Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00506/09.6BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/15/2014
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:ACÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
QUEDA RAMO ÁRVORE VEÍCULO.
MATÉRIA FACTO PROVADA.
Sumário:Resultando da análise pormenorizada, da base instrutória e do despacho de resposta à base instrutória, conjugados com os factos descritos na sentença como resultando da matéria assente, evidente omissão de factos dados como provados e a alteração de outros, importa que o TAF, em primeira linha, enumere com correcção e verdade, toda e só a factualidade dada como provada e só depois faça a análise jurídica que houver por conveniente.*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:OMCF...
Recorrido 1:Estradas de Portugal, SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:
I
RELATÓRIO
1. OMCF..., identif. nos autos, inconformado, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TAF de Aveiro, datada de 30 de Abril de 2013, que julgou improcedente a acção administrativa comum, sob forma sumária, interposta contra a "ESTRADAS de PORTUGAL, SA", onde peticionava a condenação da Ré/Recorrida no pagamento da quantia de € 8.000,00 - valor referente a danos patrimoniais e não patrimoniais - acrescida dos respectivos juros de mora, contados à taxa legal, devidos desde a citação até efectivo e integral pagamento.
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2. O recorrente formulou, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
"1 - A sentença que antecede aplica o RRCEE sendo certo que o acidente a que se reportam os autos ocorreu em 2006 e a Lei que aprovou aquele diploma entrou em vigor a 30 de Janeiro de 2008, não tendo por via disso aplicação ao caso dos autos.
2 - Ficou provado que a viatura do A. foi atingida por uma árvore propriedade da R., sendo certo que era a R. que tinha de provar que a R. cumpriu com o dever de zelo que lhe incumbia.
3 - A presunção legal que decorre do art.º 493.º n.º 1 do C.C. obriga a R. a provar que aquele facto não se deveu a culpa sua, bastando ao A. alegar, como fez o facto gerador de responsabilidade.
4 - Para ser ilidida tal presunção terá a Administração que demonstrar que os seus agentes cumpriram o dever de fiscalizar, de forma sistemática e adequada, a coisa móvel ou imóvel, à sua guarda, ou que o evento danoso se ficou a dever a caso fortuito ou de força maior, sendo certo que,
5 - No caso dos autos, a R. alegou que os intensos golpes de calor terão desencadeado o processo de fratura, no entanto, a R. não provou que no dia do sinistro ou nos anteriores se verificaram condições climatéricas anormais, ou seja, a R. não demonstrou que existiram circunstâncias excecionais que afastassem a sua responsabilidade na eclosão do sinistro, pelo que, não se conseguindo determinar a causa da queda do ramo é contra a R. que a falta de prova deve operar, devendo em consequência nesta parte ser revogada a sentença recorrida, ou seja, terá de recair sobre a R. a obrigação de indemnizar o A. porquanto sobre si recai a presunção da ocorrência de facto ilícito por omissão dos deveres de vigilância.
6 - Quanto à matéria de facto dada como não provada a sentença recorrida uma vez mais erra ao não dar como provado que uma viatura parada quase 7 anos necessite de inspeções especiais para poder circular. Com efeito,
7 - Independentemente da prova testemunhal trazida aos autos, certo é que as inspeções periódicas são obrigatórias, sendo certo que, também são obrigatórias inspeções excecionais em caso de sinistro. Ora,
8 - Decorrendo essa obrigatoriedade da Lei forçoso seria concluir que o facto 20. da base instrutória terá de dar-se por provado.
9 - Termos em que, deverá a sentença que antecede ser revogada e substituída por outra que, dando cabal cumprimento às normas violadas condene a R. a indemnizar o A. pelos prejuízos sofridos e dados como provados, assim se fazendo a tão costumada".
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3. Notificadas as alegações, veio a recorrida "Estradas de Portugal, SA" apresentar contra alegações, elencando, no seu final, as seguintes conclusões:
"1. O A./recorrente demandou a R./recorrida, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.
2. O Autor fazia-se circular num veículo, na EN 1, sentido Sul Norte, tendo sofrido um acidente de viação, em resultado da queda da copa de um eucalipto.
3. Os serviços da Delegação Regional de Aveiro, órgão descentralizado da recorrida, vigiam aturada e constantemente as condições de circulação na EN 1.
4. Os técnicos de conservação adstritos à Delegação Regional de Aveiro, passam com regularidade naquela via.
5. Da matéria provada, resulta que a árvore não evidenciava qualquer sinal de decrepitude ou doença, pelo contrário a árvore em apreço encontrava-se viçosa e em bom estado vegetativo, nada fazendo supor a sua queda.
6. Provou-se que em face da verificação deste acidente, foi solicitado ao Gabinete do Ambiente da recorrida, uma vistoria à árvore em questão, tendo-se o Gabinete do Ambiente, pronunciado, através da CS n.º 2544/2006/GAMB, de onde se retiram as seguintes conclusões:
“… Da observação efectuada no local e por consulta do histórico fotográfico exibido, a fractura do ramo não se terá ficado a dever a podridão ou a qualquer outra causa de ordem sanitária causadora do enfraquecimento, mas presumivelmente a sucessivos e intensos golpes de calor, ocorridos na altura, que terão desencadeado um processo mecânico de fractura …”
7. A matéria dada como provada permite concluir que não se mostram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual com a consequentemente obrigação de indemnizar.
8. Face à prova produzida, pode concluir-se, que a Ré/recorrida cumpriu o dever de vigilância, que sobre si lhe impendia.
9. No âmbito dos poderes que competem à EP – Estradas de Portugal, S.A., determinados pelo Decreto-Lei n.º 374/2007, de 7 de Novembro, foi zelada a manutenção e conservação das condições das infraestruturas rodoviária sob a sua jurisdição, a EN 1.
10. A factualidade provada aponta toda ela no sentido de a Ré/recorrida ter adotado medidas concretas no sentido de evitar o dano ocorrido, no que respeita ao cumprimento do dever de vigilância relativamente à manutenção e conservação da árvore, cuja copa caiu, ou seja, o acidente ocorreu não só independentemente deste cumprimento, mas tão somente por causas fortuitas e imprevisíveis.
11. De facto, está provado que a recorrida cumpriu todos os deveres que lhe eram imputados, desde logo, e no ano de 2006 elaborou uma listagem contendo o levantamento, em todas as estradas na sua jurisdição, de todas as árvores que constituíam perigo para a via e nessa listagem não constava a árvore – eucalipto, cuja ramada caiu,
12. Nada há a apontar à conduta da Ré/recorrida, no que aos cuidados de conservação, guarda e vigilância das árvores diz respeito e que só por circunstâncias anómalas o acidente em apreço terá ocorrido.
13. De igual forma no âmbito da fiscalização levada a cabo pela ex- Direcção de Estradas de Aveiro, não foi detectada qualquer situação de perigosidade relativamente às árvores que ladeavam a EN 1.
14. A douta sentença recorrida cumpriu a lei, devendo-se, por isso, ser mantida".
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4. O Digno Procurador Geral Adjunto, neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, não se pronunciou.
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5. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, ns. 3 a 5 e 639.º, todos do Código de Processo Civil - Lei 41/2013, de 26/6- art.º 5.º, n.º 1 - “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados concretamente na sentença recorrida:
1. O autor é proprietário do veículo automóvel com a matrícula 00-00-IT.
2. No dia 29 de Agosto de 2006, pelas 9h20, o veículo com a matrícula 00-00-IT seguia na Estrada Nacional n.º 1, KM 239,200, no concelho de Águeda, sentido de Albergaria-a-Velha - Facto Provado por documento, a fls. 15 e segs. dos autos.
3. Por carta datada de 14 de Março de 2008 da Direcção de Estradas de Aveiro, dirigida ao autor, este foi informado de que aquela “...não aceitava qualquer responsabilidade relativamente aos factos invocados e que alegadamente terão originado o acidente...” - Facto Provado por documento, a fls. 42 e segs. dos autos.
4. O condutor do veículo com a matrícula 00-00-IT estava a fazer uma ultrapassagem ao veículo pesado com a matrícula 00-00-TI quando foram atingidos por um ramo de um eucalipto.
5. O eucalipto de onde caiu o ramo sobre a viatura com a matrícula 00-00-IT era propriedade das Estradas de Portugal, SA.
6. O ramo da árvore precipitou-se para a via, atingindo as viaturas com a matrícula 00-00-TI e 00-00-IT, sem os autores o poderem evitar.
7. Nos dias 27 e 28 de Agosto de 2006, “... o céu apresentava-se limpo, o vento era fraco (...) e a intensidade máxima instantânea do vento atingiu pontualmente valores na ordem dos 50 a 60 Km/hora...” - Facto Provado por documento, a fls. 69 dos autos.
8. No dia 29 de Agosto de 2006, o tempo era bom - Facto Provado por documento, a fls. 16 dos autos.
9. A viatura com a matrícula 00-00-IT sofreu danos com a queda do ramo da árvore, constantes do documento a fls. 40 a 41 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido e cujo valor total é de € 1.704,24.
10. A viatura com a matrícula 00-00-IT ficou imobilizada até que as Estradas de Portugal SA procedessem à sua reparação.
11. A viatura com a matrícula 00-00-IT não pôde circular desde a data do acidente, por não ter sido reparada e não poder passar nas inspecções obrigatórias.
12. Todos os anos é elaborado o reconhecimento e levantamento, em todas as estradas sob a jurisdição da Direcção Distrital de Aveiro, de todas as árvores que constituem perigo para a via.
13. No ano de 2006, foi feito o reconhecimento e levantamento, em todas as estradas sob a jurisdição da Direcção Distrital de Aveiro, de todas as árvores que constituem perigo para a via e a árvore que caiu não se encontrava na listagem.
14. Em 27 de Dezembro de 2006, é subscrito documento timbrado das Estradas de Portugal EPE pela directora do Gabinete de Ambiente, onde consta “... o eucalipto que se encontrava radicado no talude do IC 2 ao Km 239,200 e que, devido à queda de uma pernada (...) Da observação efectuada no local e por consulta do histórico fotográfico exibido a fractura do ramo não se terá ficado a dever a podridão ou a qualquer outra causa de ordem sanitária causadora de enfraquecimento, mas presumivelmente a sucessivos e intensos golpes de calor, ocorridos na altura, que terão desencadeado um processo mecânico de fractura...” - Facto Provado por documento, a fls. 39 dos autos.
15. A árvore em causa encontrava-se viçosa e em bom estado vegetativo.
16. Os técnicos de conservação da Direcção Regional de Aveiro vigiam semanalmente as condições de circulação da EN n.º 1.
17. Os danos sofridos pela viatura não a impediram de circular.
2. MATÉRIA de DIREITO
Analisados os autos na sua globalidade e, em especial, as alegações da recorrente, contra alegações - supra transcritas nas respectivas conclusões - e a sentença recorrida - o cerne do presente recurso pode objectivar-se na análise dos seguintes itens:
- 2 - 1 - erro de julgamento da matéria de facto e,
- 2 - 2 - erro de julgamento de direito.
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2 - 1 - Quanto ao julgamento da matéria de facto.
Nesta parte, o recorrente questiona o facto de não ter sido dada como provada a factualidade constante do artigo 20.º da base instrutória, onde se questionava se "Encontrando-se o veículo objecto dos presentes autos parado desde a data do sinistro tal obrigará a revisões especiais, inspecção, e toda uma série de despesas que não existiriam não fosse o sinistro ocorrido".
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Embora a apreciação desta factualidade apenas releve em sede de apuramento de contabilização de danos, se se concluir pela verificação de outros co-requisitos cumulativos necessários e pertinentes para o apuramento da responsabilidade civil extracontratual da Estradas de Portugal, SA, o certo é que a apreciação desta concreta questão fáctica se mostra reflectida noutras respostas dadas pelo TAF de Aveiro, em sede respostas aos artigos da base instrutória, mas que a materialidade fáctica positivada na sentença e supra transcrita - como desta consta - altera ou omite.
Ou seja, a apreciação da (in) correcção desta decisão judicial fáctica - art.º 20.º da base instrutória - tem se ser conjugada com toda a factualidade provada e respondida pelo TAF, depois da audiência de discussão e julgamento, mas que, indevidamente, foi omitida em sede de sentença.
Referimo-nos, por exemplo, ao art.º 19.º da base instrutória, que apesar de ter obtido resposta positiva, não encontra eco na factualidade dada como provada na sentença. O mesmo se diga, em relação ao art.º 13.º da base instrutória, que não se consigna, tal como provado, no ponto 9 dos factos dados como provados na sentença.
Ou seja, da análise pormenorizada, por um lado, da base instrutória, elaborada em sede de despacho saneador - cfr. fls. 132 a 136 dos autos - e das concretas questões aí colocadas e, por outro, do despacho de resposta à base instrutória - cfr. fls. 194 a 200 - conjugados com os factos descritos na sentença como resultando da matéria assente - três alíneas, correspondentes aos pontos 1 a 3 dos factos provados - e da resposta aos artigos da base instrutória, resulta evidente a omissão de factos dados como provados e a alteração de outros que importa que o TAF, em primeira linha, enumere com correcção e verdade, toda e só a factualidade dada como provada e só depois faça a análise jurídica que houver por conveniente.
Só com base numa factualidade formalmente verdadeira (no sentido de corresponder às respostas dadas e justificadas pelo tribunal, após a audiência de discussão e julgamento) poderão as partes reagir, quer impugnado a materialidade fáctica consignada na sentença, quer a posterior e consequente análise jurídica, se assim o entenderem.
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Acresce que além do que se referiu acerca da "impugnação" da resposta ao art.º 20.º da base instrutória, muitos outros pontos da matéria de facto quesitada, em sede de base instrutória e objecto de resposta em sede de "resposta à base instrutória" foram alterados ou omitidos e que importaram alegação do recorrente desconforme o que se deu como formalmente provado.

Por exemplo, em que ponto dos factos provados se reproduz o art.º 8.º da base instrutória, que foi dado como provado?
E os arts. 10.º e 15.º da base instrutória ??
Porque se deu como provado que, no dia 29 de Agosto de 2006 - data do acidente - "o tempo era bom" - ponto 8 dos factos provados - se, apesar de ser essa a concreta questão - art.º 9.º da base instrutória - se obteve a resposta de que o "tempo era quente", com base no facto de todas as testemunhas arroladas, quer as do autor, como as da ré terem afirmado ter-se tratado de um mês (Agosto) de um ano (2006) muito quente, como consta efectivamente da resposta a esse artigo da base instrutória ?
Mais!
Onde consta a factualidade dada como provada na resposta ao art.º 32.º da base instrutória, referente às condições climatéricas anormais, como temperatura elevada, onde se deu como provado "Que no mês de Agosto de 2006 estava muito calor ..."?
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Perante esta insólita inconsideração/alteração de factos dados como provados, impõe-se que o TAF de Aveiro, reconsidere e, em prol da realidade, neste caso formal, reproduza, como toda a fidelidade, a matéria de facto provada e só depois efective a análise em termos jurídicos, pese embora possa concluir, como o efectivou na sentença recorrida, sendo certo que a este TCA-N, como tribunal de recurso, salvo em situações excepcionais (ns. 2 e 4 do art.º 150.º do CPTA), compete conhecer, em última instância, da correcção da decisão da 1.ª instância, quanto à matéria de facto, mas tendo por pressuposto assumido uma factualidade correctamente fixada, de acordo com o que, no momento próprio, a juíza de 1.ª instância deu como provado.
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Ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos, impõe-se, assim, a baixa dos autos, ao TAF de Aveiro para os fins acima referidos, não se condenando as partes em custas, porque o erro, que motiva a baixa dos autos à 1.ª instância, não lhes é imputável.
III
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, para os fins supra referidos.
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Sem custas.
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Notifique-se.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art.º 131.º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil, “ex vi” do art.º 1.º do CPTA).
Porto, 15 de Maio de 2014
Ass.: Antero Pires Salvador
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Isabel Soeiro