos constantes da Nota de Culpa:
1 - A Arguida, no exercício da sua actividade notarial, admitiu a intervir como outorgante, em escrituras e actos de outras naturezas por si lavrados, J., neles devidamente identificado.
2 - O mesmo interveio, designadamente, nos seguintes actos, todos lavrados pela Arguida:
f) escritura de doação de 07/12/2011, como doador, sendo donatários J. e M.;
g) Escritura de doação de 29/12/2011, com os mesmos intervenientes da alínea anterior;
h) Termo de autenticação de 11/05/2012, de um contrato de doação subscrito, na mesma data, pelos mesmos outorgantes;
d) Procuração de 29/03/2012, em que constitui seus procuradores, individual e conjuntamente, os referidos J. e N., outorgando-lhes os poderes explicitados nas alíneas a) a l);
e) Testamento de 12/05/2012, em que o J. institui seus herdeiros universais os mesmos J. e N.;
f) Revogação, em 25/06/2012, da procuração supra referida sob a al. d);
g) Revogação, em 06/08/2012, do testamento supra referido sob a al. e)
3 - Correu termos pelo 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia uma acção com vista à interdição do mencionado J., sob o n.º 6049/12.3TBVNG.
4 - A referida acção foi julgada procedente, por provada, e em consequência declarado interdito por anomalia psíquica J., desde 01 de Setembro de 2007, tendo o Tribunal nomeado curadora P. e vogais do conselho de família A. e P..
5 - A sentença aludida baseou-se, sobretudo, na circunstância de o referido J. não se encontrar na posse das suas faculdades intelectuais (por padecer de “demência do tipo Alzheimer”) e de se encontrar, pois, incapacitado para governar a sua pessoa e os seus bens, designadamente, atentos os seguintes factos dados por provados:
- Não sabe dizer a sua data de nascimento;
- Conhece o dinheiro, mas não sabe o seu valor;
- Tem dificuldade em manter-se atento, apresentando um discurso vago e pobre;
- Está desorientado no tempo e no espaço;
- Não compreendeu o alcance do processo, nem a sua presença no tribunal; teve dificuldade em adaptar-se às regras da diligência judicial;
- Não consegue identificar os familiares, desconhecendo os respectivos graus de parentesco;
- Necessita de terceiras pessoas para os cuidados básicos diários, como para o seu banho, escolha da roupa uso da casa-de-banho e para confeccionar as suas refeições.
- cfr. ibidem.
6 - O oficial de justiça do Tribunal de Vila Nova de Gaia lavrou uma "certidão negativa", no dia 10 de Julho de 2012, em que mencionou o seguinte, referindo-se ao citando J., "não levei a efeito a citação ... em virtude de lhe ter feito várias perguntas, tendo o mesmo dito o dia e o mês do nascimento, desconhecendo o ano, conhecendo o dinheiro que lhe foi mostrado (50 cêntimos e 20 euros), dizendo que estamos no Inverno e no mês de Janeiro, não sabendo o dia da semana, tentando explicar-lhe o teor da citação, o mesmo não compreendeu, pelo que não levei a efeito a citação e lavrei a presente certidão. "
7 - Nos últimos actos praticados, em que veio acompanhado pelos queixosos no presente processo, a Arguida teve alguma percepção de que o dito J. estaria pressionado por quem o acompanhava, tendo sentido alguma relutância do mesmo na prática dos actos, mas acabando por os praticar por, alegadamente, corresponderem à sua vontade.
8 - A Arguida detectou o constrangimento em que se encontrava o outorgante no momento da prática dos referidos actos.
10 - A Arguida exerce funções como Notária desde 12 de Janeiro de 2007, tendo iniciado o seu contacto com o Notariado desde o estágio em advocacia em 2002, sempre com um comportamento digno da referida função.
11 - A Arguida praticou todos os actos respeitando a vontade do interveniente, nunca suspeitando que padecesse da doença de Alzheimer, sendo certo que as características da doença permitem que se tenha muitos períodos de perfeita lucidez.
12 - A Arguida exerceu a sua actividade com zelo, nunca tendo sido alvo de uma reclamação antes, nem sequer no livro de reclamações, e sempre compreendeu e cumpriu os deveres inerentes à função que exerce.
Para prova dos factos acimas referidos teve-se em conta, designadamente, na convicção formada, os seguintes elementos de prova:
Os factos 1 e 2 não foram impugnados pela Arguida e resultam inequivocamente dos documentos juntos aos autos a fls. 8 a 35.
Os factos à, 4 e 5 não foram também impugnados pela Arguida e resultam da Sentença cuja cópia se acha junta aos autos a fls. 51 a 57.
O facto 6 resulta do documento junto aos autos a fls. 69.
Os factos 7 e 8 ficaram provados com base nas declarações da própria Arguida de fls. 85, confirmadas posteriormente na íntegra em sede de inquirição no presente processo disciplinar, conforme auto de declarações de fls. 108 dos presentes autos.
Estas declarações foram prestadas pela Arguida de forma livre e voluntária durante a instrução do processo, pelo que se tomaram como certas e genuínas, correspondentes ao que se terá passado na realidade, constituindo uma verdadeira confissão dos factos constantes da nota de culpa.
Por outro lado, a Arguida não logrou, como lhe competia, fazer prova da versão que posteriormente apresentou em sede de defesa, nomeadamente nos pontos 9, 24 e 25 da sua resposta à nota de culpa de fls. 130 a 134, sendo certo que a matéria aí alegada é substancialmente diferente e, como tal, carecia de prova testemunhal que a Arguida não requereu nem produziu, tendo-se limitado a indicar testemunhas para prova dos "factos abonatórios" por si alegados nos artigos 37, 38 e 39 da resposta à nota de culpa.
Os factos 10, 11 e 12, alegados pela Arguida em abono da sua defesa, foram considerados provados atendendo à coerência, credibilidade e razão de ciência com que as testemunhas por si arroladas prestaram o respectivo depoimento, conforme consta de fls. 180 a 188, tendo inclusive motivado a dispensa de inquirição das restantes testemunhas.
Não ficou provado que a Arguida alguma vez se tivesse apercebido do estado de demência do outorgante ou conhecesse ou sequer suspeitasse que o mesmo padecia da doença de Alzheimer. Tal convicção baseou-se na análise conjugada da prova testemunhal e documental constante dos autos, em especial:
- Nos depoimentos da Senhora Dr. S., advogada, e Senhora Dr.ª M., juíza de direito, que assistiram pessoalmente, na qualidade de testemunhas, à celebração do testamento público outorgado em 12 de Maio de 2012 (fls. 81 a 84, 182 e 187 dos autos), e que asseguraram desconhecer que o outorgante fosse portador da doença de Alzheimer e que não suspeitaram que este diminuído ou privado das suas faculdades mentais durante o acto notarial em causa, não havendo motivo para duvidar das declarações prestadas por quem assistiu diretamente aos factos em causa, atenta a credibilidade, razão de ser e ciência invocadas.
- Na circunstância, demonstrada pela Arguida através de documentos cuja junção aos autos requereu, de que o outorgante praticou por si diversos actos notariais noutros cartórios, entre 18 de Fevereiro de 2010 e 1 de Março de 2012, sem que conste que tenha sido detectada pelos Notários desses cartórios a doença de Alzheimer ou diminuição ou privação das suas faculdades mentais (fls. 109 a 124 e 153 a 172).
- Por ser facto público e do conhecimento geral que a doença de Alzheimer, apesar de ser uma doença crónica, degenerativa e sem cura, permite por vezes momentos de lucidez, como bem refere o Ministério Público no despacho de arquivamento do processo n.º 10775/12.9TDPRT, no âmbito do qual a Senhora Notária era também Arguida e que conclui pela inexistência de indícios que pudessem sustentar uma acusação crime contra a Arguida com base nos mesmos factos (despacho de fls. 135 a 145).
Acresce que, conforme resulta de fls. 65, 66, 87 a 101, as testemunhas indicadas pelo participante inquiridas não assistiram ou estiveram presentes nos actos notariais em que "a Arguida teve intervenção e, por isso, não demonstraram ter um conhecimento directo dos factos que foram imputados à Arguida.
Ainda que possam subsistir algumas dúvidas quanto ao verdadeiro estado de lucidez do outorgante motivado pela doença de Alzheimer nos actos notariais ocorridos, atenta a prova carreada para os autos pelo participante (declarações médicas e sentença proferida no processo de interdição), e, consequentemente, dúvidas se a Arguida tinha ou não obrigação de se ter apercebido desse mesmo estado, por força do princípio in dubio pro reu que favorece a Arguida não se pode considerar provado que o outorgante se encontrava à data visivelmente incapacitado por doença para praticar os actos em causa.
Não ficaram também provados quaisquer outros factos alegados pela Arguida em sua defesa com relevância para a decisão do presente processo, sendo que esta apenas produziu prova testemunhal relativamente ao por si alegado nos pontos 37, 38 e 39, matéria que foi considerada provada.
V
Qualificação Jurídica da Infracção
Nos termos do artigo 61.º do Estatuto do Notário, aprovado pelo DL 26/2004, de 4 de Fevereiro, considera-se infracção disciplinar “o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo notário com violação de algum ou alguns dos deveres inerentes ao exercício da fé pública notarial, em especial os consagrados no Estatuto do Notariado e nos regulamentos nele previstos, no Código do Notariado, na tabela de custos dos actos notariais e em qualquer outra disposição reguladora da actividade notarial".
Refere o n.º 2 do artigo 38.º do Estatuto da Ordem dos Notários em vigor, aprovado pela Lei n.º 27/2004, de 4 de Fevereiro, sob a epígrafe «diligência profissional», que "O notário deve estudar com cuidado e tratar com zelo as questões que lhe são solicitadas no exercício das suas funções, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade."
Por sua vez, estipula o n.0 do artigo 4.0 do Estatuto do Notariado que "Compete, em geral, ao notário redigir o instrumento público conforme a vontade dos interessados, a qual deve indagar, interpretar e adequar ao ordenamento jurídico, esclarecendo-os do seu valor e alcance."
O Notário deve ainda, no exercício das suas funções e fora dele, considerar-se um servidor da justiça e do direito, mostrando-se digno da honra e das responsabilidades inerentes, e tem deveres de lealdade e integridade para com os clientes – artigos 35.º e 36.º do Estatuto da Ordem dos Notários.
Não obstante não ter ficado provado que a Arguida conhecia ou deveria ter percepcionado o estado de incapacidade mental do outorgante motivado pela doença de Alzheimer, o certo é que esta reconheceu que nos últimos actos notariais teve alguma percepção de que o dito J. estaria “pressionado” por quem o acompanhava, “tendo sentido alguma relutância do mesmo na prática dos actos” (sic), mas acabando por os praticar por, alegadamente, corresponderem à sua vontade.
Ora, entendemos que a Arguida confessou que detectou o constrangimento em que se encontrava o outorgante, pelo que a vontade que este lhe manifestou em prosseguir com os actos notariais não foi formulada de forma inteiramente livre, antes determinada por influência de terceiros.
A Arguida, revelou ter conhecimento dessa "pressão" ou "influência" e de que o outorgante não queria inicialmente ou tinha "alguma relutância" em praticar os actos notariais, pelo que deveria ter recusado ou pelo menos suspendido a diligência, marcando nova data para momento em que o outorgante não se sentisse constrangido por terceiros.
A conduta da Arguida é, assim, a nosso ver, passível de ser censurada do ponto de vista disciplinar, por revelar má compreensão dos seus deveres funcionais.
A Arguida no exercício das suas funções, ao aceitar praticar os actos notariais nos termos em que se realizaram, actuou com manifesta falta de cuidado e zelo — sem a diligência profissional que deve ser exigida a um notário negligenciando o facto por si constatado de que a vontade do outorgante em praticar os últimos actos notarias estava a ser condicionada ou viciada por influências de terceiros,
O comportamento da Arguida constituiu-se, desta forma em violação culposa do dever de diligência profissional — de tratar com cuidado e zelo os assuntos em que interveio - previsto no artigo 38.º n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Notários, em conjugação com as restantes normas deontológicas supra citadas, revelando má compreensão dos seus deveres funcionais enquanto notária, podendo ser-lhe aplicada em abstracto a pena disciplinar de multa prevista na alínea c) do n 1 do artigo 43.º e artigo 46.º do Estatuto da Ordem dos Notários e alínea b) do artigo 67.º, e alínea b), n.º 1 do artigo 68.º do Estatuto do Notariado.
VI
Gravidade da Infracção e Culpa
Com a sua conduta, a Arguida revelou falta de cuidado e zelo e má compreensão dos seus deveres funcionais, ao ter-se conformado ou convencido que o acto notarial corresponderia à vontade do outorgante apesar de saber ou ter consciência de que essa vontade se encontrava condicionada ou viciada por "pressão de terceiros".
A falta verificada é grave, embora não reiterada, e põe em causa a imagem, o prestígio e a dignidade da Arguida e da função notarial de conferir fé pública aos documentos por si elaborados.
Não ficou demonstrado, no entanto, qualquer dolo consubstanciado em intuito ou propósito de causar prejuízo ao outorgante ou benefício próprio ou de terceiro, o que aliás não constava da nota de culpa.
Há que ter em conta que tais situações são objectivamente graves e não podem ser aceites ou toleradas, na medida em que são dificilmente compreendidas pelo cidadão em comum, dando a ideia de menor rigor, responsabilidade, transparência, confiança e fé pública nos notários, criando a convicção errada de que os actos notariais se destinam a cumprir meras formalidades legais sem atender à vontade livre e consciente dos outorgantes.
VII
Medida e Graduação da Pena
Nos termos do artigo 69.º n.º 1 do Estatuto do Notariado "Na aplicação das penas deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, à sua personalidade, às consequências da infracção e a todas as circunstâncias em que a infracção tiver sido cometida que militem contra ou a seu favor".
Por conseguinte deve ser ponderado a favor da Arguida que não tem antecedentes disciplinares, não consta dos autos que tenha tido reclamações no seu cartório, exerceu sempre a actividade com zelo e de forma considerada digna por todos que com ela contactaram (pontos 10, 11 e 12 dos factos provados).
De acordo com as testemunhas que indicou, é uma notária que revela na sua personalidade ser urna pessoa preocupada com os deveres deontológicos, tendo inclusive recusado actos notariais e procura explicar aos interessados o sentido e alcance dos actos que praticam, revelando competência, estudo e preparação relativamente aos assuntos que lhe são confiados (cfr, inquirições de fls. 180 a 188 dos autos).
Contra a Arguida milita a gravidade objectiva dos factos e a forma como negligenciou a vontade inicial do outorgante e a relutância do mesmo em praticar os actos, dando preferência aos interesses e vontade de terceiros.
A Arguida não beneficia das circunstâncias atenuantes especiais previstas no artigo 70.º n.º 2 do Estatuto do Notariado, pois não exerce a profissão há mais de 10 anos; não confessou em sede de defesa a infracção; não foi sujeita a qualquer ameaça grave; não determinou a sua conduta por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação do utente; não mostrou arrependimento; não decorreu muito tempo desde a prática da infracção e não foi provocada.
Não se vislumbra nos autos qualquer circunstância agravante das previstas no artigo 71.º do Estatuto do Notariado.
A aplicação de urna multa de 500,00 € mostra-se, por tudo quanto ficou dito, adequada e proporcional à gravidade da infracção, grau de culpa da Arguida, antecedentes, personalidade e demais circunstâncias acima referidas que militam contra e a seu favor, sendo suficiente para prevenir a sua reincidência.
VIII
Proposta de Decisão
Tudo visto e ponderado, entende-se como justo, adequado e proporcional, propor a condenação da Arguida N. pela violação culposa do dever de diligência profissional - concretizado no dever de estudar com cuidado e tratar com zelo as questões que lhe são solicitadas no exercício das suas funções, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade previsto no artigo 38.º n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Notários, por ter revelado má compreensão dos seus deveres funcionais enquanto notária, devendo ser-lhe aplicada em concreto a pena disciplinar de multa de 500,00€ (quinhentos euros), prevista na alínea c) do n.º do artigo 43.º e artigo 46.º do Estatuto da Ordem dos Notários e alínea b) do artigo 67.º, e alínea b), n.º 1 do artigo 68.º do Estatuto do Notariado.
A aplicação da pena proposta é, nos termos dos artigos 24.º, n.º 2, alínea q), 28.º, n.º 2, alínea h) e 49.º, alínea c) do Estatuto da Ordem dos Notários, da competência da Direcção da Ordem dos Notários, sob proposta do Conselho Fiscalizador, Disciplinar e Deontológico para o qual se remete nesta data o presente relatório final para deliberação. (…) - cfr. documento n.º 8 junto com a petição inicial e fls. 194 a 210 do processo administrativo.
X - O documento referido na alínea precedente foi aprovado, por unanimidade, em sessão de 13.04.2015 do Conselho Fiscalizador, Disciplinar e Deontológico da Ordem dos Notários - cfr. documento n.º 8 junto com a petição inicial e fls. 210 do processo administrativo.
Y - O documento referido na alínea W) foi aprovado em sessão de 02.07.2015 da Direção da Ordem dos Notários - cfr. documento n.º 8 junto com a petição inicial e fls. 212 do processo administrativo.
Z - O relatório final foi comunicado à Autora por ofício n.º SG/371/NOT/15 Disciplinar - 51/12745, datado de 27.07.2015, cujo aviso de receção se mostra assinado em 29.07.2015 - cfr. documento n.º 8 junto com a petição inicial e fls. 212 a 231 do processo administrativo.
AA - A petição da presente ação foi remetida a juízo 27.10.2015 - cfr. fls. 1 (paginação eletrónica).


2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, a questão essencial a decidir resume-se em determinar se, na situação vertente, a decisão recorrida, ao julgar a presente acção improcedente, assim confirmando a pena disciplinar de multa, no valor de 500,00€, decidida pela Ordem dos Notários, incorreu em erro de julgamento.
*
Importa, porém e antes de mais, referir que ao tribunal de recurso cabe apenas apreciar a bondade da decisão da 1.ª instância, de acordo com as críticas que a parte vencida lhe assevera, em sede de alegações.
Ora, em bom rigor, se das conclusões das alegações – supra transcritas na sua plenitude – não se evidencia qualquer crítica à sentença, em termos concretos, também do corpo das alegações apenas se vislumbra, uma vez mais, a discordância da A./recorrente quanto à pena disciplinar que lhe foi aplicada.
Ainda assim, importa referir que a sentença do TAF de Aveiro exarou completa e suficiente fundamentação para concluir pela improcedência da acção.
Insurge-se a recorrente das consequências tiradas pela instrutora do processo disciplinar e, aceitando a proposta desta, pela Ordem dos Notários, mais precisamente pelo Conselho Fiscalizador, Disciplinar e Deontológico da Ordem, quanto às suas declarações em sede de inquérito disciplinar (fls. 85 do PA) – cfr. al. J) dos factos provados - e depois confirmadas em sede de declarações no processo disciplinar – (fls. 108 do PA) – cfr. al. N) dos factos provados.
Nessas declarações, perante a instrutora do processo, Dr.ª F., a A./recorrente disse:
“…Mais acrescenta que, nos últimos actos praticados, em que veio acompanhado pelos queixosos, teve alguma percepção de que o dito J. estaria pressionado por quem o acompanhava, tendo sentido alguma relutância na prática dos actos, mas acabando por os praticar por, alegadamente, corresponderem à sua vontade”.
Ora, como se refere na sentença, “ … afigura-se que a apreciação da prova carreada para o processo disciplinar, em concreto a confissão da Autora, quanto ao facto de “nos últimos actos praticados, em que veio acompanhado pelos queixosos, teve alguma percepção de que o dito J. estaria “pressionado” por quem o acompanhava, “tendo sentido alguma relutância do mesmo na prática dos actos”, mas acabando por os praticar por alegadamente corresponderem à sua vontade”; “(…) confessou que detectou o constrangimento em que se encontrava o outorgante, pelo que a vontade que este lhe manifestou em prosseguir com os actos notariais não foi formulada de forma inteiramente livre, antes determinada por influência de terceiros” e “revelou ter conhecimento dessa “pressão” ou “influência” e de que o outorgante não queria inicialmente ou tinha “alguma relutância” em praticar os actos notariais, pelo que deveria ter recusado ou pelo menos suspendido a diligência, marcando nova data para momento em que o outorgante não se sentisse constrangido por terceiros.”, realizada pela Instrutora do processo disciplinar e posteriormente aprovada pelo Conselho Fiscalizador, Disciplinar e Deontológico e, posteriormente, pela Direção da Ordem dos Notários não padece de erro grosseiro ou manifesto, precisamente na medida em que se alicerça nas declarações que a própria Autora subscreveu”.
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Não ignoramos a relevância destas declarações no âmbito do processo de inquérito e disciplinar, mas tendo elas sido prestadas de forma livre, por 2 vezes, pela recorrente, não vislumbramos que exista um erro grosseiro no seu aproveitamento e relevância pela entidade competente para exercitar o poder disciplinar.
Deste modo, nenhuma crítica imputamos à sentença recorrida, importando apenas mantê-la na sua integralidade, sem necessidade de aqui a reproduzirmos.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Notifique-se.
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DN.
Porto, 22 de Outubro de 2021

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Conceição Silvestre